O Amigo Invisível escrita por Jena_Swan


Capítulo 3
Capítulo 3




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A primeira coisa que aprendi é que o Peregrino é um serial killer. A segunda é que o pessoal tem muito medo dele. A terceira é que ninguém sabe quem ele é.

A saga do Peregrino começou na Rússia, há mais ou menos um ano e meio ou dois anos, com uma jovem chamada - ironicamente acredito - Anja. Anja Rusakova. Ela foi encontrada morta numa estrada há alguns quilômetros de Moscou. As buscas foram dificultadas pelo clima e o corpo fora oculto por camadas e mais camadas de neve. A demora dificultou em localizar o assassino e o caso só seria devidamente estudado com o passar dos meses quando o assassino fizesse novas vítimas.

Quatro meses depois, em Londres, Elizabeth Massier, foi encontrada morta em um lago, numa região rural. Poucas semanas depois encontraram o corpo Jude Frazer numa estrada de Yorkshire. Até então o caso isolado da Rússia não havia sido ligado ao das jovens inglesas, mas como a notícia se espalhou - com o terror já começando a rondar - alguém da Rússia deve ter lido a notícia e ficado curioso, afinal Anja Rusakova, Elizabeth Massier e Jude Frazer tinham várias coisas em comuns; como as estradas pouco movimentadas onde os corpos foram deixados, pulsos e tornozelos amarrados com arame liso, marcas semelhantes pelo corpo causadas pela força das mãos do agressor, a cor dos cabelos e aquela que estava se tornando a assinatura do assassino: Uma única facada no peito, precisa e derradeira.

Mas enquanto o pessoal da Rússia e da Inglaterra chegava a um acordo, o Peregrino já havia viajado para outros locais e dois meses depois estava na França, onde a infeliz Gabrielle teve o azar de cruzar seu caminho, tendo o mesmo tratamento final.

Esteticamente falando o Peregrino não gostava de sujeita - foi uma anotação que fiz em meu caderno - ele não desmembrava, nem mutilava ninguém. O sangue só vinha da única facada no peito (e devemos admitir que ele devia ser firme, forte e precisamente frio), de modo que suas vítimas, todas muito bonitas, permaneciam belas...na medida do possível. Não sei se me entendem, mas na maioria dos casos de assassinato as vítimas terminam em...bem, picadinhos. Nesse aspecto o Peregrino não me parecia tão devastador e agressivo, mas estes eram meus pensamentos.

De Paris ele foi a Veneza e encontrou Bianca e por algum motivo, três meses depois - ele não era muito pontual - fez uma vítima no Japão, Maiko, uma jovem de Tóquio que sonhava ser fotógrafa. O pessoal demorou muito tempo, enlouquecido como estava na Europa, para voltar o olhar para a japonesa de modo que quando ouviram falar dela o Peregrino já estava na Hungria, em Budapeste, conhecendo Irén, uma garçonete.

Neste ponto fiz uma pausa na leitura. O Peregrino me parecia apenas um cara com muito dinheiro dando voltas por aí aleatoriamente. Rússia, Inglaterra, França, Itália, Japão, Hungria... qual a ordem disso?! Para mim ele estava numa viagem de férias caçando. E a coisa só piorava! Depois de Irén ele voltou a Moscou! Dessa vez a vítima foi Katrina e dois meses depois ele estava de volta a Itália, em Verona, com Manuella (Oi, alguém precisa fazer um roteiro de viagem...). Ele terminou a temporada de caça com Paola e Iolanda, as duas em um espaço de trinta dias, a primeira em Lisboa e a segunda em Madrid. Depois disso sumiu por quatro meses, encerrando o pacote turístico pela Europa (acredito eu) com Portugal e Espanha. Muito charmoso.

E sofisticado.

Não sei se tinha algum planejamento nas viagens, mas o roteiro caótico ajudou muito a manter as autoridades longe dele e enquanto os investigadores corriam atrás do próprio rabo na Europa, quatro meses depois, o Peregrino deu olá aos Estados Unidos e em trinta dias foi de Los Angeles (Helen), a Montana (Linda - é o nome da garota, ok?) e Nova York (Annie) e então... tinha chegado ao Brasil.

No começo do mês passado ele estava no Rio de Janeiro, curtindo os últimos minutos de vida de Alana, uma surfista, e poucas semanas atrás tinha dado as caras em São Paulo e conhecido Paula.

Precisei ler tudo isso para recordar de algumas chamadas que vi na TV, mas todas ligadas a Europa e acho que acompanhei a notícia sobre NY, mas que ele estava no Brasil era novidade!

Devíamos nos sentir honrados?

Todo caso, o Peregrino (e acho que já ficou claro o porque dele ser chamado assim), estava a solta e a qualquer momento poderia aparecer e fazer uma nova vítima, tanto aqui quanto em qualquer outro lugar do mundo.

Muito bem.

O que eu deveria escrever sobre isso? Porque, francamente, não sou repórter nem investigador, tudo o que sei sobre assassinatos vem de CSI, Dexter e algumas outras produções Hollywoodianas. Quer dizer... O que eu poderia escrever sobre o caso?! Não faço ideia de como os investigadores fazem para traçar perfis, seguir pistas, trocar informações mínimas com todos os outros países envolvidos nessa caçada - e nesse momento eu não posso deixar de imaginar um investigador da Scotland Yard ligando para um investigador japonês enquanto os dois discutem a posição da moita de amoras que fazia parte da paisagem na cena das assassinadas, porque deve ter algo em comum e logicamente relacionado a preferência do assassino. Oi? EU-NÃO-SEI-NADA-SOBRE-INVESTIGAÇÕES!- Certo, Lucca, menos surto, mais foco.

Encarei por uns bons minutos meu notebook e as fotos das loiras platinadas - porque é assim que as vítimas do Peregrino ficaram conhecidas, como o caso "das loiras platinadas" - e não tive nenhuma luz de inspiração com um coral de anjos (ou pombos) cantando para minha genial ideia.

Eu estaria ferrado pelos próximos meses. Mas teria que começar em algum lugar... de alguma forma.

Sendo assim, mãos a obra. Vesti meus jeans escuros e a camiseta vermelha que, segundo os pensamentos de três a cada três moças que topam comigo na rua, realçam o contraste entre a pele clara e os cabelos pretos.

E acredito que seja por conta desses pensamentos femininos de auto avaliação que acabo absorvendo todos os dias que Nicole continue me achando gay! (Também não ajuda o fato de eu poder conversar com qualquer garota sobre esmaltes, xampus e cosméticos em geral apenas lendo seus pensamentos. Eu devia parar com isso, mas não consigo. É compulsivo. É como estar vendo a resposta certa da prova na carteira do vizinho, por mais que você não queria colar... você está vendo a maldita resposta!).

Peguei minha mochila, meu celular e o caderno de anotações e decidi dar uma passada na sede da revista, e, se possível, procurar o Caio e pedir algum tipo de orientação.

Minha jornada até a portaria é sempre cheia de curiosidades, fofocas, notícias e outros tipos de informações úteis e inúteis. Posso ouvir os pensamentos ecoando através das portas fechadas enquanto espero o elevador.

Ai, será que ele vem?- pensa a filha da vizinha de cima.

Meu Deus, mais contas!- A vizinha de baixo.

Ele me demitiu?! Ainda não acredito nisso...- O marido que mora na frente.

Demitido! Palhaço, sabia que ia fazer alguma coisa errada... incompetente!– a mulher dele.

Mano, seria irado se um meteoro caísse A-GO-RA!- O filho deles, completamente alienado. Sempre.

Minha unha lascou :( - A filha deles viciada em internet.

Piranha - A amiga dela que está no quarto dela com ela.

Solta o som!!!!!!- Cleber, meu vizinho irado.

O elevador para, uma morena está lá dentro.

– Oi, tudo bem?

– Tudo bem.

Meu Deus como ele é gostoso. E essa camiseta vermelha...

Viram só?

Uma menina também entra no elevador, com fones de ouvido e tudo o que ouço vindo dela é: baby, baby, baby...

Ela nos ignora.

A morena sorri pra mim. De novo.

Será que tenho chance?

A menina começar a bater o pé no ritmo da música.

Baby,baby,baby...

Ela pensa que pensa.

Na saída do prédio encontro com o amigo de um dos vizinhos. Ele estava pensando (antes de me ver): Ai, ai, ai será que vai chover? Não peguei guarda-chuva, droga! , e depois quando me vê: Ui, oi gato! De vermelho fica de ma-tar!

Atualizando: três a cada três mulheres me acham atraente de vermelho, um a cada muitos homens também.

E assim sigo para a revista.

Lucca!

O pensamento é tão forte, alto e familiar que quase pensei se tratar de um chamado em voz alta. É tão forte e direto que me viro a procura do dono dessa voz mental, ao mesmo tempo tão familiar e desconhecida. Não me lembro de tê-la ouvido em meus pensamentos antes...

Eu me viro na calçada. Não consigo vê-lo, mas posso me ver em seus pensamentos: Um rapaz magro, de cabelos escuros caindo sobre os olhos (eu sei, tenho que cortá-los, mas andei vendo Death Note demais e gostei do penteado do L), franzindo a testa por causa da claridade, procurando por alguém. Então ele assobia, um som alto e curto e eu o reconheço. Agora que meus olhos sabem quem procurar fica mais fácil localizá-lo.

Fazia anos que eu não o via. A última vez estávamos dentro de um carro, ele a toda velocidade, bradando incoerências. Eu, tentando entendê-las. Foi na noite do acidente, a noite em que acredito ter começado a ler pensamentos.

Mas eu nunca li os dele, porque fiquei internado e parcialmente enlouquecido com meus novos poderes. Meio traumatizado talvez e ele também, pelo que me contaram. Fugiu da cidade, do país antes que voltássemos a nos encontrar. Virou um andarilho, assumiu alguns negócios do pai... Seguimos caminhos diferentes.

E aqui estava ele.

Ian.

Em seus pensamentos, que eu não pude evitar ler, ele parecia feliz em me ver. Um pouco ansioso, apreensivo. Tinha medo de que eu acabasse culpando-o pelo acidente, sabia que eu estava bem mas temia que algo mais tivesse acontecido já que eu nunca mais o procurei. E era verdade, fiquei com medo de encontrar Ian agora que podia ler pensamentos porque...Não sei, me pareceu muito íntimo, afinal, ele tinha sido o despertar do meu "dom". Mas ele tinha decidido me procurar, estava com saudades, estava ansioso para retomar a velha amizade. Precisava me contar alguma coisa.

Alguma coisa que só se conta para alguém que é quase um irmão.

Independente de quanto tempo tenha se passado.

Ian me parecia muito bem e eu me senti mais Nerd do que nunca enquanto o observava se aproximar, captando cada pensamento dele, sentindo a apreensão desse reencontro e dessa grande coisa que ele queria me contar.

O sorriso continuava o mesmo, o cabelo loiro um pouco mais curto do que no passado, porém sempre chegando a cobrir a ponta das orelhas (como ele mesmo dizia, as mulheres piram verdadeiramente quando a "ponta (do cabelo) passa"). Os óculos de sol não me permitiam ver seus olhos, mas eu conseguia imaginá-los, azuis e eufóricos. O estilo motoqueiro combinava com ele e fazia com que parecesse mais velho, a jaqueta de couro era algo tão "Ian" que me fez rir. Eu não poderia esperar outra coisa dele.

E então estávamos frente a frente.

– Lucca! - ele verbalizou enquanto milhares de flashes de momentos passados comigo vibravam em seu cérebro, até mesmo cenas do acidente. Depois vi cenas das coisas que ele queria me contar; uma tatuagem de tigre nas costas, no estilo japonês, uma moça japonesa de óculos, cabelos descoloridos, tirando fotos dele. O pôr do sol visto da janela de um trem; uma moça loira bebericando de uma taça - hmm ele continuava o mesmo conquistador - outra moça loira passeando na neve, pegando floquinhos e rindo, jogando bolas de neve nele; mais uma e então outra... e outra... uma surfista loira de sorriso estonteante... os pensamentos dele começaram a ficar agitados, as moças sumiram, substituídas por sangue, por últimos olhares aterrorizados, daqueles que jamais se esquece, que grudam na alma e nunca mais te libertam. Eles fizeram meus pelos se arrepiarem. Ian ainda não tinha falado uma única palavra, mas eu já sabia. Os papeis na minha mochila de repente pesados como chumbo.

O Peregrino havia chegado.


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