O Amigo Invisível escrita por Jena_Swan


Capítulo 5
Capítulo 5




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/605213/chapter/5

Entre copos, pratos cheios e vazios, risadas, conversa jogada fora, seria fácil esquecer que o rapaz loiro, com encantadores olhos azuis e um charme todo próprio era o Peregrino - e por estes mesmos motivos eu agora via o quão fácil foi fazer com que suas vítimas se deixassem encantar por ele.

Até eu estava encantado por Ian!

O estilo adquirido fora do país, um jeito de quem pertence a algum lugar a mais, diferente, um modo de ver as coisas e se portar diante delas que mostrava o conhecimento de alguém que já rodara por muitas partes desse mundo grande e "sem porteira", tornava Ian algo irresistível. Era gostoso ouvir sua opinião sobre os mais variados assuntos. Ele sempre fora um garoto inteligente e era geralmente quem nos passava cola nas provas, mas agora parecia mais sábio e realmente dominava as coisas que dizia, tanto em pensamento quanto em fala. Tinha se tornado um homem importante e imponente.

E assassino.

Mas quando abria a boca isso quase deixava de ser relevante.

Devo confessar que me manter atento ao fato de que ele não era apenas essa camada de conhecimento e charme, mas sim algo bem mais profundo e obscuro, estava me custando bastante energia e atenção, pois a todo momento eu me pegava esquecendo quem realmente era Ian.

– Eu não acredito que você esteve em Moscou! - Túlio bateu na mesa, com seu jeito nada discreto. Ian sorriu de leve, bebericando seu suco.

– É um lugar gelado, não se empolgue tanto - respondeu com calma e eu pude vislumbrar vários pontos de Moscou, de telhados coloridos cobertos de neve, como um conto de fadas.

– E as garotas também?

Eu engasguei. Ian engoliu com facilidade e deu uma risadinha.

– Depende de como você as deixar.

Ele piscou e ambos caíram numa risada cheia de malícia. Tentei focar meus pensamentos na mesa ao lado, onde uma menininha tinha divertidos pensamentos sobre filhotes de cães, mas infelizmente minha curiosidade era maior e acabei visualizando um corpo na neve, bem frio. O rosto de Ian não deixava nada transparecer.

– É por isso que você está solteiro - Hugo repreendeu de seu canto, todo emburrado. Estava assumindo a perfeita forma da dona de casa, fiel ao casamento e absolutamente monogâmico. Até seus pensamentos eram tediosos. Se eu não soubesse de sua própria cabeça, teria achado que Isabela - sua esposa - o havia castrado.

– Estou bastante feliz com isso - Túlio deu de ombros.

Tales, que até então se mantinha debruçado sobre o prato, ergueu os olhos e mirou Ian. Não gostei do rumo que seus pensamentos tomaram, de repente saindo de uma receita de peixe grelhado para Moscou, mas foi tão abrupto que não tive tempo de falar outra coisa antes dele.

– Falando em Moscou, já que você esteve lá e por toda a Europa, me diga: como está repercutindo esse caso do Peregrino, Ian?

Meu coração deve ter ido parar em algum lugar na ponta dos pés.

Ian mirou Tales com um desinteresse quase profissional, mas seus pensamentos tornaram-se subitamente obscuros, sombrios, como fantasmas se escondendo em casas mal assombradas. Se é que entendem minha metáfora... Não eram pensamentos concretos, apenas uma sensação de vigília, alerta, seguida de uma vozinha séria que sussurra "perigo" e que pode muito bem sussurrar qualquer tipo de conselho.

Incluindo: melhor matá-lo antes que fale demais.

– Interesse profissional ou só curiosidade leiga? - Ian arqueou apenas uma sobrancelha, dando a entender que dependendo do tipo de curiosidade que o outro tivesse suas respostas poderiam mudar.

Tales se afastou do prato e cruzou os braços encarnando o perfeito policial de filme. Eu quase esperei uma troca de tiros, uma confissão e uma ordem de prisão. Não nessa ordem.

Mas os pensamentos de Tales não passaram em nenhum momento sob a possibilidade de Ian ser o Peregrino, o que é compreensível.

Quem pensaria que seu amigo de infância pode ser um serial killer?

– Bom... - Tales se remexeu na cadeira - na verdade nós vamos começar a investigar o caso agora que chegou ao Brasil, mas as informações da Europa estão chegando picadas, cheia de contradição. Parece até que esses caras não conversam entre si! - ele abriu os braços exasperado - mas você esteve por lá, deve saber de alguma coisa, mesmo que seja só fofoca...

Ian brincou com o copo.

Pesquei em seus pensamentos uma pontada de orgulho. De que?

– As informações são truncadas mesmo, a polícia de Moscou e de Londres não se entenderam muito bem, parece que alguma coisa sempre atrapalha.

Eu sempre atrapalho.

Ah era disso que ele estava orgulhoso.

– Tipo o que?

– Cartas pelo que eu ouvi falar, mas a mídia não divulgou ainda. Nem sei se vai.

– O Peregrino mandou cartas para a polícia? - perguntei exasperado, sem me controlar. Sim, mandei - por que? - porque era divertido. Fui ouvindo cada uma das respostas mentais e emendando outra pergunta atrás da primeira, sem lembrar que, na verdade, Ian ainda não as tinha respondido tecnicamente - e por que a mídia não divulgou?

Uma pena não é?

– A população parece que fica meio em polvorosa quando o assassino se comunica, é compreensível que por enquanto as coisas fiquem em sigilo. Ajuda na investigação, ainda mais num caso como esse com poucas coisas descobertas - Túlio explicou prontamente - mas me admira muito que você saiba delas, Ian.

Touché.

Ele estalou a língua.

– A moça que morreu em Moscou era prima de uma funcionária da minha empresa. Mexi uns pausinhos por ela, ficou desolada quando a prima morreu.

E ele se sentiu culpado, por alguns segundos, por tê-la matado, então pagou para ter informações (o que também seria útil para saber se seria descoberto ou não), escreveu cartas que confundiam a polícia e a fazia entrar em conflito e partiu para a próxima vítima. Captei isso tudo num flashe.

– As empresas Thar não foram citadas em nenhum momento no caso do Peregrino.

– Nem tinha porque. O único vínculo era a prima.

– Eu acho que esse cara devia ter sido pego nos EUA e colocado na cadeira elétrica - Hugo resmungou mexendo nervosamente em seu café (ele sempre termina as refeições primeiro).

– Boa pergunta, onde ele vai ser julgado, se for pego? - perguntei.

– Depende... ele matou muita gente, mas a nacionalidade vai pesar bastante.

– Tomara que seja Americano. Ou de um desses lugares em que eles fuzilam esse tipo de gente...

Ian e eu apenas encaramos Hugo. Eu, horrorizado, Ian levemente curioso, quase debochado.

– Você agora é essa pilha de nervosa ambulante, é? - perguntou dando um cutucão nele.

– Xi, você não viu nada... - Túlio gargalhou. Hugo fuzilou-o com o olhar em resposta.

Se vocês estivessem prestes a ser pais, também estariam assim!

– Isabela está grávida? - eu juro que não consegui me conter.

Hugo esbugalhou os olhos.

– Como você adivinhou?!

E eis que o assunto Peregrino estava acabado, como em qualquer roda de amigos em que os assuntos vão passando sem se prenderem a nada. A bola da vez era Hugo e ele era mais importante que o Peregrino, ainda que apenas eu pudesse ver a ironia da vida enquanto o próprio o felicitava pela paternidade.

– Não é certeza ainda, mas hoje faremos o exame - ele comentou meio vermelho, meio encabulado, meio eufórico.

Bastante apavorado.

– Estou dando tanto na cara assim?

– Eu achei que sim - dei de ombros.

– Lucca é um cara de visão!

– Muita! - Tales assentiu - e que vis...UAU! - ele baixou o tom de forma conspiratória - todos que não forem casados, visualizem a esquerda o avião que está entrando no restaurante. Você não Hugo!

Nós rimos e olhamos involuntariamente para este pobre ser do sexo feminino que estava prestes a ser nosso alvo. Pelos pensamentos de Tales eu já podia vislumbrá-la. Era alta, usava um vestido verde, cabelos claros presos numa trança.

Quase me fazia lembrar a rainha Elsa de Frozen.

Eu estava prestes a comentar que ela realmente era um espetáculo quando algo chamou minha atenção. Algo mais. Um pensamento que era quase um suspiro apaixonado, porém, mais selvagem, primitivo, com um tom de reconhecimento e urgência.

Ela.

Rosnou o pensamento de Ian. Não era uma exclamação, nem um grito mental, apenas uma afirmação rosnada, firme e certeira. Ela.

E eu vi, como se a visse pela primeira vez, pelos olhos do caçador que a observava e tudo o que ele via, além do rosto e do corpo bonito eram os cabelos platinados que a faziam o alvo perfeito. Ele era o leão e ela o antílope frágil. A corça e o caçador armado até os dentes na campina.

Igualzinho a cena do Bambi, se me permitem.

Não sei qual foi o gatilho. Num momento ele via indiferente a moça que entrava, no outro...era ela! O alvo! Havia uma grande lacuna aí e provavelmente importante.

– Ian! - o chamei quando seus pensamentos ficaram intensos demais, fixos demais.

Ele me olhou assustado, como se desperto de um sonho.

– O que foi?

– Nada... eu estava falando com você - os outros estavam distraídos para perceber que eu não havia falado com ele - e você não me escutou.

– Estava distraído com a loira - ele forçou um sorriso.

– Sim, a bela loira platinada, né? - provoquei, o sorriso vacilou, mas ele manteve a pose.

– É, a bela loira platinada.

Em seus pensamentos ele calculava como encontrar a moça de novo, como descobrir onde ela morava, seu nome, seu trabalho. Ele ia conseguir. Estava desesperado, ávido. Pronto.

Meu tempo havia acabado.

E tão rápido!

Era hora de acabar com a brincadeira e começar a tomar decisões sérias e era cedo demais. Cedo demais! Eu não sabia como agir, não estava preparado. Tinha um serial killer a solta, uma vítima em potencial e eu não sabia o que fazer.

Levantei-me de um pulo na mesa, assustado, nervoso. O que fazer?

– Aonde você vai?

– Acabei de lembrar que preciso terminar um trabalho...

– Já? - Ian franziu a testa.

– Sim, é... É muito importante. Nós conversamos a noite?

– Claro. Passo na sua casa? - mas eu já estava de saída e não sei se ele escutou minha resposta.

Na rua, atordoado, desdobrei o papel com o endereço onde o Dr. Logan Davis deveria estar hospedado. Nada de palestras, eu não tinha como esperar. Ou melhor, aquela moça não tinha e eu precisava ajudá-la, sem nenhum plano, sem nenhum conhecimento.

Esse cara tinha de me ajudar!

Esperava sinceramente que ele não me achasse muito rude por invadir sua privacidade, mas ele teria de me dar alguma ajuda.

O mais rápido possível.

Trombei com alguém na esquina do restaurante e quando ergui o rosto dei de cara com Isabela, a esposa de Hugo. Estava de branco provavelmente saindo do consultório.

– Lucca! Que susto! - ela riu - onde vai com tanta pressa? Fugindo da cena do crime?

Ha-ha.

– Esqueci algo no trabalho.

– Aposto que não pagou a conta! - ela ralhou de brincadeira.

– Já estava paga. Você está indo se encontrar com Hugo?

– Na verdade estou indo almoçar com uma amiga que acabou de chegar na cidade, de férias. Vou apresentá-la aos meninos. Hugo disse que um velho amigo voltou... quem sabe... posso dar uma de cupido...

– É, é... enfim. Tenho que ir. Bom te ver!

– Tchau, mas você não vai querer conhecer a Moni?

– Não, desculpe, mas...

Estaquei. Moni. Mônica. Nos pensamentos dela a mesma moça de cabelos platinados se destacava. A vítima de Ian.

Ele estava a um passo de conseguir o endereço, nome e possivelmente o telefone de sua nova vítima. De mãos beijadas.

– Quer saber... acho que vou querer ser apresentado a essa tal Moni! - forcei um sorriso. Ela riu.

– Homens!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Amigo Invisível" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.