Save me escrita por Vany Myuki


Capítulo 23
Domesticando fantasmas


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!
Eu não falei que estaria de volta mais cedo do que o esperado?! Pois então...
O capítulo hoje é curtinho, mas muito especial para mim.
Esse capítulo é única e exclusivamente dedicado à todas as vidas ceifadas em Mount Weather.
Espero que gostem ;)



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P.O.V Callen

O crepúsculo começava a dar os primeiros indícios do fim do dia. Encharcado da cabeça aos pés eu sentia o zunido inquietante do cansaço se propagar pelos meus ouvidos, mas meu estado nada se igualava ao estado dos demais.

Ficara bastante claro para mim que os Sky People, apesar da persistência contínua, ainda assim eram um povo bastante rudimentar em comparação aos Grounders, acostumados a caminhadas longas, a fardos pesados e a poucos suprimentos durante o percurso. Anos no espaço, ao que tudo aparentava, não haviam suprido a necessidade de sobrevivência; do instinto doentio que impregnou a Terra pós Guerra Nuclear.

Nós, Grounders, selvagens e incapazes, tecnologicamente falando, possuíamos tudo aquilo que os Sky People, vivendo confortavelmente em espaçonaves, não obtiveram êxito em desenvolver: a resistência física. Nossa vantagem estava bastante clara desde o princípio, só não soubemos como alimentá-la da forma correta.

O suor escorregando por cada rosto deixava visível o cansaço de cada músculo e o batimento acelerado de horas de uma caminhada que parecia não ter fim. Observando atentamente, os únicos que conseguiam manter suas respirações em equilíbrio eram os três grounders intrusos no pequeno grupo, embora dois deles estivessem alheios a tais detalhes.

—Troque um pouco comigo, Wick._a voz de Clarke Griffin não foi mais do que um sussurro, mas me chamou a atenção mesmo assim.

A líder do Povo dos Céus tomou o lugar do rapaz alto que acompanhava a garota mancando, auxiliando-a com sua perna. Embora o rapaz parecesse bastante convicto em seguir o restante do caminho daquele jeito, o olhar que a morena que o acompanhava lhe lançou deixou bem claro que ficava satisfeita com a ajuda da Griffin.

Vi o rapaz se afastar, não muito, mas o suficiente para deixar que as duas seguissem com um pouco de privacidade, enquanto a líder servia como muleta da morena.

—Você não fez a cirurgia, não é mesmo, Raven?_a voz delas eram baixas, mas o suficiente para que o barulho dos passos na mata seca não as ocultasse.

Eu tinha de ser cauteloso para não encarar as duas com interesse evidente, pois, por mais que minhas mãos estivessem soltas, eu sabia que Bellamy e Lars faziam guarda sobre minhas costas, esperando que eu desse o primeiro passo para a morte certa.

Um silêncio se seguiu a pergunta da Griffin, mas logo foi preenchido pela voz que a acompanhava.

—Sua mãe insistiu muito. Ela até me ameaçou, dizendo que me prenderia a um catre e só me soltaria quando eu estivesse pronta para sair._a explicação veio acompanhada de uma risada nasalada, mas que não continha o mínimo resquício do divertimento que tentava fingir.

—Você deveria tê-la escutado. Ela pode ser bastante durona quando quer, mas, ainda assim, é a melhor médica que eu conheço. Se existe alguém que pode ajuda-la, Raven, essa pessoa é minha mãe._insistiu a líder.

O canto dos meus lábios se ergueram involuntariamente. Se era o sofrimento que eu desejava infligir à Clarke, Bellamy seria apenas a ponta do iceberg em minha aventura sanguinolenta.

—Eu discordo. Sua mãe é sim uma excelente médica, Clarke. Mas, sinceramente, eu confio mais em você para me dar o veredito final do que nela. Não por que não acredite na competência dela como médica, mas por saber que você, como minha amiga, não vai me omitir nada.

Meus ouvidos se aguçaram ainda mais, esperando pela resposta que viria.

—Em Mount Weather temos alguns equipamentos médicos que podem ser de grande ajuda para identificar as consequências do seu ferimento. Vamos fazer isso, Raven. Vamos primeiro cuidar da sua saúde, o resto damos um jeito depois.

Como o silêncio preencheu o momento, me vi obrigado a testemunhar o que interrompera a conversa. Não fiquei sobressaltado quando percebi que a Griffin havia parado por um momento para abraçar a amiga. Ficara bastante claro em seu reencontro que ambas tinham uma história juntas que envolvia aventura, sacrifício e lealdade. Quem quer que fosse aquela garota também tinha um valor inestimável para a líder; um valor que poderia ser muito bem aproveitado no futuro.

Percebi, tardiamente, que todos ali presentes, de algum modo, tinham um laço muito grande com Clarke Griffin. Não eram traços que se mostravam nitidamente, haviam aqueles que eram tão sutis que mal dava-se para notar e, em contrapartida, existiam os laços fortes e permanentes, expostos a todos que quisessem testemunhar. Cada pessoa ali era valiosa em minha vingança contra Clarke Griffin; cada uma preferira uma vida de exílio do que se voltar contra sua amiga, sua líder. Aquelas pessoas dariam suas vidas por Clarke, e eu, pela alma de Tristan, aproveitaria cada uma dessas vidas com uma satisfação incomensurável.

P.O.V Clarke

O dia mal havia começado a se mostrar quando a entrada de Mount Weather, fria e sólida, rodeada por seus fantasmas, se fez presente.

Eu seguia o caminho mais atrás, com Milah ao meu lado, mas, assim que chegamos no local de destino, percebi que todos estagnaram em seus lugares e voltaram para aquele momento meses atrás, quando tiveram suas vidas modificadas de uma maneira inimaginável.

Lembretes de decisões mal tomadas me vieram a mente: o rosto de Maya, a lembrança de uma alegre Fox, todas aquelas pessoas..., os corpos de crianças corroídos pelas radiação...

Fechei os olhos com força, mal conseguindo respirar.

Por meses aquelas lembranças me torturaram. Quando Tristan me perguntara por que eu não queria mais viver eu via em cada rosto inocente uma justificativa plausível para acabar com minha própria vida.

Eu tomei a decisão.

Uma decisão forjada na pressão da traição de Lexa; forjada perante seu discurso do papel de uma comandante, enquanto não me dava conta que a mesma pessoa que estava me moldado para o fracasso era aquela que negara a redenção de Finn, que me fizera mata-lo como última opção...

Não havia percebido que meus punhos estavam fechados com força até mãos calejadas irem ao encontro das minhas, tentando encontrar uma brecha no mar de força envolto entre meus dedos.

Abri os olhos e lá estava o mesmo mar negro que me mantinha consciente mesmo quando o mundo desabava sobre minha cabeça.

Bellamy envolveu minha mão com a sua, entrelaçando nossos dedos com delicadeza, como se temesse minha reação.

Percebi, pela primeira vez, que por mais que eu estivesse quebrada por dentro; por mais que cada parte do meu ser estivesse machucado, eu não era a única.

Bellamy ocultava com facilidade suas emoções, mas, naquele instante, elas se abriam para mim sem medo, convidando-me a partilhar nossa dor em busca de uma redenção que ambos sabíamos não existir. Ele estivera ao meu lado durante minha jornada em Terra, ele vira minhas escolhas e optou por confiar em mim cegamente. Sua mão, firme e reconfortante, envolvera a minha naquele fatídico dia em que fizemos uma escolha.

Assim como eu, Bellamy não era motivado apenas pelo amor por seu povo, embora ambos sentíssemos isso, mas também pelo amor real: enquanto ele devotava todo o amor e cuidado que possuía à Octavia, eu me via numa encruzilhada que ia do fazer o certo, aquilo que minha mãe desejava, e escolher o errado e salvá-la. No fim das contas nenhum de nós dois imaginou que a resposta as nossas perguntas eram inexistentes. Abby Griffin sabia disso muito antes de nós: os mocinhos não existiam.

O peso da morte e dos feridos em Tondc, quando decidi fechar meus olhos e seguir aquela que diziam ser a melhor comandante que já existira, ainda recairiam unicamente sobre meus ombros, mas os homicídios em Mount Weather não podiam ser creditados só a mim; eu havia sido muito mesquinha ao creditar toda essa culpa em mim e esquecer dos sentimentos de Bellamy que, por uma peça do destino, havia o colocado na mesma encruzilhada, fadado a apontar as vidas que mereciam ou não ter uma segunda chance.

No fim das contas, todos ali estávamos soterrados com o peso de mortes. Eu não era a única. Deixá-los no Acampamento Jaha e fugir em prol de silenciar meus próprios fantasmas foi um gesto rude e egoísta. Agora eu via isso refletido nos olhos de Bellamy: a dor da culpa sufocante.

—Precisamos entrar._a voz de Lincoln não apenas me despertou como também pareceu trazer todos ali de volta para o agora, para longe dos dias tempestuosos em Mount Weather.

Lars, agindo como a boa pessoa que era, foi até Lincoln, ajudando-o a abrir a imensa porta de ferro, trancada pelo tempo e pelas memórias. Eu podia sentir que todos prendíamos o ar, a expectativa envolta em um silêncio sepulcral, sensível demais para se romper.

Com algum esforço, em menos de quinze segundos a abertura se revelava para todos: fria e escura, como parecia manter-se fresca nas lembranças de cada um.

Mesmo com a porta esgaçada, permitindo-nos adentrar seu interior, ainda assim ninguém ousou mover um músculo sequer. Era-se exigida muita coragem para fazê-lo e isso estava explícito no rosto de cada um.

Um passo hesitante se postou mais a frente do grupo, derrubando com vontade seus próprios medos e pesadelos. Seus olhos, ainda injetados por memórias tempestuosas, insistiam em bater de frente com seus fantasmas; exigindo um novo começo, um que Mount Weather não fosse apenas um cemitério temporário, mas que se tornasse um novo refugio aos renegados, um refugio do que sobrara dos cem e daqueles que haviam se aliado à sua causa.

Harper, embora tremendo, foi a primeira a atravessar o arco que dividia aquele mundo do daqui de fora. Por alguns segundos ela apenas encarou o corredor escuro, vendo corpos e mortes onde não existia mais nada. Com os olhos inundados por lágrimas ela virou-se para nosso grupo, um sorriso vacilante enchendo-nos de uma confiança desconhecida, trazida por sua vontade de esquecer e seguir em frente.

—Vamos acabar com isso._suas palavras não foram motivadoras ou emocionantes, mas diziam tudo aqui que precisávamos ouvir.

Sem olhar para trás adentramos no túnel, esperando que, no fim do mesmo, uma luz se acendesse milagrosamente.


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Notas finais do capítulo

Bjs e até o próximo, pessoas o/



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