Nem Todo Mundo Odeia o Chris - 3ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 6
Todo Mundo Odeia Bed-Stuy


Notas iniciais do capítulo

Sim, podem me bater... Eu mereço...
Mas leiam o cap. primeiro, ok?
Talvez a raiva passe... ^.^
#lol



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POV. CHRIS (Brooklyn - 1985)

Quando todo mundo da minha série começou a ficar louco com a organização do anuário, eu finalmente percebi que quase seis meses já haviam passado desde o começo do ano letivo. Faltavam seis meses para eu me graduar e ir para o ensino médio em outra escola. Medo… Felicidade… Paz… Eu não fazia a mínima ideia do que eu sentia, especialmente porque eu não sabia como seria na outra escola. E se lá tivesse um cara pior que o Caruzo? E se eu fosse ainda mais zoado no ensino médio? Claro que eu estava com medo, mas achei que estava me precipitando. Não tinha porque eu me preocupar com aquilo antes do tempo. Naquele momento, minha preocupação era outra.

Fazer parte do anuário queria dizer que eu iria ter minha foto, na seção da minha turma, com tudo o que eu tinha feito na escola até ali. Ou seja, nada. O Greg escreveu uma lista de coisas embaixo da foto dele, a Lizzy ia colocar “professora voluntária” por ajudar alunos com dificuldade nas matérias, e eu não tinha nada para colocar na minha ficha do anuário.

“Cara, você não vai preencher a sua ficha?” Olhei para o Greg, cético.

Nós estávamos na sala, nos últimos dez minutos de aula antes do intervalo, preenchendo a bendita ficha.

“E o que eu vou colocar? ‘Saco de pancadas humano’? Eu só servi para isso nesses quase quatro anos.”

Lizzy inclinou-se para a frente e entrou na conversa.

“Não é verdade. Você foi presidente do grêmio.”

“É, mas fui deposto na ‘maior assembleia já vista no colégio Corleone’, segundo o maldito jornal daqui.”

“Você ainda pode fazer alguma coisa, cara. Pode entregar a ficha até o fim de semana.” Considerei.

“Acho que vou pensar no caso.”

Pouco depois o sinal do fim da aula tocou. Saímos e acabamos passando em frente ao quadro de inscrições das atividades da escola. Olhei para os dois ao meu lado, que me encaravam com as maiores caras de incentivo, e rolei os olhos.

“Beleza. E eu me inscrevo em que?”

Olhei rapidamente os títulos das listas e vi que não me encaixava em nenhuma. Lizzy se aproximou e examinou as listas comigo.

“Os únicos que tem vaga são o teatro, o grupo musical, a equipe de xadrez e o jornal.” Ela disse, virando para encarar a mim e ao Greg.

“Cara, teatro é legal.” Dei de ombros.

“Eu não sei cantar.” Lizzy deu uma risadinha.

“Eu sei bem que você não sabe. Só não canta pior que o Drew.” Rolei os olhos, rindo.

“Ninguém canta pior que o Drew.”

“Xadrez?”

“Não sou nerd igual a você, Greg. Se fosse damas eu até tentaria…” Lizzy olhou a última opção e suspirou.

“Parece que sobrou o jornal. Pode ser que assim você explore seu ponto forte.” Franzi as sobrancelhas.

“Que ponto forte?”

“Você sempre foi ótimo em redação.” Ela disse e, dando as costas para a gente, foi na direção do banheiro feminino.

Considerei por um instante e acabei tendo que concordar com ela. Eu escrevia bem. Houve vezes de eu tirar nota melhor que o Greg nas redações.

“Beleza. Acho que vou virar repórter.” Disse, enquanto assinava meu nome na lista.

Como o Greg tinha que ir cedo para casa, eu e a Lizzy combinamos de ir ao jornal logo depois da aula. Para falar a verdade, eu estava confiante sobre participar do jornal. Lizzy tinha razão: escrever e falar eram duas coisas que eu fazia bem; ninguém podia negar.

O jornal ficava na sala mais distante possível do resto do colégio. Longe de todo o barulho e bagunça dos alunos, a sala ficava quase nos fundos da escola. A editora-chefe do jornal era a Lisa, uma menina asiática que, segundo a Lizzy, era louca pelo Bernard Yao. Quando entramos, ela empinou o nariz e tentou me olhar de cima. Respeitei ela pela tentativa, já que ela era um pouco menor que a Lizzy.

“Vi seu nome na lista de inscritos. O que espera fazer aqui?”

“Escrever, eu suponho.” Ela estreitou os olhos.

“E sobre o que vai escrever?” Dei de ombros.

“Política?” Ela sorriu, cinicamente.

“Não, eu escrevo sobre política.”

“Esportes?”

“O Ping escreve sobre esportes.” Ping? Só tem asiático nesse jornal?

“Ok. Então escolhe sobre o que eu posso escrever.” Ela me avaliou, tentando pensar em algo.

“Vou fazer um teste com você. Escreva sobre algo que você conhece e traga para eu ler. Se servir, ótimo, se não… tenho outros melhores na fila.” E, me dando as costas, voltou para sua mesa.

Troquei um olhar com a Lizzy e saímos da sala do jornal. Mal chegamos lá fora e a Lizzy já foi falando.

“Ridícula. O Yao nunca vai gostar dela.” Ri por dentro, sarcástico.

“Claro, ele gosta de você.” Vi seu rosto ficar com um leve tom de vermelho, mas ela desviou os olhos.

“Eu não… gosto dele… desse jeito.” Sua voz veio abafada e eu sorri um pouco. Fofa.

Passei o braço esquerdo pelos seus ombros e a puxei para mim.

“Eu sei.” Ela me olhou surpresa e ficou mais vermelha ainda.

“C-como v-você sabe?” Eita, saia justa…

Por ter a boca grande, acabei tendo que inventar alguma coisa como resposta.

“É que… é… meio óbvio… Se você gostasse dele, estaria com ele, não é?” Ela abaixou os olhos, envergonhada, e assentiu.

Senti o clima ficar desconfortável e optei por mudar de assunto.

“Então, sobre o que acha que eu devo escrever?”

Após alguns segundos, ela me respondeu com um ar bem mais natural.

“Tem que ser sobre algo que você conheça bem.” Revirei os olhos levemente.

“O que eu estou conhecendo bem esses dias são as brigas da minha mãe com o sr. Omar. Você já viu?” Ela assentiu e riu.

“Vi. Ela está fazendo campanha para o Lamar Johnson e ele para o Abe Himelfarb. Minha mãe já está ficando louca com aquilo.”

“Imagino. Eu quase prevejo eles brigando com megafones no meio da rua.” Ela soltou uma gargalhada enquanto dava sinal para o ônibus.

“De qualquer jeito, seria engraçado.”

Como eu não fazia ideia do que escrever, e a melhor ideia que minha mãe me deu quando eu falei a ela sobre o jornal foi de escrever sobre o Lamar Johnson, eu decidi pedir outra opinião. Além da Lizzy e do Greg, quem me restava? Doc, claro.

“Doc, eu tenho que escrever um texto para o jornal da escola. Tem alguma ideia?”

“Jornalista, é? Interessante. Eu tenho ótimas histórias, principalmente sobre mim.”

“Sobre você?”

“Claro. Quando era jovem, eu namorava todas as mulheres que via pela frente.” Ergui uma sobrancelha, incrédulo. O quê? O Doc era pegador? Só pode estar me zoando…

“É sério isso?” Ele assentiu.

“Morei em várias cidades, então conheci e namorei muitas mulheres. Todas eram bonitas. Choravam quando eu ia embora, mas sempre me aceitavam quando eu voltava. Quando eu cansava da vida em uma cidade, viajava para outra.” Ele deve ter visto minha cara de dúvida, pois logo comentou. “Eu sei que é difícil olhar para o velho Doc e pensar essas coisas, mas é verdade.”

Considerei a história por um momento e dei de ombros mentalmente. Eu não vou perder nada se escutar; posso até ter uma ideia.

“Fiquei interessado. Conta o resto.” Ele sorriu e se preparou para contar.

POV. LIZZY

“Lizzy?” Ergui os olhos do livro que eu estava lendo na poltrona da sala. A voz da minha mãe vinha da cozinha.

“Oi?”

“Preciso de um favor.” Estreitei os olhos para o portal da cozinha, mas sorri.

“O que foi que acabou?”

“O pão das torradas. Eu e seu pai vamos sair bem cedo e precisamos das torradas.”

Sair cedo? Será que é aquilo de novo?

“Sair para onde?” A resposta demorou mais que o normal.

“Negócios do seu pai.” Sorri, maquiavélica.

“Vou perguntar a ele, então.”

“É melhor não.” Notei um tom nervoso em sua voz. “Ele deve estar preocupado com o assunto; é melhor não perturbá-lo.”

Ok! Já cansei desse segredo! Largando o livro, me levantei da poltrona e marchei até a cozinha. Ela se assustou um pouco com minha chegada repentina.

“Já chega! Eu cansei desse segredo todo! Há eras vocês vêm saindo escondido e nunca me dizem para onde! Vocês sempre sabem aonde eu vou e onde estou, então o que tem de tão importante nesses ‘negócios’ do meu pai que eu não posso saber?”

Seu rosto ficou pálido, e seus olhos foram para o chão. Quando sua voz saiu, estava baixa e trêmula.

“Eu sinto muito, Lizzy. Eu sei que é estranho, mas não é algo que podemos contar... ainda.” Ela ergueu os olhos e eu vi que estavam marejados. “Por favor, tenha paciência conosco.” Respirei fundo e assenti.

“Eu… vou comprar o pão para as torradas.” Ela assentiu e sorriu fracamente, enquanto eu saía pela porta da cozinha.

Andei até o Doc’s sem realmente prestar atenção aonde ia. O que pode ser tão grave que eles têm que fazer tanto segredo? E que seja tão preocupante? Será que o pai está doente? Senti meu coração gelar. Não. Não pode ser. Ele não tem sintomas. Ok, tem as crises de glicose, mas o médico disse que estava tudo bem desde que ele tomasse insulina e não exagerasse. Angústia apertou meu peito. E se for algo mais grave? Podia ser algo co--

Meus pensamentos foram interrompidos quando colidi com algo macio e quente, e só não caí porque o algo me segurou. Deixando meus devaneios de lado, dei atenção a quem estava na minha frente com uma expressão preocupada nos olhos escuros.

“Lizzy? Lizzy? Você está bem?” Apenas assenti, ainda tentando me situar. Chris me olhou desconfiado. “Não parece. O que aconteceu? Por que você está aqui a essa hora?” Murmurei uma resposta, ainda um pouco distante.

“A mãe me pediu para comprar pão para as torradas.”

“Ok, entra aqui.”

Ele me fez entrar e me sentou no banco do caixa. Em segundos, ele pegou o pão e nós saímos. Enquanto ele trancava a porta, eu passei as mãos pelo rosto e me sacudi mentalmente. Hora de acordar!

“Está melhor?” Assenti, segura dessa vez.

“Sim. Desculpa, eu fiquei aérea.” Ele me entregou o pão e pôs a mão na minha testa, murmurando logo depois que eu não estava com febre.

“Mas está gelada. Por que saiu sem casaco?” Franzi o cenho, tentando lembrar.

“Não… eu não notei para onde ia…” Ele balançou a cabeça e tirou o casaco, colocando-o sobre os meus ombros.

“Pelo menos está de calça e botas.”

Começamos a subir a rua em silêncio, seu braço sobre o casaco em meus ombros, até que ele falou.

“O que aconteceu?”

Com um suspiro, contei a conversa/discussão que havia tido com minha mãe. Ele já sabia a história das saídas misteriosas dos meus pais desde o começo, então só falei da conversa. Ele ouviu minhas suspeitas e tentou me acalmar, dizendo que podia ser alguma séria mas relacionada à empresa, daí ele não quererem me contar. O apoio dele fez com que eu me sentisse melhor, e eu respirei mais aliviada.

Entramos na minha casa, mas não subimos as escadas; sentamos lá. Seu braço direito ao meu redor e minha cabeça em seu ombro me deram um sentimento de pura paz.

“Obrigada, Chris.” Senti ele rir levemente.

“Que nada. Melhores amigos são para isso.”

“Como anda a sua história para o jornal?”

“O Doc me deu umas ideias, mas eu quero sua opinião.”

“Conta.”

Nos dez minutos seguintes ele me contou sobre os romances da juventude do Doc. Syracuse, Albany, Pitsburg… Cidades nas quais ele viveu e onde aconteceram suas histórias clichês. Eu não conseguia imaginar que tipo de ideia aquilo poderia dar. A Lisa não vai engolir isso… Quando ele terminou, me encarou, esperando uma opinião.

“Então, o que acha?”

“Sinceramente?” Ele assentiu. “Soa bastante clichê; como um esteriótipo bem comum, não acha?”

“Suponho que sim. Um cara pegador que sempre se dá bem já é um tipo de história bem conhecida.”

“Que ideia você teve?” Ele fez uma leve careta.

“Lembrei dos seus livros favoritos.”

“Romances policiais?”

“Sim. Pensei em escrever sobre a história de um assassino; como ele pensa, como vive e seus crimes.” Sorri, impressionada.

“Nossa! A ideia é muito boa. Mas como você vai fazer isso? Não é como se a Lisa fosse deixar você transformar o querido jornal dela é um periódico semanal de romances policiais.” Ele sorriu do jeito que só sorria quando já sabia o que fazer.

“Não é como se ela fosse saber que a história original foi modificada.” Estreitei os olhos, mas sorri, divertida.

“Seu sacana. Vai fazer parecer real?”

“Essa é a ideia.”

“Só quero ver. Espero que não crie uma confusão muito grande.”

POV. CHRIS

Realmente aquilo criou uma confusão dos infernos e eu quase me ferrei. Vou admitir que passei a noite quase toda escrevendo a bendita história. Escrevi como uma entrevista; como se o assassino tivesse vindo se confessar para mim por acaso. Eu queria que ficasse o mais real possível, para não deixar suspeita de que eu havia inventado a história.

Bem perto de 1h da madrugada, depois de escrever, ler, reler e corrigir pela 10ª vez, suspirei, cansado e sorri, satisfeito com o resultado. Vamos ver quem não sabe escrever, Lisa… Com isso você vai me aplaudir… Pensamento realizado com sucesso, se querem saber.

Entreguei a história para a Lisa assim que cheguei na escola, no dia seguinte. Ela disse que iria ler e me daria a resposta no intervalo. Saí da sala dela com um sorrisinho sacana e Lizzy me cutucou.

“Eu não acredito que você realmente entregou aquilo.” Pelo seu tom eu percebi que aquilo não era uma crítica.

“Claro que sim. Não trabalhei metade da noite para nada.” Ela me olhou, preocupada.

“Chris, você sabe que jornais publicam fatos, verdades. Se a Lisa acreditar na sua história, ela vai publicar, e muita gente vai ler e acreditar.” Bufei, incrédulo.

“Muita gente? Esse jornal mal roda a escola, Lizzy. Não vai dar confusão nenhuma. O máximo que eu vou ganhar e um parabéns ou um ‘nossa! que legal!’.” Ela mordeu o lábio inferior e trocou um olhar com o Greg, que tinha ficado só ouvindo até ali.

“Ele até que tem razão, Lizzy. Não é como se a Lisa fosse publicar no New York Times.” Ela rolou os olhos, desistindo por ser minoria.

“Ok, vocês venceram. Não digo mais nada.”

Minha - ou melhor, nossa - surpresa chegou na hora da saída. Estranhei que na hora do intervalo a Lisa não tivesse vindo me procurar, seja para me parabenizar ou para me humilhar. Eu, Lizzy e Greg fomos até a sala do jornal perguntar sobre ela, mas o Ping disse que ela tinha saído para uma matéria importante. Apesar da ansiedade, dei de ombros e adiei minha curiosidade.

Quando o sinal do fim da aula tocou, a srta. Morello - que tinha passado a aula inteira sorrindo para mim - me puxou pelo braço para um canto onde a Lisa já nos esperava. Olhei levemente para trás e vi a Lizzy e o Greg nos seguirem e pararem perto o suficiente para ouvirem.

Depois de me abraçar do nada, a louca da srta. Morello começou a falar.

“Ah, Chris! Meu pequeno Alex Haley. Estou... quer dizer, estamos”, ela disse olhando rapidamente para Lisa, “tão orgulhosas de você. Lisa me mostrou sua matéria sobre ‘O assassino da tesoura’ e eu fiquei tão empolgada. É tão real que me arrepiei inteira.” Guardei minha careta para mim; era melhor.

“Então, vocês gostaram?” Lisa me deu um sorriso enorme.

“Claro que sim. Você conseguiu uma matéria de primeira para o jornal! Pode se considerar o repórter nº 1!”

Sorri para ela, tentando esconder a satisfação sádica. Eu disse que você ia me aplaudir... Mas, como eu já disse, felicidade sem um preço nunca vem fácil para mim.

A srta. Morello me virou para ela e falou com uma expressão radiante.

“Sim, Chris, estamos muito felizes com a sua matéria, mas não podemos ser egoístas e manter seu talento preso. O que você descobriu e testemunhou foi muito importante. Falei com um amigo meu que trabalha no Brooklyn Crier e ele aceitou publicar sua história no jornal. Por sua causa, esse assassino será encontrado e detido.”

Eu encarei a srta. Morello com uma expressão vazia, procurando a todo custo não demonstrar o quanto eu sabia que estava ferrado. Não tinha como eu me safar dessa. A polícia ia ser envolvida e eu ia acabar sendo preso por falso testemunho.

Aparentemente, sem perceber minha cara de tacho, a srta. Morello continuou:

“Eu e Lisa estávamos lá essa manhã, e ele me prometeu que sairá na edição vespertina. Nós trouxemos uma impressão para você ver como ficará.”

Peguei a folha de jornal que ela me estendeu e olhei fixamente para a minha foto - ridícula, diga-se de passagem -, acompanhada de um título em letras enormes: ‘ASSASSINO DA TESOURA ESPREITA RUAS DE BED-STUY; GAROTO É ÚNICA TESTEMUNHA’.

Cara, eu estou muito ferrado… Nem em todas as línguas do planeta existem palavras suficientes para descrever como eu estou ferrado…

Sentindo-me levemente tonto, ainda escutei a voz da Lisa:

“E ai? Gostou?” Ela sorria como se aquilo fosse a coisa mais sensacional do mundo.

“C-claro que sim. Eu estou… sem… palavras…” Elas sorriram mais amplamente e eu resolvi arrumar uma desculpa para sair dali. “Eu… preciso ir… ah… para casa. Minha mãe… eu preciso… Tchau.” Vi elas acenarem para mim pelo canto do olho, mas ignorei.

Andei o mais rápido que pude, sem correr, para a saída da escola. Pouco depois que passei pela porta, Greg e Lizzy me alcançaram. Para a minha surpresa, Greg foi o primeiro a se manifestar.

“Sinto muito, cara. Parece que eu te dei o conselho errado. Eu… não sabia que elas eram tão loucas assim.”

“Não, tudo bem. Eu acho…”

Virando o rosto para o céu, fechei os olhos e respirei fundo, tentando pensar claramente de novo. Aquilo era só mais um problema… Mais um problema que eu tinha dado um jeito de criar e ia dar um jeito de me safar. Mas para isso eu preciso da--

“Lizzy…” Voltei os olhos para ela e vi sua expressão preocupada. Eu tinha certeza que meus olhos estavam implorando por ajuda. “Me diz o que fazer.” Ela me olhou, mordendo o lábio inferior.

“Eu… não sei. Ainda estou chocada.” Assenti, e o Greg suspirou.

“Acho que a gente precisa de um tempo para pensar. É melhor vocês irem para casa; o vespertino do Brooklyn Crier normalmente é distribuído ao meio dia. Seria uma boa chegarem em casa antes disso.” Eu e a Lizzy assentimos, concordando. Ele se aproximou, batendo o punho no meu. “Qualquer coisa, é só ligar.” Assenti novamente e a Lizzy deu um breve abraço de despedida nele. Ele acenou levemente e começou a descer a rua.

Após alguns minutos parados e em silêncio, a Lizzy me chamou de volta à vida.

“Greg tem razão. Vamos para casa. Não faz bem nenhum ficar aqui.”

Ela seguiu na direção da parada do ônibus e eu a segui, em silêncio. A volta para casa foi… Na verdade, eu nem prestei atenção. Estava ocupado demais tentando convencer meu cérebro a não pirar.

Quando descemos do ônibus no Brooklyn, eu imediatamente percebi que o jornal tinha chegado primeiro que a gente e vi o estrago que ele tinha feito. Tudo estava vazio. Não havia ninguém na rua ou na calçada. Nem mesmo os caras que costumavam roubar os moleques na esquina. Troquei um olhar assustado com a Lizzy e começamos a andar na direção de casa. À medida que andávamos, as poucas janelas abertas se fechavam; era intimidador.

Na metade da rua, conseguimos enxergar um amontoado de pessoas próximas à minha casa. Ao chegar mais perto, percebemos que eram três vans de emissoras de TV e uma viatura da polícia. Fiquei paralisado no meio da rua e só acordei para a vida quando a Lizzy me puxou e me escondeu atrás do carro mais próximo. Olhei para ela sem entender e ela falou em voz baixa.

“Obviamente eles estão aqui por você, então a gente tem que fazer alguma coisa. Eu ainda não estou conseguindo pensar em nenhuma solução; muita coisa aconteceu, então me ajuda.” Vendo o esforço dela em tentar me livrar, mesmo eu tendo feito uma besteira bem grande, me fez sorrir por dentro e eu senti meu cérebro voltar a funcionar.

Assenti e sacudi minha cabeça de leve para clarear as ideias.

“Beleza. Dá para escapar dos repórteres entrando em casa; essa parte é fácil. Pela nossa experiência com procedimentos policiais, eles devem querer meu depoimento para começar a investigação.” Ela assentiu.

“Isso. Nesse depoimento eles vão pedir a descrição do assassino. Isso você vai ter que dizer que…”

“Que não deu para ver. Estava muito escuro e ele usava um capuz.”

“Ótimo. Sem a descrição eles vão ter que ‘começar as buscas’ baseados no texto do jornal. Com isso a gente ganha tempo.” Franzi o cenho.

“O plano não era para me tirar do problema?”

“Claro que é. Mas você deu um prato cheio para meses de reportagens e investigações. Esse é um osso que eles não vão largar fácil.” Fiz uma careta, mas concordei.

“Acho que é hora de ir.” Ela assentiu e sorriu.

“Lembra quando a gente apostou corrida na praia?” Sorri. Ótima lembrança…

“Lembro. Por quê?”

“Quero revanche agora.”

“Beleza.”

A corrida valeu a pena e conseguimos entrar em casa: ela na dela e eu na minha. Com um último olhar na direção dela, vi seu gesto e entendi o que queria dizer.

Subi as escadas até a sala e, assim que abri a porta que dava para a mesa de jantar, fui sufocado com um abraço que logo depois percebi ser da minha mãe.

“Ah meu Deus, que bom que você chegou! Estava tão preocupada!” Depois de me soltar, eu sabia que ela ia começar o sermão, então preparei os ouvidos. “Como é que você faz uma coisa assim? ‘Tá louco, garoto?” Eu sabia… “Recebendo confissões de assassinos na rua! Onde já se viu? Você pensou que podia morrer? Que ele podia te matar?”

O policial, que estava sentado à mesa, falou comigo, pedindo meu depoimento. Falei como havia pensado antes: que foi impossível ver qualquer característica do assassino pois estava muito escuro e tal. Ele engoliu a história, mas insistiu fielmente que o assassino da tesoura era negro. Não discuti; queria me livrar logo daquilo.

Logo o policial foi embora, mas não sem antes cruzar com o meu pai nas escadas e imobilizá-lo. Tive que correr e segurar a mãe para que ela não batesse no policial com a frigideira. Foi muito tenso. Falei várias vezes que aquele era o meu pai e não o assassino da tesoura. Mesmo sem parecer convencido, o policial soltou meu pai e foi embora. Minha mãe se acalmou e abraçou meu pai, e eu achei melhor subir para o meu quarto antes que eu acabasse contando a verdade.

Drew e Tonya me esperavam no topo da escada com as maiores caras de curiosidade. Drew foi o primeiro a perguntar.

“Chris, o que está acontecendo? A mãe mandou a gente subir assim que o policial bateu na porta. Não deu nem para escutar nada.” Ótimo. É melhor que não saibam mesmo.

“Não foi nada. Problemas de adultos.” Tonya ainda insistiu.

“Mas você sabe o que é, não sabe? Conta, Chris!” Olhei para os dois com meu olhar mais sério.

“Já disse que não foi nada. Vão arrumar o que fazer e não perguntem nada para a mãe.”

Entrei no quarto e fechei a porta logo depois. Me sentei na cama, encostado na parede, e respirei fundo, fechando os olhos. Minha cabeça estava a mil.

Irresponsável! Irresponsável, Chris Rock! Olha o que você foi fazer! Há menos de dez minutos tinha uma arma apontada para a cabeça do seu pai! E era culpa de quem? Sua! Por uma mentira sua porque você queria se sentir bem na escola!

“Idiota… idiota…” Murmurei para mim mesmo, sentindo a culpa tentar me afogar. Abri os olhos, pensando na pessoa que me fazia resolver ou esquecer todos os meus problemas. “Lizzy…”

“Me chamou?” Assustado, me virei rápido na direção da parede às minhas costas e dei de cara com o buraco da parede. Faz tanto tempo que a gente não usa que eu havia me esqueci, mas parece que ela não. Sorri, mais calmo, e me deitei na cama para conversar melhor.

“Chamei sim. Que bom que você ouviu. As coisas estão bem tensas aqui.”

Ela me incentivou a desabafar e pouco depois eu já tinha contado tudo a ela e respirava mais aliviado.

“Chris, parece que só tem um jeito de você se livrar disso sem se dar mal.”

“Que jeito?”

“Escrever outra história.”

“Isso não. Já deu muita confusão só uma história.”

“Para de pirar e presta atenção. Sua primeira história foi criando o assassino da tesoura; a segunda pode ser ele se despedindo, dizendo que vai desaparecer, fugir para outro lugar. Logo todos vão esquecer isso, já que não vai ter mais evidência nenhuma. Se você deixar como está, eles vão ficar te pressionando e você vai acabar falando algo, mesmo sem querer. Não quero que nada de ruim aconteça com você.”

Considerei a sugestão dela, e realmente era a melhor opção. Eu ficaria em paz porque, se eu tivesse sorte, eles (imprensa + polícia) iriam atrás do suposto assassino fugido.

“Tem razão. Não vou colocar tudo a perder agora, mas… como vou entregar a confissão do assassino para a imprensa se não consigo sair de casa com eles na minha porta?” Houve silêncio por alguns segundos.

“Eu dou um jeito. Fica de olho neles pela sua janela.” Ouvi um barulho e, logo depois, a porta dela fechar.

Desci até a sala e fiquei olhando pela janela. Pouco depois, todos os repórteres entraram em suas vans e foram embora. Sorri, impressionado. Não sei o que você fez, Lizzy, mas você é demais.

Peguei um bloco de notas e uma caneta, e “fugi” de casa deixando um bilhete para a mãe dizendo que ia dar uma volta no parque. Fui exatamente para lá, me sentei embaixo de uma árvore e pus minha mente para trabalhar. Sem querer me gabar, mas terminei a história em menos tempo que a primeira e, se duvidar, estava muito melhor escrita.

Uma hora e meia depois que havia saído, entrei na rua da minha casa e novamente lá estavam os repórteres na minha porta. Olhei para os andares de cima e vi a Lizzy na janela. Ela fez um gesto de apoio e eu assenti. Quando os repórteres me viram, correram para cima de mim, fazendo tantas perguntas que eu não conseguia acompanhar a velocidade. Tirei o bloco de notas do bolso e entreguei para o primeiro repórter que estendeu a mão, e corri para dentro de casa.

Minha mãe já arrancava os cabelos quando eu entrei, dizendo que eu fui irresponsável por sair com um assassino solto. Escutei calado e depois subi para o meu quarto. Agora era só esperar para ver.

Ainda naquela noite saiu a notícia de que “O ASSASSINO DA TESOURA ESTÁ FORAGIDO!”.

“Mesmo após a segunda confissão declarando que iria embora do estado, a polícia de Nova York ainda se mantém firme nas buscas e reforçou a guarda nas fronteiras com os estados mais próximos. Com a conhecida eficiência da polícia, sabemos que logo esse assassino será capturado. E, novamente, agradecemos à coragem do garoto negro de nome Chris Rock por nos revelar a verdade sobre esse assassino.”

Rolei os olhos depois de ouvir a repórter do noticiário e murmurei um ‘boa noite’ a todos, dizendo que ia me deitar. No quarto, me joguei na cama e suspirei alto, aproveitando que o Drew não estava lá.

Parece que eu me safei. Sem merecer, mas sim.

“Ainda está preocupado?”

Encarei o buraco da parede e sorri.

“Você instalou uma câmera no meu quarto para saber quando eu estou aqui?” Ela fez um leve barulho e eu quase pude ouvir ela ficar vermelha.

“Não. Você suspira alto.”

“Ok.” Eu disse, rindo. “Ainda estou um pouco preocupado, mas suponho que eles não tenham mais porque me perturbar.” Ficamos em silêncio por alguns instantes. “Obrigado.”

“Pelo quê?” Fiz uma careta, mesmo que ela não pudesse ver.

“Por me apoiar quando eu estou errado.”

“Não. Eu não te apoio quando está errado; eu te ajudo quando você está arrependido.”

“Verdade. Mesmo assim, obrigado. Não sei o que faria sem você.”

Novamente ouvi um leve resmungo e tive certeza que ela estava mais vermelha que nunca.

“Boa noite, Chris…” Sorri, sentindo meu estômago formigar.

“Boa noite..”


***


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Notas finais do capítulo

E ai? Como ficou? O que acharam? Ainda estão lendo?
^.^