Nem Todo Mundo Odeia o Chris - 3ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 4
Todo Mundo Odeia o Cachorro


Notas iniciais do capítulo

Mais uuuuuuuuuuuuummmmmmm!!!!!!!
Mudanças de personalidade acontecendo...



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POV. CHRIS (Brooklyn - 1985)

Como era de se esperar, meu bairro não ficou menos perigoso com o passar do tempo. Até piorou. Somado aos roubos normais, e depois de acabar a moda do roubo de correntes, os assaltos às casas dos moradores era algo relativamente comum. Podia-se dizer que, pelas ‘leis’ do bairro, a família da Lizzy estava segura. Nenhum marginal iria mexer com uma família de brancos. Mas nunca tinha acontecido nada com a minha família também. Pelo menos até aquele fim de semana.

Chegamos todos em casa para encontrá-la com a porta aberta. Quando entramos, vimos que praticamente tudo tinha sumido: TV, som, os discos da minha mãe e, segundo o meu pai, até a geladeira tinham assaltado. O policial branca fez uma lista de tudo o que tínhamos perdido, mas pela cara ele não ia ajudar em nada. Mandou que preenchêssemos um formulário e foi saindo. Meu pai estava fumaçando assim como a minha mãe, e Drew e Tonya estavam praticamente chorando pela TV “sequestrada”.

“Talvez seja melhor comprar um cachorro.” Todos olharam para mim como se eu fosse louco. Minha mãe foi a primeira.

“Pela milésima vez, não. Não vamos ter um cachorro. Só vai gerar mais despesa.”

“Mãe, olha ao redor. Tem maior despesa que remobiliar a casa?” O policial que conferia o formulário que minha mãe tinha preenchido interferiu.

“Ele tem razão. Armas são perigosas, então um cão de guarda seria ideal para proteger a casa. E em relação a despesa, acho que o cálculo é fácil de fazer.” Ele disse gesticulando para a sala quase vazia de móveis.

A resposta dos meus pais veio quando meu pai me arrastou até o canil local para comprar um cachorro. Tinham vários, mas eu escolhi um branco malhado marrom. Vinte minutos depois, saímos do canil com o cachorro castrado e vacinado e meu pai resmunando por ter pago 35 dólares pelo serviço. Sério, senti pena do cachorro. No caminho de casa, pedi para o meu pai passar em uma livraria e comprei um livro sobre como treinar cachorros. Ao chegar em casa, o cachorro começou a rosnar e estranhar o lugar. Normal; ele iria se acostumar. Drew e Tonya adoraram a novidade.

“Pai, podemos dar um nome para ele?”

“Ele já tem um nome. É… Neguinho.”

“Eu quero dar um banho nele.”

“De jeito nenhum, garota. Ele é um cão de guarda. E como foi ideia do Chris, ele vai ficar responsável por tudo: comida, banho, limpar a sujeira…” Rolei os olhos e passei a mão pela cabeça do cachorro.

E qual é a novidade? Ela não quis cuidar nem do Besourinho, que era só um ovo. Imagina de um cachorro…

Como eu sempre fazia, se era novidade, eu chamava a Lizzy. Subi as escadas para o primeiro andar com o Neguinho e bati na porta da sala. Por sorte foi ela que abriu.

“Oi, Chris.” Ela sorriu, mas ergueu uma sobrancelha quando viu o cachorro. “Comprou um cachorro?”

“Foi. Sabe o roubo lá em casa ontem?” Ela assentiu e eu apontei para o cachorro. “Cão de guarda. Mas eu tenho que treiná-lo.”

“Que legal. Sabe como fazer?”

“Não faço ideia. Acabei comprando esse livro.” Mostrei o livro e ela folheou, interessada.

“Sempre quis ter um cachorro também. Sortudo.” Ri e ela fechou a porta atrás de si.

“Está desocupada?” Ela suspirou.

“E entediada.”

“Quer me ajudar, então?” Os olhos dela brilharam e ela sorriu.

“Claro.” Seguimos pelo corredor e ela abriu a porta que dava para a cozinha, colocando a cabeça para dentro. “Mãe, vou ficar na calçada com o Chris.”

“Tudo bem. Boa tarde, Chris.” Sorri para ela pela fresta da porta.

“Boa tarde, sra. Jackson.”

Descemos e ficamos sentados na calçada. Decidimos que ler o livro seria o melhor jeito de começar, então fomos por ali. Pulamos a introdução e fomos direto para as dicas importantes.

1. Seja a única pessoa ligada ao cachorro ou ele ficará amigo dos bandidos.

2. Treine o cachorro na língua da sua raça. Facilitará seu treinamento.

3. Ensine ao animal habilidades básicas de obediência, se estabelecendo como mestre.

4. Apresente o animal a todos os membros da família (incluindo outros animais) e amigos que visitam frequentemente.

5. Encoraje o cão a latir ou lhe notificar quando houver estranhos.

6. Recompense o cão por latir para estranhos que cheguem na sua casa. Um petisco ou um afago irão reforçar o comportamento.

7. Crie limites. Criar limites irá impedir que o animal ataque pessoas fora do seu território.

8. Previna que o cão aceite comida de outras pessoas. Esse é um passo importante para o treinamento, pois os ladrões normalmente distraem cachorros com comida.

Lemos tudo, mas eu acabei encontrando um obstáculo na segunda dica.

“Como eu vou saber a raça do cachorro?”

“Não veio na ficha de vacina dele?” Neguei.

“Não. Tinha raça ignorada.” Ela fez uma leve careta.

“Assim fica difícil. Normalmente cães reconhecem sua língua mãe e respondem.”

“O que a gente pode fazer?” Ela deu de ombros.

“Não sei. Quantas línguas você sabe?”

“Só inglês. Por quê?” Ela pensou um pouco.

“Dá uma ordem para o cachorro.” Estranhei, mas decidi fazer o que ela disse.

“Senta, Neguinho.” Me desmoralizando, o cachorro só olhou para a minha cara e bocejou. Olhei para a Lizzy, esperando.

“Bem, ele não é americano. A única língua a parte que eu sei é espanhol e só um pouco. O que acha?”

“Vale a pena tentar. O que eu tenho que dizer?”

Senta-te, Negrito.” Estranhei.

“Negrito?” Ela rolou os olhos e riu.

“É como fica Neguinho em espanhol. Anda, fala.” Mesmo me sentindo bem idiota por falar um língua que eu não conhecia, achei que a tentativa valia a pena.

Senta-te, Negrito.” Para a minha surpresa, o cachorro imediatamente sentou. Olhei para a Lizzy com cara de chocado e ela riu.

“Parece que ele é espanhol. Ou pelo menos é de um país que fala espanhol.” Franzi o cenho e pensei.

“Podia ser Porto Rico, mas não é necessariamente um país.”

“Que seja. Mas agora você pode treiná-lo.” Assenti e beijei seu rosto em agradecimento.

“Valeu.” Ela corou e olhou para o chão, sem graça. Muito fofa…

“Acho que vou ter que fazer um lista de comandos para você treinar ele.”

“É mesmo. Não sei nada de espanhol.” Ela riu e subiu para pegar um papel e uma caneta.

Passamos o resto da tarde, tentando treinar o Neguinho. Sim, tentando. Porque alguns comandos pareciam ser complexos demais e ele não conseguiu seguir. Nessas horas ele fazia cara de confuso (cachorro tem cara de confuso?) e decidia que a melhor opção era deitar de barriga para cima. A Lizzy coçava a lateral do seu corpo com o pé e ele colocava a língua para fora, claramente se divertindo.

“Chris, olha isso.” Me abaixei e percebi uma mancha na barriga dele. Parecia muito com...

“Lizzy, você sabe com o que isso parece?” Ela franziu o cenho.

“Parece familiar, mas não consigo lembrar.”

“É igual a folha de bordo da bandeira do Canadá.” Quando ela notou, começou a rir.

“É mesmo!” Realmente era engraçado.

“Sério, quantas nacionalidades esse cachorro tem?”

“Pena que eu não sei francês para ver se ele corresponde.”

Talvez, percebendo que a gente estava rindo dele, o Neguinho começou a rosnar. Paramos de rir e nos afastamos um pouco. Ele não gosta de ser zoado… Mas continuamos rindo por dentro.

No decorrer da semana eu continuei treinando ele com a ajuda da Lizzy e algumas dicas do Greg. Um dos pequenos problemas com o Neguinho é que ele se assustava um pouco com os sinos que minha mãe tinha colocado em todas as portas, então ele ficava meio ressabiado em casa. Mas fora isso, ele tinha se apossado da poltrona do meu pai. No começo era até trabalhoso tirar ele de lá, mas três dias depois eu fiz um surpresa para ele.

Quando ele entrou na sala com o jornal e viu o Neguinho na poltrona, eu vi que ele tomou ar para reclamar. Nem esperei ele falar, agi logo.

Para-te, Negrito. Senta-te.” Na hora o cachorro desceu da poltrona e veio sentar aos meus pés no sofá. Meu pai me olhou surpreso e impressionado.

“O que foi isso?”

“O Neguinho parece ser porto riquenho então eu tenho que treiná-lo em espanhol.”

“Desde que ele fiquei fora da minha poltrona e mantenha os ladrões longe, ele pode falar até chinês.” Meu pai e sua praticidade… É tocante…

Nesse mesmo dia eu reuni todo mundo na sala para o Neguinho fazer o reconhecimento oficial, leia-se: cheirar todo mundo. Até o sr. Omar desceu para ser cheirado. Como inquilino, era direito dele, mas quando eu vi a quantidade de sapatos que ele trouxe com ele, rolei os olhos.

“São das minhas viúvas.” Ele disse, colocando o Neguinho para cheirar os sapatos. “Não esquece, tá?”

“E quem consegue lembrar de tantas mulheres?” Ele me olhou com cara feia, mas deixou passar.

Depois disso, cada um voltou a fazer o que estava fazendo e eu desci para passear com o Neguinho.

POV. LIZZY

“Ok. Mas sabe onde é a confeitaria que eu estou dizendo, não é?”

“Sei, pai. Não vou em nenhum outra. Prometo não gastar seu dinheiro em nenhuma confeitaria inferior pelo caminho.” Ele riu.

“Eu sei. Desde que provei aquela torta na semana passada, fiquei encantado.” Sorri com sarcasmo.

“Percebe-se. Vou lá comprar sua torta.” Desci as escadas rindo.

Meu pai estava realmente viciado naquela torta de chocolate e prestígio. Desde a semana anterior, quando tínhamos passado em frente à nova confeitaria (La Gourmet), ele não falava em outra coisa. Depois de comer, ele tinha levado um pedaço para a minha mãe. Ela provou e também adorou, mas não ficou viciada igual a ele. O negócio é que meu pai era como uma formiga. Se ele encontrava um doce diferente, era uma festa. Depois ele ficava tendo os ataques de glicose e deixava eu e a mãe doidas. Isso ele achava engraçado.

Ao sair para a rua, peguei o caminho subindo para ir à tal confeitaria. Ficava a umas quatro quadras; pouco antes do cinema. Havia dado poucos passos quando vi alguém familiar do outro lado da rua. Será possível? Atravessei a rua, me aproximando e tive certeza.

“Carlos?” Ele olhou pra mim e sorriu.

Muchacha! Que bueno verte!” Ele me abraçou e eu retribuí. “Está mesmo morando em Bed-Stuy, não é?”

“Te disse que estava. Está fazendo o quê por aqui?”

“Dando uma volta. Conheço uns ‘manos’ por aqui.”

“Sei.”

“E ai? Ainda está com aquele carinha?” Franzi o cenho, confusa.

“Que carinha?”

“O negro que vi no trem com você e o outro branquelo.” Corei quando percebi que ele falava do Chris.

“Eu não ‘estou’ com ele. Somos melhores amigos.” Ele me olhou desconfiado e eu fingi que não percebi.

“Sei. Falando nele…” Ele olhou por cima da minha cabeça e eu acompanhei seu olhar.

Chris vinha atravessando a rua na nossa direção com o Neguinho e tinha uma expressão estranha no rosto.

“Oi, Chris.”

“Oi.” Ele respondeu gentilmente, mas logo olhou para o Carlos com um olhar duro. “E ai, cara?”

“E ai, irmão? Lembra de mim?” Ele franziu o cenho por alguns segundos, mas logo lembrou.

“O porto-riquenho do trem.” Carlos assentiu e eles apertaram as mãos, mas eu ouvi o Neguinho rosnar. Chris puxou levemente a guia e o cachorro sentou.

“Você cresceu, irmão.” Chris sorriu, meio sem graça.

“Não dava para diminuir, não é?” Eles riram.

“Verdade. Só ela não cresce.” Ele apontou para mim. Chris riu e concordou.

“Fato.” Fechei a cara para os dois.

“Muito engraçado. Conseguem identificar o sarcasmo?” Ele riram ainda mais, mas foram interrompidos por uma voz que chamava o Carlos.

Ele olhou para o final da rua e acenou de volta.

“Tenho que ir. Até mais, irmão.” Ele cumprimentou o Chris e me deu um abraço rápido. “Tchau, muchacha.” E saiu correndo na direção do fim da rua.

Ficamos observando ele ir até o Neguinho esfregar o focinho na minha perna. Me abaixei e cocei suas orelhas.

“Ele sempre te chama de muchacha?” Me ergui e assenti.

“Sim. Costume. Vai passear com ele?” Ele assentiu.

“E você?” Rolei os olhos e recomecei a descer a rua com ele me seguindo.

“Sabe aquela torta que meu pai ficou viciado?” Ele riu.

“Sei. Ele não fala em outra coisa.”

“Pois é. Estou indo lá na La Gourmet só para comprar.”

“Te acompanho, então.” Sorri em agradecimento e fomos.

Mas antes que nos afastássemos muito das nossas casas, ouvimos dois gritos atrás de nós. Paramos para ver Drew e Tonya correndo ao nosso encontro. Os dois chegaram sem ar, mas Drew conseguiu falar.

“A mamãe deixou nós irmos com você, Chris.” Um choramingo saiu do Chris quando ele virou o rosto para encarar o céu.

Pus a mão em seu braço em sinal de apoio. Ele encarou os dois com a expressão séria.

“Se me encherem o saco eu ponho uma coleira nos dois.” Eles rolaram os olhos, mas assentiram.

“Posso levar o Neguinho, Chris?” Ele encarou a irmã e suspirou derrotado.

“Ok, mas não vai muito na frente.”

Ele entregou a guia para a Tonya, e ela e Drew seguiram um pouco na frente, nos deixando para trás. Chris enfiou as mãos nos bolsos e continuamos andando.

“Esses dois só me dão preocupação.” Ri de leve.

“Deixa eles, Chris. Têm mais cabeça de crianças que de adolescentes.” Ele concordou.

“Mesmo. Se bem que a Tonya ainda tem 12.”

“Mas ela deixou de te perturbar, não foi?” Ele considerou.

“Diminuiu a frequência, mas não parou. Semana retrasada ela quebrou três pratos lavando a louça e disse que fui eu. Levei uma bronca da mãe e ainda tive que limpar e comprar pratos novos.” Não pude deixar de rir.

“Sinto muito, mas é engraçado.”

“Eu sei que é, e essa é a pior parte.”

“E o Drew tem essa admiração por você.” Ele olhou para longe e eu pude dizer que ele estava envergonhado.

“Não sei o que ele admira.” Cutuquei suas costelas com o cotovelo.

“Já conversamos sobre isso.” Ele suspirou, sorrindo.

“Eu sei. Sinto muito.”

Nesse momento fomos surpreendidos com um grito da Tonya. Colhamos para frente e vimos o Neguinho puxando ela para o outro lado da rua, latindo como um desesperado. Ouvi um palavrão sair da boca do Chris e vi ele correndo para tentar alcançar os dois. Ele e Drew chegaram ao mesmo tempo, mas Tonya acabou soltando a guia do cachorro quando percebeu que um carro vinha descendo a rua. O Neguinho passou a rua e Chris e Drew conseguiram chegar na Tonya antes que ela fosse atropelada.

Corri para alcançá-los e cheguei em tempo de ver o Chris dando um sermão nos dois.

“Sabe que é para ficar de olho nela! Bem que eu não queria deixar vocês virem!” Me interpus no meio deles quando vi que os dois estavam assustados.

“Calma, Chris! Eles estão assustados!” Ele percebeu que tinha se exaltado e respirou fundo.

“Tem razão.” Então olhou para os irmãos. “Vocês, não me matem de susto outra vez.” Eles assentiram, visivelmente assustados.

Então eu vi algo que jamais pensei em ver na vida: Tonya abraçou o Chris e o Drew. Os mais velhos ficaram boquiabertos ao verem a menor agarrando-os pela cintura. Observei, chocada, eles a abraçarem de volta e sorri levemente. Isso deve melhorar um pouco as coisas.

Depois do momento ‘família feliz’, a mesma pergunta chegou na cabeça de nós quatro: Para onde o cachorro correu?

Olhamos para o outro lado da rua e vimos um casal de brancos com uma menina de, pelo menos, oito anos. Os três acabavam de sair da confeitaria para onde estávamos indo. A menina estava abaixada e acariciava o cachorro, que parecia genuinamente feliz em vê-la. Troquei um olhar com o Chris e atravessamos a rua, seguidos de perto por Drew e Tonya.

Chris se aproximou e falou com eles.

“Com licença, o cachorro é de vocês?”

O homem branco deu um passo a frente, ficando na frente da mulher e da menina, em uma posição de defesa.

“Sim, ele é nosso. Por quê?”

O tom de desprezo e ameaça era mais que evidente na voz do homem, e eu vi o maxilar do Chris se apertar e seu olhar endurecer.

Antes que ele fizesse qualquer coisa que o metesse em confusão, resolvi interferir. Me pus ao lado dele e segurei seu braço pela dobra do cotovelo.

“Senhor, a verdade é que compramos esse cachorro no canil local há uma semana. O responsável pelo canil disse que ele tinha estado lá por seis meses e que foi encontrado sem coleira.” O homem repensou sua atitude enquanto seus olhos iam de mim para o Chris e voltavam. Sua guarda baixou um pouco e ele falou com uma voz neutra.

“Nós ganhamos esse cachorro quando Anne tinha seis anos.” Ele disse, apontando para a filha. “Há oito meses atrás ele desapareceu. Procuramos por todos os lugares e depois de seis meses procurando, desistimos. Anne ficou desolada e nós também. Até hoje, não fazemos ideia de como ele desapareceu. Nosso única lembrança foi a coleira deixada no gramado.”

Ok. A história parece séria e, por que ele mentiria? Mas eu tenho que verificar.

“Eu entendo, mas nós também nos apegamos muito ao cachorro. Estivemos treinando ele todo esse tempo. Pode ao menos nos dar uma prova do que está dizendo.”

“Posso. Esse cachorro tem uma mancha na barriga com o formato da folha de bordo da bandeira do Canadá embora ele seja de uma raça porto riquenha.”

Não consegui disfarçar e olhei para o Chris, que estava tão surpreso quanto eu. Apenas movimentando os lábios, formei a seguinte frase: A decisão é sua.

Ele entendeu e pensou por alguns instantes. Observei ele olhar o cachorro e a menina que continuava brincando com ele. Vi uma pontada de tristeza passar por seus olhos, mas logo desapareceu. Ele encarou o homem e falou.

“Podem levá-lo. Ele é mais seu do que meu.” O homem expressou um leve alívio.

“Obrigado. Sinto muito qualquer prejuízo financeiro que tenha acontecido.” O homem falou, já pegando a carteira, mas Chris negou com um gesto.

“Não. Ele vale muito mais do que eu paguei por ele e não há nada que o senhor possa me dar em troca.” Virando-se para cachorro, ele chamou: “Levante-te!” Neguinho se levantou e veio até ele, abanando o rabo, e Chris se abaixou, acariciando suas orelhas. “Vai voltar para casa, garoto. Adiós, chico.” Como se entendesse, o cachorro grunhiu baixo e lambeu a mão do Chris. Também me abaixei, coçando seu pescoço.

“Tchau, garotão.”

Nos levantamos juntos e o Neguinho ficou nos olhando.

Ir con ellos!¹” Com um último grunhido triste, o Neguinho foi ficar ao lado da menina, que o segurou pela guia.

“Obrigado por devolverem ele para vós. Significa muito.” Dispensamos o agradecimento do homem com um gesto e eles seguiram na direção oposta.

Só depois que eles sumiram ao dobrar a rua, o Drew se manifestou.

“Papai vai ficar danado com você, Chris. Ele pagou U$35 pelo Neguinho.” Chris deu de ombros.

“Eu me entendo com ele depois.” Ele fechou os olhos, respirando fundo, e eu afaguei seu braço.

“Ele vai ficar bem.”

“Eu sei.” Quando abriu os olhos de novo, sua expressão estava bem melhor. “Vamos comprar sua torta?” Ri de leve.

“Não é minha, é do meu pai.”

“Fiquei com vontade também. Te pago uma. Vamos?” Sorri, sentindo um frio na barriga.

“Pode ser.”

“Espera ai, Chris. Eu também quero.”

“Eu também.”

Ele virou para os dois, categórico.

“Não. Vai já dar a hora do jantar e vocês não podem comer doce ou vocês não jantam. E depois do susto que me deram hoje, não merecem nem um bombom, que dirá um bolo. Podem dar meia volta e irem para casa.” Os dois cruzaram os braços e fizeram cara feia; a Tonya sempre a mais birrenta.

“Eu vou contar para a mamãe.” Chris deu de ombros, sorrindo com sarcasmo.

“Pode contar. Eu tenho uma coisa para contar também. Se você contar para ela, eu conto para o papai que ontem eu vi você pegando U$ 5 da carteira dele. Vai para casa de boca fechada ou quer pagar para ver?” Ela deu língua para ele, claramente pega no flagra, e começou a descer a rua. Drew rolou os olhos e deu tchau para a gente.

“É melhor eu ir atrás antes que ela morra atropelada de vez. Mas depois eu quero meu pedaço de bolo.” Chris rolou os olhos e riu, vendo os dois irem.

“Aprendeu a chantagear desse jeito com quem?” Ele olhou para mim e sorriu, sacana.

“Com a minha vizinha.” Dei um tapa em seu braço e ele riu.

“Não vai mesmo comprar bolo para eles?” Ele considerou.

“Posso levar um pedaço para o Drew, mas como eu sei que ele sempre divide com a diabinha por pena, vou levar um maior. Mas eles só vão saber depois do jantar.”

Sorri enquanto entrávamos na confeitaria e pegávamos uma mesa. Enquanto ele fazia o pedido de bolo para viagem eu o observava, imersa em pensamentos.

Drew e Tonya, vocês são sortudos. Têm um ótimo irmão… E não é por causa do bolo que eu digo isso...

***


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Notas finais do capítulo

¹ "Ir con ellos" - Vá com eles.

Espero que tenham gostado.
Reviews???? ^^



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