Nem Todo Mundo Odeia o Chris - 3ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 3
Todo Mundo Odeia Dirigir


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que faz umas três eras geológicas que eu não venho aqui, mas por favor não contem.
Esse foi um cap. difícil e longo... bem longo...
Enjoy!



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POV. LIZZY (Brooklyn - 1985)

Dirigir sempre foi meu sonho de infância. Eu via meu pai pegar aquela máquina “gigante” e conduzi-la com a maior facilidade do mundo. Aquilo era minha fascinação. Quando descobri que só poderia dirigir aos dezesseis, e apenas se eu passasse no teste de direção, achei um completo absurdo. Mas com o passar do tempo, outras coisas foram chamando minha atenção e eu meio que esqueci dessa minha obsessão por dirigir… até que me lembraram que eu já tinha dezesseis anos há mais de seis meses e não tinha minha habilitação ainda!!!!!

A triste realidade se revelou para mim em um jantar organizado pela minha mãe e a dona Rochelle na minha casa. Elas meio que tinham virado amigas desde a viagem e viviam conversando agora. E eu ia reclamar? Nunca. Adorava que finalmente a minha família e a família do Chris estavam se dando bem. E por falar em Chris…

Eu tinha achado muito estranho quando, no dia seguinte à nossa briga sobre Caruzo/Yao, ele tinha falado normalmente comigo. Escondi minha surpresa, mas também agi como se nada tivesse acontecido e ele não estivesse zangado comigo. Alguma coisa tinha acontecido para fazer ele mudar, mas eu não iria perguntar. Poderia fazer ele ficar chateado comigo de novo.

No jantar, quando todos já tinham terminado, eu e o Chris servimos a sobremesa - mousse de chocolate. Foi aí que introduziram a gente no assunto carros que o meu pai e o sr. Jullius estavam falando.

“Então, Chris, quando você e a Lizzy vai tirar a carteira de habilitação? Pensei que seria a primeira coisa quando fizessem dezesseis anos.”

Eu e o Chris trocamos olhares, percebendo que tínhamos esquecido desse detalhe. Não por completo, claro, porque até tínhamos juntado dinheiro para isso; mas aconteceram tantas outras coisas que acabamos deixando o projeto um pouco de lado.

Olhei, pasma, para o meu pai e respondi.

“Acho que a gente esqueceu, pai.”

Eles riram e até o Drew deu opinião.

“Assim que fizer dezesseis, vou tirar a minha. Mal posso esperar.” A Tonya riu, zoando com ele.

“Aposto que a primeira vez que pegar em um carro, vai bater.”

“Vou não, sua metida. É você que nunca vai saber dirigir.”

Dona Rochelle olhou feio para os dois e pigarreou em aviso. Eles abaixaram a cabeça, murmuraram desculpas e ficaram em silêncio.

Sr. Jullius olhou para o Chris, voltando ao assunto.

“E você, Chris? Já pensou no assunto?” Ele deu de ombros e sorriu para mim.

“Claro, mas a gente sabe que precisa pagar para ter a carteira.” Meu pai concordou.

“Óbvio. Não é tão difícil quanto dizem; o teste escrito é fácil. Mas é sempre bom ter uma base para o teste prático.” Franzi as sobrancelhas, confusa.

“Como assim, pai?” Ele me olhou com a cara de ‘tenho uma surpresa’.

“Querem algumas aulas?” Eu e o Chris sorrimos amplamente, mas ele emendou: “Se as mães concordarem, é claro.”

Olhamos cada um para nossas mães com as melhores caras de cachorros sem dono. Elas se olharam, reviraram os olhos e suspiraram, desistindo.

“Tudo bem,” a dona Rochelle falou. “Mas tomem cuidado. Não queremos ninguém machucado nem o carro inutilizado, não é, Helen?”

“Com certeza. Tenham cuidado.”

Nós três assentimos e o Chris empurrou minha perna com a dele por baixo da mesa, chamando minha atenção. Sorri para ele, mas logo voltamos nossa atenção para o meu pai.

“Como eu estou de férias do trabalho, meu tempo está todo livre. Escolham a hora que eu estarei desocupado.” Chris fez uma careta.

“Eu só vou poder no fim de semana por causa do Doc’s.” Concordei.

“É. Eu posso qualquer dia, mas vou deixar para o fim de semana com o Chris.” Meu pai sorriu.

“Ótimo. Começamos no sábado.”

Eu e o Chris sorrimos um para o outro. Teríamos um motivo a mais para esperar pelo fim de semana.

POV. CHRIS

Ao contrário do que eu gostaria, sábado de manhã a mãe me chutou da cama bem cedo para ir para a lavanderia. Ruim? Péssimo! Mas eu estava de bom humor por causa das aulas de direção, então relevei. E a Lizzy se ofereceu para ir comigo como bônus, já que nem Drew nem Tonya iriam comigo - ainda bem, diga-se de passagem.

Nossa última briga por causa do Caruzo e do Yao ainda rondava minha cabeça vez por outra, mas eu tinha decidido deixar a confusão para lá. Principalmente depois… do que eu tinha ouvido pelo buraco da parede. A voz dela ainda se repetia na minha cabeça…

“Yao… a gente precisa conversar…”

“...”

“Olha… eu gosto de você. Você é engraçado, fofo, mas… meu coração é de outra pessoa.”

Vou admitir que senti uma senhora felicidade quando ela disse que não iria ficar com ele. Mas isso tinha uma consequência: outra pessoa. Eu conhecia a Lizzy bem demais e sabia que existia uma chance de ela estar mentindo. Ela não gostava de expor o que sentia para outras pessoas e eu era um dos poucos que tinha permissão para atravessar a muralha de pedra que ela erguia em volta de si.

Mas e se ela estivesse falando a verdade? Quem seria a outra pessoa? A única pessoa que me vinha a mente era aquele amigo dela que eu não sabia nada a respeito. Só o havia visto de costas e ouvido seu nome: Daniel. Ele obviamente era rico; o carro que ele estava atestava isso, e até mesmo a Tonya havia admitido que ele era bonito. Mesmo sem conhecê-lo, eu estava convencido de que nunca me daria bem com ele, por uma razão que eu não sabia identificar e nem queria pensar a respeito. Me fazia sentir estranho, angustiado.

Com esse incômodo, acabei me convencendo de que era melhor não pensar a respeito de algo que me fazia sentir mal. A ameaça imediata já tinha passado e ficar brigado com a Lizzy não faria bem nenhum. Eu sei que ela achou estranho meu súbito bom humor, mas não falou nada. Acho que logo voltaremos ao normal, e para isso eu contava com as aulas de direção. Seria algo divertido que aprenderíamos juntos e teríamos mais tempo um com o outro. Mas para isso eu precisava me livrar da lavanderia.

Estávamos sentados um do lado do outro, as cabeças encostadas na parede atrás de nós, os fones do walkman dela nos nossos ouvidos, escutando Earth, Wind & Fire. Ela tinha passado a escutar R&B/Soul de uns tempos para cá; eu tinha rido quando descobri minha influência. Esperávamos a roupa secar para irmos para casa; as aulas de direção seriam depois do almoço. Eu mantinha os olhos fechados, curtindo a música, até que senti ela cutucar meu braço. Abri os olhos e a vi sorrindo.

“A secadora terminou. Vamos?” Assenti e fomos tirar a roupa da secadora.

Em menos de 15 minutos estávamos em casa; ela se despediu, entrando em casa e eu também entrei, indo levar a roupa para a mãe. Depois de passar três horas enfiado na lavanderia, a mãe teve pena de mim e me deixou quieto até o almoço. Amém!

Assim que terminei de almoçar, corri para a casa da Lizzy. Ela atendeu e eu entrei para ver o sr. Jackson sentado no sofá, lendo o jornal. Quando entramos na sala, ele ergueu os olhos do jornal e nos olhou; depois olhou para o relógio e sorriu.

“Vocês realmente estão ansiosos, não?” Assentimos. “Muito bem, então.” Pondo o jornal de lado, ele levantou, tirando a chave do carro do bolso. “Vamos.”

Nós o seguimos até onde o carro estava estacionado. Ele abriu-o e pediu que a gente entrasse; Lizzy no banco do passageiro e eu no banco de trás. Então abaixou-se na altura da janela do motorista e falou:

“Eu sei que já viram eu e Jullius dirigindo várias vezes e devem ter uma boa ideia de como é. Mas dirigir é feito de detalhes, pequenos mas muito importantes. Por isso quero que me observem bem, depois será a vez de vocês.”

Como ele disse, eu já tinha uma boa ideia e ele não fez nada que eu não soubesse. Era um ‘ritual’ característico meu; eu acompanhava mentalmente tudo o que um motorista tinha que fazer.

Logo ele deu a partida no carro e deu a volta no quarteirão. Fez tudo devagar para que eu e Lizzy pudéssemos acompanhar. Também foi explicando tudo. Desde ligar o carro até fazer a baliza final para estacionar. Quando ele finalmente desligou o motor do carro, eu sorri largamente, mas notei que a Lizzy estava com a expressão um pouco confusa.

“Então, entenderam o básico?” Assenti imediatamente, mas vi que a Lizzy hesitou um pouco. “Quer ir primeiro, Chris?” Sorri, muito feliz.

“Claro.”

Acabamos tendo que trocar de lugar: eu fui para o banco do motorista, a Lizzy foi para onde eu estava antes e o sr. Jackson foi para o banco do passageiro para poder me orientar melhor.

“Pronto?” Assenti. “Nervoso?”

“Um pouco.”

“Não precisa ficar. Dirigir é algo que acaba se tornando um instinto, basta praticar um pouco.” Assenti e respirei fundo, me acalmando.

É agora… Pé no freio… Liga o carro… Viro a direção para esquerda… Tiro o pé do freio devagar enquanto manobro carro para fora da vaga… Sigo em frente… Passo para a segunda marcha e acelero um pouco para não estancar… Agora é só seguir…

Dei a volta no quarteirão, tendo o cuidado de parar antes da faixa de pedestres na outra rua, e fazendo com atenção a baliza no final.

“E ai? Como foi?” O sr. Jackson tinha uma expressão divertida.

“Foi ótimo, mas tem certeza que pode estacionar aqui?”

Confuso, olhei ao redor e logo identifiquei meu erro.

“O hidrante…” Droga…

Liguei o carro novamente e dei ré até ficar perto do carro de trás, deixando o hidrante livre e livrando o sr. Jackson de uma multa de U$ 200 se rebocassem o carro.

“Pronto.” Ele assentiu, aparentemente impressionado.

“Maravilha.” Ele virou-se para olhar para a Lizzy. “Sua vez?” Ela assentiu, mas eu percebi que ela não estava tão segura. Ela veio para o banco do motorista e eu voltei para o banco de trás.

Logo deu para perceber que a Lizzy não tinha o menor jeito para dirigir. Ela demorou cinco minutos inteiros para sair da vaga e, quando saiu, quase bateu no carro estacionado no outro lado da rua. Vi o sr. Jackson começar a panicar quando o carro começou a estancar o meio da volta no quarteirão. Eu também fiquei chocado, é claro. A Lizzy ruim em algo que ela gostava? Impensável.

Mas admito que fiquei aliviado quando ela finalmente estacionou e, pela cara do sr. Jackson, ele sentiu o mesmo. Já a Lizzy parecia transpirar frustração.

“Bom… Com um pouco mais de prática, quem sabe…” Ouvi a Lizzy bufar e sair do carro, indo em direção à porta de casa.

Saí logo atrás dela, dizendo um ‘obrigado’ rápido ao sr. Jackson. Eu sabia perfeitamente que quando ela ficava frustrada a melhor opção era sempre fingir que não percebia o motivo da frustração. Ela acabava esquecendo também, ou pelo menos deixando de lado.

“Lizzy!” Chamei e ela parou nos degraus da escada e esperou que eu me aproximasse. “Para onde está indo?” Ela rolou os olhos, impaciente.

“Para o meu quarto.”

“A gente tinha combinado de fazer o trabalho de Geografia na minha casa, esqueceu?” A expressão dela suavizou e a atitude agressiva morreu quando ela assentiu.

“É mesmo. Vou só pegar meus livros e já vou.” Assenti e ela entrou.

Senti a mão do sr. Jackson no meu ombro e virei para olhá-lo.

“Isso vai deixar ela zangada. Ela queria aprender a dirigir tem muito tempo.” Suspirei, concordando.

“Eu sei.”

Me despedi dele logo em seguida e entrei, subindo para o meu quarto. O Drew estava bagunçando lá e eu tive que expulsá-lo.

“Esse quarto também é meu, cara.” Voltamos ao drama…

“Ok, você dorme aqui, mas passa a maior parte do tempo na sala, vidrado na TV. Só estou pedindo que vá para lá enquanto estudo com a Lizzy.”

“‘Tá bom, eu vou.” Ele levantou da cama e foi saindo, mas antes eu lembrei de pedir.

“Ah, e pelo amor de Deus, não deixa a Tonya vir encher o saco, por favor.” Ele me acenou um ‘legal’ por cima da cabeça e desceu.

Pouco depois a Lizzy chegou e foi direto para o meu quarto. Ela não parecia inteiramente bem, mas estava melhor. Continuei com meu plano de ignorar a frustração; parecia estar funcionando.

Ela sentou na minha cama com as costas para a parede, na mesma posição que eu estava, e começamos a discutir o trabalho. A matéria era chata e eu estava ficando com sono, mas ela não me deixou dormir. De jeito nenhum ela deixaria. O trabalho era sobre a aula de relevo que eu mal tinha prestado atenção, mas sorte minha ela tinha copiado tudo o que a srta. Morello tinha falado.

Boa parte da tarde se passou com o trabalho, mas não conseguimos terminar. Era grande demais. A srta. Morello (leia-se: louca) pediu um trabalho escrito de pelo menos três páginas com explicações detalhadas dos tipos de relevos e como identificá-los. A única parte que me consolava era que ainda faltavam quinze dias para entregar o trabalho.

Guardamos os livros e descemos para comer alguma coisa. Como eu sabia bem, o Drew estava pregado na TV. A única surpresa era que a Tonya estava lá também, mas eles não estavam se matando. Um milagre chamado surra.

Comi alguma coisa com a Lizzy, mas como algo de ruim sempre tem que acontecer… O Drew resolveu ser bocão quando a Lizzy estava quase indo embora.

“Ei, Chris, esqueci de perguntar a vocês, como foi a aula de direção?” Olhei a Lizzy pelo canto do olho e ela estava séria… demais.

“Foi… bom… Dei a volta no quarteirão.” Ele sorriu e virou para a Lizzy.

“E você, Lizzy?” Olhei para ela, apreensivo, mas ela aparentemente não pretendia responder. Obviamente o idiota insistiu da pior forma possível: zoando. “Ah qual é?! Vai me dizer que não conseguiu dar a volta no quarteirão?” Ela não respondeu de novo e qualquer idiota teria se tocado que ela não queria falar no assunto. Mas o Drew é um idiota de outro nível: tapado. Então é claro que ele riu. Imbecil… “O que aconteceu? Você estancou o carro?”

Juro que tentei ser rápido o suficiente para dar um tapa nele, mas não foi preciso. A Lizzy olhou para ele com tanta raiva que até eu fiquei intimidado. Por um momento achei que ela fosse bater nele, mas ela simplesmente abriu a porta lateral da cozinha e saiu. Encarei o Drew com raiva, mas a um nível bem menor.

“Valeu, Drew. Valeu.” Deixei ele com cara de tacho na cozinha e corri atrás da Lizzy. Consegui alcançá-la no pé da escada. “Lizzy! Espera!” Ela tirou a mão da maçaneta da porta da rua e se virou para mim. Seu rosto estava sem expressão e eu não soube o que dizer. “Não fica assim. Drew é um idiota.” Ela suspirou e encarou os pés.

“Eu sei.” Ela ficou em silêncio por mais alguns instantes; quando falou sua voz era apenas um sussurro. “Por que é tão fácil para você?”

Meus olhos se arregalaram de surpresa e eu não resisti ao impulso de abraçá-la. Ela me abraçou levemente pela cintura e eu beijei o alto da sua cabeça. Boba. Por que se comparar comigo?

“Eu… não sei. Tem coisas que você é melhor que eu e em outras eu sou melhor que você.” Senti ela assentir e relaxar. Logo depois ela me afastou um pouco e me olhou.

“Tem razão. Desculpa. Eu me deixei levar pela provocação.” Assenti.

“Tudo bem. Pode dar uns tapas nele depois; ele merece.” Ela riu e eu fiquei mais aliviado.

“Ok. Te vejo amanhã.”

“Amanhã.” Reforçando meu hábito, beijei seu rosto e ela corou de leve. Só me lembro de ter subido as escadas sorrindo depois de ouvir a porta bater.

Se alguém além do Drew ficou entusiasmado por eu aprender a dirigir? Claro que foi o Greg. Eu e a Lizzy tivemos que aguentar a falação dele por boa parte da manhã de segunda.

“Cara, isso é demais! Acho que tão cedo não vou ter minha carteira. Meu pai disse que vou ter que esperar porque ele tem outras prioridades. Mas você pode pegar o carro do seu pai e a gente podia sair! Tem noção de quantas garotas vão correr atrás da gente?!” Ouvi a Lizzy grunhir do meu lado, encostada nos armários e concordei com ela.

“Menos, Greg. Bem menos. Você sabe qual é a única garota que me interessa.” Por alguma razão o Greg ficou mortalmente sério e olhou para a Lizzy. Ela não demonstrou nenhuma emoção, mas eu percebi as linhas de seriedade em seu rosto.

Franzi o cenho, incrédulo. É sério que isso é porque eu não quero pegar o carro do meu pai? Fala sério…

Deixei isso passar e não comentei; eles fizeram o mesmo e ficamos em um silêncio esquisito até o sinal para o segundo tempo tocar.

À tarde fui para o Doc’s trabalhar, mas não sem antes ficar remoendo o comportamento da Lizzy logo quando a gente chegou em casa.

Embora ainda faltassem duas semanas para entregar, tínhamos combinado de terminar o trabalho de Geografia naquele dia. Mas ela simplesmente me dispensou, me mandando trabalhar, e dizendo que tinha outras coisas a fazer. Cheguei no Doc’s com uma cara amarrada e ele obviamente notou.

“Que cara é essa? Chupou limão azedo?”

“Nada. Vou cuidar das minhas caixas que é melhor. Entender os outros é missão de psicólogo.” Ele riu e não falou mais nada, pelo que eu agradeci. A última coisa que eu queria era um interrogatório sobre o que estava acontecendo.

Como eu sempre fazia, resolvi que era melhor deixar quieto. Em pouco tempo a situação melhoraria… Mas não melhorou. A Lizzy não estava estranha comigo: nós conversávamos com sempre e o clima entre nós não estava estranho. Mas ela passou a semana inteira adiando o trabalho, sempre com a mesma desculpa: “Tenho outra coisa para fazer.” Que outra coisa era essa ela não me dizia. Mas por quê? Não consegui evitar o pensamento de que, quando a gente era mais criança, não tínhamos segredos um para o outro. Já agora, é só acontecer algo diferente que ela se fecha ou eu me fecho. Por que diabos ser adolescente é tão complicado? Respirei fundo, tentando me concentrar nas latas de sardinha que eu limpava na prateleira à minha frente.

Já era sexta e eu tinha pedido ao Doc para sair uma hora mais cedo - também tinha chegado uma hora mais cedo. Não dei motivo, mas ele também não perguntou. A verdade é que eu queria dar uma volta no parque antes de ir para casa. Não sei porquê mais deu vontade.

Às cinco eu já tinha saído e descia a rua com as mãos nos bolsos. Não pensava em nada e o propósito de dar uma volta era justamente esse. Se eu quisesse me ocupar com pensamentos teria ido para casa ou ficado trabalhando mesmo.

Em mais cinco minutos eu me vi em frente ao parque e comecei a andar pela borda, olhando as árvores. Quando tinha circundado metade do parque, vi um carro familiar vindo devagar pela rua. Logo reconheci como sendo o carro do sr. Jackson. Acenei e o carro acelerou um pouco e parou ao meu lado. Quando vi quem estava no banco do motorista, não acreditei.

“Lizzy?” Eu tinha certeza que minha cara era de idiota. Ela sorriu como se a minha cara de surpresa fosse a coisa mais engraçada do mundo, e eu acredito que provavelmente era. Com um gesto ela indicou o banco do passageiro e eu dei a volta no carro e entrei. “É sério isso?” Ela tinha um sorriso muito sacana no rosto.

“Por que é uma surpresa tão grande assim? Quer dar uma volta?” Sorri e assenti.

“Claro. Quero ver o que você aprendeu com seu pai te dando aulas extras.” Ela me olhou surpresa e eu sorri internamente. Sabia que era isso…

“Como você sabe?” Dei de ombros, me achando.

“Fácil de deduzir. Ele está em casa sem fazer nada e você melhorou do sábado para a sexta.” Ela riu e cutucou meu braço.

“Está ficando espertinho demais.” Sorri, meio cínico.

“A gente não ia dar uma volta?” Ela bateu continência de zoação.

“Sim, senhor.”

Ela acelerou e o carro seguiu em frente a uma velocidade boa. Terminamos de contornar o parque e ela entrou pelo mesmo caminho que eu tinha vindo para o parque. De repente algo me ocorreu. Não é porque ela sabe dirigir que ela pode dirigir.

“Lizzy, seu pai sabe que você pegou o carro?” Quando ela não respondeu, eu olhei para ela. Sua expressão era de leve culpa. “Ele não sabe, então?” Ela confirmou, assentindo.

“Eu só queria provar que eu sei dirigir.” Ela estava tão empolgada que eu não quis cortar o barato dela, mesmo que soubesse que era bem provável sermos pegos pela polícia. Debati internamente se eu deveria sugerir aquilo, mas a vontade de ver o sorriso dela foi maior.

“Sabe, será que você consegue ir até a borda do bairro sem panicar?” Ela me olhou, surpresa, mas logo sorriu, aceitando o desafio.

“Vamos ver, neguinho.”

Acelerando mais um pouco, ela foi. Não era muito longe - apenas 5 quarteirões - mas logo eu me arrependi de ter sugerido. Quando ela chegou na fronteira com Clinton Hill, deu a volta para irmos para casa. Nesse momento, apareceu uma viatura na rua paralela.

Nós trocamos olhares de medo e eu mentalmente rezei para eles não ligarem para a gente. Três horas depois eu cheguei a conclusão que eles jamais passariam reto pela gente. Dois adolescentes em um carro, sendo um deles negro, era muito para eles deixarem passar.

Cruzamos a rua passando por eles e ouvimos o som breve da sirene atrás de nós: era para a gente encostar. Ela levou o carro para o meio fio e encostou, desligando o motor. Troquei olhares com a Lizzy e ela estava branca - mais branca - de medo. Eu já tinha ido em cana antes e sabia exatamente como era, ela não. Segurei sua mão e vimos pelo retrovisor a viatura encostar atrás de nós e os dois policiais descerem. Cada um veio para uma janela.

“Moça, ele está te incomodando?” Senti ela apertando mais minha mão.

“Não, ele é meu melhor amigo e vizinho.” Ele assentiu, mas não pareceu muito convencido.

“E vocês não são jovens demais para dirigir? Quantos anos vocês tem?”

“Dezesseis.” Dissemos juntos.

“Já tem habilitação?” Abaixamos os olhos.

“Não.” Não tínhamos porque mentir.

Ele olhou para o outro policial.

“Chama o reboque. Esses dois vão com a gente.”

POV. LIZZY

Meia hora depois, nós chegamos à delegacia. Eles nos mandaram sentar em frente a um escrivão para tomarem nosso depoimento. Contei tudo: que o carro era do meu pai, que ele vinha me dando aulas de direção e que naquele dia eu pegara o carro sem ele saber. O tempo todo, desde o carro, Chris segurou minha mão, me dando apoio. Era minha primeira vez em cana, mas eu não estava tão assustada quanto achei que ficaria. Entretanto me arrependia terrivelmente de estar de shorts e camisa sem mangas naquela sala gelada.

No fim do depoimento eles pediram o telefone da minha casa para informar o meu pai do ocorrido. Tentei não pensar no que meu pai diria ou como ficaria com raiva e decepcionado. Os minutos se arrastaram enquanto eu e o Chris esperávamos algemados às cadeiras de espera. Recostei minha cabeça em seu ombro e suspirei. Ele passou o braço pelos meus ombros e eu senti menos frio. Ficamos em silêncio até que ele falou:

“Desculpa. Eu fui muito irresponsável; não devia deixar você passar por isso.” Ergui o rosto para olhá-lo, mas ele desviou os olhos dos meus. Com a mão livre, virei seu rosto para o meu e pude ver a culpa em seus olhos.

“Para de se culpar. A decisão foi minha.”

“Mas eu sugeri. Se eu não tivesse-” Não deixei ele terminar.

“Chega de ‘se’. Já aconteceu; não dá mais para mudar. Agora a gente tem que aguentar isso juntos. Não é por isso que você tem segurado minha mão esse tempo todo?” Ele me encarou por um logo tempo com aqueles olhos marrons e eu me senti estranhamente puxada para ele. Finalmente ele assentiu e eu me recostei novamente em seu ombro para esperar.

Quando meu pai chegou na delegacia, ele não falou com a gente. Passou reto para resolver tudo. Depois de 15 minutos ele veio até nós, acompanhado de um policial. O policial tirou nossas algemas e se retirou. Meu pai nos olhou com uma frieza que eu não sabia que ele tinha. Senti meu coração apertar com a culpa.

“Pai, eu-” Mas ele não me deixou terminar.

“Vamos.” E sem olhar para trás, seguiu na direção da saída da delegacia. Chris precisou me puxar para eu ir, porque eu estava paralisada de culpa.

Lá fora outro policial entregou a chave e o carro para o meu pai. Ele entrou e eu e o Chris entramos no banco de trás, nenhum de nós ousando ir na frente. O carro saiu e eu me encolhi contra o Chris; ele me abraçou pelos ombros novamente. O silêncio permaneceu até que meu pai falou, a voz dura.

“Um dos dois tem algo a dizer? Alguma explicação?” Ambos abaixamos a cabeça e permanecemos em silêncio. “Imaginei que não.” Ergui os olhos e vi que ele me olhava pelo retrovisor. “Eu não contei à sua mãe; arrumei uma desculpa qualquer para sair a essa hora. Ela não merece esse desgosto.”

Senti uma pontada maior de culpa no meu peito e segurei as lágrimas. Depois de tudo o que eu passei para ela finalmente se abrir comigo, e graças ao Chris. Eu sou uma idiota mesmo.

Meu pai continuou, olhando para o Chris: “Nem achei que seria algo bom destruir a boa imagem que você demorou para construir, Chris.” Ele assentiu e agradeceu.

“Obrigado, senhor.”

“Mas eu estou muito decepcionado com os dois. Vocês quebraram minha confiança. Espero que entendam a gravidade do que fizeram. Se eu não tivesse pago sua fiança e a multa pela apreensão do carro, os dois teriam dormido na delegacia.” Tremi um pouco e o Chris me apertou levemente.

Meu pai estacionou em frente a nossa casa e virou-se para nós dois.

“Vamos subir para a sua casa, Chris. Quero que expliquem tudo aos seus pais.”

Senti o Chris engolir em seco, mas assentiu. Saímos do carro e subimos as escadas, entrando na casa. No andar de cima, o Chris abriu a porta da sala e imediatamente a dona Rochelle, o sr. Jullius, Drew e Tonya apareceram. Dona Rochelle foi logo falando.

“Arthur, Lizzy. Tudo bem?” Sua expressão foi de sorridente a mortal quando ela olhou para o Chris. “Onde você estava, garoto?! Sabe como eu fiquei preocupada?!” Meu pai interveio.

“Rochelle, os dois tem algo a contar a todos.” Então olhou para nós: “Podem começar.”

Pouco a pouco e nos revezando na história, eu e o Chris logo terminamos de contar tudo. No final, a dona Rochelle e o sr Jullius pediam desculpas ao meu pai.

“Arthur, eu sinto muito o inconveniente e o prejuízo.” Meu pai negou.

“Não se preocupem; não terei prejuízo nenhum. Acho que, como pais, concordamos que eles merecem uma punição.” Os pais do Chris assentiram e nos olharam acusadoramente. “E eu tenho uma sugestão.” Dona Rochelle logo se interessou.

“E qual seria?”

“As duas fianças e a multa pela apreensão do carro foram U$ 400 ao todo. Como disse: não tenho intenção de ficar com o prejuízo. Sugiro que os dois paguem as fianças e a multa. Duzentos dólares para cada.”

Eu e o Chris olhamos para o meu pai completamente chocados com a sugestão.

“Duzentos dólares, pai?! É minha mesada por quatro meses!”

“E meu salário do mês!”

Meu pai, o sr. Jullius e a dona Rochelle nos olharam com um sorriso que denunciava que eles tinham adorado nosso pânico. Meu pai, principalmente.

“Ótimo. Talvez isso ensine um pouco de responsabilidade a vocês.” Suspiramos, derrotados. “E vocês tem o dinheiro. Não estavam juntando para a habilitação.?”

Chris assentiu e, de cabeça baixa, subiu as escadas, descendo logo depois com o dinheiro. Quando ele entregou o dinheiro para o meu pai, eu sabia que ele pensava o mesmo que eu: Mais um ano para a habilitação…

Meu pai olhou para mim e ordenou:

“Vamos. Você tem que me dar sua parte.” E, voltando-se para os outros, se despediu. “Boa noite a todos.” Enquanto eles se despediam, me despedi do Chris.

“A gente se vê amanhã.” Ele assentiu com um sorriso fraco e apertou minha mão de leve. Ouvimos os risinhos de Drew e Tonya, mas ignoramos.

“Boa noite.”

Acompanhei o meu pai até em casa e lhe entreguei minha parte do dinheiro. Ele despistou minha mãe com uma desculpa qualquer e eu subi para o meu quarto. Estava cansada e a noite tinha sido longa. Também estava triste e queria dormir logo.

No outro dia, conversando com o Chris, conseguimos chegar a uma definição de responsabilidade: deixar de fazer o que queremos para fazer o que é certo.


***


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Notas finais do capítulo

Gigante, não é? Mas espero que tenham gostado...
^^



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