Nem Todo Mundo Odeia o Chris - 3ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 21
Todo Mundo Odeia Ser Descolado


Notas iniciais do capítulo

Não darei desculpas pelo sumiço dessa vez... Foi necessário :'(
Mas acho que vocês vão ficar bem felizes com esse capítulo...
#chemistry #heat #tension
Enjoy o/



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POV. LIZZY (Brooklyn - 1986)

Chris estava magoado. Não havia outra palavra para descrevê-lo. Apesar de todos os momentos bons que tivemos desde que voltamos a nos falar, agora ele estava muito estranho comigo. Eu sentia que ele me evitava, não me olhava mais nos olhos, suas respostas em nossa conversas eram agora curtas e objetivas e ele não fazia mais nenhum esforço para ficar perto de mim. Isso me machucava de um jeito que eu não conseguia explicar, mas eu sabia muito bem que a culpa era minha.

Sim, eu tinha entendido quando ele falou, há mais de uma semana atrás, que gostava de mim. Fiquei surpresa, feliz, absurdamente feliz, mas também entrei em pânico. Eu havia esperado tanto tempo para ouvi-lo dizer que gostava de mim, que quando, de repente, ele disse, eu fiquei muda. Senti inúmeras emoções ao mesmo tempo fazendo minha cabeça girar. O sangue do meu corpo todo se concentrou no meu rosto e as palavras pareciam querer me sufocar. Por fim, quando consegui falar que também gostava dele, meu nervosismo não me ajudou e ele não entendeu. Se eu fechasse os olhos, ainda conseguia ver seu sorriso morrendo ao ouvir o tom das minhas palavras.

Depois disso, fomos terminar o nosso trabalho e, de lá, fomos até a casa do Greg. Ele sempre calado, com o olhar distante, e eu falando e me odiando pela minha covardia. Desde então não conseguia mais tocar no assunto. Ele não me dava chance para falar, e eu não encontrava a coragem que sempre jurei ter.

Respirei fundo e abracei meus livros ainda mais forte, determinada. Eu havia esperado todo esse tempo pensando que ele gostava de outra, não desistiria agora que sabia que ele correspondia. Eu agiria, mas também teria paciência, tentando uma vez após outra se fosse necessário, afinal eu sabia que encontraria resistência: ele estava magoado comigo. Mas eu não desistiria. Ele será meu…

Alguns alunos passaram correndo pelo corredor dos armários, onde eu esperava os dois. Tive um mau pressentimento ao ver a direção onde os garotos corriam: o banheiro masculino. Chris… Greg…

Corri até o banheiro masculino e vi a multidão de alunos que se apertava na porta, gritando coisas incoerentes. Sem a menor consideração, empurrei todos na minha frente até conseguir entrar. Lá dentro vi Chris e Caruzo em um festival de socos e um Greg que tentava separar os dois sem sucesso. Empurrando o restante de alunos que ainda estava na minha frente e segurando forte os livros na mão esquerda, fiz um arco com o braço, acertando Caruzo na cara com os livros. Com o braço direito e o peso do corpo, empurrei o Chris na direção do Greg, que pensou rápido e segurou seus braços.

“Chega!” Fiquei de costas para o Chris, encarando o Caruzo que agora tinha uma marca grande e vermelha no rosto. “Será que depois de anos você não cansa, Caruzo?! Deixa a gente em paz!”

Ele fez uma careta pela dor no rosto, mas não respondeu. Seus cúmplices foram até ele para ajudá-lo. Revirei os olhos e virei para encarar o Chris, ainda seguro pelo Greg. Com um olhar meu, Greg o soltou. Chris não olhou para mim; os olhos fixos no chão. Imaginei que ele achou que eu brigaria com ele.

Com cuidado, afaguei seu rosto, franzindo o cenho ao notar o fio de sangue que saía de seu lábio inferior cortado. Ele ergueu os olhos, surpreso com meu carinho. Ignorei a pergunta em seus olhos e peguei sua mão.

“Vamos. Você tem que ir para a enfermaria.”

Já ia levá-lo para fora quando a vice-diretora apareceu na porta, passando pela massa de alunos que já diminuía.

“Ninguém sairá daqui até que me digam o que aconteceu.”

Todos ficaram em silêncio e imóveis, até os que já estavam saindo. Ela olhou para cada um no recinto, esperando uma resposta, até que cansou.

“Bom, se silêncio é tudo o que têm para mim… Caruzo, Chris, na minha sala agora.”

 

Ninguém mais pôde entrar além dos dois. Greg e eu ficamos esperando do lado de fora, junto com os “amigos” do Caruzo. O sinal do início da aula tocou e eu troquei olhares com o Greg.

“É melhor você ir para a aula, assim você pega a matéria para mim e para ele. Quando ele sair, vou levá-lo à enfermaria. De lá imagino que ele vá para casa e não venha para a aula por pelo menos uma semana.” Greg assentiu.

“Bem provável. Qualquer coisa é só avisar.” Assenti e apertei sua mão em agradecimento.

“Obrigada, Greg. Por estar lá.” Ele sorriu.

“É o que melhores amigos fazem.”

Observei-o seguir pelo corredor até ouvir o barulho da porta da diretoria abrindo. Chris saiu primeiro, depois Caruzo. Ignorei o último e levantei quando Chris se aproximou.

“Cadê o Greg?”

“Foi para a aula pegar a matéria.” Ele assentiu. “E então?” Ele retorceu a boca.

“Uma semana de suspensão a contar de hoje.”

Suspirei e peguei sua mão, levando-o na direção da enfermaria. Lá, como não achei a enfermeira, eu mesma cuidei dele. Ficamos em silêncio à princípio, eu separando o que ia precisar, ele atento ao que eu fazia. Seu olhar me desconcertou um pouco, mas fiquei feliz naquele momento sua atenção era só minha.

“Por que fez isso?” perguntei enquanto o fazia sentar em uma cama e limpava o corte.

Ele deu de ombros, Seus olhos não estavam mais em mim e sua expressão era dura.

“Ele me provocou.”

“Isso eu sei, mas você nunca revida.”

“Uma hora isso tinha que mudar.”

Suspirei e reprimi minha língua para não dizer que assim ele sempre se prejudicava. Eu não queria brigar. Ao invés disso, fiquei em silêncio enquanto cortava o curativo em uma pequena linha fina e cobria o corte em sua boca. Olhei cuidadosamente o que eu havia feito, até perceber seus olhos em mim novamente.

Concentrada no que fazia, não percebi que havia me aproximado dele de modo alarmante. Seus olhos estavam fixos nos meus, mas logo os vi descerem pelo meu rosto até pararem em minha boca. Meu estômago se revirou de ansiedade, lembrando a mesma sensação que eu sentira quando tinha dormido em sua casa. Recordando que havia dito que ele seria meu mesmo que eu tivesse que avançar aos poucos, fechando os olhos, inclinei o rosto para frente e encostei minha testa na sua. Senti sua respiração acelerar, minhas mãos ainda em seus ombros. Corajosamente abri os olhos e o encarei. Seus olhos estavam mais escuros do que eu lembrava e um pouco assustados, mas ainda fixos em minha boca. Suas mãos em minha cintura me fizeram perceber em que posição eu estava: em pé entre suas pernas. Meu coração acelerou como louco, fazendo o sangue fluir para o meu rosto. Senti o ar me faltar quando o vi fechar os olhos e aproximar a boca da minha. Estremeci de antecipação, já me sentindo flutuar de felicidade, quando…

“Humph… Aqui não é lugar para isso…”

Afastei-me dele em um segundo ao ouvir a voz da enfermeira. Ela sempre tinha sido legal com a gente, então não me preocupei de ela falar algo para a diretora. Mas ainda assim estava envergonhada, por isso mantive os olhos no chão.

“Desculpe, professora. Já estamos saindo.”

Meu rosto queimou ainda mais quando passamos por ela e eu a ouvi rir levemente.

Do lado de fora, respirei fundo tentando regular meu coração louco e o fluxo do meu sangue. Olhei-o pelo canto dos olhos; com as mãos nos bolsos da calça, ele encarava o chão como algo infinitamente interessante.

“Chris-”

“É melhor eu ir.” Ele me interrompeu, ainda encarando o chão. Não quero confusão.”

Assenti e começamos  a caminhar em silêncio até os armários. Ele pegou seus livros, se despediu rápido de mim e foi embora.

Meu coração bateu dolorosamente ao vê-lo andar até a saída. Queria ir com ele, ficar ao seu lado, mas sabia que ele não me queria agora. Apesar do nó em minha garganta e da vontade de correr até ele e abraçá-lo, me mantive imóvel até que ele desaparecesse de vista. Cerrei os dentes e respirei fundo. Eu não vou desistir…

 

POV. CHRIS

Jogando a mochila na grama, sentei ao pé da minha árvore favorita, recostando a cabeça e fechando o olhos.

Quando desci do ônibus, não senti a menor vontade de ir para casa escutar os gritos da minha mãe. Eu precisava de paz. Já bastava o caos que estavam minha cabeça e meus sentimentos.

Ela estava certa quando disse que eu nunca revidava nada do Caruzo. Era verdade. Minha política era ignorar sempre, e funcionava bem. O problema era que desde aquele dia eu estava estressado, brigando por qualquer coisa; até discuti com o Drew por besteira. Eu sabia que não era eu ali, mas não conseguia evitar. Eu tinha que colocar minha frustração para fora de algum jeito ou iria sufocar. Acabei “escolhendo” o Caruzo, o alvo mais fácil.

Ele veio com os insultos usuais, os apelidos de sempre, e eu me descontrolei. Até o Greg se assustou. Então, ela veio. Resolvendo tudo, como sempre, o que me fazia sentir ainda mais frustrado. Eu queria sair de lá, ficar sozinho, mas ela ficou insistentemente ao meu lado, como sempre. Até a enfermaria…

Pensei que meu coração fosse explodir, tão rápido ele batia. Vê-la tão perto me deixou em um estado de torpor, mas a pequena parte do meu cérebro que ainda funcionava naquele momento me dizia que havia algo errado. Ela não me queria desta forma. Mesmo assim cedi, e a teria beijado se não fosse a enfermeira.

Do lado de fora, já conseguindo pensar novamente, li em seu rosto uma expressão de desculpas e não deixei que falasse. Não queria ouvir qualquer desculpa em relação àquilo. Eu sabia que não deveria ter acontecido. O melhor que fiz foi sair logo de lá.

Será que ela não percebe o quanto machuca ficar perto dela sabendo que ela não será minha?

Abri os olhos e encarei os galhos da árvore balançando levemente com o vento. Uma recordação me fez dar um sorriso amargo.

“É a segunda vez que estou aqui, lamentando pela mesma garota. Parece um carma.”

Ainda demorei mais um pouco lá, relutante em deixar aquela paz e voltar para o universo de gritos e reclamações que era minha casa. Mas, como uma hora eu tenho que ir… Levantei e andei lentamente até minha casa.

 

Depois de quase uma hora de gritos e ameaças que eu fingia não ouvir, recebi meu castigo de sempre: sem regalias em casa. Como se algum dia eu tivesse recebido alguma…

“E não pense que vai ficar em casa sem fazer nada”, ela avisou e eu me adiantei.

“Não penso mesmo. Vou para o Doc’s. Ele deve estar precisando de mim”, respondi.

Apesar de saber bem que ela me queria trancado em casa, cuidando de Drew e Tonya e fazendo as tarefas dela, minha mãe não poderia me proibir de ir trabalhar pois isso significaria arrumar briga com o meu pai. Emprego era sagrado lá em casa, e ela sabia disso tão bem quanto eu. Assim, saí pacificamente de casa e logo estava no Doc’s. Eu sabia muito bem como me ocupar.

“Trabalhar o dia todo? O que você fez, Chris?”

Eu não queria exatamente me explicar, mas era necessário.

“Fui presenteado com uma suspensão de uma semana. Como não quero ficar em casa de empregado e babá, você é minha salvação.”

Ele me analisou e vi quando seus olhos perceberam o curativo na minha boca.

“Andou brigando na escola, garoto?”

Preferi ignorar a pergunta e seguir com meu próximo argumento.

“Olha, eu sei que está perto de renovar o estoque, então por que não renova nessa semana que vou estar livre? Você sabe quanto o Drew cobra para vir tirar minhas folgas.”

Doc fez uma careta; eu compreendia. Drew era bem mercenário.

“Tudo bem. Pode vir.”

Sorri levemente em agradecimento.

“Valeu, Doc.”

“Mas”, ele começou, me olhando de forma suspeita, “essa briga que você se meteu tem algo a ver com a Lizzy?”

Minha melhor opção era mudar de assunto.

“Então, tem muitas caixas para subir?” Perguntei, já indo em direção ao porão.

Ouvi sua risada atrás de mim.

“Obrigado pela confirmação, Chris.”

Revirei os olhos. Às vezes o Doc é esperto demais para o meu gosto…

 

Assim eu fiquei trabalhando o dia inteiro no Doc’s por uma semana. Ele acabou seguindo o meu conselho e adiantou a renovação do estoque, e isso significava caixas e mais caixas chegando todos os dias. Eu chegava em casa tão cansado que só conseguia comer, tomar banho e dormir. Minha mãe tomou meu cansaço como mais uma parte do meu castigo e, amém, me deixou em paz. Outra boa parte disso foi que, também pelo cansaço, eu não conseguia mais ter energia para pensar no meu coração partido. Talvez meu pai tenha razão e o trabalho cure realmente tudo…

Também naquela semana, o sol decidiu que ia esquentar de verdade. Foi uma das semanas mais quentes que tivemos o ano inteiro, e era só o começo do verão. Primeiro estava suportável, depois foi esquentando mais e mais à medida que os dias passavam. Como eu sempre vesti duas camisas, logo comecei a me incomodar; era quase como trabalhar em um forno particular. Resultado: descartei uma das camisas.

O dia seguinte pareceu mais quente ainda que o anterior, o que eu não pensei ser possível, mas claramente era. Eu estava procurando uma camisa menos sufocante no guarda-roupas quando Drew entrou no quarto, já vestido para ir à aula, mas com uma bolsa de gela na cabeça.

“Bateu a cabeça?” Ele negou com um gesto, se largando na cama e colocando a bolsa de gelo no rosto. Sua voz saiu abafada.

“Gui galor insubortábel!” Ri dele, mas concordei. E não são nem 8h da manhã.

Eu tinha saído do banho sem me enxugar e já estava com calor. Só tinha conseguido vestir a calça e os sapatos, e estava ali, abominando a ideia de vestir uma camisa.

“Tem razão. Dá vontade de entrar na geladeira nu.” Ele tirou o gelo do rosto para responder.

“Não me dá a ideia. Estou quase levando a sério a ideia de falta aula, encontrar uma piscina e me jogar dentro. Mas ia dar uma confusão.” Assenti. “Tonya está lá embaixo reclamando com a mãe sobre ter que ir à aula nesse calor.”

Ri da esperança ínfima dela.

“Se quando tem 3 metros de neve lá fora ela ainda manda a gente ir para a aula…”

Ele resmungou infeliz, recolocando o gelo na cabeça, e eu voltei minha atenção para as camisas até escutá-lo falar de novo.

“Cara, já que a opção ‘ir pelado’ é inviável, se eu fosse você iria com uma camisa de basquete.”

Olhei surpreso para ele.

“Boa ideia. Nunca mais tire essa bolsa de gelo da cabeça”, falei vestindo uma camisa dos Lakers que a Lizzy tinha me dado de presente. “Isso está fazendo milagres.” Ele riu com deboche.

“Não vou tirar tão cedo.” Dando um leve tapa na perna dele à guisa de “até mais”, saí do quarto e da casa em direção ao Doc.

A camisa de basquete ajudou bastante, já que não tinha mangas e era frouxa, então trabalhei em relativa paz até o meio dia.

Algumas meninas da vizinhança vieram fazer comprar enquanto mais caixas chegavam. Eu orientava os entregadores onde colocarem as caixas e não dei atenção às garotas, afinal, elas normalmente não falavam comigo, até que…

“Oi, Chris…” Juro, quase derrubei uma caixa de enlatados pelo susto.

“Ah, oi?” Reconheci as duas da rua de trás.

Elas entraram na loja trocando risinhos, me deixando confuso. Logo ignorei e voltei ao trabalho. E eu poderia até ter esquecido a presença delas também, se não tivesse acontecido mais umas 4 vezes com garotas diferentes. Ok, isso é muito estranho…

Eu as cumprimentava normalmente e elas saíam dando risinhos e cochichando. Depois da terceira vez, concluí o mais provável: garotas são loucas… É isso.

Continuei indo trabalhar com camisas sem mangas nos dois dias seguintes, e as meninas continuaram me cumprimentando. Passei a só dizer “oi” rápido; estava atolado de caixas até a cabeça. A frequência delas me intrigava: elas nunca tinham vindo tanto antes. Quer saber? Não é da minha conta. Mas, no fim, acabou sendo da minha conta sim.

Meu último dia de suspensão e, consequentemente, meu último dia como trabalhador integral foi também o dia mais quente até então. Doc teve pena de mim e deixou que eu ficasse dentro da loja nas partes mais quentes do dia. Demorei mais de duas horas para guardar as caixas de leite, só para ficar na frente das geladeiras.

Mas, perto das 3 da tarde, chegou a última remessa de mercadorias que, ironicamente, eram as caixas mais pesadas. Revirei os olhos e grunhi quando vi a caminhonete encostar. Sorte minha não eram tantas caixas quanto eu esperava, só umas 7, então carregá-las foi relativamente fácil. O problema foi o que aconteceu nesse meio tempo.

Quando a caminhonete foi embora, estiquei as costas, respirando fundo. Me arrependi de imediato quando o ar quente entrou meus pulmões. Só falta mais essas, aí eu volto para perto da geladeira. Ouvi vozes um pouco mais altas e virei para olhar o que era.

Do outro lado da rua, os desocupados do quarteirão haviam quebrado a tampa de um hidrante e criado um mini chafariz. Olhei para a água caindo como se nunca tivesse visto aquilo na vida. Resisti fortemente à vontade de ir lá e me molhar como eles estavam fazendo. Algumas meninas, a maioria que agora vinha ao Doc’s com uma frequência absurda, estavam sentadas em uma calçada na sombra, olhando os garotos brincarem com a água e rindo.

Pouco depois, para a alegria das meninas, eles tiraram as camisas. Não me surpreendi; o que seria uma visão rara em outras épocas do ano, no verão era algo completamente normal. Aparentemente ninguém estava disposto a cozinhar dentro da própria roupa por causa de um princípio moral, o que me fez pensar. Olhei para a minha camisa e cogitei. Já fazia um tempo que eu não tinha mais vergonha do meu corpo, e não era como se alguém fosse prestar atenção em um cara a mais sem camisa na rua, principalmente considerando o show que os outros estavam fazendo perto do hidrante.

Dando de ombros, tirei a camisa e a amarrei em um dos passadores da calça. Ninguém pareceu prestar atenção, então eu voltei para as minhas caixas.

 

POV. LIZZY

Pela enésima vez eu passava todos os canais da TV sem encontrar nada que me interessasse. Com tudo feito em casa e sendo minha folga do trabalho, não me restava nada para fazer. Já havia lido todos os livros que tinha em casa e até o jantar estava pronto.

Afundei meu rosto em uma almofada e grunhi de tédio. Acho que me acostumei tanto a trabalhar que não suporto ficar sem fazer nada. Droga…

Chris com certeza estava no Doc’s, trabalhando. Ainda era um mistério para mim como ele conseguia trabalhar com aquele calor infernal.

Pensando em calor, senti uma súbita vontade de comer um sorvete bem gelado. Pensei em ir na sorveteria, mas não queria ir lá sozinha. Todas as vezes que tinha ido lá foram com o Chris. Minha alternativa era ir até o Doc’s comprar um pote médio e, talvez, dividir com ele. Se ele quiser… Mordi o lábio em dúvida, mas logo afastei o pensamento.

Como eu estava com uma roupa leve - short preto curto e uma blusa lilás sem mangas -  e ninguém ligava para o que você vestia no verão, simplesmente calcei um tênis branco simples, peguei o dinheiro e saí de casa. No segundo que passei pela porta, senti vontade de voltar para dentro e mergulhar em uma banheira de gelo. Que inferno… E já passou e muito do meio dia. Consultei o relógio: eram pouco mais de 15h.

Indo por onde tinha mais sombra. desci a rua lentamente. Logo comecei a ouvir alguns gritos e risadas e vi um esguicho contínuo de água para cima. Ri ao perceber que os outros garotos da rua tinham quebrado a tampa do hidrante. Não perdem tempo mesmo. Eles estavam sem camisa brincando no meio da poça d’água gigante que já se formara no chão.

Ainda rindo, desviei meus olhos para algumas meninas sentadas na calçada - mais perto percebi que uma delas era a Tasha. Elas estavam na sombra, mas ainda se abanavam. Meu sorriso morreu quando cheguei bem perto delas, que nem me notaram, e vi que sua atenção não estava nos garotos brincando na água. Segui seu olhar e senti o ar ficar preso na minha garganta.

Do outro lado da rua, um Chris sem camisa entrava e saía do Doc’s carregando caixas. Senti meu sangue correr mais rápido e meu coração acelerar loucamente. Minha boca salivou e instintivamente umedeci os lábios secos com a língua.

Observei atentamente quando ele parou um pouco e respirou fundo, seu peito subindo e descendo. Desci os olhos ao ver algumas gotas de suor escorrerem lentamente por sua barriga, passando por casa ondulação que tinha ali. Reprimi um gemido de deleite com aquela visão. Então ele se abaixou, pegando a penúltima caixa - os músculos dos braços se flexionando lindamente com o movimento, e a expressão séria em concentração - e entrou de novo na loja.

Só quando ele saiu do meu campo de visão foi que consegui respirar direito outra vez. Recuei alguns passos devido às minhas pernas fracas e me recostei na parede da casa atrás de mim. Respirei fundo, tentando inutilmente acalmar meu pulso.

Eu já tinha visto o Chris sem camisa, tanto na praia quanto no quarto dele. Esta última tinha sido minha visão do céu… até agora. Copiando a ideia das meninas, me abanei com as mãos, tentando diminuir o calor que agora saía de dentro de mim. Se esse é o resultado que carregar caixas dá, já deveria ser considerado esporte olímpico…

De repente a ideia do sorvete parecia bem promissora, mas minha mente já me dava outras ideias de o que fazer com ele além de comê-lo. Senti meu rosto esquentar por causa das imagens indecentes que meu cérebro começou a sugerir.

Chamando minha atenção, Chris saiu da loja mais uma vez para pegar a última caixa. Assim que o vi de novo, todas as sensações de antes voltaram, até que escutei as meninas falando baixo.

“Não sabia que aqui tinha ficado tão bem frequentado”, disse uma que estava sentada perto da parede.

Outra riu em concordância.

“Muito bem frequentado. Não é todo dia que a gente consegue uma visão dessa”, concordou, se abanando mais forte. As outras riram em aprovação.

“Estimula a imaginação”, disse Tasha, com um sorriso provocante.

Meu rosto esquentou, mas dessa vez foi de uma raiva furiosa. Que direito elas acham que têm de ficar desejando o MEU CHRIS?! Me aproximei delas e me abaixei, resistindo bravamente à vontade de bater em todas elas.

“Realmente combina com vocês ficarem se oferecendo assim”. Elas me olharam assustadas, mas Tasha logo se recuperou, sorrindo descaradamente para mim.

“O que foi, Lizzy? Se sentiu ameaçada?” Apesar da raiva, mantive a postura, sorrindo calmamente.

“Não, porque enquanto você baixou a guarda, eu agi.” Observei seu sorriso se desfazer enquanto eu me erguia. “Por isso você já perdeu.”

Ignorei o que quer que ela tivesse para me dizer e atravessei a rua, indo na direção do Chris. Ele vai ouvir também!

Quando eu já estava relativamente perto, ele me notou.

“Liz?” parei de frente para ele, tremendo de raiva e desejo.

“Está sentindo o cheiro?” Ele me encarou, confuso.

“Que cheiro?”

“De hipocrisia”, disse com deboche. Fiz o meu melhor para focar em seu rosto, pois se olhasse para qualquer parte do seu corpo ficaria muda. “Conheço alguém que fez a maior discussão porque meu uniforme de trabalho era curto e agora está seminu no meio da rua.”

Cruzei os braços na frente do corpo tentando ignorar meu rosto quente ao vê-lo rir com sarcasmo e imitar meu movimento.

“Queria que eu cozinhasse dentro da roupa? Além disso, eu faço por necessidade, ao contrário de você que até gostou daquele pedaço de pano.” Minha raiva aumentou com sua acusação.

“Imagino que você também esteja gostando da sua plateia”, acusei, apontando discretamente para onde as meninas ainda estavam sentadas.

Ele olhou para onde eu indiquei e pareceu surpreso com o olhar delas sobre nós. Mas logo sua expressão endureceu e ele me olhou firme nos olhos. Pude ver um tom de mágoa lá.

“E se eu tiver gostado? Desde quando você se importa?”

“Sempre me importei!” Respondi, frustrada.

“Por quê?”

Desviei os olhos dos dele, incapaz de encará-lo ou responder sua pergunta.

Por sobre seu ombro, algo me chamou atenção. Um grupo de garotos vinha dobrando a esquina. Os que vinham na frente apontaram para nós. Reconheci eles como os gangsters do bairro, namorados das meninas que tinham estado babando pelo Chris. Senti um aperto na garganta ao perceber o motivo de eles estarem ali. Vieram atrás do Chris…

“Lizzy?” A voz dele me trouxe de volta para a Terra. Olhei para ele e sua expressão ainda era dura. “Responde. Por quê?”

Relanceei os olhos na direção dos gangsters e vi que chegariam em nós em pouco tempo. Eu tenho que agir rápido.

“Chris, terminamos essa conversa depois.” Ele fez menção de me interromper, mas continuei. “Pode parecer estranho que vou pedir agora, mas não tenho tempo para explicar. Apenas confie em mim e aja de acordo.”

Seu rosto demonstrou confusão, mas eu já não tinha tempo. Me aproximei até ficar bem próxima e, inclinando meu rosto para o seu, de modo que dos pontos de vista dos gangsters e das meninas, nós parecêssemos nos beijar.

Ele pareceu seguir meu pedido e ficou parado, mas seus olhos mostravam surpresa e confusão. Olhando por cima de seus ombros, vi os gangsters nos olharem e conversarem entre si. Após alguns instantes e alguma hesitação, eles viraram as costas e foram embora. Suspirei levemente de alívio e voltei minha atenção para o Chris.

Como havia sido na enfermaria, seus olhos estavam fixos em minha boca e seu peito descia e subia rápido. Decidida, colei meu corpo no seu, ouvindo-o ofegar. Eu tremia de ansiedade e conjurei o restante da minha coragem para fechar os olhos e roçar meus lábios nos seus. Senti suas mãos apertarem minha cintura, e ele correspondeu ao meu toque. Suspirei feliz, certa de que agora teríamos nosso beijo… Mas eu estava enganada. Suas mãos mudaram da minha cintura para os meus ombros e me afastaram. Ainda desorientada com a súbita rejeição, tentei focar em seu rosto. De olhos fechados, ele respirava profunda e compassadamente, como se fizesse um grande esforço.

“Por que?”, ele perguntou. “Até quando você vai me usar?” Sua pergunta foi como um tapa em meu rosto.

“O-o quê?”

Ele abriu os olhos para me encarar e lá eu vi uma dor que eu nunca vira antes. Recuei alguns passos com a dor que a sua dor me causou, então compreendi: eu o fazia sofrer agindo assim. Como os olhos no chão, me desculpei em voz baixa e comecei a subir a rua em direção à minha casa.

 

POV. CHRIS

Observei-a ir embora sentindo meu coração se partir outra vez, mas não tive certeza se por sua presença ou ausência. Respirei fundo, desejando que minha vida deixasse de ser tão complicada, mas minha reflexão foi interrompida pelo Doc.

“Não deveria ter sido duro com ela. Sua intenção foi boa.”

“Que intenção?” Perguntei, virando para ele. Me irritava ele ficar sempre do lado dela.

Ele não respondeu, mas apontou para o fim da rua. Acompanhei a direção para onde apontava e vi os conhecidos gangsters do bairro dobrando a esquina.

“Eles vieram atrás de você. Provavelmente souberam que você estava monopolizando as namoradas deles pela sua… falta de roupa.”

Senti meu coração bater dolorosamente no meu peito, sabendo que eu tinha feito besteira outra vez. Instintivamente, olhei na direção que ela tinha ido, sentindo a garganta apertada. Droga… Eu não faço nada direito…

 

Felizmente o resto da tarde passou rápido; meu peito se comprimia a cada segundo que passava e eu imaginava o que ela estaria fazendo ou pensando naquele momento.

Mal esperei dar 18h e já me despedi do Doc. Ignorando o cansaço, subi a rua correndo, querendo vê-la o mais rápido possível. Diminuí o ritmo, quando a vi sentada nas escadas da calçada, e passei a só andar rápido. Parei ao pé da escada ainda ofegante e ela me encarou sem expressão, em seu colo um pote pequeno e vazia de sorvete. Nos encaramos por alguns segundos até que eu falei.

“Desculpa. Eu não deveria ter falado com você daquela forma. Doc me contou porque fez aquilo. Eu devia ter te deixado explicar. Desculpa.” Após alguns segundos ela assentiu.

“Tudo bem. Acho que era o que você queria me dizer no momento”, ela disse sem olhar para mim. Senti o nó na minha garganta apertar.

“Mas não foi justo”. Hesitante, subi alguns degraus, me aproximando, mas ela não protestou. “Você estava tentando me ajudar… de novo. Foi ingrato da minha parte. Eu sinto muito.”

Ela finalmente me olhou com aqueles olhos que pareciam ler minha alma. Percebi leves linhas finas e úmidas em seu rosto; ela tinha chorado por minha causa… de novo.

“Tudo bem”, disse com a voz fraca, e eu me senti o pior ser humano da face da Terra.

Ousei sentar ao seu lado e ficamos um tempo em silêncio. Pouco depois senti sua mão deslizar na minha, entrelaçando nossos dedos, e o peso familiar de sua cabeça em meu ombro. Meu coração acelerou e aqueceu de um jeito bom, então apertei levemente sua mão e encostei minha cabeça na sua, aceitando seu contato. Ficamos assim até sua voz quebrar o silêncio.

“Desculpe. Eu não tinha a intenção de te fazer sentir usado ou qualquer outra coisa. Eu só-”

“Eu sei” a interrompi, apertando sua mão para que ela entendesse que eu realmente acreditava no que dizia. “Você não faria isso comigo.”

Ela assentiu, murmurando um agradecimento. Senti sua cabeça virar um pouco no meu ombro para me olhar. À princípio não a encarei, mesmo ciente de sua atenção em mim, mas pouco depois cedi, virando o rosto para olhá-la… E, pela segunda vez naquele dia, nossos lábios ficaram próximos; seus olhos nos meus. Invocando meu autocontrole, desviei um pouco e beijei sua testa, puxando-a pela cintura para mais perto de mim, satisfeito com seu calor. A dor no meu peito diminuiu um pouco, e eu pensei que talvez eu pudesse controlar meus sentimentos. Talvez…


***


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Notas finais do capítulo

Então? Já ansiosos pelo próximo?

P.S.: Próximo capítulo = O Coração de um Nerd - Cap. 7



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