A Chegada Dela escrita por Kam_ted


Capítulo 4
Capítulo 4




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 Acordei assustada com a claridade azulada adentrando o quarto.  

 Ela estava ao meu lado, o peito nu a subir e a baixar com a respiração calma, pude ver ou imaginar um sorriso em seus lábios fechados. Mas eram nos meus que estava algo meio patético a se esticar, mostrando os dentes. Ela havia sido minha. Vesti-me e saí silenciosamente pela porta dos fundos. O céu clareava mais e mais a cada minuto que parei para fitá-lo, enquanto corria saltitante pelo caminho de minha casa. Encontrei meu pai beijando minha mãe falando coisas que não pude escutar. Ele estava ausente por quase todo o dia. Me olharam espantados. Perguntaram de onde estava vindo.

- Ah, ia ver o pôr do sol mas fiquei com sono e voltei.

 Não gaguejei, me estava tornando uma garota astuta que antigamente não olhava diretamente nos olhos das outras pessoas. Agora eu não era mais virgem, precisava me comportar como uma moça. Estava me sentindo mais velha. Pensava em uma fase que havia acabado de ser realizada: a fase que se faz amor com alguém. Tomei banho tocando em cada parte que havia sido desvirginada por ela. O toque macio ainda estava presente nos meus sentidos. Comecei a imaginar minha mãe fazendo amor com meu pai. Se meu pai tinha a mesma doçura, se minha mãe chegava no êxtase indizível. Fazer amor. Meu irmão não estava fazendo amor com aquela mulher de seios fartos. Eu nem a conhecia. Sabia de fato que não estavam fazendo amor. Suas expressões eram prazerosas demais para sentir aquele ar quentinho dentro do coração, como se este estivesse derretendo. Vi aquelas mãos que me tocaram tocarem tantas outras meninas e outras mãos a tocarem. De repente dei-me conta que minhas mãos não haviam explorado nada em seu corpo e que talvez eu estivesse fazendo amor e ela estivesse a fazer o mesmo que meu irmão e, talvez ainda, meus pais faziam, sexo. Fiquei agonizando dentro da banheira esfregando a espuma em meu corpo. Sentia raiva. Tanta raiva de me descobrir assim ingênua, fazendo sexo. Sexo. Sentia raiva de seu corpo grudado a outros. Minha prima ex-noiva que há tempos viajara deitada naqueles lençóis, sua boca nos lábios onde tinha por meus.

 E eu não a toquei.

 Fiquei ruborizada quando a vi e fui chamada de gatinha. Corremos pelo mato de mãos dadas até me dar conta que estávamos no lado oposto da cidade. Sentamos debaixo de uma árvore dando gargalhadas, do que, exatamente, não soube, mas ela ria feliz que sua felicidade me contagiou. Pensei, mais tarde, que estávamos correndo feito crianças e que o cansaço se metamorfoseou em risadas e risadas.

 Estava deitada com a cabeça sobre meu colo. Brincava com a penugem branca de meus joelhos. Meus dedos escorregavam perdidos entre seus cabelos negros, eram limpos e cheirosos, macios e ligeiramente úmidos. Pensei qualquer coisa como cuidar mais dos meus cabelos para que ela gostasse também quando, ainda alisando minhas pernas, iniciou uma canção que não entendi muito bem mas em cada letra me via impregnada nela: quero ficar no teu corpo, feito tatuagem que é para ti dar coragem pra seguir viagem quando a noite vem. E também pra me perpetuar em tua escrava que você pega, esfrega, nega, mais não lava. E nos músculos exaustos do teu braço, repousar frouxa, murcha, farta, morta de cansaço. Parou. Meus olhos estavam marejados a lágrimas, suas mãos não me tocavam mais, o vento jogou seus cabelos para trás e então vi seu nariz vermelho com uma lágrima a pender solitária. Suspendi minha mão em seu rosto mas ela levantou-se correndo atrás de um coelho. Minha lágrima desceu grossa deixando caminho a outras em convite. Os olhos encheram-se de lágrimas novamente até ver sua imagem com um animal branco balouçar por entre meus olhos mas ela me gritou e as lágrimas secaram.

 Corri atrás de outro coelho branco até me distanciar, encontrei um quintal com três outros coelhos e uma mulher acocada a eles, um homem particulamente conhecido apareceu com outro no colo. Meu pai o colocou no chão, abotoando a blusa e levantou a mulher para um beijo. Nunca quis acreditar, por mais que eu soubesse no fundo, em tudo o que aprendi com a convicência de alguém novo. Descobrir sobre mentiras e traições, sobre ganância, sobre sexo sem amor, sobre a falta de coragem de ir embora quando se encontra alguém distante de casa. Eu era uma menina burra e chorava por isso.

- Não, Angélica! Você é ingênua e isso é bonito em você. Ingenuidade é, hoje em dia, uma coisa escassa e as pessoas sempre fazem coisas com outras intenções.

 Eu quis tanto que fôssemos embora, naquela hora. Que estivéssemos salvas de tudo e todos. Quis salvar a sua alma, que estivesse para sempre imune, quis que não sofresse mais. Quis tanto explodir de amor, quis lhe dar amor, tanto amor que não fosse o suficiente nessa coisa concreta.

 Falava e seus olhos estavam vermelhos. Deitei sob seus braços, soluçava em seu pescoço, nossas lágrimas se confundiram.

- Eu amo você.

 Talvez não tivesse ouvido, talvez apenas ignorou porque não respondeu nada e minha voz sumia cada vez mais.

 Meu pai estava em casa, me esperando para uma surpresa. O rosto de minha mãe era de alegria, quando me encontrou chegando, e dizia da surpresa que eu certamente gostaria. Peguei o coelhinho e entrei imediatamente para o quarto.


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