Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 6
Parte II - O Filho Pródigo - VI




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Eu olhava todos aqueles presos gritando, pedindo clemência ou até mesmo me xingando sem motivo algum enquanto eu passava sendo levado pelo carcereiro. Eu nem tentaria dizer nada, eu não tinha mais opção, se não aceitar aquele triste destino, aquele miserável destino que haviam me feito ter injustamente. Mas eles pagariam, todos pagariam por cada sofrimento.

O policial me jogou dentro da cela e depois a trancou. O chão era frio e úmido, chegava a ser nojento e o cheiro desagradável do que eles chamavam de banheiro era repugnante. Eu me virei com a barriga pra cima e olhei o teto escuro e me levantei. Vestia um macacão laranja agora sujo e tinha os cabelos despenteados. Olhei em volta daquele cubículo pela milésima vez. Havia um beliche aonde na cama de cima havia um homem sentado me encarando, tinha os cabelos lisos escorridos e os olhos puxados, devia ser algum oriental da vida.

Ficamos nos encarando por alguns instantes e ele riu.- Mais um inocente. Aqui é para onde todos vem.

Não pude deixar de sorrir. Ele tinha razão. Quantas vezes eu havia visto em filmes presos gritando que eram inocentes, que estavam presos injustamente e que não tinham culpa de nada e sempre havia um infeliz para dizer: “Todos aqui são”.

–Sou Seiji Sinichi, psicopata. -ele riu histericamente.

–Sou Hugo Caleb, inocente. -e rimos.- Você não parece um psicopata.

–Não diga que não avisei se algum dia eu tentar te matar enquanto você dorme, ou até mesmo. -ele deu um pulo da cama e em um movimento ágil me pegou pelo pescoço.- ou até mesmo vivo. -e sorriu me soltando.- Conte-me sua história. Não poupe os detalhes, temos muito tempo. -e riu de novo.

–Porque eu faria isso? -perguntei me sentando na cama de baixo do beliche e ele se sentava no chão do outro lado da cela, encostando-se na parede.

–Você é quem sabe. -ele deu de ombros, notei que os olhos dele não paravam num único foco, estavam sempre em movimento.- Mas ficaremos aqui por muito tempo, ficar preso, faz as pessoas ficarem loucas ou até mesmo começarem a falar. Então, porque não facilitar o relacionamento?

Ele tinha razão. Hora ou outra nós iriamos ter que conversar, e era melhor que fosse por bem, do que por mal. Quanto mais aliados eu tivesse ali dentro, melhor seria a minha reputação, pelo menos eu achava isso. Eu não sabia, não faziam nem dez minutos que eu estava naquele lugar repugnante, com um japonês psicopata que podia me matar a qualquer momento, pensando se poderia ou não contar minha vida pra ele e quais as consequências disso. Sem dúvida o efeito “prisão” já estava tendo efeito.

–Você tem razão. -eu disse dando de ombros.

Ele riu.- É claro que tenho. Eu sempre tenho. Vamos, conte-me como veio parar nesse inferno cheio de inocentes.

Eu contei então toda a minha história para Seiji. Ele ouviu atentamente e comentava quando queria. Falei sobre minha adoção, sobre como papai era um homem bom, sobre meu namoro e de como o inferno na minha vida tinha começado assim. Contei da traição de Claire, do romance jovem de papai com Madeline e tudo o que ela fizera a ele. Contei sobre Harold que prometera me ajudar, sabendo que a história era verdade.

–Espera! -ele berrou, já era tarde e eu havia perdido as contas do quanto eu estava preso naquele lugar, talvez um ano, quem sabia?- Quer dizer que o delegado foi investigar com os De Lune, né?

–Isso. -eu disse lembrando do meu depoimento ao delegado.- Mas ele não podia fazer nada por mim.

Seiji riu.- É claro que não! Ele estava cego pelo poder.

–Como assim? Ele estava certo, pela justiça não podia fazer nada!

–Não, seu idiota! -ele deu um pulo do beliche.- Ele foi interrogar os De Lune, com certeza a vagabunda da Madeline assumiu tudo, mas ofereceu algo muito bom em troca do silencio dele. Status, dinheiro, cargos! Esse povo é capaz de tudo, será que você ainda não percebeu?

–Isso é... -eu então liguei os pontos, ele tinha razão, como sempre.- Isso é possível mesmo, você está certo. -e ele riu subindo na cama de novo.- Por isso o vídeo sumiu!

–Que vídeo? -ele perguntou agora confuso.- Eu mandei você contar com todos os detalhes!

Eu ignorei o comentário.- Eu vi o vídeo das câmeras de segurança da igreja de Claire torturando papai, mas na manhã seguinte, quando o delegado acessou as câmeras, ele não achou. Houve um blackout, uma espécie de sabotagem.

–Exatamente, você está pegando o jeito!

A noite passou tranquila depois daquela pequena revelação, era a única forma dele ter desistido de me ajudar. Desgraçado, pensei. Não demorou para que eu dormisse arquitetando meus planos e escrevendo grandes mortes num bloco de papel, com um lápis que eles davam para que pudéssemos fazer qualquer coisa. Talvez pensassem que era para contar os dias e calcular quantos faltavam para o dia da liberdade.

Na manhã seguinte o café chegou. Fomos levado para o banheiro aonde tomamos banho. Era um lugar nojento, com água gelada e azulejos brancos estranhamente colocados. De uma maneira irregular que me dava uma sensação estranha, todo aquele lugar miserável. Depois fomos para o banho de sol e eu contei a Seiji sobre George e o que ele tinha feito.

–Esse foi podre! -ele exclamou.- Esse George não teve pena, contou a você o que a megera ofereceu. Menos mau, menos trabalho e mais tortura para ele.

Eu então concordei e continuei a contar minha história nos mínimos detalhes como sempre. Contei então, finalmente, sobre o novo padre substituto, Dom Leoni e como eu fiquei contente, pensando que as coisas iriam se endireitar, e a minha desilusão na manhã seguinte e a agressão ao religioso.

–Uau! -ele riu empolgado enquanto almoçávamos.- Você mandou muito bem, esse padre miserável! Foi tudo planejado!

–Planejado?

–É claro que foi, seu burro! -eu girei os olhos, já estava acostumado.- O padre novo devia ser conhecido da família De Lune e roubou o anel do bispo, afinal, quando você chegou, eles já estavam lá. Então no dia seguinte, ele entregou ao Roger que quando te cumprimentou, dando o tapinha na cintura, colocou o anel no seu bolso. O padre mereceu!

Mais uma vez, Seiji tinha razão. Era a lógica.

–E agora estou aqui. -falei por fim numa noite, haviam se passados quase dois anos que estávamos presos.- E você Seiji, o que fez?

–Tudo começou... -ele começou.

Seiji me contou que era programador de uma grande empresa na China, um dos melhores, mas gostava de criar charadas para os seus clientes terem o primeiro acesso ao programa. Alguns clientes detestavam e o humilhavam, o chefe dele então o demitiu por falta de ética com os clientes. Eram clientes grandes, outras grandes empresas, e ele então resolveu dar o troco criando uma espécie de jogos mortais. Ele sequestrava os clientes e lhes entregava charadas, com um determinado tempo e se não conseguisse levava um choque, e recebia outra charada, e os choques iam aumentando. As torturas eram exibidas num determinado horário, num site, que só funcionava aquela hora, para poderem ver a tortura. Mas um dia a polícia descobriu e ele estava ali.

–Mas chega de falar de mim, eu consegui a minha justiça. -ele sorriu enquanto me puxava pelo cabelo e me jogava na parede agressivamente.- Você precisa aprender a se comportar no meio daquelas pessoas, a ser um lobo na pele de cordeiro, não é assim que está escrito?

–Não sabia que era tão religioso.

–Porque acha que eu ainda não te matei? -ele riu

Nos meus últimos anos na prisão, Seiji me ensinou muitas coisas. Coisas que eu nem imaginava ser do conhecimento dele. Seiji me ensinou a falar japonês, italiano, francês e inglês. Me explicou sobre bolsa de valores e finanças. Falou sobre política, economia e história. Ensinou informática avançada, cada detalhe e como eu conseguiria as informações que eu precisasse. Ensinou-me métodos de persuasão e chantagem. Me ensinou a criar uma nova identidade e me ajudou com meu plano de justiça. Durante aqueles últimos anos também aprendi diversos tipos de luta com Seiji, aprendi a controlar meus impulsos e meus desejos e a ser tão ágil quanto ele. Seiji era um bom mestre, ele lia os romances que eu acabei criando com cada novo bloco que os carcereiros nos davam e falava o quão fantástico eu era com as palavras.

–Hugo Caleb. -berrou um outro prisioneiro se aproximando de Seiji no refeitório escuro naquela noite.- Considere-se um homem morto, você nunca mais irá incomodar os De Lune.

–Seiji... -eu disse me levantando e o japonês fez sinal que eu parasse.

–Não se preocupe, meu amigo. Eu não tenho mais o que fazer aqui, você tem. Você é um sociopata, seu idiota, só você não percebeu ainda. -ele então se virou para o homem e disse.- Vamos, machão, mate-me se for capaz.

Eu fechei os olhos naquela hora e quando abri, vi o corpo de Seiji caído e os policiais correndo na direção do grandalhão. Ele estava morto. Uma lágrima correu pelo meu rosto, mas eu a sequei antes que notassem. Pelo que o grandalhão dissera, a mando dos De Lune.

Ele morreu por mim, para que eu pudesse fazer justiça.

–Ele foi executado. -disse a voz do outro lado da linha e Madeline desligou vitoriosa olhando sorridente para Roger e Harold.

–Harold, seu plano de deixá-lo sofrer na prisão e quando estivesse prestes a ser solto, ser morto, foi brilhante. -ela sorriu .- Agora ele não vai mais nos incomodar.

–Menos um fardo em nossas vidas, sigamos em frente agora. -disse Roger aliviado.


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