Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 5
Parte I - Pretérito Imperfeito - V




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O que é que ele fez?–perguntei indignado a porta da emissora onde George trabalhava.

–Sinto muito senhor, mas ele pediu demissão essa manhã. Acabou de sair, ainda deve encontrá-lo no estacionamento. Chegou acompanhando de um senhor alto, como um guarda-costas. -informou a recepcionista.

Merda! -disse batendo no balcão e correndo na direção do estacionamento.

O que tinha dado na cabeça de George? Ele prometera me ajudar!

Não demorou para que eu o visse no estacionamento acompanhado de um homem alto, era o guarda-costas da família De Lune. Por que eles estariam juntos? George não podia estar trabalhando pra eles, não depois de tudo o que eu contei. Me aproximei a passos rápidos e o chamei, George se virou assustado e o guarda-costas parou na defensiva, o jornalista fez sinal que estava tudo bem.

–Hugo. -ele disse, parecia desconfortável.

–O que houve? Por que se demitiu? O que está fazendo ao lado desse homem? Ele trabalha para os De Lune!

–Eu sei, Hugo. -ele respondeu.- Mas é que eles me ofereceram uma vaga irrecusável de assessor de imprensa da família. Eu não tinha como dizer não.

–É claro que tinha! Depois de tudo o que te contei? Você prometeu me ajudar!

–Eu sinto muito, Hugo. -ele parecia muito desconfortável.- Eu não posso defender um caso sem base. Sem provas concretas. Tudo o que temos é a palavra de um filho que perdeu o pai. Não vale de nada.

Eu o olhei incrédulo. Aquele que há um dia me prometera ajudar no caso, a fazer justiça contra os De Lune, agora estava ao lado deles, dizendo que de nada adiantaria irmos adiante com aquele caso. É claro que tinha base! Será que só eu podia enxergar o quem aquela família realmente era? Pelo visto sim.

–Você é repugnante! -berrei e o guarda-costas reapareceu.- Seu miserável! Mentiroso! Você é um deles, não merece nada nessa vida!

–Jonas. -ele fez sinal para o guarda-costas que me derrubou no chão fazendo com que eu machucasse o ombro.- Me desculpe, Hugo.

Ele então deixou a emissora no elegante carro preto dos De Lune e me deixou agonizando, caído no estacionamento. Eu não podia confiar em ninguém, todos em que eu pensava poder confiar, faziam como o guarda-costas de George, me derrubavam no chão me fazendo sofrer mais do que eu já sofria. Traído pelo meu amor, pela justiça, pela publicidade e quem sabe até mesmo pela minha igreja.

Me levantei e segui andando para casa, precisava relaxar um pouco e pensar no que fazer da minha vida. Algo precisava ser feito, aquilo não podia ficar daquele jeito. Todos precisavam pagar por tudo o que fizeram, não podiam simplesmente viver suas vidas poderosas normalmente, como se nada tivesse acontecido. Seria fácil demais para eles, eu não suportaria isso.

Estava chegando em casa imundo quando vi um elegante carro prateado, eu conhecia bem aquele carro. Era de Dom Leoni, o arcebispo da diocese que pertencia a igreja de papai. Dom Leoni era um grande homem, ele poderia me ajudar sem dúvida. Por um momento, uma luz surgiu no meu coração. Por que ele estaria ali? Será que para me consolar ou algo assim? Não, ele era um homem se suma importância, não perderia tempo com um mero filho adotivo de um padre morto.

Mas eu estava errado, e ao mesmo tempo certo.

Quando me aproximei da casa, logo vi Dom Leoni com sua elegante batina de bispo e um outro padre mais jovem, de cabelos negros e barba feita com sua elegante batina preta de padre. Ambos os religiosos conversavam na varanda da frente e eu finalmente me toquei do que se tratava aquela visita.

A casa em que eu morava com papai, era da diocese, ou seja, pertencia aos padres que trabalhavam naquela igreja. Com papai estava morto, outro padre teria que substituí-lo na paróquia e eu teria que ir embora. Por um momento, uma pontada de medo correu pelo meu corpo. O que seria de mim agora? Depois de tudo o que acontecera, eu duvidava muito que algo de bom pudesse acontecer.

–Hugo! -disse o bispo quando me aproximei forçando um sorriso.- Eu sinto muito, não pude vir ao velório de Maycol, mas, de qualquer forma, meus sentimentos.

–Obrigado, ele está num lugar melhor agora. -e sorri.

–Bom, Hugo. -sorriu o bispo.- Esse é Padre Valério, que vai substituir seu pai na paróquia, a partir de hoje a noite.

Eu sorri desconfortável.- Então, acho que devo pegar as minhas coisas e procurar um lugar para morar. -e forcei um sorriso.

–Pois é sobre isso que viemos falar, Hugo. -o bispo falou sorrindo.- Padre Valério não viu problemas em mantê-lo na casa, afinal, ele até preferiu mantê-lo como secretário da paróquia. Já que você conhece como funciona tudo, pode ser até de grande ajuda para ele. -e abracei o bispo.

Eu sorri grato.- Muito obrigado, Padre. -e o abracei e ele riu.- Deus te pague.

–Vai ser um prazer, Dom Leoni fala muito bem de você. Não tem porque tirá-lo de uma casa que é praticamente sua. Vamos nos dar muito bem, fique tranquilo. -disse o padre.- E eu sinto muito pelo seu pai, espero ser tão bom quanto ele.

Eu sorri, não podia dizer que seria sem o conhecer.- Quem sabe, não é mesmo?

Eu então pedi licença e entrei em casa, mesmo sabendo que continuaria a morar ali, quando atravessei a porta, a casa não me parecia minha. Eu comecei a repensar na hipótese de morar ali depois de tudo o que tinha acontecido. Eu estava arrasado psicologicamente e fisicamente. Tinha passado por muitas traições em um curto período de tempo, pessoas que eu tinha confiado e acreditado fielmente que poderiam me ajudar e a desmascarar os De Lune, mas era impossível confiar em alguém que era atraído pelo poder, pelo dinheiro, pelo status.

Subi para o meu quarto sem muito ânimo e me deitei na cama. Não fazia a mínima ideia do que seria da minha vida dali pra frente. Como eu suportaria toda aquela raiva que eu sentia pela família De Lune? Aquele ódio que ia aumentando a cada momento em que eu me lembrava de tudo o que haviam feito? Prejudicar meu pai? Me trair? Roubarem meus aliados oferecendo tudo o que eles tinham? Oferecendo uma espécie de passe, de black card ilimitado para o mundo dos poderosos? O mundo era realmente injusto.

Eu dormi sem demora, na esperança de que acordaria na manhã seguinte e viveria minha vida normal, ao lado de papai. Mas não foi assim. Quando me levantei na manhã seguinte e desci para tomar café da manhã com o novo padre, ouvi uma voz conhecida. Uma voz que me dava nojo. Era Roger De Lune, o patriarca da família de monstros. Ele felizmente, não tinha me irritado tanto quanto os outros, mas, ainda assim, eu sabia que não podia confiar nele e que ele, talvez, fosse o pior e o mandante de todos.

–...eu peço que tome cuidado, Padre Valério. -dizia ele docilmente.- O senhor é um novo padre, de alma boa, acolhedora. Mas tome cuidado com esse rapaz. Ele pode ser perigoso e perseguidor, vive acusando minha família de coisas que nem sabemos que existem, que não temos relação nenhuma.

–Eu tomarei cuidado, não se preocupe. -disse o padre e eu adentrei ao cômodo com o rosto sério.- Bom dia, Hugo!

–Bom dia, Padre Valério. -dei um aceno com a cabeça e Roger retribuiu com um tapinha na minha cintura.

–Bom, eu já vou. Tenham um bom dia e seja bem-vindo, padre. -e sorriu deixando a casa.

–Ele veio aqui só para falar mal de mim. -falei olhando para a porta fechada e o padre sorriu e me deu um pequeno abraço.- Hugo, que horas são? -ele perguntou e eu tirei o celular do bolso e junto com ele um objeto caiu no chão. Eu olhei curioso e o padre o pegou aparentemente chocado.- Mas esse anel... esse anel é de Dom Leoni!

–Como isso veio parar no meu bolso? -perguntei assustado.

–Sou eu quem pergunto, Sr. Caleb! -afrontou o padre.- Como você pôde fazer algo desse tipo? Furtar um objeto daquele que te fizera sempre o bem? E sem falar na traição a mim! Eu confiei em você! -o padre pegou o telefone e se aproveitou do meu momento estático e arrasado para me denunciar ao bispo e a mitra diocesana. Eu nada pude fazer, foi naquele momento que uma espécie de sentimento péssimo se apoderou de mim e em um berro em que lancei o celular na cara do padre, eu desmaiei em seguida.

Acordei numa espécie de cela, eu não sabia a quanto tempo eu estava ali. Mas parecia muito. Aquele sentimento de injúria e inquietação ainda tomava conta de mim, eu precisava sair dali. Aquelas perseguições e falsas acusações que eu tinha certeza que eram provocadas pelos De Lune já estavam passando dos limites! Algo estava muito errada naquele novo padre também, e eu precisava fazer alguma coisa. Dei murros na grade da cela e logo um carcereiro apareceu me levando para a sala de interrogação.

Eu descobri lá então que estava sendo acusado pro diversos crimes, crimes que eu cometi, tentando denunciar outros, o que me irritou mais ainda. Eram difamação, injúria, calúnia, furto e agressão. Juntos, esses crimes somavam quase dez anos de prisão. Eu nada disse durante o interrogatório, eu estava exausto demais para falar qualquer coisa, tudo o que eu falava naquela vida, era usado contra mim, então por que falar? As vezes a melhor resposta é o silêncio, e sem dúvida aquela tinha sido, mas eu ainda não sabia.

Fui levado para uma prisão de segurança média, onde ficavam criminosos considerados loucos. Era bem afastada de Vila Verão e foi lá que eu passei um momento em que muitos chamariam de “transição”. Transição entre um passado imperfeito e cheio de injustiça para dias de glórias, vitórias e muita justiça. E nesse intervalo, intervalo de dez anos, eu podia planejar cada detalhe do meu plano para o meu retorno triunfal para fazer justiça aqueles que me fizeram sofrer.


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