Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 2
Parte I - Pretérito Imperfeito - II




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Depois que sai da sala de meu pai naquela tarde, fui procurar Claire. Eu terminaria com ela, não havia chance alguma de ficarmos juntos depois do que eu ouvira de meu pai. É claro que aquilo doía em mim também, afinal eu a amava, mas eu não podia confiar nisso, não depois de tudo o que meu pai, aquele que enfrentara a igreja para me criar, havia me contado.

Já estava escurecendo quando eu cheguei na mansão De Lune. A casa estava quase toda apagada. Bati à porta da varanda e Claire veio abrir. Estava linda como sempre, vestia um roupão prateado que realçava seus cabelos claros e seu rosto delicado. Ela me deu um beijo nos lábios, mas eu não respondi, eu não conseguiria se a beijasse.

–O que aconteceu, meu amor?

–Precisamos conversar, Claire. -respirei fundo.- Não dá mais para ficarmos juntos. Nós não podemos. É melhor assim.

Ela me olhou perplexa.- Como assim, Hugo? Você está terminando comigo?

–Eu descobri tudo, Claire. -falei sentido.- O seu plano todo.

–Do que você está falando? -ela perguntou um pouco hesitante.- Eu não sei do que você está falando!

–Sabe, assim como seus pais e todos esses milionários que cercam Trevo.

Ela me olhou com os olhos marejados, parecia desarmada. Então era verdade.- Como descobriu?

–Isso não importa. -respondi deixando uma lágrima escorrer.- O que importa é que você me traiu, e eu te amava.

–Mas eu também te amo, Hugo! -ela disse.

–Eu sinto muito, Claire. -falei com o coração pesando, eu não resistiria muito tempo ali.- É melhor assim. Com licença. -eu então avancei na direção da porta mas ela segurou meu braço e chamou com voz de choro que me fez parar.

–Hugo, podemos pelo menos nos despedir? -eu então virei o rosto inseguro, evitando, mas não consegui, olhar nos olhos dela. Claire estava perto de mais e aproximou seus lábios dos meus e me abraçando com força. Começou como um beijo romântico, mas eu não consegui resistir e o que começou um beijo, terminou de uma maneira bem prazerosa na cama.

Na manhã seguinte, me vesti e escrevi um bilhete para que ela nunca mais me procurasse. Eu estava profundamente magoado e o pior de tudo: Apaixonado por aquela que me traíra. Voltei para casa arrasado pelo que tinha acontecido. Quando entrei cozinha a dentro, encontrei com papai preparando seu café em silêncio.

–Aonde você estava, Hugo?

–Com Claire. -falei me sentando – Terminamos.

–Você ainda gosta dela, não é mesmo? -ele perguntou se sentando ao meu lado e acariciando meus cabelos.- O amor é assim mesmo, filho. Você fez o certo.

–Eu espero que sim.

Depois daquele dia nunca mais tocamos no assunto Claire em casa. Voltamos a rotina normal. Eu acordava cedo para comprar pão e o jornal e quando voltava rezava as laudes com papai. Tomávamos café e íamos para a paróquia. Isso repetidamente pela semana. Claire tinha sumido, desaparecido, nem um sinal de vida. Todos estavam preocupados com a dócil e gentil sacristã, mas ainda bem que haviam outras senhoras sempre dispostas a estar a serviço do Senhor. Não demorou para alguém substituí-la.

Eu rezava o terço diariamente, quando tinha uma folga dos trabalhos na secretaria. Pedia a Deus por Claire. É claro, ela e a mãe tinham outros planos e era isso que me servia de consolo. Ela só estava comigo por interesse e nada mais, mas eu tinha me apaixonado e me doado inteiramente. Apenas eu. Por isso, mais ainda eu rezava por aquela família.

–Hugo. -disse papai numa manhã em que eu acordara e estava pronto para sair e comprar o pão e o jornal.- Tem um minuto? É importante.

–Claro pai. -respondi me aproximando, ele estava com a batina e o meu terço na mão.

–Peguei emprestado, não achei o meu. -ele disse mostrando o objeto.- Mas não é sobre isso que quero falar, é sobre Claire.

–O que tem ela?

Ele sorriu.- Eu a encontrei ontem na rua e ela me pareceu muito arrasada. É claro que eu não acreditei muito nas palavras dela, mas não custa nada ouvir o que tem a dizer. Combinamos de nos encontrar hoje, antes da igreja abrir para conversarmos.

Eu olhei indiferente, era óbvio que eu não aprovava aquilo.

–E porque está me dizendo isso?

–Porque eu te amo, filho. Não quero que fique sabendo disso pela boca dos outros.

–Eu também te amo pai. -sorri e dei-lhe um beijo na cabeça.- Tome cuidado e qualquer coisa me ligue. -e saímos juntos. Eu em direção a padaria e ele para a paróquia.

Aquilo de certa forma não me agradava. Claire querendo conversar com papai? É claro que não, algo mais estava por trás daquilo tudo e eu descobriria o que era mais tarde, conversando com papai na hora do almoço. O que eu tinha que fazer agora, era esquecer Claire e tudo o que ela tinha feito. Mesmo estando apaixonado por ela, eu estava profundamente magoado, arrasado, com tudo.

Voltei para casa ainda tentando esquecer o que meu pai tinha ido fazer. Ele que tanto me alertara contra aquele tipo de pessoas, foi ao encontro da pior delas. Isso eram as consequências de ser um bom sacerdote, um pai de todos e que se preocupava e acreditava na reconciliação. Era muito arriscado, mas ele estava a serviço de Deus e eu procurava entender isso sempre, desde novo.

Papai não podia simplesmente largar seu “trabalho” para satisfazer minhas vontades. Ele era um padre. Atendia confissões, celebrava missas em diversos lugares, era um padre querido por todos. Apesar de ser meu pai, eu tinha que dividi-lo com os outros também e entender que ele estava a serviço de Deus e aonde Ele mandasse, deveria ir, não importasse o que e aonde, mas sim, ser chamado.

–Papai? -perguntei atendendo o telefone que tocava insistentemente quando entrei em casa. Era o número de papai, mas quem falou foi uma mulher.

–Querido! -disse a sacristã substituta, Sra. Daves.- Venha para igreja o mais rápido possível, os médicos e policiais já estão aqui!

–Mas o que aconteceu? -meu coração batia forte e deixei a sacola cair.

–Seu pai, querido. -uma pausa.- Está morto.


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