Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 3
Parte I - Pretérito Imperfeito - III




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Eu cheguei a igreja desesperado. Haviam muitos curiosos, muitas luzes de carros oficiais, médicos e policiais andando de um lado para o outro. Entrei correndo pela porta da frente e me deparei com uma cena macabra e desoladora. Uma cena que partiu meu coração e fez com que sentimentos piores que a mágoa surgissem em meu peito: Dor, saudade e desespero.

Cheguei mais perto ainda sem acreditar. O corpo de papai estava sentado na cadeira reservada a ele no presbitério durante as celebrações eucarísticas. Estava perfeitamente sentado e de olhos abertos, olhos com expressão aterrorizada. No seu pescoço, um terço em que no lugar de pequenas bolas que marcavam as orações, haviam losangos afiados. Era o meu terço. Ele tinha sido enforcado com ele, seu pescoço sangrava levemente de tão apertado que o objeto estava e por fim, o lado direito de seu rosto destorcido e ao lado o castiçal que ficava no altar atrás da cadeira.

–Você é Hugo Caleb? -perguntou um homem pálido se aproximando de mim com o distintivo de policial.- Sou o delegado Harold, estou cuidando do caso de seu pai.

–O que aconteceu com ele? -perguntei enquanto as lágrimas corriam tão desesperadas quanto eu, pela minha face.- Quem fez isso com ele?

–É o que estamos tentando descobrir. -ele respondeu secamente.- Acreditamos que seja assassinato, seu pai foi enforcado com o terço e para terminar, acertaram diversas vezes o rosto do lado direito com o castiçal.

–Quem chamou vocês? Quem o encontrou?

–A sacristã, ao abrir a igreja se deparou com ele sentado na cadeira do presbitério. Pensou que ele estava vivo e foi cumprimentá-lo, até que, quando se aproximou viu com mais detalhes essa cena desoladora. Eu sinto muito.

Assenti me sentando num dos bancos da nave da igreja.

–Tem alguma ideia do que pode ter acontecido?

Eu então parei e pensei. Eu sabia, mas não queria que fosse verdade.- Ele me disse antes de sair de casa, nessa manhã, que vinha conversar com Claire De Lune. Uma ex namorada minha. Ela, de certa forma, me traiu...

Eu então contei toda a história ao delegado. Eu precisava ser honesto com ele e falar toda a verdade. Ele poderia me ajudar, sem dúvida alguma. Contei sobre meu namoro com Claire e de como papai não aprovava. Da nossa pequena discussão e da história dele com a mãe de Claire e por último da nossa pequena conversa pela manhã.

–E foi isso. -conclui desesperado.- É tudo o que eu sei.

–Obrigado, Sr. Caleb. Foi muito útil. -ele sorriu e me deu um pequeno tapinha nas costas.- As coisas vão se endireitar, não se preocupe.

Ele então me deixou a sós.

Eu não sabia o que fazer agora. O que seria da minha vida? Como eu conseguiria atuar na igreja sabendo que meu pai tinha morrido ali? Como eu voltaria para casa sabendo que não a veria mais? Nunca mais? Eu não conseguiria. Meu pai, meu amado pai tinha sido assassinado e a resolução, a justiça estava nas mãos da polícia, eu nada podia fazer.

Deixei a igreja e fiquei o dia todo na rua, desolado. Quando finalmente retornei a casa, ela parecia apagada, sem brilho e sem luz. Acendi as luzes, mas ela continuou sem graça. Peguei os pães e o jornal do chão e coloquei o telefone no lugar. Estava tudo como deixei naquela manhã. Ou quase tudo. Voltei para a sala e me sentei na poltrona da sala de estar e fechei os olhos finalmente parando para realmente pensar no que tinha acontecido aquele dia.

Relembrei a imagem de papai torturado. Dessa vez um sentimento de ódio e de raiva veio junto com a dor da perda. Meu pai era tudo pra mim, e a única pessoa que podia ter feito aquilo era a que eu mais amara, mas depois de hoje, eu não amava mais. Agora estava mais do que provado que Claire só tinha interesse e agora que perdera todos os laços com a igreja e o pároco dela, o matara e ao mesmo tempo me fizera sofrer, como se eu já não sofresse o suficiente por perdê-la, por uma coisa que não precisava ser como era, mas era.

Aquilo não ficaria daquele jeito, nunca. Eu faria alguma coisa. Eu me vingaria por mim e por papai. Claire De Lune e Madeline De Lune pagariam duramente por todas as dores que tinham feito eu e meu pai passar. Não ficaria barato, elas haviam feito muito mal a nós, a nós e, com certeza, com muitas pessoas humildes e inocentes.

Me levantei e segui para o escritório, uma dor incontrolável tomava meu peito, mas eu precisava ser mais forte. Liguei o computador e acessei o sistema de segurança da igreja pelo computador de papai. Eu precisava saber o que realmente tinha acontecido antes de todos. A polícia não tinha acesso as câmeras, somente com mandato, que só sairia na manhã seguinte. Ninguém mais tinha acesso se não papai e eu, secretário, mas, de qualquer forma, precisariam de autorização para usá-las ou coisa assim. Preferiram pegar o mandato.

Os vídeos registrados pelas câmeras me surpreenderam e alimentaram mais ainda o meu ódio por Claire. Ela torturou papai. Não só com o enforcamento e os golpes com a cruz, mas também o golpeou com chutes, tapas e socos em áreas sensíveis enquanto inconsciente. Ela não teve misericórdia e tudo isso por minha culpa. Mas não ficaria assim, ela pagaria por tudo aquilo, junto com papai, que um dia sofreu como eu.



O delegado, Harold Klein, seguia apressado pelas ruas caras de Monte Castelo, o bairro mais caro e mais badalado da cidade de Trevo. Ali moravam as pessoas mais economicamente importantes nos diversos ramos da indústria, do comércio e da prestação de serviço em geral. Desde grandes empresas a impérios multinacionais, e era o palácio de um desses impérios que ele estava a caminho.

É claro que tinha que tomar cuidado com aquele tipo de pessoa. Afinal, eles tinham muito dinheiro. Mas também, se fosse verdade, seria sem dúvida promovido a cargos mais altos na polícia em pouquíssimo tempo, afinal, prender uma família milionária de banqueiros seria um prato cheio. E ainda mais, acrescentaria muito no seu currículo como advogado, sim, ele fizera faculdade de direito antes de entrar para a polícia, processando os De Lune.

Sem demora estacionou na escadaria da frente da elegante mansão. Era em estilo vitoriana, iluminada e com um elegante mordomo a espera no alto das escadas. Ele subiu os degraus solenemente e o empregado o conduziu até a sala para esperar a matriarca da família De Lune.

–Dr. Klein! --exclamou Madeline entrando na elegante sala de estar da mansão. Madeline era uma mulher elegantíssima, tinha a aparência conservada e um sorriso sempre dócil no rosto que disfarçava muitas vezes o seu desprezo por certas pessoas ou falsidade para outras, mas nunca o que realmente sentia. Era sempre animada e de muita classe, uma verdadeira dama.- A que devo a honra do nosso mais jovem e dedicado delegado?

–Fico lisonjeado Sra. De Lune. -ele sorriu enquanto ela lhe entregava uma taça de vinho.- Sinto, mas não posso beber enquanto estou a trabalho.

Ela sorriu ingênua.- Não seja bobo, é só uma tacinha.

Ele sorriu.- Sra. De Lune, como sabe, Padre Maycol foi assassinado hoje pela manhã. -ela assentiu para que continuasse.- E sua filha é nossa principal suspeita.

O sorriso dela foi desaparecendo aos poucos.- Como assim a Claire é a principal suspeita? -a mulher parecia tão surpresa quanto ele.- Por que ela?

–Sua filha estava em casa nessa manhã? -ele perguntou.

–Não sei, eu devia...

–Sim, fui eu. -respondeu uma bela moça surgindo na sala, era a jovem Claire.- Fui eu que matei o Padre Maycol, para fazer Hugo sofrer, assim como eu sofri quando terminamos o nosso namoro.

O policial e a mulher se puseram de pé instantaneamente.- Combinamos de não falar nada, Claire! -berrou a mulher.- O que deu em você?

–Acho que está tudo esclarecido então. -respondeu o policial.- As duas estão presas, por conspiração e assassinato de Maycol Caleb. -e sacou as algemas.- Vocês tem...

–Espere! -berrou a mulher e o policial se calou.- Sr. Klein, sabe muito bem que não podemos ir presas e o quanto isso poderia afetá-lo. Somos pessoas influentes e isso pode ser muito ruim para o senhor.

–Está me ameaçando? -perguntou.

–Não. -ela disse sorrindo e acariciando o rosto do policial.- Você é jovem, tanto quanto Claire, não ia querer ter sua vida e sua carreira destruída tão recentemente. O que estou dizendo é que você tem potencial para ser bem mais que um simples delegado. Esqueça tudo isso o que conversamos e eu te farei um dos mais respeitados juízes que esse país já viu.

O policial nada disse, era uma belíssima oportunidade e ela estava realmente certa. Eram pessoas influentes, ele estava começando a carreira e prendê-las, ao mesmo tempo que poderia ser um prato cheio, podia ser muito arriscado e o fim da sua carreira como policial. É claro, ele era um policial pois buscava ser justo, um mundo mais cheio de justiça, mas se aceitasse a proposta, podia fazer muito mais justiça do que como um mero delegado de cidade pequena.

–E então, Sr. Klein? -ela perguntou percebendo a ambição do jovem delegado.

–Na igreja tem câmeras, vamos precisar sumir com as filmagens. -respondeu o policial guardando as algemas.- Se conseguirem isso, eis aqui o mais respeitado juiz que esse país já viu.

A mulher sorriu.- Daremos um fim nelas até o fim do dia.


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