Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 1
Parte I - Pretérito Imperfeito - I




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Quando disserem que nada é perfeito, discorde. A vida é perfeita, pois por mais que te prejudique, quando se sabe viver e lidar com as diversas situações que elas nos põem, você sai ileso. Mas não pense que é algo tão simples assim de se fazer. Você precisa ter sangue-frio para culpar uma pessoa por fazer algo que ela não fez e conseguir fechar os olhos para dormir ou até mesmo olhar nos olhos daquela pessoa e ainda dar conselhos de que tudo dará certo no final.

Você precisa ter a mente aberta a todos os tipos de situações que se pode acontecer nesses casos. Precisa também do domínio do improviso e de um belo sorriso vitorioso no rosto para mostrar aos seus inimigos, aos que realmente sabem quem você é e quais os seus propósitos, mas não podem prová-los, pois sabem como é perigoso mexer com você.

Mas o principal disso tudo e mais importante é ter um motivo. Eu não tinha nenhum, muito pelo contrário, eu muito devia as pessoas pelo que fizeram por mim no início, mas depois tudo mudou de figura.

Eu nasci prematuro de sete meses e fui abandonado seminu na porta da casa de um padre, num dia de tempestade na cidade de Trevo. Cidade de pessoas poderosas e que para quem vê de fora, tem a vida perfeita e feliz, ricos e poderosos. Porém, para quem vive no meio deles e junto com eles, sabe que é muito perigoso, porque nenhum dos lados pode exagerar demais no troco.

O nome do padre era Maycol, Padre Maycol. Era muitíssimo querido na paróquia em que era pároco por ser sempre carinhoso, fraterno e carismático com os fiéis que frequentavam sua igreja. Ele, é claro, ficou muito tocado com um bebê a sua porta e muito preocupado também. Chamou uma ambulância e sem demora fui levado para os hospitais e recebi os primeiros cuidados médicos. Todos diziam que eu não sobreviveria, mas com muita fé do padre e de suas orações eu sobrevivi e fiquei conhecido como o “filho do padre”.

A partir daí então, padre Maycol me levou para sua casa e me adotou como filho. Me pôs o nome de Hugo e cuidou de mim. É claro que aquilo foi um absurdo para a diocese e os bispos do país inteiro discutiam o caso e o que fazer. Era inaceitável que um padre tivesse um filho, mas no meu caso, eu era adotado e tinha sido abandonado a porta dele. Com o tempo, todos aceitaram, e não repercutiu negativamente, muito pelo contrário, foi muito bem-aceito por toda a igreja.

Os anos se passaram e eu fui crescendo, me chamava Hugo Caleb. Cresci uma criança saudabilíssima e cheia de energia. Servia na igreja sempre como coroinha e acólito, no ministério de música da igreja, como catequista e até mesmo secretário. Tinha uma relação maravilhosa com todos da cidade. Eu acordava primeiro que meu pai, era assim que eu chamava Padre Maycol, as seis da manhã e comprava o jornal e alguns pães, arrumava o café e antes de comer, rezava as laudes com ele na varanda. Logo após, tomávamos café e íamos para a igreja.

Papai e eu tínhamos uma ligação muito forte. Éramos grandes amigos. Tínhamos o costume de pescar aos sábados, dia que tínhamos mais folga, no clube no interior da cidade. As vezes fazíamos piqueniques na praia ou saíamos para praticar algum esporte, como andar de bicicleta ou vôlei. Conversávamos muito sobre nossos comportamentos e ele me educava muito bem, com os princípios e como eu devia me comportar.

Quando cresci mais, comecei a namorar uma jovem chama Claire. Ela era filha de um casal de banqueiros, donos dos bancos mais importantes do hemisfério norte. Tínhamos nos conhecido de uma maneira engraçada. Ela sempre frequentava a primeira missa de Domingo e num certo Domingo, estávamos sem nenhum sacristão disponível para cuidar da igreja e ela se dispôs assim que soube, daí em diante começamos a conversar mais e descobrir mais um sobre o outro. Ela confessara tempos depois de formarmos uma amizade que achava que eu seria um padre, pelo meu jeito cuidadoso e zeloso com as coisas santas. Rimos e então eu respondi:

-Mas por você, eu deixaria a batina e viveria ao seu lado.

Ela corou lindamente e então eu tomei coragem e a beijei. Começamos então a namorar e então os problemas vieram junto com minha alegria. Papai não se dava com os familiares e amigos da família dela. O por quê? Eu não sabia, e ele insistia em dizer que eu só saberia na hora certa, mas por hora, devia me afastar dela. Mas ele nunca a maltratara na minha frente.

Os meses se passaram e meu namoro com Claire se dava cada dia melhor. Aos poucos fui introduzido no mundo dos poderosos, como papai chamava. Ia as festas da família, o mundo e os poderosos dos negócios. Os pais de Claire, o Sr. Roger e a Sra. Madeline De Lune eram franceses, e tinham se mudado porque queriam respirar novos ares. Quando contei a papai, ele riu e disse: “E você acreditou, filho?”. Aquilo me irritou de tal forma que gritei:

-Porque você não me conta? Porque não para de fazer piadas irônicas? Não sabe que o que eu sinto pela Claire é real? Que eu a amo? Eu não tenho culpa se você preferiu ser um padre do que ter uma mulher!

-Você está certo. -ele respondeu calmo e eu me calei de imediato, como assim?- Você não tem culpa, se quando eu era jovem como você, me apaixonei por uma jovem, assim como Claire, bonita, carinhosa e da elite. -uma pausa.- Sente-se, vamos conversar.

Eu então o obedeci e me sentei desarmado na poltrona vermelha do seu escritório na paróquia. Ele nos serviu de uma xícara de chá pôs alguns biscoitos na mesa e se ajeitou na cadeira. Me encarou por um momento com seus grandes e profundos olhos azuis. Vestia a batina de sempre e mantinha os cabelos grisalhos sempre alinhados. Ajeitei-me na minha poltrona também e esperei que ele começasse a falar.

-Meus pais eram donos de quase toda a orla de Trevo quando eu tinha a sua idade. E isso não era tão bom, pois todas as pessoas influentes que nos cercavam, faziam de tudo para que vendêssemos nossas terras. Queimavam nossas plantações, mandavam capangas ameaçar nossa família e até mesmo eles próprios nos ameaçavam. Eu sabia disso tudo, mas, mesmo assim, me apaixonei e comecei a namorar a filha de um desses poderosos. Dei as costas aos meus pais, fiquei surdo para minha família e me tornei um monstro.

-Depois então de meses de namoro e desavenças com meus pais, toda a minha família foi vítima de um atentado. Nossa casa explodiu no aniversário do meu irmão mais novo e o mais apegado a mim. Ele tinha oito anos. E sabe onde eu estava? Com minha namorada numa festa com drogas, bebidas e tudo o que há de ruim nesse mundo, por influência dela. -ele continuou.- Quando voltamos para casa naquela noite, minha consciência pesou como nunca. A casa estava destruída e meus parentes todos em cinzas. Os empregados se demitiram cansados e com medo de tudo o que vinha acontecendo, as terras perderam valor e eu fui obrigado, como único herdeiro, a vender tudo. E é claro que logo depois de ter ficado sem nada, minha namorada me deixou me chamando de estúpido e cego, que me detestava. Cuspiu todo o plano e tudo o que tinha feito, todo o plano na minha cara...

-E o que você fez, pai? Não fez nada? -interrompi e ele se calou baixando os olhos.

-O que eu poderia fazer, Hugo? -ele desviou os olhos.- Eu não tinha como provar que ela realmente tinha feito aquilo, gravações não seriam muito uteis, não vale para quem tem dinheiro, filho. Daí então entrei para o seminário, pois somente servindo a Deus eu poderia me redimir com meus parentes mortos. Você não sabe como eu me sinto culpado pela morte deles. -e então as lágrimas começaram a cair e eu o abracei consolando-o.

Era horrível vê-lo chorando, ele que me acolhera e que eu devia muito. Mas eu ainda não tinha entendido o que aquilo tinha haver comigo. Claire não era assim, apesar das histórias serem semelhantes. Eu a amava, e ela também. Sem falar que não haviam motivos para ela se interessar por mim, eu não tinha nada, nem papai tinha mais.

-Mas, pai, o que isso tem haver comigo? Não temos nada de valor.

-Hugo. -ele disse secando as lágrimas.- A nossa igreja está sob uma das maiores minas de diamantes do país. Eu descobri isso há alguns anos e relatei para o arcebispo, optamos por continuar com a igreja, mas essas pessoas interesseiras descobriram e querem tentar de tudo para conseguir meios de que abdiquemos a igreja e eles possam pô-la abaixo e explorar cada milímetro de terra.

-Claire não é assim. -eu falei surpreso.- Ela não tem nada a ver com esses tipos de pessoas. Não tem!

-Filho, a namorada que me causou toda essa dor que luto para conviver hoje, que luto quando acordo me lembrando de tudo o que podia ter feito para evitar, até ter morrido junto com meus parentes, a namorada que me causou todos os sofrimentos que tento fazer com que você não passe, é Madeline De Lune, a mãe de Claire.

Quando aquelas palavras chegaram aos meus ouvidos, eu não pude evitar de fechar a cara. Então era mais o que verdade. Claire estava somente interessada na mina que existia abaixo da igreja. E que melhor forma de estudar o terreno se não servindo a ele? Ela ainda era sacristã, talvez tentava descobrir alguma passagem secreta ou coisa do tipo, mas aquilo era demais para mim.

-Tome cuidado com essas pessoas, Hugo. Elas podem ser piores do que você imagina. -e apalpou meu rosto.- Só quero o seu bem, filho.


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