White

~Anos atrás~

Entrei em casa completamente cansado, estava com raiva e a ponto de chorar.

— Alli que bom que chegou, você demorou mais que o habitual. – A duquesa me recebeu com um abraço, que eu não retribui, eu apenas sorri de leve e andei até a escada. — Alli! – Ela me chamou e eu a encarei, ela pareceu desistir do que iria falar. — Daqui a pouco o jantar estará na mesa, querido, é um dos seus últimos dias aqui então...

— Tudo bem mamãe. – Respondi e subi as escadas, Erick apareceu no topo com a cara de desaprovação de sempre. — Hoje não. – Resmunguei e ele me seguiu até a porta do meu quarto.

— Não seja tão frio com ela, sabe que a duquesa te ama. – Ele me repreendeu, ele sempre faz isso e eu sempre saio sem responder, mas dessa vez não foi assim, sem perceber deixei algumas lágrimas saírem.

— Por que ela liga? Por que nos ama? Não entendo, nós somos apenas escravos que obedecem a qualquer um que tenha um pouco de poder, eu já não vejo mais minha irmã, daqui a pouco eu vou ter que partir e nunca mais vou poder voltar, só vou poder falar com a duquesa ou você se forem questões que dizem respeito a rainha. Estou começando a executar minha função e veja como estou... Ela não me ama, ela tem pena porque tenho nove anos e todos me odeiam só isso. – Eu estava péssimo, minha roupa estava suja de suco que um nobre ‘acidentalmente’ jogou em mim, eles fazem muito isso, além de ter que atura-los falando de tudo oque eu faço de errado e me xingando, e eu simplesmente ouço tudo calado e depois passo a noite chorando como sempre, e hoje não será diferente, respirei fundo e abri a porta do quarto. — Depois eu desço.

— Tudo bem maninho, pense como quiser, mas não duvide de quem se importa, aliás, eu chamei Loke para dormir aqui, ele já deve estar chegando, a gente pode acampar na sala, mas por favor não se tranque no quarto, ele é mais seu amigo que meu, e esta preocupado. – Erick pediu um pouco suplicante, embora seja difícil saber, já que ele sempre parece estar calmo, eu não respondi e apenas entrei no quarto e fechei a porta. — Ou me ignora... De novo.

O tempo passou e eu não tinha a menor intensão de descer, estava jogado na cama entre lágrimas e assim permaneceria então a porta do meu quarto se abriu e Loke entrou.

— Uau isso que eu chamo de privacidade. – Reclamei, ele se sentou na cama e ficou me encarando, eu me sentei e o encarei. — Pode, por favor, parar de usar sua magia para invadir meu território?

— Não enquanto você continuar agindo como um estúpido. – Ele rebateu e tirou um saquinho do bolso.

— Deixe eu adivinhar... Biscoito? Saiba que a duquesa é bem rigorosa sobre comer coisas como isso antes da janta.

— Eu sei. – Ele me ofereceu um, que eu peguei, sem muita vontade, só pra agradá-lo. — Vai ser nosso segredo, e também... Biscoito é bom.

— Legal, mas veio aqui só pra comer biscoito comigo? – Perguntei revoltado e ele sorriu.

— Sim, você é meu amigo afinal, amigos aproveitam a companhia um do outro, nem que seja para comer biscoito. – Respondeu como se não fosse nada e começou a comer, eu o observei por um tempo e depois de comer o biscoito e da duquesa avisar que a janta estava pronta, me levantei.

— Então... Ainda quer... Acampar na sala? – Perguntei e ele confirmou, nós descemos correndo e rindo, a duquesa nos recebeu alegremente, ela parecia aliviada.

Então alguém bateu na porta e Erick se propôs a atender, Loke e eu ficamos olhando de longe e vimos quando ele rapidamente chamou a duquesa, esta sorriu ao ver as visitas.

— Ás e Zeck... Que bom vê-los, entrem.- Ela sorria como nunca e nós corremos para a sala, os visitantes entraram, Zeck sorriu para nós, ele era bem gentil para um adolescente e Ás... Bem, fez a sua pose de mal e apenas nos encarou com seu típico olhar de “se você sair da linha eu te mato”. —O que os trazem aqui?

— Aquele assunto... Queremos tratar com as vitimas. – Ás respondeu com um sorriso assustador e a duquesa suspirou.

— Vitimas? Só me digam se foi sim ou não. – Eu não sabia se ela estava sendo irônica ou estava sem paciência.

— Foi sim. – Zeck respondeu dessa vez, eu não o conhecia muito, mas sabia que ele estava nervoso, era um pouco evidente. — Bem... É, demorou um pouco, mas...

— Mas esse inútil conseguiu. Oba! – Ás comentou sem animo, oque foi até engraçado.

— Pretendem ficar para o jantar? – Eles pareceram pensar e por fim aceitaram, a duquesa se virou pra nós e sorriu. — Loke o que acha de me ajudar com as coisas? Você é o menos desajeitado.

Quando os dois saíram, Ás se sentou no sofá e puxou Zeck junto, por alguma razão nunca vi Zeck desobedecer e nem contrariar Ás, se bem que nosso professor é bem intimidador quando quer, e ele sempre quer.

— Então é o seguinte vocês trabalham, para­? – Ás indagou enquanto observava um jarro estranho que estava na estante, Zeck parecia mais sério.

— Sei lá... – Erick murmurou. — A gente vai para onde mandarem.

— Não mais. — Zeck disse e sorriu. — Agora será diferente.

— Como assim? — Perguntei e ele se levantou, tirou algo do bolso e andou até nós.

— Isso é oque consegui com muito esforço, vocês ainda vão ter que exercer as suas funções, mas não terão mais que trabalhar na casa de nobres e nem terão que aturar humilhações ou coisa do tipo. — Ele nos entregou o papel e vimos que se tratava de um certificado assinado pela rainha.

— Isso é?

— Bem, me deem suas mãos. – Nós obedecemos e Zeck fez o desenho de uma pequena rosa vermelha se fixar na palma da minha mão esquerda, com Erick o mesmo aconteceu, logo depois de uns segundo o desenho sumiu. — Ainda está ai, não se preocupem, é a minha marca e eu a coloquei em vocês porque a partir de hoje eu tenho todo o direito sobre vocês, não são mais escravos dos nobres, são meus, mas não se preocupem, não sou como a minha mãe.

— Espera... Então quer dizer que você é nosso senhor? Nosso dono? – Erick perguntou aflito e Zeck passou a mão pelo seu cabelo.

— Basicamente sim, mas isso não vai ser tão ruim quanto parece, eu juro, só vão passar mais tempo comigo, mas nada vai mudar e White... Alli, vai poder vir visitar essa casa ou a de qualquer um de seus amigos quando quiser. – Ele disse e meu coração disparou.

— Mas a me disseram que quando eu fosse morar sozinho-

— Eu sei, mas eu sou seu novo mestre, só quem pode decidir oque fazer ou não com você sou eu. E olha, é mais fácil fazer um novo escravo do que reivindicar dois, mas vocês valem a pena.

~Dias atuais~

Tio Johan ficou totalmente sem reação e mesmo contra a sua vontade eu tentei me levantar, bem descobri que ele tinha razão, a dor voltou por causa do esforço e eu quase cai de novo.

— Cuidado! – Johan pareceu esquecer do rei e estava pronto para me dar uma lição de moral, mas Zeck pareceu me notar e notar Jas, ele dispensou os dois guardas e se livrou de sua pose de todo poderoso,

— Alli? Por que esta preso? E por que Jas esta aqui? A saúde dele não é tão boa, ele pode ficar doente aqui. E você está mais pálido que o normal. – O rei se aproximou de nós e pegou Jas no colo, esqueci de dizer um coisa sobre ele, o grande rei de copas não suporta ver uma criança triste, isso desmancha toda a pose dele, é até engraçado.

Eu me aproximei de Johan.

— Meu tio cuidou de nós, mas quem nos enfiou aqui foi sua esposa, e ela ainda disso um monte de coisas sobre maldição e sacrifico. – Disparei e Johan me encarou aflito.

— Espera um pouco como assim? Ela disse mais alguma coisa? Como ela... Ah! Maira. – Ele estava cada vez mais preocupado. e eu confuso.

— O que foi? Ah, Quer saber esquece, Zeck pode nos tirar daqui? – Pedi e ele me encarou e consentiu, depois voltou sua atenção a Jas, que sorria em seu colo, oque me deixou feliz.

— Mas não poderá ser nada tão imediato. Venham vou leva-los ao meu escritório, lá poderemos conversar melhor. - Zeck propôs enquanto me entregava uma chave, nós saímos, ele pôs Jas no chão e nós seguimos para fora por uma porta entre duas outras celas, eu pensei que talvez a família de Alice pudesse estar em algumas dessas, oque seria bom, agora já sei onde procurar no dia que viermos salva-los, a porta que seguimos era bem menor que as principais, mas essa, como poucos sabiam, dava para o escritório do rei.

Nós passamos pela porta e entramos, eu estava tonto e me sentei na primeira cadeira que vi, o escritório de Zeck é meio difícil de descrever, uma janela enorme de vidro estava aberta nos cantos dava para ver as cortinas vermelhas, a mesa de Zeck não era tão grande, até porque nem precisava, mas não era das menores, ela era feita de mármore e em cima havia muitos livros, aliás, por onde você olhe tem livros e mais livros, em cada parede uma estante lotada e acredite, ele já leu tudo, foi ele que me ensinou a ler de verdade, já que eu não fiquei muito na escola em Jadis e quando cheguei aqui já saíram me mandando trabalhar, Erick já sabia ler bem, mas eu não e consequentemente eu não sabia escrever direito.

— Você está bem Alli? – Meu tio perguntou ao se aproximar.

— Só um pouco tonto, mas sim estou bem sim. – Respondi sorrindo e ele voltou a andar, dessa vez na direção de Zeck, os dois trocaram um olhar aflito e Zeck, que estava falando com Jas, começou a falar com Johan, meu irmão correu até mim e se sentou em meu colo. — Já sentiu que estão falando de você? – Perguntei, mas Jas apenas deu de ombros.

— Todo dia... – Ele resmungou e eu ri.

— É esqueci que temos a mesma mãe. Ei campeão, como você está em? Toda essa situação, estar preso aqui e tudo mais. – Jas olhou em meus olhos.

— Sinto falta do meu papai... Mas eu tenho você, e isso basta não é?

— É sim, mas a gente vai voltar logo, você vai ver seu pai de novo pode ter certeza. – Jas sorriu e aquele sorriso me emocionou me senti aliviado por ele não ser como eu era. — E Jas, se quiser falar comigo... Sobre a Maira, estarei disposto a ouvir, não sei se ela foi a mesma para mim e para você, mas de qualquer modo, eu ouvirei.

— Tem um jeito de saber se é igual, a mamãe te amava? – Ele perguntou e eu esqueci como se respirava por um segundo, uma única pergunte trouxe a tona tudo oque eu não queria lembrar.

— Não Jas, ela não amava. – Admiti, mais para mim mesmo do que para ele.

— Ah! Então é igual. – Jas murmurou e eu desabei por dentro, era tudo oque eu temia, que ele tivesse sofrido como eu, não existe sentimento pior do que o de saber que sua própria mãe o rejeita.

— Jas, maninho. – Ele riu e eu o abracei. — Gostou disso, maninho?– Perguntei e ele concordou rindo. — Te amo.

— Também te amo. – Ele sorriu e começou a brincar com seu barbante.

Eu voltei a observar Johan e Zeck e eles pareciam estar se dando bem, mas ainda estavam aflitos, eu só queria saber oque tanto falam, porque tenho a impressão de que é de mim, e eu sei que há algo errado comigo, mas ninguém nunca me disse o que era, os dois finalmente começaram a andar em nossa direção, quando chegaram bem perto pararam e me encararam.

— Ann? Oi?

— Oi Alli. – Johan respondeu com um pouco de ironia. — Bem Zeck já me explicou sobre o porque de poder tirar você daqui e bem. – Ele mostrou em sua mão o desenho de uma rosa, que desapareceu depois de um tempo.

— Mas...

— Tudo bem, não é tão verdadeira, vai sair em alguns dias porque ele é livre, só que se todos pensarem que um capturado em guerra jurou lealdade a mim eu poderei tira-los daqui. – Zeck esclareceu e eu sorri.

— Como sempre pensando em tudo. – Comentei e ele riu.

— Alguma coisa tem que prestar, nem que seja só a cabeça, e eu também mandei uma mensagem para Neal, secreta é claro, vou esperar respostas e dependendo delas eu os mando pra lá.

— Obrigado mesmo Zeck. – Eu disse com sinceridade e ele piscou.

— Já falei que quem decide o que fazem com você sou eu.