Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 31
Uma pausa com a Senhora


Notas iniciais do capítulo

Tempo de cura e descobertas



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Uma pausa com a Senhora

Tempo de cura e descobertas

Por recomendação de Lady Galadriel, só após o desjejum Anna contou o que lhe ocorrera. Muito do que Anna contou já era do conhecimento da Senhora de Lothlórien, que vira no seu espelho magnífico. Mas os demais não sabiam, e Anna teve que relatar seu ordálio. Os dois filhos de Elrond a tudo ouviram de semblante fechado. Lord Celeborn indagou:

— Essa ameaça não tinha sido detectada, então?

Anna respondeu:

— Eu creio que já se sabia sobre isso. Contudo, se conheço meu marido, ele quis me poupar a preocupação dessa ameaça. Por isso, não sou capaz de dar detalhes. Lamento.

Galadriel opinou:

— Pelo relato de Gandalf, Thorin Oakenshield não permitiria qualquer ameaça perto de sua mulher e seu filho.

Celeborn ressaltou:

— Isso se ele conhecesse tal ameaça, claro.

Anna abaixou a cabeça, dizendo:

— Não foi a primeira vez. Um homem me atacou, antes, quando eu ainda estava grávida de Darin. Thorin o puniu com a morte. Pela lei, tive que assistir. Foi horrível. E depois, quase fui raptada por um anão que queria me vender como escrava a homens.

Houve uma pausa chocada, quebrada por uma pergunta:

— Por isso está aqui? — indagou possivelmente Elrohir (Anna não sabia distinguir com certeza um gêmeo do outro). — Para evitar assistir a outra execução?

— Não é por isso que estou aqui, mas estou feliz por não ter que assistir àquilo de novo. Ainda mais se Thorin descobrir que nós sobrevivemos.

Elladan se admirou:

— Ele não sabe? Podemos mandar um recado, se quiser.

— Não, obrigada. Eu vou... — Anna hesitou. — A verdade é que ainda não sei o que fazer. Preciso pensar na segurança de Darin. Manter segredo nos mantém em segurança. Mas meu marido deve estar sofrendo tanto...

Anna quase não conseguiu concluir a frase, em lágrimas silenciosas. O outro gêmeo observou:

— Tanto quanto você, pelo que vejo.

Galadriel ergueu-se e disse:

— Venha, Anna, temos coisas práticas a fazer. O pequeno pode ficar com Eliel, se preferir.

As duas cumprimentaram os homens e saíram. Anna indagou, com o bebê no colo:

— Darin pode vir conosco? Isso seria perigoso?

— Garanto que não haverá qualquer perigo para ele — garantiu. — Eliel tem muito afeto por crianças e manifestou desejo de cuidar de seu pequeno.

Anna garantiu:

— Darin não chora com desconhecidos e confio que Eliel possa cuidar dele. Mas ele fica agitado quando não me vê por perto.

Lady Galadriel fez um gesto para a moça, que passou a segui-las. A nobre senhora sugeriu:

— Eles podem ficar conosco, mas precisarei de sua atenção completa. Se a criança chorar, deve confiar que Eliel vai cuidar dele.

Anna entregou o filho nos braços da elfa, dizendo:

— Obrigada por cuidar dele. Se ele chorar, cante para ele. Darin adora.

A elfa fez uma mesura, solene:

— Ficarei honrada em cuidar do príncipe.

Anna sorriu, mas por dentro ainda estranhava que seu filho fosse nobre. Ela também se preocupava que sua decisão em não voltar a Erebor pudesse significar negar a seu filho sua herança de direito, entre o povo de seu pai.

Lady Galadriel entrou numa sala ampla, onde Anna viu uma área com móveis esparsos que incluíam um récamier, outra área com tapetes e almofadões, lindos castiçais e, junto a um janelão, um curso d'água que seguia para baixo da cobertura de árvores.

— Isso é lindo.

Lady Galadriel sorriu, dizendo:

— Fico feliz que a agrade. É meu aposento favorito no verão. Eliel, pode se alojar com o pequeno perto das almofadas. Estaremos no outro lado, e o bebê poderá enxergar a mãe.

Eliel obedeceu, e Anna foi direcionada ao récamier, enquanto Lady Galadriel se alojava numa cadeira de vime e espalda alta, comentando:

— Gandalf me relatou ter encontrado magia em você e no menino. Você não tinha poderes antes.

Anna disse:

— A energia se desenvolveu, acho. Agora consigo vê-la em mim e em Darin.

— Você vê a magia? — Anna assentiu. — Sempre que quer?

— Ela precisa estar em ação, por assim dizer. Não parece estar sempre ativada. E ela só se manifestou depois que tive Darin.

Galadriel lançou um olhar para onde Darin estava com Eliel. Sentadinho no tapete, ele estava atento aos objetos de pano que Eliel lhe mostrava. Anna sorriu para o filho, mesmo que ele não a visse. A Senhora de Lothlórien garantiu:

— Magia é uma qualidade inerente de seu ser. Mesmo quando você não a manifesta, mesmo quando não a vê, ela está em você.

— Às vezes eu também a vejo em Darin.

— Alguém já a viu?

— Só Gandalf e Radagast parecem tê-la visto. Se mais alguém conseguiu, nunca me disse. Mas se tivesse visto, acho que teria mencionado.

— Descreva-me como é sua magia.

Anna sorriu.

— É uma luz dourada forte, composta de uma poeira que parece ser ouro em pó, ou pó de estrela. É só o que posso dizer, pois é como eu a vejo em meus olhos.

A Senhora observou:

— Você parece gostar muito dela.

— Sim, ela é linda. Além disso, ela me traz paz, conforto e tranquilidade.

O sorriso de Lady Galadriel se ampliou, e ela comentou, de maneira profunda:

— Isso é muito bom. Deve amar sua mágica. Lembre-se de que ela é sua natureza, sua força e seu caminho. Ela pode ser capaz de guiá-la, se a ouvir corretamente. Confie nela, pois ela nunca a decepcionará. Agora vamos saber mais sobre ela. Recoste-se ali.

Anna deitou-se no récamier e obedeceu às instruções de Galadriel para aprender a manipular sua mágica. Durante umas duas horas, Anna se esforçou em fazê-la manifestar-se.

Então ela conseguiu fazer aparecer uns fiapos de um véu de luz dourada entre suas mãos. Anna ficou tão animada que ria com gosto, fazendo aquele pedaço de véu flutuar pelo ar.

Seus risos atraíram a atenção de Darin, que deu um gritinho de alegria ao ver a luz flutuante, os bracinhos gordos estendidos para agarrar o objeto. Ele se esforçou para ir até a luz — e foi então que começou seu aprendizado para engatinhar. Anna ficou maravilhada.

Lady Galadriel a tudo observava, com um sorriso discreto. Admirada, Eliel arregalou os olhos e consultou silenciosamente sua senhora, que apenas assentiu, enigmática.

No segundo dia, Anna continuou a fazer exercícios lúdicos com sua magia, graças à ajuda de Darin. Ela projetou uma espécie de manta virtual sobre Darin, que soltou um guincho de pura felicidade. Galadriel observou:

— O pequeno parece ter muita afinidade com sua magia.

Anna respondeu:

— É a mesma dele. Acho que é isso que tanto o deixa maravilhado.

Lady Galadriel franziu levemente o cenho e indagou:

— Que quer dizer?

— Eu vejo em Darin a mesma luz dourada de minha magia. Acho que ele é capaz de identificar essa luz e reconhecê-la como uma parte de mim ou talvez de si mesmo.

— Vamos fazer uma coisa, então — sugeriu Galadriel. — Procure dar forma à sua luz dourada e vamos ver como Darin reage.

Com concentração e esforço, Anna conseguiu que os fiapos de luz virassem um cachecol flutuante, e depois um cobertor dourado brilhante capaz de cobrir Darin. O garoto ficava encantado ao se ver no meio da luz, como se estivesse dentro de uma bolha transparente. Soltava sons agudos e agitava os braços, fazendo a luz se mover.

Após alguns dias de treino, Anna foi capaz de dar à luz dourada uma textura mais densa, e assim construir formas definidas. Darin era capaz de se distrair muito tempo com uma tosca bola de luz que flutuava conforme as instruções de Anna. Depois ela foi capaz de fazer formas ainda mais definidas: borboletas douradas que pareciam feitas por computador voavam em volta de Darin, coelhinhos pulavam, esquilos corriam, passarinhos, gatinhos, cães, pôneis do tamanho de um brinquedo. Anna soltava a imaginação e Darin soltava a gargalhada.

Galadriel passou a fazer algumas dessas sessões também em meio à floresta. E foi lá que Anna experimentou a força de sua magia.

Ela normalmente aproveitava o tempo na floresta para se dedicar ao treino como troca-peles. E, já que não havia perigo numa terra protegida por elfos, Anna podia voltar a trocar sua pele para algo grande, como águias gigantes e até dragões. Como treino, ela até pediu permissão para se ausentar e ir até o Carrock, fazer uma visita de cortesia a Lord Gwaihir. Foi um bálsamo conhecer o ninho e ser acarinhada entre as asas de uma águia poderosa, recebida como irmã.

Na floresta, Anna sentia sua magia se fortalecer. Era como se todo aquele ambiente a seu redor fosse sua casa, ou o lugar onde ela se sentia mais à vontade. Antes de chegar à Terra Média, Anna nunca fora uma pessoa muito afinada com natureza ou a vida no campo, mas agora ela sentia que o verde era parte imprescindível de si mesma. Cada vez mais, os treinos eram prazerosos. Seu poder parecia crescer, e tudo apontava para esta afinidade com a natureza.

Os momentos em que Anna não estava treinando eram os mais difíceis. Pois era nestes momentos que ela entrava em contato com seus sentimentos, sua solidão, a saudade de Thorin, a ausência de Dís, dos meninos e os demais membros da companhia. Não havia noite em que ela não chorasse antes de dormir.

Anna não se sentia apenas sozinha, mas triste. A ausência de Thorin a fazia sentir como se um membro lhe tivesse sido arrancado. Ela tinha saudade dos pequenos momentos de intimidade, de fazer suas tranças, pentear a longa cabeleira, acariciar a barba... De olhar seu rosto e saber que ele sorria por dentro, mesmo que seu semblante parecesse fechado. Das ruguinhas no canto dos olhos quando ele olhava Darin, e então ela sabia que Thorin pensava em seu próprio pai. Anna sentia saudades dos momentos em que Thorin encarava seus olhos e ela sabia que ele em silêncio estava agradecendo a Mahal por tudo — porque ela estava fazendo a mesma coisa.

Constantemente Anna tinha que relembrar sua situação, até como forma de não sucumbir à tristeza e à depressão. Prática, ela sabia que precisava manter a cabeça, por ela e por Darin. Então ela se posicionava: repetia que aquele era um momento de fortalecimento e de auto-conhecimento — uma transição para ela poder ter condições de enfrentar sua vida dali para diante.

Numa noite, após o jantar, Lady Galadriel convidou Anna para passear no pátio externo, enquanto Eliel colocava Darin em seu bercinho e Lord Celeborn se reunia com os netos. As duas desceram a colina até uma fonte iluminada que ficava ao lado de algo que parecia ser um grande bebedouro de pássaros, do qual emanava uma luz suave. O lugar era totalmente desconhecido para Anna.

Galadriel pegou uma grande jarra de prata e pôs-se a encher a água da fonte no bebedouro, dizendo:

— Seu tempo em Lothlórien já está quase no fim. Dei a você toda a ajuda que podia, por enquanto.

Anna respondeu, com sinceridade:

— Eu lhe sou grata, Senhora. Posso sentir que minha evolução não foi pequena.

Galadriel continuou a transferir água, dizendo:

— Mais uma vez, criança, você me surpreende. Pois se para cá tivesse vindo quando mandei buscar nem metade teria evoluído. Aqui não é seu lugar: sua energia não é tão afinada com a de Lothrórien quanto eu supunha antes. Elrond tinha razão ao lhe dar uma escolha, e você fez essa escolha com sabedoria. É um erro que não vou repetir.

— Minha mágica gostou de Lothlórien. Pude senti-la crescer e se fortalecer.

— Seus poderes estão voltados para a cura. É um amplo conceito de cura, envolvendo corpo, mente e alma. Por isso, você deverá ir para Rivendell, treinar suas habilidades com Elrond. Ele é um mestre nas artes de cura e poderá lhe ser ainda mais útil do que eu. Mas lembre-se: mesmo Elrond quase não foi capaz de curar você da maldição. Sua mágica vai além das habilidades que Elrond pode lhe ensinar. Não se esqueça disso.

Anna assentiu, admirada. Como ela poderia estar totalmente treinada, se nem mesmo Lord Elrond poderia fazer isso? Lendo seus pensamentos, Lady Galadriel repetiu:

— Confie em sua mágica. Ela vai saber guiá-la, se você souber ouvi-la.

— Sim — concordou Anna, um pouco constrangida. — É claro.

A Senhora de Lothlórien pôs de lado o jarro de prata com o qual transferia água e disse:

— Eu a convidei até aqui para saber se tem interesse em olhar o espelho de água.

Anna comentou, com um pingo de temor:

— Esse seu espelho é famoso. Mostra fatos que ainda não aconteceram.

Ela abaixou os olhos:

— Esse espelho já falhou em relação a você uma vez. Portanto, ele não é portador de um destino já traçado. — Ela gesticulou com as mãos. — Venha. Deve se aproximar, se quiser ver.

Sem pensar, Anna deu dois passos à frente e olhou para a fonte que antes pensou ser um bebedouro de pássaros. A água se mexia e parecia estar iluminada por dentro.

Anna olhou para água e viu uma breve cena noturna: à frente de uma lareira acesa, Anna viu a si mesma brincando com Darin no chão. O menino estava mais velho, talvez tivesse quatro anos, e vestia uma capa sobre os ombros ao mesmo tempo que empunhava uma espadinha de madeira. Anna viu sua futura persona brincar de monstro quando Darin fingia atacá-la e foi quando uma figura encapuzada entrou na sala. Darin largou a espadinha e correu a abraçar o recém-chegado. O capuz caiu e Thorin Oakenshield ergueu o filho nos braços para depois beijar Anna. Depois a água se mexeu e Anna viu o marido e o filho no lombo de uma águia gigante sobrevoando o que parecia ser Mirkwood. E neste ponto a imagem ficou embaçada de novo, mas não foi pela água. Foram as lágrimas de Anna, que se emocionou ao ponto de ir ao chão, soluçando alto, uma dor aguda a consumir seu peito.

Ver Thorin feliz e a seu lado tinha sido demais. Porque Anna não via como aquele futuro podia se realizar. Pelo pouco que pudera ver, eles não estavam em Erebor. E Thorin jamais deixaria de ser Rei Sob a Montanha. Poderiam, então, talvez, encontrar-se em segredo?

Oh, Anna, que você fez com sua vida?

A voz suave de Lady Galadriel a devolveu à realidade:

— Doce Anna, não se desespere. Ainda há tempo de mudar este futuro.

Anna enxugou as lágrimas, erguendo-se do chão antes de dizer, sombria:

— Não há futuro para mim. Ao menos não com meu marido. Seu espelho me trouxe apenas a visão de um futuro que eu anseio, mas que jamais vai se realizar.

Galadriel garantiu:

— Ainda há meios de mudar esse futuro. Tenha fé.

Anna a encarou e assentiu, apenas por polidez. Ela não acreditava que pudesse viver tal felicidade de novo.

Fora um sonho lindo, que durara apenas uns poucos meses em Erebor.

E nunca mais voltaria a acontecer.


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