Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 18
Pompa e circunstância


Notas iniciais do capítulo

Uma festa grandiosa e inesquecível



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Pompa e circunstâncias

Uma festa grandiosa e inesquecível

Sem Anna perceber, a coroação finalmente chegou.

Os preparativos foram aumentando em intensidade até chegar o grande dia. O tempo estava melhorando: naquela semana, a primavera tinha chegado e já se viam flores em algumas áreas da montanha. No dia da coroação, porém, houve uma queda de neve for a de época, e tudo amanheceu coberto de branco no exterior da Montanha Solitária.

Dentro da montanha, o trabalho com os preparativos era visível. Os salões estavam decorados com as melhores tapeçarias e lampiões de luzes douradas que refletiam ainda mais as superfícies polidas de Erebor.

Os khazâd estavam vestidos com suas melhores roupas. Havia muitos representantes da raça dos homens, além dos colonos e o rei Bard. Para surpresa (e irritação) dos khazâd, também o rei Thranduil tinha vindo com o príncipe Legolas e alguns outros elfos. Gandalf viera e trouxera com ele Radagast, o Castanho. Anna estava tão animada e nervosa que chegava a sentir a barriga como nunca antes.

A cerimônia fora ensaiada algumas vezes, mas nenhuma delas com os trajes. Agora Anna se sentia apertada no vestido de gala azul-celeste bordado com pedras que Madame Hila preparara com tanto cuidado. Nervosa, inquieta, Anna tentava respirar, ou se controlar, ou se lembrar de tudo que deveria fazer. Ela via Thorin também ansioso e tentou colocar-se no lugar dele: um século e meio de espera até esse momento.

A consorte tomou a mão de seu marido. Os dedos grossos de Thorin estavam adornados de anéis, as presilhas das tranças delicadamente ajeitadas, o cabelo impecável. Ela olhou para cima, direto nos olhos azuis que tanto amava, e sorriu, cochichando:

— Tudo vai dar certo, meu amor.

O olhar que Thorin lançou foi tão caloroso, com amor e gratidão, que Anna sentiu algo no estômago como se borboletas estivessem voando alucinadamente. Ele levou a delicada mão de Anna aos lábios.

Dís interrompeu o momento, com agitação:

— Está quase na hora. Melhor fazer agora.

Thorin assentiu, e retirou uma caixa do meio das vestes. Virou-se para Anna, dizendo:

Mizimel, joia de todas as joias, nesse dia quero que receba um presente. Infelizmente, esta pedra não chega aos pés de sua beleza, mas é pura e perfeita como você é para mim. Gostaria que usasse na cerimônia. — Ele abriu a caixa. — Eu lhe ofereço Nudgimli, a Estrela do Leste.

Era um diamante preso a um pingente de ouro. O diamante em questão, do tamanho de um grande morango, tinha uma lapidação tão requintada que parecia refletir luzes celestiais, como um farol no meio da noite. A corrente de ouro em que estava preso combinava com os brincos pendurados que Anna usava, também de brilhantes.

Anna encarou o colar, de olhos arregalados e boquiaberta. Ela ficou emocionada e sussurrou:

— Thorin...!

— Diga que aceita, minha pequena, e eu o colocarei agora mesmo em seu pescoço.

Anna não continha a emoção:

— Seu anão tolo, vai me fazer borrar a pintura!... É claro que eu aceito!

Dís sorria e garantiu:

— Posso ajeitar seu rosto num instante!

Thorin pôs o colar cuidadosamente e Anna o olhou em seu peito:

— É tão lindo...

— Você é mais linda — garantiu ele. — Uma joia complementando outra joia.

Fíli sorriu e olhou para Kíli, dizendo:

— Ficou muito bem, mulher de meu tio.

Dís comentou:

— Nudgimli é uma das joias mais preciosas de Erebor. Dizem que sua beleza só tem paralelo com a própria Arkenstone.

Thorin reiterou:

— Nenhuma das duas chega a seus pés, meu tesouro.

— Obrigada, meu marido.

Um clarim soou à distância, indicando que a cerimônia estava para começar. Dís virou-se para Kíli e Fíli, arrumando amassados invisíveis em suas vestimentas impecáveis. Hila afofou as saias de Anna, fazendo-as farfalhar ainda mais. Anna, por sua vez, arrumava as tranças do marido. Então Dís indagou:

— Todos prontos?

Todos tomaram seus lugares diante da porta fechada que dava acesso à sala do trono. Lá Balin os esperava e arrumou-os em ordem de entrada.

Tudo já tinha sido ensaiado. Balin entraria primeiro, seguido por Kíli e Fíli. Depois Dís seguiria, com Anna por último, antes de Thorin. A moça riu ao notar que os irmãos ainda estavam ajeitando mantos, cabelos e colares antes que Balin desse o sinal para os guardas abrirem as portas.

Finalmente, as portas se abriram solenemente, e a fanfarra pôs-se a tocar enquanto o cortejo seguia lentamente pela sala do trono, liderado por Balin, que abria caminho no mar de gente, esperando os príncipes passarem.

Anna tinha consciência que os olhos da multidão estariam voltados para todos eles, mas principalmente para ela. Estariam julgando suas roupas, suas tranças, suas joias, sua pintura. Ela tentava não pensar nisso, ou ficaria com ainda mais dificuldade de respirar. À medida que passavam, os khazâd se curvavam.

Por mais que quisesse fixar seu olhar nas costas de Dís, ela não pôde evitar olhar para os presentes. Felizmente os primeiros que Anna viu foram Bifur, Bombur e Bofur — era difícil não enxergá-los, com o chapéu inconfundível de Bofur, a picareta enterrada na cabeça de Bifur e a cabeleira ruiva de Bombur. Bofur acenou freneticamente. Bem perto deles, estavam Nori, Ori e Dori, todos elegantemente vestidos. Ori estava documentando os eventos da coroação e escrevia rapidamente em seu livro.

Perto do trono, em cima do pedestal, Dwalin os esperava, segurando uma grande arca de joias. Óin e Glóin também estavam posicionados diante da corte real. Gandalf estava ao lado de Dwalin, segurando um pergaminho.

Kíli se posicionou ao lado de Dwalin, Balin do outro lado do irmão. Dís ficou ao de Kíli. Fíli ficou ao lado direito do trono e Anna se posicionou ao lado esquerdo.

Nesse minuto, a música parou e os tambores rufaram, ecoando por todo o salão. Ao som do rufar dos tambores, os portões se abriram novamente e todos se voltaram para aquela direção.

Lá estava Thorin, e por um minuto parecia que Anna nunca o tinha visto.

Ele usava um longo manto azul royal cujos detalhes em prata e ouro brilhavam à luz das tochas do salão. Por baixo, um colete de prata com o selo de Durin entalhado em ouro. Quando o filho de Thráin pôs-se a marchar regiamente entre a multidão embevecida, todos se curvavam à sua presença. Até o grande rei élfico Thranduil curvou sua cabeça. Anna sentiu seu coração se derreter e as borboletas se alvoroçarem em seu estômago, tamanha era sua emoção diante de seu majestoso marido.

Quando Thorin chegou ao trono, em vez de se virar para a multidão, ele se ajoelhou aos pés de Gandalf. O mago sorriu para ele com afeição e dirigiu-se ao povo:

— Amigos de todas as raças, bem-vindos! Estamos todos aqui — anões, elfos, homens, outros — reunidos hoje para testemunhar um fato raro: o renascimento de Erebor, um dos maiores reinos de toda a terra. Hoje devolvemos um lar ao seu povo legítimo. Vamos devolver o trono ao seu rei de direito, por nascimento e por conquista. Que os Valar e Mahal sempre protejam a montanha e seu rei, proporcionando paz e abundância.

Anna pôde sentir algo diferente no ar, mas não se deteve nisso. Gandalf se virou para Dwalin, que abriu o baú, onde estavam quatro coroas. O mago pegou a maior delas com as duas mãos e ergueu-a, dizendo solenemente:

— Erebor volta a ter um rei, o primeiro desde Thrór e seu herdeiro. E esta é sua coroa, a mesma de seus antepassados.

Gandalf colocou a coroa em Thorin. Anna notou que o objeto parecia ter sido feito sob medida para seu marido, assentando perfeitamente. Em seguida, Gandalf deu um passo para trás e ergueu a voz ao proclamar:

— Levante-se, Thorin, Rei sob a Montanha!

Thorin se ergueu e virou-se para seu povo, não mais como líder, ou príncipe, ou rei no exílio, mas como seu soberano. Anna notou uma onda de mágica no ar, como se o tempo tivesse parado por um momento. Gandalf, seu ladino, pensou ela.

Sempre atento aos protocolos, Balin foi o primeiro a se ajoelhar, seguido por todos no salão do trono, incluindo Anna, Dís e os rapazes. Ninguém se mexeu até a voz de Thorin soar:

— De pé, meu povo.

Os khazâd ergueram-se, encarando seu rei, agora coroado. Thorin abriu os braços e garantiu:

— Por quase 200 anos, os anões de Erebor sonharam com o dia em que retomariam seu lar e voltariam para a montanha. Por quase 200 anos, eles sabiam que este dia chegaria. Por isso, este não é o dia do rei. Este dia não pertence a mim. Este dia pertence ao povo de Erebor, que provou ser maior do que aqueles que duvidaram desse dia!

Aplausos e gritos irromperam. Thorin esperou silêncio antes de continuar:

— Vamos reconstruir nosso reino e prosperar, como já prosperamos um dia. Juntos, vamos reeguer Erebor, pois este não é somente meu reino redivivo: é o nosso lar reconquistado.

Novos gritos irromperam da multidão, incluindo elogios em Khuzdul para o rei e toda linhagem de Durin. Quando o barulho morreu, Thorin retomou a palavra:

— Hoje também é dia de honrar dois nobres guerreiros da linhagem de Durin, cujos títulos há muito têm sido negados.

Essa era a deixa para Kíli dar um passo à frente e ajoelhar-se diante de seu tio. Dwalin segurou o baú para Thorin retirar de lá uma pequena coroa de prata. Thorin a ergueu com as duas mãos antes de lentamente colocá-la na cabeça de seu sobrinho caçula. Com um sorriso, Thorin pronunciou:

— Fique de pé, Kíli, capitão da guarda, Príncipe de Erebor!

Quando Kíli se ergueu, Anna ignorou a algazarra do salão para se deter no olhar de choque do jovem ao ouvir seu título. Mais do que isso, ela viu o sorriso de orgulho de Thorin para Kíli, que se virara para ver o salão explodir em gritos antes de voltar a seu lugar.

Conforme ensaiado, Thorin se virou para Fíli. Anna notou o nervosismo do rapaz ao tomar seu lugar, de joelhos aos pés de seu tio. Do baú segurado por Dwalin, Thorin tirou outra coroa de prata, mas com detalhes em ouro.

— Erga-se, Fíli, Príncipe de Erebor, herdeiro do trono de Durin!

Parecia que o imenso salão do trono ia cair, tamanho o volume de aplausos e gritos em homenagem àquele que seria o próximo rei sob a montanha. A salva de palmas era mais alta do que o clamor de uma batalha. Anna não pôde deixar de notar a emoção do jovem herdeiro, que geralmente tinha um comportamento tão blasé. Dís parecia prestes a estourar de tanto orgulho dos filhos.

Anna tremia quando chegou sua vez. Ao se ajoelhar, ela sentia que seu coração batia tão forte e tão rápido que parecia estar tentando pular para fora de seu peito.

Thorin se virou para pegar a última coroa do baú. Na verdade, era uma tiara em ouro, confeccionada no mesmo estilo da coroa de Thorin, mas com uma única camada de linhas retas. Thorin a ergueu com as duas mãos e posicionou-a logo acima dos cabelos trançados de Anna. Ela ergueu a cabeça. Seus olhos se encontraram e ambos sorriram. Anna viu nos olhos de Thorin a mesma ternura que reservava para os momentos íntimos, e isso a acalmou, fazendo-a abstrair-se do salão cheio e concentrar-se nos olhos azuis profundos. Thorin então pousou a coroa gentilmente em sua cabeça, antes de proclamar:

— Levante-se, Anna, Consorte do Rei, Khazadbâhinh, Mãe de Erebor!

Por mais que tivessem ensaiado, Anna ficou surpresa com o título de Mãe de Erebor. Thorin havia adicionado este título sem avisar ninguém.

O Rei Sob a Montanha estendeu a mão para sua consorte se erguer e encarar a multidão. Anna ouviu os aplausos da multidão e os gritos de Bofur, que se sobressaíam entre os de todos: "Rainha! Rainha!". Ao se virar para a multidão, ela conseguiu ver Dori tentando discretamente enxugar uma lágrima.

Anna estava tão feliz e orgulhosa que nada parecia capaz de arruinar aquele momento. Haveria festa, dança, comida e alegria.

Infelizmente, porém, devido à sua própria natureza, imprevistos acontecem sem qualquer aviso.

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Depois da cerimônia, Thorin sentou-se ao trono (o mesmo de Thrór) com Anna a seu lado para receber os cumprimentos dos dignatários. Os Durin estavam todos perfilados: uma linhagem unida.

O rei Bard, de Valle, foi o primeiro chefe de Estado a cumprimentá-lo, e ofereceu a Thorin uma caixa de prata.

— Como oferta de amizade, rei Thorin, devolvo ao trono de Erebor aquilo que lhe pertence, para simbolizar a paz entre os povos.

Ele abriu a caixa, exibindo o conteúdo, e Thorin empalideceu. Recobrou a compostura, dizendo:

— Eu lhe dei isso.

Bard assentiu:

— Esta pedra pertenceu a seu pai, Thráin, e ao pai dele antes dele. É a Pedra do Rei, o Coração da Montanha. Eu não tenho nenhum direito, nenhum direito, de ficar com esta joia.

Thorin ainda parecia desconfortável. Anna (que combinara este momento com Bard desde sua ida a Valle meses atrás) esticou o braço e cobriu a mão de Thorin com a sua. O Rei Sob a Montanha encarou a Consorte, consultando-a diante de suas incertezas. Ela lançou um olhar confiante ao marido, que deu a ela um sorriso de gratidão e virou-se para o rei Bard, inclinando a cabeça graciosamente antes de dizer:

— É com gratidão que recebo este presente de Valle, como símbolo de amizade entre os dois reinos e os dois reis.

Anna sorriu, satisfeita. Ela não tinha certeza da reação de Thorin, quando pensara nisso. Mas ela não temia a volta da doença que vitimara seu marido na retomada da montanha. Anna estava quase certa de que a moléstia de Thrór tinha sumido da linhagem de Durin.

O Senhor da Cidade do Lago compareceu aos cumprimentos, bem como os elfos silvestres de Mirkwood. Anna viu Thorin suportar os cumprimentos de Thranduil, Legolas e a reduzida comitiva da floresta. Não escapou a ninguém o olhar trocado entre Kíli e uma elfa de cabelos cor de cobre, pequena para sua raça, cujos grandes olhos verdes se arregalaram diante do jovem príncipe da montanha. Era uma informação nova. Kíli e uma elfa?

— Rei Thorin, parabéns. — A voz agradável de Thranduil soou melíflua como sempre. — Sua coroação é um momento auspicioso para nossas terras.

Thorin respondeu:

— São tempos de mudança, Thranduil, grande rei. Devemos acompanhar os novos tempos.

Thranduil virou-se para Anna, beijando sua mão:

— Milady, está positivamente radiante.

Anna respondeu:

— Tem olhos bondosos para mim, Majestade. É grande minha alegria em vê-lo conosco neste dia. E príncipe Legolas, grande amigo. Sejam todos bem-vindos.

Depois que a pequena entourage dos elfos saiu, os dois magos se apresentaram, e Thorin cumprimentou Gandalf com afeição.

— Obrigado por vir, Gandalf. Você tem grande participação em tudo isso.

O mago sorriu:

— E como eu poderia perder esta ocasião depois de tudo que transpirou? Este é um dia de grande celebração, meus amigos.

Anna reiterou:

— Estamos muito felizes.

— E vejo que a família logo estará maior. Para quando é?

— Se não chegar no fim da primavera, então só no início do próximo inverno.

Aquilo pareceu surpreender Gandalf, que disse:

— Oh, bem, desejo toda a felicidade deste mundo. E também trago lembranças de Bilbo. Ele escreveu uma mensagem.

Anna disse:

— Oh, que saudade! Gostaria que ele pudesse estar aqui.

Gandalf comentou:

— Sei que não é substituto para Bilbo, mas vim com Radagast. Acho que se lembram dele.

Anna sorriu:

— Como poderíamos nos esquecer? Radagast e seus coelhos, mais velozes do que wargs de Gundabag!...

Durante todo aquele tempo, Radagast estava distraído, olhando para os lados e falando consigo mesmo. Gandalf teve que chamar sua atenção:

— Radagast, venha cumprimentar o Rei. Lembra-se de nossos amigos?

Alarmado, Radagast alertou:

— Gandalf, eu sinto cheiro de dragão aqui. E de anão!

Dwalin rosnou e Thorin fechou a cara. Mortificado, Gandalf tentou dizer diplomaticamente:

— Estamos em Erebor, um dos maiores reinos anões de toda Arda. E estes são os Reis Sob a Montanha.

Então Radagast abriu um sorriso ao ver Thorin.

— Ah! Anões! Sim, eu me lembro agora. Perto do Vale Oculto. Sua montanha é muito bonita.

Ainda de cara fechada, Thorin respondeu:

— Obrigado.

Anna disse:

— Por favor, fiquem à vontade. O banquete não demora.

Então Radagast virou-se para ela:

— Oh, que surpresa! Por meu chapéu, criança, o que está fazendo aqui?

Ana riu-se do seu jeito amalucado:

— Eu moro aqui, este é meu marido. Lembra-se de nós, não?

— Você estava com aquele bando de anões? E como eu não reparei em quem você é?

Anna disse:

— Oh, é que eu estava disfarçada de hobbit.

Radagast olhou a barriga dela e comentou, sorrindo com gentileza:

— E você está prestes a se tornar ainda mais especial, não é? Oh, que dias abençoados e mágicos os que vivemos! Não é, minha querida?

Divertida com os modos bizarros do Istari, Anna respondeu:

— Sim, com certeza.

Gandalf lembrou:

— Depois vocês podem conversar mais, Radagast. Você não está deixando a fila andar!

Era verdade: lá atrás, um anão rosnava furiosamente que elfos estavam na sua frente e ele exigia ver a Corte de Erebor. Radagast se deu conta e disse:

— Está bem, está bem. Adoro neves de primavera! Sempre trazem as coisas mais interessantes!

Anna podia jurar ter ouvido um passarinho piar dentro do chapéu do mago castanho.

Assim que os dois Istari se foram, foi a vez de Dáin Ironfoot e sua comitiva cumprimentarem o primo. A presença deles fez Anna lembrar-se que aquela era uma boa ocasião para tentar costurar tratados e alianças. Por isso, depois que as festividades se deslocaram para o Grande Salão e o banquete terminou, ela tratou de procurar Dáin, acompanhada por Hila.

— Meu lord — cumprimentou Anna, com uma mesura. — Sua presença me dá muita alegria.

— Senhora Consorte — saudou o Senhor das Colinas de Ferro respeitosamente, curvando-se. — Deixe-me lhe dar os parabéns. A montanha parece ter prosperado muito desde o tempo que aqui estive.

— Com as bênçãos dos deuses, estamos reconstruindo Erebor.

— Tenho ouvido falar de sua participação nisso. E tenho ouvido falar de outras coisas a seu respeito.

— Espero que não tenha acreditado em tudo que ouviu.

— Talvez não, mas agora acredito que o rei élfico tenha mesmo medo da senhora.

— Mesmo?

— Madame — ele se aproximou dela de maneira conspiratória —, depois do modo como lidou com aquele malfeitor que a atacou em seu quarto... até eu estou com medo da senhora.

Anna riu-se, um pouco constrangida:

— Pode ficar sossegado, primo de meu marido. Sou muito menos uma ameaça do que dizem.

Anna ficou maravilhada por ter conseguido arrancar um sorriso do senhor das Colinas de Ferro. Foi quando Madame Hila cochichou:

— Senhora, os elfos se aproximam.

Era verdade: Thranduil, Legolas e a elfa de cabelos ruivos se aproximavam. Ao longe, monitorando com discrição, estavam Kíli e Thorin. De qualquer modo, fosse como fosse, Anna suspirou. Sua gravidez escolhera justamente aquele dia para incomodá-la. Com dores, seria ainda mais difícil administrar a tensão que era interagir com Thranduil.

Mas Anna conhecia a expressão francesa "noblesse oblige", a nobreza obriga, portanto ela armou seu melhor sorriso diplomático e foi em direção ao trio.

— Majestade.

— Por favor, madame — pediu ele, em sua voz sedosa. — Pode me chamar apenas de Thranduil.

— É muito gentil de sua parte — disse Anna, virando-se para os outros dois. — Príncipe Legolas, espero que as festividades estejam de seu agrado e de sua acompanhante.

Thranduil interveio:

— Tauriel veio em minha companhia. Ela é capitão da guarda de minha floresta de Mirkwood.

Anna sorriu para a moça:

— Você é a correspondente a meu sobrinho Kíli. Talvez vocês dois possam se encontrar e discutir... assuntos de guarda.

A moça avermelhou-se e de novo. Thranduil comentou:

— Tauriel é muito jovem, e raramente saiu dos limites da floresta. Só teve contato com anões em uma única ocasião desastrosa. Achei que lhe faria bem ver como são anões em outras circunstâncias.

Anna concordou:

— É mesmo uma excelente oportunidade. — Ela ia dizer mais alguma coisa quando uma fisgada de dor praticamente forte a fez interromper-se. — Oh.

Hila adiantou-se para ampará-la, e Thranduil franziu o cenho.

— Madame, não se sente bem?

— Foi só uma dorzinha — minimizou Anna. — Provavelmente não é nada.

Hila sugeriu:

— Talvez seja melhor sentar-se, milady.

— Por favor, não diga nada a Thorin. Ele tende a exagerar um pouco e- oh! — Desta vez a dor foi tão grande que Anna curvou-se.

Thranduil gritou com Legolas e ele saiu correndo, desaparecendo em meio ao salão cheio. A dor de Anna aumentou e ela se sentiu tão mal que vomitou um pouco no chão. Hila disse:

— Vou chamar Mestre Óin.

— Não... — fez Anna, mesmo fraca.

A elfa aproximou-se:

— Por favor, deixe-me ajudar.

Anna indagou:

— É curadora?

— Não, mas as mulheres de meu povo podem sentir uma criança ainda no ventre. Eu também sinto sua energia, madame. Ela é familiar.

Hila ficou desconfiada, mas Anna assentiu, ofegante. Tauriel tocou a barriga com as duas mãos e fechou os olhos. Após uns poucos segundos, ela abriu os olhos e olhou diretamente para Anna:

— O bebê está sofrendo. É melhor chamar o curador e as doulas.

Nova onda de dor assolou Anna, que gritou.

Thranduil ordenou a Hila, alarmado.

— Leve-a para o quarto! [Tauriel, vá e ajude nossa irmã!]

E foi nesse momento que Anna entrou definitivamente em pânico.

Palavras em Khuzdul

khazâd-bâhinh = amiga dos anões

mizimel = joia de todas as joias


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