Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 17
Cerimônias e tradições


Notas iniciais do capítulo

Dedicado a Lourd



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Cerimônias e tradições

Dedicado a Lourd

No dia seguinte, Anna achou prudente pedir ajuda a Hila para escolher o que vestir no tal jantar especial. A opção foi por um vestido simples de intrincado bordado. A peça foi reformada depois de ter sido retirada da Sala do Tesouro, antigamente chamada de Covil de Smaug.

Dís pediu para fazer as tranças de Anna e colocar presilhas especiais. Mas nada de alguém dizer do que se tratava.

No fim do dia, ao cabo de muitas preparações efetuadas pelas duas mulheres em Anna, a esperada hora do jantar. Thorin veio buscá-la e Anna indagou, enquanto seguiam juntos foram à sala do Conselho:

— Dís vai mais tarde?

— Dís não foi convidada.

— Marido — indagou ela —, que jantar é esse? Dís só me falou que era uma surpresa. E agora ela nem vai?

Thorin sorriu para ela e respondeu, apenas:

— Falta pouco agora.

Os portões da sala se abriram e havia uma mesa posta com uma dúzia de khazâd já sentados. O grupo, já com canecas de cerveja ale na mão e outras tantas na barriga, recebeu-a ruidosamente:

— Dona Anna!

— Pequena!

— Viva a rainha!

Anna não pôde evitar sentir o coração se aquecer ao reconhecê-los: eram os seus anões, seus queridos amigos que formavam a Companhia de Thorin Oakenshield.

Anna ficou confusa:

— Rapazes?

— Eles queriam lhe fazer uma surpresa, ghivashel — explicou Thorin. — Estavam com saudades e também queriam cumprir uma tradição.

Anna estava emocionada. Ela se sentou à mesa, comentando:

— Que bela ideia! Eu também senti falta... disso. Alguns de vocês eu vejo mais, mas outros nem tanto.

Balin comentou:

— Agora nossa pequena é cheia de responsabilidades, como uma boa consorte.

— Sim — concordou Anna. — Muitas responsabilidades. Mas também é gratificante. Já avançamos muito na reconstrução de Erebor.

Glóin disse:

— Só estamos aqui há três meses e a montanha já prospera!

Ori disse, animado:

— E vai ficar ainda melhor quando da coroação de nosso rei!

Dwalin, de nariz vermelho, ergueu a caneca e gritou:

— Vida longa ao rei Thorin!

Respostas variadas de aplauso a Thorin circularam pela mesa arrumada especialmente para o evento. Bofur também ergueu a caneca e brindou:

— Um viva para a Companhia de Thorin Oakenshield!

Mais gritos. Thorin se ergueu, de caneca na mão, e todos se calaram. Solenemente, ele pediu:

— Um brinde a um membro ausente de nossa companhia, mas não ausente de nossos corações: nosso ladrão. A Bilbo Baggins, Khazâd-Bahel!

— Mestre Baggins! — disseram em coro.

— Mestre Boggins! — disse Kíli. — Que seus pés continuem ligeiros e peludos!

Houve muitos risos e gritos. Thorin pediu a palavra novamente e disse:

— Mas, agora que a Companhia está reunida, antes de começarmos a comer e beber, vamos cumprir a tradição de nosso povo. Antes que a hora de confinar Anna chegue, é a hora das oferendas.

— Oferendas? — repetiu Anna.

Balin explicou:

— É costume que parentes e amigos próximos do casal abençoado com um pequenino ofereçam presentes para o bebê. Na verdade, são utensílios ou outros presentes úteis.

Anna arregalou os olhos, maravilhada:

— Vocês também têm chá de bebê aqui?

Dwalin repetiu:

— Chá?

Bofur indagou, horrorizado:

— Vocês fazem uma bebida com partes de um bebê?

Anna respondeu:

— Oh, Bofur, claro que não. Chamamos chá de bebê a uma reunião como essa, em que presentes são dados à criança antes de ela nascer. Na minha terra é um pouquinho diferente, mas a ideia é a mesma.

Óin comentou:

— Pelo menos essa sua terra manteve algumas boas tradições.

Anna sorriu, e Thorin procedeu à fase de oferendas em si. Para Anna, as emoções eram misturadas, mas não confusas. Cada um da companhia forjou ou confeccionou um objeto para o bebê. De Bombur, ele ganhou uma colher de prata, acompanhada de um pratinho feito por Bifur e um copo feito por Dori. Ori tricotou dois pares de meias. Bofur fez um brinquedinho de pano, um bonequinho no formato de dragão. Glóin ofereceu um presente tradicional: um chocalhinho de prata. Kíli e Fíli juntaram os esforços para confeccionar uma caixa de lembrancinhas, com uma inscrição em prata do emblema de Durin. Dwalin trançou um anel de vime, usado como mordedor para quando os dentinhos surgissem. Balin confeccionou um par de contas para tranças em ouro. Óin confeccionou uma bolsa de couro e encheu com ervas tradicionais para doenças infantis: funcho, calêndula, confrei e camomila. Por último, Nori fez um pião sem corda.

Fíli explicou, entusiasmado:

— Ainda é cedo para ele ganhar brinquedos como machados e espadas.

Kíli assegurou:

— Todos de madeira, claro. Ele não ganha lâminas antes dos 15 anos, pelo menos.

— Confesso que não fico confortável pensando no bebê junto com lâminas — disse Anna. — Ainda bem que vai demorar até isso acontecer.

Thorin beijou a mão dela e disse:

— Agora não é hora de pensar nisso. Agora é hora de comemorar o novo filho de Durin!

Mais gritos saudaram a exortação do Rei Sob a Montanha. Depois houve mais ale nas canecas. A Companhia ofereceu ale a Anna (como sempre), que recusou (como sempre) e o resto da noite se passou numa alegre e animada reunião. Houve música, a tradicional guerra de comida, Bofur subiu na mesa e cantou e dançou, e Thorin tirou Anna para dançar ao som da música ritmada.

No meio da bagunça, com o álcool rolando livremente, muitas línguas se soltaram. Anna finalmente soube de muitas coisas ocorridas durante a viagem até a Montanha Solitária.

— Como assim, igual a Rivendell?

De nariz vermelho e um sorriso solto, Ori respondeu:

— Não sabia? Um dos jantares em Rivendell estava muito chato-

Nori interrompeu:

— Parecia um funeral!

Ori continuou:

— ... e então resolvemos animar um pouco o local com canto e dança!

Kíli completou:

— E guerra de comida!

Fíli concordou:

— É claro!

Óin comentou:

— Ah, precisava ver a cara dos comedores de mato!

Houve risadas generalizadas, e Anna ficou escandalizada.

— Mas quando isso aconteceu, e por que não fiquei sabendo?

— Foi quando você ficou doente — respondeu Kíli. — E como estava doente, Gandalf nos disse que não deveríamos aborrecê-la...

Anna comentou:

— Ainda bem que eu não fiquei sabendo de nada disso. Eu teria morrido de vergonha. Gente, Lord Elrond me considera como sua família!...

Balin suspirou, dando de ombros:

— Mais danos diplomáticos que poderemos reconstruir ao longo do tempo.

No final da noite, um Dwalin cambaleante ajudou um ainda mais cambaleante Rei Sob a Montanha chegar até seu quarto, pois Anna não conseguiria carregá-lo. O guerreiro comentou:

— Faz tempo que não faço isso... levar Thorin para curar ressaca!

— Imagino que isso tenha sido constante na juventude.

— Na verdade não — confessou Dwalin. — Thorin nunca soube lidar com bebida, então depois de algumas experiências ruins, ele evita ao máximo.

Anna riu-se, comentando:

— Vou ter que falar com ele sobre isso. Não queremos que a coroação vire uma despedida de solteiro, não?

— Despedida de solteiro?

— É uma tradição de minha terra. É uma forma de despedida dos amigos e das farras da vida de solteiro. Geralmente é feito na véspera do casamento, para aproveitar os últimos momentos de liberdade, e envolve mulheres e muita, muita bebida.

O guerreiro encarou a consorte e comentou, enquanto tirava as botas de Thorin, estirado na cama:

— Não sei se essa é uma tradição boa. Nem todos de meu povo se casam, então quem se casa é porque quer se casar. E se quer se casar, por que “aproveitar” os últimos momentos de liberdade? Desde o momento que você encontra quem ama, você já está comprometido, é o que eu penso.

Anna teve que sorrir diante do raciocínio prático:

— Faz todo o sentido, Dwalin. Muito lógico. E obrigada pela ajuda.

Ele se inclinou respeitosamente:

— Boa noite, minha rainha.

— Boa noite, meu amigo.

Anna fechou a porta depois que o guerreiro saiu e sentou na cama, observando Thorin, que aparentemente dormia. Foi então que ele abriu um olho:

— Dwalin já saiu?

Anna arregalou os olhos, admirada:

— Thorin! Você esteve acordado esse tempo todo?

Ele se sentou na cama, respondendo:

— Eu sempre deixei Dwalin pensar que não consigo lidar com a bebida.

— Por quê?

— Dwalin gosta de ser útil — disse Thorin. — Sim, houve um tempo em que o vinho, o hidromel e cerveja ale me perturbavam. Mas eu criei resistência maior – e sabedoria maior, também.

Anna se sentou ao lado dele e pôs sua mão entre as dele, dizendo:

— Fico feliz em ouvir isso. Nunca aprovei abuso de bebida, e sempre na minha terra havia esse costume. Não havia uma reunião entre pessoas que não envolvesse bebida alcoólica.

Thorin a abraçou, dizendo:

— Na verdade, aqui não é exatamente muito diferente.

— Engraçado que eu não tenha sido capaz de ver que você não estava bêbado de verdade — comentou Anna. — Acho que precisamos nos conhecer mais, marido.

Thorin a encarou, dizendo:

— Passamos tanta coisa juntos que fica difícil acreditar que não faz tanto tempo que nós nos conhecemos.

Anna riu:

— É, eu estava lembrando durante o jantar os momentos em que nos conhecemos. Vocês devem ter me achado a coisa mais estranha do mundo, não?

— Bem — confessou Thorin —, eu estava curioso – e desconfiado. Você surgiu de repente, do nada, e havia muita oposição a nossa jornada, então fiquei cheio de suspeitas.

Anna sentiu o rosto corar quando comentou:

— Assim que nos conhecemos, eu fiquei muito impressionada com você. Durante algum tempo, eu não tinha certeza de meus sentimentos. — Anna sentiu o olhar curioso de Thorin e tentou explicar. — Fiquei desesperada para provar que eu poderia contribuir para a Companhia. Eu me sentia inútil, desajeitada e medrosa. E você não ajudava nada!

Ele abaixou a cabeça:

— Eu sei. Desculpe.

— Na verdade, eu morria de medo de você.

— Eu sabia disso, mas primeiro eu estava desconfiado de você, como sabe. Depois disso... Bem, você vivia se metendo em encrencas!

— Eu vivia fazendo isso, não é mesmo? — Anna ficou vermelha. — Nem me dava conta!

— Aquilo me deixava furioso — admitiu ele. — Eu terminava perdendo a cabeça e gritando com você. Depois eu me sentia a pior das criaturas, mas você não me obedecia!...

Anna disse:

— Confesso que você me magoou algumas vezes, mas é que eu tinha um medo muito grande.

— De mim? Eu jamais a machucaria, ghivashel. Jamais bateria numa mulher.

— Oh, eu sabia disso.

— Mas então por que tinha medo de mim?

— Meu medo era que que você me achasse tão inútil que fosse me abandonar na primeira oportunidade.

— Minha miúda, eu jamais teria feito isso! Você sabe disso.

— Agora eu sei. Mas naquele tempo eu não tinha certeza.

— E era por isso que eu achava não ter a mínima chance com você. Talvez, se eu recuperasse Erebor e voltasse a ser rico, talvez você olhasse para mim.

— Thorin! — A voz de Anna subiu dois tons. — Eu jamais olharia para alguém apenas por dinheiro!

— Entenda, amor: eu sou um khuzd. Minha maior alegria é cobri-la de pedras e ouro, mizimel. Mesmo que elas não cheguem aos pés de sua beleza.

Eles se beijaram e Anna suspirou:

— A única riqueza que possuo é você, Thorin. Ainda que nada tivéssemos e morássemos numa choupana, eu ainda seria feliz, desde que você estivesse a meu lado.

— E eu também, minha pequena. — Thorin a beijou. — Posso ser um velho tolo e insensível, mas este coração pertence a você.

Anna se aninhou a ele:

— Preciso lhe dizer uma coisa: mesmo antes de me apaixonar, você me tocou profundamente, Thorin. Num determinado ponto da viagem, eu fiquei com meu coração em tiras ao ver você num raro momento de vulnerabilidade. Fiquei com essa imagem o tempo todo. Acho que nunca vou me esquecer dessa cena.

Thorin indagou:

— Posso saber quando foi isso?

— Lembra-se quando paramos na Curva do Rio? Houve uma noite de canto e dança. Foi depois que contei a você, Gandalf e Bilbo de onde eu tinha vindo. Estavam todos cantando e rindo, mas aí você se afastou e pegou sua harpa. — Anna abaixou a cabeça e ficou olhando para o colo. — O som era tão lindo que eu quis ir até você, mas Balin me advertiu que talvez não fosse uma boa ideia. Mesmo assim, eu olhei você de longe: estava recostado numa árvore, harpa no colo, tocando uma melodia tão melancólica, tão sentida... Eu me senti tão culpada, Thorin.

Ele a encarou:

— Culpada, meu amor? Por quê?

— Porque eu sabia que você sentia saudades de Erebor. Tudo aquilo que eu falei deveria ter reavivado as lembranças e provocado saudade de sua terra. Eu me senti responsável pela sua dor.

Thorin suspirou, dizendo:

— Eu me lembro daquela noite. Você tem razão: suas palavras me emocionaram. E foram uma boa forma de me lembrar dos motivos pelos quais estávamos fazendo aquela viagem. Suas palavras deveriam ter me convencido de que você entendia muito bem nossos motivos e nossas razões para vir até a montanha e enfrentar o dragão.

Anna abraçou o marido:

— Oh, kurdu, eu queria poupá-lo de ainda mais sofrimento. Você já sofreu tanto, e eu lhe dando ainda mais dor...

Thorin beijou a cabeça dela:

— Sossegue, ghivashel. Esses dias estão no passado. Foram dias que nos levaram a estes dias de hoje, quando eu tenho você, você tem a mim e nós temos nosso pequenino.

Anna sorriu:

— E temos nossos amigos. Eu fiquei tão emocionada com esta noite, Thorin.

— Espero que tenha gostado da surpresa.

— Adorei — respondeu Anna, esticando-se para aplicar um selinho nos lábios do marido. — Foi um gesto muito bonito. E você disse que a ideia tinha sido deles?

— Sim.

— Temos ótimos amigos.

— Sim, minha joia rara. Vai dar tudo certo.

Essa era uma promessa na qual Anna acreditava cada vez mais.

Apenas o futuro diria se haveria chance real de felicidade para os dois.

Palavras em Khuzdul:

ghivasha = tesouro

ghivashel = tesouro de todos os tesouros

kurdu = coração

khuzd = anão

khazâd = anões

khazâd-bahêl = maior amigo dos anões

mizimel = joia de todas as joias


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