Usuário Final escrita por Ishida Kun


Capítulo 9
Antes de dormir 2:4


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas finalmente aqui está, a última parte do 2º capítulo! Peço desculpas pela demora, caros leitores! Neste capítulo, vou começar a usar uma coisa bem legal, algumas músicas combinam perfeitamente bem com algumas cenas, então, quando você ler um ♫ acompanhado de um número, significa que você pode ouvir a música correspondente(vide soundtrack no disclaimer) enquanto lê a cena, aumentando ainda mais a imersão na história! Algumas músicas tem a exata duração da cena e para aqueles que tentarem, me digam o que acharam! Capítulo dedicado a minha partner Lady Verity, por me ajudar com alguns diálogos e cenas, ando enferrujado para escrever certas coisas e você está me dando uma ajuda daquelas! Thank You!



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Já era tarde da noite, quando Valéria contava aos outros sobre as histórias e fanfics que ela lia pela internet, defendendo a todo custo uma sobre vampiros que acendiam feito uma lâmpada, dizendo que os mesmos também mereciam o direito de viver sob a luz, mesmo que esta viesse de dentro deles. Adam não conseguia imaginar como vampiros poderiam acender dessa forma, não importa o quanto pensasse a respeito. Com a cabeça apoiada na mão, ele mais ouvia aquelas histórias e conversas do que participava. Uma parte dele estava contente de verdade por ter encontrado aquelas pessoas, lembrou-se que ela havia dito que ele era seu amigo em algum momento e o gesto poderia ter passado despercebido por qualquer um e não ter a menor importância aos demais, mas havia significado algo para ele.

Valéria também mencionou que escrevia uma história a respeito deles, chamada de “O Último Usuário” e narrava sobre a vida de um Usuário Final novato, lutando para sobreviver na Rede junto a uma equipe de pessoas habilidosas e experientes. A história estranhamente lembrava a dele próprio e não estranhou quando ela pediu para usar alguns eventos reais sobre sua vida como base, afinal de contas eles raramente encontravam novatos.

— Não acho que você vá se importar, serei o mais discreta possível – disse ela – e também será uma maneira de guardar nossas aventuras, pensei...

— Não me importo... de maneira nenhuma. - respondeu meio sem jeito – Acho que vai ser bem legal. - e de fato, talvez fosse mesmo. Ele não tinha o dom para escrever nem mesmo uma linha, mas adoraria ter algum amigo que o tivesse. Pelo menos nos filmes, parecia ser bem divertido.

— Que bom! Mandarei os capítulos para você ler assim que ficarem prontos! Tentarei escrever o mais rápido possível também, afinal nunca sabemos quando...- ela parou, deixando as palavras sumirem em sua boca. Adam sabia exatamente o que dizer a seguir:

— Eu vou morrer? - quando perguntou, sua voz saiu mais natural do que ele poderia imaginar e estranhamente, parecia que aquilo já não era tão assustador assim.

— Quando qualquer um de nós vai morrer. - disse Beatriz, de uma forma que Adam não soube entender se era tristeza ou indiferença - É mesmo uma boa forma de guardar nossas lembranças, Valéria. Então, quando nada mais restar dos Helldivers, poderão contar histórias sobre nossas façanhas. - ela sorriu, esticando os lábios de uma forma bonita e delicada. Era admirável a naturalidade como eles lidavam com a morte, diferente do que qualquer pessoa normal faria. A morte é algo que nos cerca desde o nascimento, mas a não ser que você seja um soldado numa zona de guerra, um desarmador de minas terrestres ou alimentador de tubarões, ela nunca é uma constante. Mas para eles não, para eles era apenas uma contagem regressiva, como no relógio do celular que repousava sobre a mesa. Pares de números que separavam a existência do fim. Era engraçado pensar na fragilidade daquilo tudo dessa forma.

— Ei, Fofinha – chamou Hector. Havia algo de muito engraçado em ouvi-lo chamar Valéria daquele jeito, mas ele não sabia dizer o que era – Não se esqueça de incluir o incidente em que destruí um armazém cheio de Devoradores sozinho! - Hector acertou um ruidoso soco numa das mãos, como se quisesse demonstrar como ele tinha “esmagado” o lugar.

— Se bem me lembro Hector, a Carla estava com você nesse dia e ela é muito orgulhosa sobre esse incidente - disse Beatriz, terminando num sorriso acompanhado da mordida nos lábios. Ela precisava mesmo fazer aquilo o tempo todo? Era como se a cada final de frase ela mordesse os lábios propositalmente num gesto de provocação ou algo do tipo, e mesmo que ela não parecesse aquele tipo de garota, era essa a impressão que dava.

— Bia, é uma história de ficção, apenas baseada na realidade. Não precisamos entrar em todos os detalhes, mas que coisa! Já quer envolver a sua BFF em tudo...

— Quem é Carla? - perguntou Adam, tentando desviar os olhos de Beatriz e de seus lábios cor de cereja.

— Uma esquentadinha que acha que tudo se resolve na porrada. Ela não costuma aparecer aqui no chat, pois é tímida demais para mostrar a cara. Você vai amar conhecê-la! Cara, ela adora novatos! - respondeu Hector, com um certo tom de desagrado na voz.

— Foi só eu que percebi o sarcasmo nisso? - contestou Adam.

— Com certeza. - confirmou Gabriel, parecendo ainda mais sarcástico.

— Não ligue para eles. - respondeu Beatriz - Carla vai gostar de você. É só não tocar no assunto da idade dela e fica tudo beleza. - e Adam evitou de olhá-la, seus olhos passearam pelas teclas do notebook e pelas linhas sutis do equipamento sobre a mesa, em seguida perguntou:

— O que tem de errado com a idade dela?

— Você ouviu alguma coisa do que eu disse?

Ele riu meio desconsertado e a conversa voltou a respeito da história, mas de fato, ele não estava interessado em conhecer essa tal de Carla. Algo não lhe inspirava confiança a seu respeito.

Adam bocejou, mas não estava com sono. Gabriel havia acabado de sair da sala, dizendo que precisava checar alguns relatórios. Valéria e Hector, haviam saído há pouco tempo, dizendo que o sono os estava vencendo e que um deles precisaria acordar cedo no dia seguinte. Um silêncio desconfortável havia se formado entre ele e Beatriz, que parecia digitar alguma coisa no teclado do computador, soltando alguns risinhos abafados. Provavelmente ela estava conversando com alguém, um namorado talvez, ou mesmo o cara que tinha lambido o chão por ela. Mas isso não fazia a menor diferença, faria? Por que pensava tanto a respeito?

— Você vai ficar aí olhando como se não tivesse nada pra falar? – então ela quebrou o silêncio abruptamente, o arrancando de seus devaneios – Ou para perguntar?

— Hum... acho que já vou dormir. - disse a primeira coisa que lhe veio a cabeça.

— Sério? Acha que já está pronto para isso? – Ela perguntou com um sorriso, demonstrando um misto de surpresa e diversão.

— Merda! - xingou repentinamente. Só agora havia se dado conta do que tinha acontecido, os outros não foram dormir, eles foram para a Rede! Como havia esquecido disso?

Beatriz riu com um tom de deboche e depois falou:

– Nem esquenta com isso. Se você se esqueceu é porque fizemos um bom trabalho em distrair você.

— Então era tudo um plano?

— Nunca é um plano. Gosto de fazer o que dá na cabeça independente do momento... pode me chamar de impulsiva se quiser!- e riu com a mesma delicadeza que entrava em contraste com suas atitudes – Você parecia um gato assustado quando apareceu aqui e eu me perguntei “O que há de errado com esse cara?” e logo depois “precisamos dar um jeito nisso!”.

— E eu ainda pareço um?

— Sem dúvida alguma. Descobri que essa é sua cara permanente e que a gente vai ter que se acostumar com ela... Mas valeu a tentativa de qualquer forma.

Adam sorriu e por mais que tentasse nada vinha em mente. Ali estava ele, frente àquela garota bela e intrigante, com a qual inevitavelmente ele teve algum tipo estranho de conexão e não conseguia dizer absolutamente nada.

— Você fica sem graça na frente de garotas, é? Mesmo quando elas nem mesmo podem ver seu rosto? - aquilo havia soado quase como uma provocação, talvez até maior do que o tique com os lábios, ela parecia testá-lo de alguma forma, algo que obviamente ele não cairia.

— Acho que só das garotas bonitas... - pensou alto, talvez alto demais. Se aquilo fosse de fato um teste, havia caído feito um pato – Na verdade... bom, o problema é esse seu... olhar acusador. - tentou contornar, mas pela expressão de Beatriz, sabia que já era tarde demais.

— Olhar acusador? - questionou Beatriz, recostando-se na cadeira com os braços cruzados, como se aquilo fosse algum tipo de piada - Ok, Senhor “olho que tudo vê”, já que você enxerga tão bem, por que não me diz o que acha da cor dos meus “olhos acusadores”?- brincou ela, em tom divertido, colocando o dedo nos lábios, como se estivesse curiosa a respeito do que ele tinha dito.

— A cor, bom eu não preciso ver para saber o quanto é interessante. - disse por fim, num novo impulso, o calor do rosto começando a aumentar, como as batidas do coração, de fato ele tinha dado a impressão de estar paquerando-a, mas isso não era algo que faria mesmo que quisesse e ele quase podia ver a si mesmo com uma expressão de reprovação quanto aquele comentário. - “Sei que vai parecer muito estranho mesmo, mas eu sinto que conheço você. Na verdade, isso vem acontecendo comigo o tempo todo e até se eu encontrar um estranho na rua, vou achar que o conheço, mas com você é diferente. Acredite, eu não preciso ver seus olhos para saber que eles são bonitos, é quase como se eu pudesse senti-los sobre mim.” - pensar em dizer aquilo era bem mais fácil do que dizer, e no final das contas foi a única coisa que ele conseguiu fazer além de tentar olhar para qualquer lugar que não fosse para a tela, pensou muito, mas não disse nada.

Beatriz ficou séria por um momento, o dedo ainda permanecia nos lábios como se significasse uma interrogação ainda maior. Em seguida falou:

— Aposto que você fala isso para todas, não é mesmo gato assustado? - ela disse aquilo com um sorriso provocador, como se escondesse algo e por um momento, Adam pensou que nada do que ela fazia parecia verdadeiro. Era como se suas palavras fossem para uma direção, mas sua linguagem corporal para outra.

Ele apenas retribuiu o sorriso, criando um silêncio desconfortável que parecia formar uma barreira impenetrável entre os dois.

— Pronto para conhecer até onde vai a toca do coelho? - perguntou ela, quebrando o silêncio.

— Não mesmo. - Respondeu com convicção. - Mas acho que não tenho escolha... não é?

— Mesmo que tenhamos uma pílula azul, não, você não tem escolha. Mas fica de boa! Estaremos todos lá. E daí você poderá finalmente me dizer o que acha do meu olhar acusador. - ela disse rindo, como se achasse a expressão realmente hilária, o que apenas fez com que ele se sentisse idiota por ter dito aquilo.

— Claro, parece uma grande diversão. - mentiu, é claro que não deveria ser divertido. Não havia nada na ideia de ir para a Rede que parecia lhe agradar.

— Você não faz ideia do quanto... - Beatriz falou de forma sarcástica, as formas de seu rosto mostravam que havia dado uma piscadela.

Adam retribuiu o gesto da mesma forma e ela se foi, o deixando sozinho, fitando a tela escura. Havia algo no tom de voz dela que o incomodou, seria os rumos da conversa? Algo não parecia estar certo, mas ele não acreditava que fosse encontrar alguma resposta sobre isso. Olhou para o equipamento sobre a mesa e inconscientemente apertou as mãos nos braços. Estava na hora.

♫ 7

A cama nunca fora tão desconfortável quanto naquela noite, Adam puxou um cobertor para si, mas o frio ainda o fazia tremer da cabeça aos pés e ele levou alguns bons minutos segurando o dispositivo de interface antes de colocá-lo na cabeça. Respirou fundo e fechou os olhos, o escuro da sua mente lhe dera as boas vindas enquanto a sensação de formigamento se espalhava por todo seu corpo.

— Bem-vindo Adam – novamente, a voz feminina o cumprimentou de modo automático e mecânico – Verifico que você está tenso. Como se sente?

Adam pensou por um momento em como deveria responder aquela questão. Assustado? Com medo? Apavorado? Ou apenas ansioso por estar prestes a experimentar algo tão surreal e perigoso? Porém, antes que pudesse responder, a voz novamente falou:

– O medo que você sente é normal, não se preocupe. A partir de agora seus pensamentos serão monitorados pelo sistema Horus, que é encarregado de todas as funções de um Usuário Final, portanto não é necessário que você responda meus questionamentos com a sua voz, basta apenas pensar.

Adam instintivamente quase assentiu com a cabeça, mas resolveu apenas ficar imóvel. A ideia de alguém monitorando seus pensamentos não parecia agradável, era invasivo e indiscreto e ele fez o possível para tentar deixar sua mente em branco, o que só fazia com que pensasse em coisas ainda mais comprometedoras, estando os lábios de Beatriz, envolvidos em algumas delas.

– Para acessar a Rede é necessário que você durma profundamente. Devido a seus altos níveis de adrenalina, farei com que relaxe agora. Tenha uma boa viagem.

Antes mesmo que pudesse perguntar o que ela faria, Adam ouviu um som agudo e sentiu como se seu corpo fosse jogado numa banheira de água gelada para depois afundar no vazio. Foi como escorregar da borda de um lugar inexistente, onde uma versão dele mesmo olhava para baixo, sorridente. A sensação era a de cair de costas, mas não havia queda, não havia frio na barriga, existia só aquele vazio tão grande que envolvia até mesmo os seus pensamentos. Enquanto ele afundava, pensou naquela beirada invisível onde seu outro “eu” havia ficado, ele conseguia vê-la, mas ao mesmo tempo não, pois era como se não tivesse mais olhos, como se não tivesse mais um corpo e isso não era algo ruim, era confortável, quente. A borda se afastava cada vez mais, assim como sua outra versão que ainda sorria, estava separando-se de uma parte de si, mesmo que isso fosse impossível. Mas naquele ponto, com tantas coisas acontecendo, o quê exatamente era impossível?

Adam piscou e seus olhos arderam com a claridade. Parecia um relâmpago.

Escuro.

Seus olhos forçaram-se a abrir novamente. Nuvens escuras se atropelavam em sua direção e um outro clarão fez com que seus olhos se fechassem.

Agora ele podia ouvir. Ele podia sentir. Era como se cada vaso sanguíneo fosse recriado, cada poro, cada fio de cabelo, parecia que todas as sensações possíveis eram inseridas em seu corpo, uma a uma e ele podia perceber e diferenciar cada uma delas. Abriu os olhos mais uma vez e vislumbrou as nuvens escuras se movendo rapidamente, um oceano de sombras acinzentadas riscadas pelo branco ofuscante das centenas de raios que as estilhaçavam. E num gesto de boas vindas, os céus se abriram para lhe mostrar abaixo, a imensidão de uma cidade sem fim, se estendendo além do que seus olhos eram capazes de enxergar, dividindo o horizonte longínquo com aquelas nuvens tão belas, tão assustadoras. Aquele céu, aqueles prédios escuros... era tudo tão familiar para ele quanto voltar para casa depois de um longo tempo fora.

O chão estava cada vez mais próximo, mas ele não temeu a queda, de algum modo era uma sensação conhecida para seu corpo e sua mente.

Finalmente, estava de volta à Rede.


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Notas finais do capítulo

Então... o que acharam? Obrigado por terem acompanhado a história até aqui, agradeço a todos os meus leitores, vivos ou fantasmas, o apoio de vocês está sendo essencial! Até a próxima!