Usuário Final escrita por Ishida Kun


Capítulo 11
A Rede 3:1


Notas iniciais do capítulo

Olá caros leitores! Antes de começar este capítulo, gostaria de de agradecer a todos os que estão acompanhando Usuário Final, aos que comentaram, que me mandaram mensagens e aos leitores invisíveis, que fazem as visualizações da história chegarem a níveis astronômicos! Obrigado pelo apoio e incentivo, sei que para muitos isso pode parecer pouco, mas é muito importante para mim, como autor! Dedico este capítulo a todos vocês, e sejam bem vindos à Rede.



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No relógio de pulso as horas estavam em seu devido lugar, mas ele não queria saber quais números aqueles ponteiros indicavam. Olhou melancolicamente para suas mãos, como se aquele momento fosse mais familiar do que ele gostaria que fosse e de fato era.

— Você voltou, mas não para me ver, não é mesmo? - ela perguntou com aquela voz suave, que lhe trazia à tona, algo do qual não gostava de lembrar.

— Acredito que não... - respondeu tristemente. Quando olhou para ela, reconheceu aquele rosto e os traços sutis que a tornavam tão bela, mas no momento em que ele os via, sua memória os apagava no mesmo instante, como se sua mente o impedisse de lembrar.

— Você realmente não se lembra. - ela disse, olhando para os próprios pés. O ponto de ônibus parecia como sempre foi, a mesma iluminação, o banco frio de metal, a rua que ia de lugar nenhum para qualquer lugar e que se estendia como se o infinito fosse apenas o começo de sua jornada.

Adam olhou ao longe, mas o ônibus não veio. Ela segurou sua mão e ele novamente sentiu o peso daquele gesto, tão doloroso como se uma agulha em brasa fosse enfiada através de seu peito.

— Eu gostaria de lembrar. - e uma lágrima rolou pelo seu rosto, pousando delicadamente como um floco de neve sobre seu relógio de pulso. Mais uma vez ele se recusou a olhar para as horas.

— Você vai lembrar quando tiver que lembrar. Quero apenas que saiba que neste lugar, eu estarei sempre com você — disse ela, apertando sua mão. Ele podia sentir a maciez de seus dedos entrelaçados nos dele e a presença dela era tão real quanto ele se recordava de ter sido, mas, ao mesmo tempo, ela era apenas um pedaço que lhe faltava, como a peça perdida de um quebra cabeças intrincado, complexo demais para se resolver.

— Eu ainda não estou pronto para dizer adeus e acredito que nunca estarei.

— E por que você acha que isso é o fim de tudo? Ainda não... eu preciso que você faça uma coisa por mim, Adam.

Ele se virou novamente para olhá-la, na fútil tentativa de guardar seu rosto em um local seguro de sua memória, mas ela não estava mais ali. Uma brisa lhe lançou pétalas de rosas de um vermelho tão vivo, que ele sentiu que o mundo ao redor perdia as cores, como se aquele vermelho sugasse tudo o que havia de mais belo. Em instantes, se viu cercado de preto e branco enquanto as pétalas avermelhadas que espiralavam ao seu redor, lhe diziam coisas das quais não podia compreender. O mundo cinza se desmanchou num turbilhão de imagens, um filme passando rápido demais para que alguém conseguisse se prender aos detalhes, então tudo se tornou preto e sua mente, foi preenchida por algo que ele já estava acostumado a ouvir:

Acorde, Adam.”

Adam abriu os olhos lentamente. Estava sentado no terraço de um prédio, encostado numa parede gasta e esburacada. Ele se sentia nauseado, tudo ao seu redor parecia embaçado feito uma janela esfumaçada, seu corpo estava amolecido e ele preferia não arriscar a se levantar. Tentou começar pelo básico e mover as mãos, mas era como se houvesse um atraso no ato de pensar em mover os dedos e de fato movê-los. O atraso se repetia em cada ação que ele tentava realizar, ao mover a cabeça, os olhos, até sua respiração parecia “atrasada” em relação ao pensamento.

Foi somente quando Adam ergueu o braço direito, que percebeu as luvas e a roupa que usava. Era justa, se moldando perfeitamente ao seu corpo, lembrava até mesmo o uniforme que os policiais de elite utilizavam, assemelhando-se mais a uma armadura que uma roupa. Era feita de um material frio feito o metal, mas maleável como a borracha, de um tom de cinza bem escuro, com linhas e detalhes em preto brilhante, as articulações dos membros possuíam peças metálicas que formavam algo semelhante a uma engrenagem. Quando ele se movia, era possível escutar um ruído baixo, onde peças e mecanismos estalavam e rangiam, enquanto engrenagens pareciam trabalhar num fluxo contínuo por debaixo daquele material. Era como se a roupa fosse algo vivo e por um momento, Adam se sentiu como num dos desenhos japoneses que Eriza gostava de assistir ou mesmo um personagem de algum videogame futurista. Mas o mais engraçado daquela coisa, era o fato de que ele podia sentir tudo como se a roupa fosse uma extensão de seu corpo, parte de sua pele. De certo modo, era como estar sem roupa nenhuma e isso não tinha nada de engraçado.

♫ - 2 Encostou-se novamente na parede e pensou no por que de seus novos amigos não estarem ali para lhe dar as boas vindas, como disseram que o fariam. O vento soprava com o típico ar frio da noite, mas era tão puro que chegava a arder em seus pulmões, como se o que ele respirasse não fosse ar e talvez nem fosse mesmo. Se parasse para pensar melhor, nada daquilo era real, mesmo que parecesse. Era difícil entender um mundo feito de dados e códigos, escondido nas frequências eletromagnéticas do planeta, um mundo inteiro inexplorado e hostil, esperando para ser desbravado, esperando para matá-lo. Era como pensar no sentido da vida ou qualquer outra porcaria que ninguém soubesse explicar, a cada resposta ele traria outras dez questões, o que certamente não o levaria a lugar algum.

— Cidade Silenciosa, não? Faz jus ao nome... - ele disse baixinho para si mesmo. Nunca estivera num lugar assim, com um silêncio quase palpável que o fazia ter percepção de seu tamanho naquele mundo, sua voz era apenas um sussurro em meio a imensidão de uma cidade adormecida. Não havia o som do trânsito, dos pássaros, das TVs ligadas, da música alta no apartamento vizinho e não havia o que mais diferenciava aquele mundo do que Adam estava acostumado a ver: as vozes. Não havia o burburinho indistinguível da junção das vozes de todas as pessoas, aquele som imperceptível que era tão natural quanto o som de nossa própria respiração. Sem as vozes, aquele mundo se tornava o lugar vazio e desolado que ele já conhecera uma vez, ou várias, ele não sabia ao certo.

Adam se forçou ao máximo para se levantar, a tontura não parava e as pernas que não correspondiam à sua vontade não ajudavam em nada, mas, com muito esforço ele conseguiu. Olhou para parede a qual estava encostado, havia um portão de grades onde do outro lado, uma escadaria seguia tortuosa até se apagar na escuridão sem fim, um ruído indistinguível parecia vir das profundezas. Ao lado do portão, uma placa de metal enferrujada e gasta pelo tempo estava pregada à parede e Adam não conseguiu identificar o que estava escrito, parecia um nome e sobrenome, acompanhado do número “673” riscado em vermelho-escuro. Ele tocou o número e percebeu que a tinta estava úmida. Temendo que talvez aquilo não fosse tinta, ele deixou o número e a escadaria para trás e rumou para a beirada do terraço, agora que a visão aos poucos voltava ao normal, queria ver ao redor e finalmente ter um vislumbre verdadeiro da Rede.

Seus olhos piscaram com a imensidão e a beleza daquilo. Uma infinidade de edificações se estendiam infinitamente para todos os lados que sua visão conseguia captar. Os prédios acinzentados, eram irregulares e tortos, como se um arquiteto metido a Picasso tivesse soltado sua imaginação ali, alguns possuíam um toque gótico e antiquado enquanto outros, se assemelhavam aos arranha-céus espelhados das grandes cidades. Haviam estruturas incompletas e enferrujadas, prédios que sumiam por entre as nuvens turbulentas e outros tão pequenos, que mais se pareciam com uma casa. Em alguns pontos, construções esmigalhadas desafiavam as leis da gravidade e do tempo, com milhares de destroços congelados em pleno ar de forma que parecessem um cinturão de asteroides, pairando sobre uma órbita morta e desolada. As nuvens tempestuosas se remexiam constantemente, reluzindo com clarões tão mudos quanto aquela cidade.

Acima do edifico onde estava, era possível ver que algo se escondia por debaixo daquele véu escurecido. Adam estreitou os olhos tentando identificar a coisa e não precisou de muito tempo para ver um enorme mastro surgir por entre as nuvens. Maravilhado com a visão arrebatadora, deu alguns passos para trás, quando por entre ondas acinzentadas, um gigantesco navio cargueiro irrompeu dos céus, rangendo feito um gigante que acabara de despertar de seu sono. O navio estava de cabeça para baixo, seu casco virado para o céu como se aquelas formas afofadas fossem um oceano de fumaça do qual ele deslizava suavemente. No convés, dezenas de contêineres estavam empilhados formando pequenas torres irregulares e coloridas, provando que as leis da gravidade não se aplicavam ali também. Os mastros carregavam montanhas de correntes que soltavam ruidosos estalos quando se chocavam umas nas outras, enquanto o metal enferrujado rangia como um trovão, rugindo noite adentro e quebrando o silêncio quase perpétuo que permeava pela cidade. Na lateral, era possível ler claramente em letras vermelhas “M.S.V. Martinez”, abaixo de um enorme corte que ia até o casco, por onde algo que Adam não conseguia distinguir, vazava. Ele estava perplexo com tudo o que via e exatamente como Beatriz havia lhe falado, ele só poderia entender o que era a Rede quando fizesse parte dela. Adam girou, acompanhando o navio que parecia navegar sem rumo e sorrindo, estendeu a mão para cima como se pudesse tocá-lo, de tão próximo que estava. Sentiu uma liberdade e paz sem igual tomar conta de seu corpo, era como estar num sonho ou numa pintura surrealista, mas com aquela ponta de certeza que lhe dizia que o que estava vendo de fato estava ali, havia um navio flutuando sobre sua cabeça, prédios estilhaçados e congelados no tempo, uma cidade adormecida e a visão mais bela que já vira em sua vida.

Adam parou, e com o olhar perdido na distância infinita, lembrou-se de quando sua irmã inventava histórias para ele dormir, contos sobre mundos imaginários e coisas que desafiavam a realidade que eles tanto conheciam, uma terra de sonhos onde a aventura era apenas o começo da jornada. Ele desejou naquele momento, que pudesse ter Eriza com ele, girando nos calcanhares e tentando alcançar o inalcançável, seria o mais próximo que chegariam daqueles sonhos e isso não era algo ruim, era reconfortante.

Ouviu um estalo seco às suas costas, e sentiu o metal frio encostar em sua nuca. Já vira aquela cena em diversos filmes, portanto não precisava se virar para saber que havia uma arma apontada para sua cabeça.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam da Rede? Valeu toda a espera? Mas tenham calma, isso é apenas um vislumbre desse mundo enigmático e sombrio que é o tema central de Usuário Final. Ainda há muitas questões a serem lançadas, muitos mistérios esperando por respostas... obrigado por lerem e até a próxima!