Angels Dont Cry escrita por dastysama


Capítulo 30
Capítulo 30 - Sua família é tudo que terás




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Lá estava Luleå, do mesmo jeito que eu me lembrava que era. Havia aquele frio, ainda não tão rígido, pois estávamos em Outubro, outono e não inverno. Por isso o local estava com cores amarronzadas e amareladas, com as árvores parecendo esqueletos, contendo apenas algumas poucas folhas. Dava para sentir o cheiro de chuva nas folhas que estavam no chão, entre o barro, amassadas por carros, tratores, carroças e pessoas.


– Não é tão ruim assim – Mischa disse parecendo empolgada – É como viajar para o campo igual um filme que eu assisti, que uma mulher trocou de casa com a outra e foi para uma espécie de chalé. Deve ser mais ou menos parecido.


– Também não é assim, mas não é ruim mesmo. Acho que eu sentia falta daqui, passei meus dezessete anos nesse local. Tem coisas divertidas a se fazer.


Estávamos em uma das rodovias do local, sentadas em um banco, esperando que alguém nos buscasse já que não estávamos a fim de se aventurar nas estradas com lama. Meu pai havia avisado que estaria aqui e eu realmente estava ansiosa por encontrá-lo, mas é claro que também havia o nervosismo. Na verdade eu parecia tão ansiosa por tudo, havia tanta coisa que eu queria que acontecesse, mas ainda levaria um tempo.


Uma caminhonete de repente apareceu, ela era grande e preta, com a pintura um pouco riscada, mas estava praticamente do jeito que eu me lembrava. Era nela que meu pai levava as toneladas de lãs que se retiravam das ovelhas, lembro que sempre o ajudava nesse tipo de trabalho. E lá estava meu pai, com os cabelos loiros meios grisalhos, olhos azuis límpidos e músculos fortes de tanto trabalhar. Vestia com um de seus casacos feitos de sua própria lã.


Não sabia o que fazer, só sentia meu coração batendo fortemente dentro do meu peito por causa da emoção. Então quando ele saiu do carro e deu alguns passos para frente, com os olhos marejados de lágrimas, eu corri até ele e o abracei fortemente. Sim, eu sentia falta dele e de toda minha família, também sentia falta do lugar de onde eu viera.


– Oh, Vig, como sentimos sua falta – ele disse com a voz embargada, me dando um abraço de urso daqueles que quase quebravam minhas costelas – ficamos com tanto medo que você fizesse uma bobagem.


– Eu voltei papai – eu disse nem ligando ao saber que ele sabia que eu era uma louca varrida – Mas não fiz nenhuma bobagem, não vou fazer mais bobagens na minha vida.


Ele me soltou e ficou encarando meus olhos da mesma cor que os dele, e tirou um lenço do bolso para limpar as minhas lágrimas e depois as dele. Depois ele percebeu que Mischa estava por perto, totalmente sem-graça e também foi dar um abraço de urso nela, falando abertamente que se ela era minha amiga, também era de toda a família.


Peguei minha mala e tive que ajudar Mischa com todas suas oito, tivemos que colocar tudo na parte de trás da caminhonete para ter espaço para nós na cabine. Tanto Mischa quanto eu parecíamos eufóricas, como se isso fosse uma grande viagem, mas era de certa forma, afinal havia uma garota voltando para casa e uma fugindo de casa.


– Mamãe fez sua comida favorita! – papai disse sorrindo para mim – E Joe realmente não vê a hora de vê-la! Ele está aprendendo também a caçar, ando ensinando algumas coisas a ele, mas nada que se compare ao que você já fazia com a idade dele.


– Vocês caçam? – Mischa perguntou parecendo interessada – Mas soltam depois, não é?


– Na verdade não – eu disse pensando seriamente se deveria falar a verdade – Nós matamos e depois comemos. Mas é divertido se quer saber... é... caçar.


– Vocês caçam de verdade? – Mischa disse pasmada – Mas que tipo de animais?


– Coelhos, raposas, algumas espécies de pássaros, por aí – eu disse ficando desconfortável, afinal que eu saiba, as pessoas de Estocolmo não caçam de forma nenhuma.


– Meu Deus! Isso é realmente assustador! Matar animaizinhos, como consegue? Quando eles olham com aquela carinha suplicante por vida?


– Mischa, já falei que o inverno aqui é rigoroso, e você tem que abastecer comida em casa já que por causa da neve é difícil se locomover até um supermercado. Caçar é algo para garantir nossa própria sobrevivência, e também é uma espécie de hobby praticado apenas na época certa e quando se precisa.


– Hum... se vocês forem, me levam? Acho que não é tão ruim assim – ela disse pensativa – Quero dizer, uma vez fui a um restaurante lá em Paris que tinha um aquário gigante com lagostas, você escolhia a que queria e depois eles preparavam para você. Deve ser a mesma coisa!


Decididamente não era a mesma coisa, mas é melhor eu não especificar para Mischa. Não quero nem ver ela nos acompanhando em uma caçada, ainda mais ela que odeia esses filmes sangrentos, ela não vai gostar nada. Eu já estou acostumada com esse tipo de coisa, com cinco anos eu já sabia atirar em um coelho mais rápido do que alguém conseguiria com essa idade. Mas um ano longe de toda a minha realidade realmente muda uma pessoa, isso não me parece tão divertido quanto antes.


A caminhonete parou em frente a um portão de madeira, papai saiu da caminhonete e o abriu para podermos passar. Ao longe podia-se ver uma enorme casa de madeira com base feita de pedras, com telhado em V de cabeça para baixo bem vermelho e uma chaminé em cima por onde saía fumaça. O capim que se estendia estava meio ralo e amarronzado e em um canto, havia uma casinha pequena onde um boxer estava deitado com as orelhas abaixadas, mas que se levantaram subitamente quando viu a caminhonete avançando.


– Freya! – eu gritei pela janela do carro e vendo a cachorra correndo até a mim e começando a arranhar a porta, então a abri – Oh, cadê a coisa mais linda do mundo? Como você está menina?


Freya pulava em mim, me enchendo de baba, tão contente em me rever. Também sentia falta dela, da minha companheira de caça, ela que me avisava quando encontrava algum coelho ou algo do tipo. Pelo visto um ano não foi o suficiente para ela se esquecer de mim!


– Hedvig! – gritou alguém aparecendo na varanda e lá estava Joseph, ou como o chamávamos, o pequeno Joe com seus cabelos lisos e extremamente claros iguais aos de meu pai antes de ficarem boa parte grisalhos, seus olhos azuis faiscaram quando me viram e ele correu até a mim com suas botinhas de chuva – Você veio! Pensei que tinha sumido!


O peguei no colo e comecei a girar com ele, enquanto ouvia seus risos histéricos. Seus bracinhos envolveram meu pescoço e ele deitou sua cabeça no meu ombro, parecia uma criança inofensiva se eu não conhecesse sua natureza destruidora. Esse vai puxar a irmã, já estou vendo.


E lá na varanda, havia outra pessoa, minha mãe com cabelos pretos e compridos, caindo em cascatas nas costas, com olhos também claros igual a todos nós. Ela estava com um avental na frente da roupa e segurava um pano de prato como se tentasse limpar as mãos de algo. Seus olhos estavam marejados de lágrimas, mas ela não ousou vir até a mim, talvez com medo de que eu fosse apenas uma miragem.


Coloquei Joe no chão e corri até ela e pulei em seu colo a abraçando com força enquanto a ouvia soluçar freneticamente. Também deixei as lágrimas rolarem pelo meu rosto, como eu sentia falta dela! Mas tudo parecia estar bem agora, eu estava concertando tudo que fiz de errado, começando pela minha família, é neles que realmente preciso confiar.


– Oh, Vig – ela disse me abraçando e me olhando com seus olhos tão límpidos e incisivos – Sentimos tanto sua falta, ficamos tão felizes quando disse que voltaria, estávamos errados quanto a você.


– Na verdade, acho que estavam certos, só tentavam me proteger para que eu não fizesse nenhuma besteira. Talvez devêssemos ter conversando antes, há coisas que não se pode decidir sozinha – eu disse falando a mais pura verdade. Só espero que eles não se assustem quando eu dizer que vou para a França.


– Então vamos conversar, colocar tudo em dia! E você, pode também me dar um abraço – mamãe disse para Mischa que estava parada sem saber o que fazer da vida, percebi que minha amiga ficou feliz ao receber um abraço, ela havia perdido a mãe e eu não me importava de emprestar a minha um pouco.


Talvez essa mudança não sirva só para mim. Acho que há algo mais além. Sim, acho que há.


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