Naïve escrita por Charlie


Capítulo 18
Capítulo 18


Notas iniciais do capítulo

Aos que leram as notas de Parachute, eu disse que estava de volta.
Eternamente grata aqueles que continuam comigo mesmo depois de tanto tempo, e aos novos leitores que estão se prontificando a ler, comentar e sempre me estimular. Vocês são ótimos. Ademais, peço perdão pela demora agonizante.
Qualquer coisa, estou a disposição.
Nos vemos, xo.



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Quinn’s pov
Apenas saio e vou embora.
Embora, embora não tenha o mesmo significado de ir. Àquela altura, tenho os musculos, as vértebras e qualquer outra parte do corpo trêmula, quebrada. As mãos. As vista embaçada, o olho lagrimejando. Uma vez ela me disse que, chegado o tempo, eu viria a entender a razão por trás de minha ausência de amigos, mas não tinha ideia alguma sobre todo o tormento que tive de passar somente para ter paz atrás duma porta de madeira, ao chão do banheiro. Todavia, quando bato a porta de entrada, meus interiores rebatem, quase como se eu uma vez estivesse acordando de um sono repentino. Ali, por momentos, permaneci, na entrada da porta de minha casa usurpada por uma pseudo intrusa. Respiro duas, três vez em função de tê-la sobre controle. Entretanto, meus olhos queimam junto da ponta da garganta e, subitamente, dou-me conta que choro. Não um choro domado e disfarçado, mas quase um esperneio. Dentro de soluços, tenho de pressionar a mão contra o abdômen para suprimir a força que fazia a fim de expelir toda a sensação, o amalgama de raiva, ódio e arrependimento que sentia. Arrependimento. Então, eu chorava na porta de minha casa. Ao vivo e em cores, para qualquer vizinho como audiência. Entretanto, acima de tudo, eu chorava um choro sentido por conta de Santana. Santana, uma esposa de mentira que nunca seria uma coisa verdadeira. Nunca.
Ela estava do outro lado da porta, num universo alternativo e eu já não podia mais ouvi-la. Em profundidades extremas, deitava a pensamento sobre a coisa certa a fazer. Eu devia virar, abrir a porta, sentar quietamente no sofá ou no quarto ou no banheiro ou fingir que Santana não invadia muita casa, meu espaço, e ir ao escritório fazer outra coisa diferente do que eu agora fazia. Ir embora.
Eu estava indo embora.
Entrei no carro, esbarrando em portas, suportes e consoles por tentar enxergar através das lágrimas que, involuntariamente, inundavam os olhos. Mesmo assim, dirijo pela cidade nessa hora em um dia x. Em todo o percurso, tento tirar Santana da cabeça, mas toda a ação é em vão. Suas palavras. Eu não estava equivocada, eu não sentia que estava errada a respeito de Russell. Não estava. Não havia palavras que descreveriam o quão solitário era sentir uma desimportância paterna. Não amada. Não segura e querida. Era meu direito e sempre seria opinar por não aceitar essa negatividade de volta em minha vida. Sim, houve momentos e ocasiões em exceção, mas era só. Eu não queria reconciliação com ele, na realidade, desejava que tudo permanecesse no passado a fim de podermos pensar no futuro. Então, não, eu não estava errada, mas não deveria ter chamada Santana de vadia, também. Não deveria tê-la mandado se foder, entre outras coisas. Eu pegava fogo, não aceitava permanecer nas cinzas da pessoa que costumava ser. Santana deveria ter me apoiado nessa, sabia o quão mais difícil as coisas foram para mim. O mundo adulto é realmente mais complexo e tudo não pode ser resolvido com um aperto de mão e sorrisos amarelos. Culpei Santana por uma coisa que nem se quer a dizia respeito, quando éramos adolescentes e hoje, casadas. Tudo que não fomos, perdemos a oportunidade de sermos quando meninas foi por culpa de Russell. Como Santana não compreendia isso? Eu tinha ciência sobre a situação delicada que ela e sua avó se encontravam e, mesmo assim, se ela desejasse ir ao casamento, eu faria de tudo para convencer Santana a aceita-la de volta. Contudo, Russell é meu pai. Eu tenho o direito de decidir se ele parece ou não. Simples.
Algo em meu interior ansiava voltar e dize-la que era simples assim, nessa matemática. Queria fazer Santana se importar comigo o suficiente para entender o quão vulnerável estar perto de Russell me deixava. Não obstante, é claro que ela não compreendia. Não se importava o bastante para apenas se dar o trabalho de entender. Santana só queria sexo. Eu não me enganava, nos casamos por somente uma razão, nada além da aposta. Foi impulsivo, estúpido, infantil e era o final. Esse era nosso final.
Levei em torno de duas horas para voltar a minha casa, transitando nas ruas sem rumo algum. Minha casa, em suposição. Suposição porque as coisas de Santana, assim como ela, invadiam todo meu espaço. A princípio, quando abro a porta de entrada, deparo-me com seus sapatos. Na mesa de café ao centro da sala, uma revista de moda arreganhada numa página aleatória. Na porta da geladeira, na cozinha, sua letra num post it avisando que precisávamos de leite. No banheiro, seus produtos estavam misturados com os meus, mesmo tendo outros cômodos desse na casa para tais fins, ela cismou com o meu. A escova de cabelo, escova de dentes e creme dental. Nossas coisas estavam misturadas, em seu apartamento e em minha casa e somente o pensamento de eu ter de buscar por meus pertences por lá, deixava-me exausta, mas satisfeita por ter negado o pedido de Santana em morarmos juntas. Seria bem mais difícil. Tudo ali era ela. Seu cheiro, as coisas. Sua imagem, eu não podia aguentar. Não podia, não pelo fato de tudo me lembrar a ela, mas pelo simples ódio de vê-la ter tomado todas minhas coisas. Meu espaço.
Então, eu saio. Visto uma roupa mais apropriada, saltos e uma maquiagem leve. Eu só precisava beber.
Boston é uma cidade grande, uma metrópole. Quando primeiro me mudei, pensei não conseguir me medir e acompanhar o ritmo, mas, de todas as outras, ela tem uma peculiaridade de te abraçar e esperar que você siga o passo que se avança. Uma passo atrás do outro. Então, essa noite, decidi deixar que Boston me abraçasse e mostrasse o que tem de melhor na cura de um coração pisoteado. Entretanto, na primeira tentativa, bufo quando sento no balcão dum bar movimentado duas quadras longe de casa e ouço don’t be a fool iniciar nos autofalantes. Além disso, inicialmente, quando adentro o ambiente, noto já ter me equivocado na escolha. Tem os aspectos desses pubs irlandeses de luzes escuras, arquitetura infiltrada no subsolo de um prédio velho e que cheira a cerveja, puro malte. Segundo, a movimentação se faz ainda mais presente quando a força repugnante do sexo masculino tem de provar sua vasta masculinidade e sexualidade predatória através de cantadas chulas e machistas. Não obstante, apesar de tudo, o lugar é bem recomendado e, passando pela muvuca de pessoas, decido ali permanecer. Eu não tinha nada a perder. Assim, sento-me no balcão, o único lugar livre dali.
— Jesus, por que alguém tocaria esse tipo de música num bar, de todo os lugares?- bufo, a ninguém em específico num pergunta além de retórica. O som estava num volume não muito baixo e as pessoas ao me redor pareciam engajadas em suas próprias conversas porque, convenhamos, quem vem ao bar sozinha?
Uma primeira tentativa chula, Boston.
— Porque - Todavia, a pergunta não fora tão retórica assim quando uma das outras pessoas dum vasto balcão de madeira escura a responde. A princípio, quando tomo uma das banquetas dali, não tinha a visto. Não é como se tivesse prestado atenção também, mas dado a forma que apareceu em meu campo de vista, não era de se notar inicialmente. Ela senta ao meu lado e tem uma voz doce que quase sinto o gosto na ponta de minha língua. - as pessoas que vêm aos bares não estão preocupadas com coisas fúteis, só querem beber. - Quando fala, presto atenção, agora, em sua figura. Toma o assento ao meu lado, mas não literalmente. Nossas banquetas então a mais ou menos três corpos adultos de distância, é calculável. Mesmo assim, ela consegue me ouvir em meio as falas alheias, a musicas e toda a vadiagem do bar.  Ela não estava ali quando eu primeiro sentei, não havia ninguém aos lados, muito menos sentado. Assim quando conclui a colocação, olha em minha direção e me dá um sorriso de canto. Não sexual, só confortável, o que é novidade levando em conta os ataques que tive de enfrentar até chegar no balcão. Tem os cabelos castanhos claros, mas nem tanto, que batem pouco depois dos ombros e caem em ondas curtas, não muito concentradas. Dessa distância, os olhos são da mesma cor. Os lábios vermelhos, os ossos das bochechas, era uma mulher atraente, mas esse não foi meu primeiro pensamento assim quando a vi. Era uma intrusa por ter respondido minha pergunta.
— O que posso fazer por você, anjo? - Um dos bartenders atrás do balcão me come a atenção com toda sua presença evasiva em altura e musculos presos numa camiseta preta grudada ao corpo.
Franzo as sobrancelhas diante da utilização de “meu anjo” como vocativo. Jesus.
— Dê rum com qualquer mistura que não seja frutas, cor de rosa ou tequila - Em antemão, digo num tom completamente diferente do seu. Eu precisava tirar Santana e meu pai da mente, todo a discussão, então excluí o que me fazia lembrar deles. Ou de mim mesma. Nesse ínterim, o barman sai dizendo que me faria alguma coisa intitulada black widow, mas antes deixa um shot de vodka russa em frente a mim, o que agradeço bastante.
Bebo numa única queimação.
— E então, qual sua razão para estar bebendo hoje, como as outras pessoas? - Ela pergunta novamente, mas, dessa vez, não me viro em sua direção, fazendo toda a conversação parecer rude demais. Eu não a conhecia.
— Uma garota não pode vir ao bar para apenas aproveitar uma noite? - Digo, mas de leve. Logo, mr. musculoso traz a bebida de um copo baixo e cor azulada, pendendo para o roxo. Brinco com o canudo entre os dedos antes de bebe-la, ansiando a resposta da moça que aparenta minha idade. 
— Claro que pode - Diz aos ares. Pela direção de sua voz em meu ouvido correspondente ao lado que se encontra, presumo que também não me olha ao falar. - Mas se essa fosse somente a razão por trás da vinda, não teríamos tanto movimento assim, não acha? - Sinto a sarcasmo respingar em seu tom, é o suficiente para procura-la com os olhos. Tem um sorriso irônico no rosto. Não tardia muito a me olhar de volta e, quando faz, pergunta - é sua primeira vez aqui?
E me pego num pensamento de hesitação.
— Não - Sim, mas eu não cederia o orgulho.
— Não? - Olha-me surpresa e, dessa vez, vira sua silhueta em minha direção, completamente no banco. Usa um vestido negro de cortes, grudes e ajustes lá e cá no corpo. Não quero olhar por muito tempo devido a inúmeras razões.
— Não - E um gole no rum a fim de esconder minha insegurança.
— Nunca te vi por aqui - Explica, quase me pegando num flagra. Aperta os lábios na boca enquanto espera por minha resposta e, quando faz, duas covinhas sutis nascem nos cantos de ambas suas bochechas. Diabos, Santana.
— Então não presta atenção nas pessoas que aqui frequentam.- Retruco.
— Eu teria prestado atenção em você se já estivesse vindo - Entretanto, pega-me de surpresa. Bem, ela é gay. Agora posso dizer, se antes tinha dúvidas. Ou não? Talvez só esteja me elogiando. Então, resolvo provocar.
— E por que teria? - Num espelho, imito sua posição, dando-a meu corpo a sua total atenção. Quando seu olhos caem para o cruzar de minhas pernas na nova posição, eu sei que ela é. Santana costumava fazer isso quando estávamos no colegial, eu só relacionei a ação com a orientação sexual depois que veio a me contar sobre. Mas agora eu sei.
— Você é bonita demais, eu lembraria - Sorri um sorriso não forçado, quase envergonhado que ganha destaque na vermelhidão dos lábios. - Aposto que ouve isso o tempo todo.
— Você ouve? - Flerto de volta, levo a bebida aos lábios e tomo duas ou três goladas seguidas. Eu precisava ficar bêbada. Eu precisava tirar o gosto de Santana de minha boca. Do outro lado, ela só cai os olhos e sorri. Toma uma bebida transparente com algumas pedras de gelo. Gin, presumo. - Então…você é gay? - Num susto pela colocação, gargalha quando deixa o copo sobre o balcão novamente. Sorrio de volta. - O que?
— Você não pode sair perguntando isso para as pessoas! - Entre risadas, coloca.
— Por que não? - Franzo as sobrancelhas e parece mais confusa do que realmente estava. Ela, do outro lado, prossegue na mesma, quase como num deboche. Existem essas vozes na minha cabeça gritando “perigo!”, mas continuo fingindo que não tenho medo do que pode ser. Talvez seja o álcool começando a percorrer o sangue, aposto.
— Porque não! - Retoma, perplexa. Tem as bochechas coradas, agora, posso ver mesmo em meio a meia luz do ambiente.
— Como sei se você é, então? - Pergunto. Eu verdadeiramente queria saber.
Eu não tinha lá muita experiência com mulheres, mas com homens costuma ser assim. Não perguntar se é heterossexual, mas se está querendo algo. Direto.
— Você só sabe! Não sei, sente - Dá de ombros.
Tenho de parar por alguns instantes a fim de absorver toda a informação em meu cérebro. Agora, posso sentir o álcool ser chutado para dentro de meu corpo. Os lábios quase dormentes, as pálpebras quase pesadas demais. Os shots de vodka russa trazidos pelos musculos do homem atrás do balcão que vira muralha.
— Você é nova nisso, não? - Pergunta e, quando saio da transe, tenho-a mais próxima, como se, enquanto eu finalizava o drink e mais dois shots, ela tivesse arrastado seu banco para mais próximo de mim. Agora estávamos menos de um braço adulto de distância. Seus olhos eram um pouco mais claros que os cabelos, a pele. Ela era atraente.
— Em conversa de bar? - Pergunto, perdida.
— Em flertar com mulheres - Diz quando outro rapaz, agora mais baixo, do balcão a põe outro copo de Gin. Gin, achei sofisticado. Eu nunca havia experimentado, como outras diversas coisas em minha vida tediante.
— Não - Observo-a na aceitação com a minha colocação que fugia a suas expectativas - eu sou…fui casada com uma mulher. - Digo. Ela franzi os olhos e sinto um desejo carnal de beija-la, mas não faço.
— Ainda mais razões para me fazer acreditar que é nova com isso - Impõe e, pensando a respeito, ela tem razão. Entretanto, quando menos espero, estende a mão em minha frente. - Ok, vamos tentar de novo. Me chamo Kara, você?
— Luce. - Aperto, num cumprimento.
Passados tempos, quando decido ser o bastante de conversa e o álcool dopa meu sistema, transito pelo bar que parece oscilar entre musicas dançantes a aceitáveis. O restante das pessoas parece fazer o mesmo. A princípio, nada procuro ou me submeto, eu só queria sentir o ambiente e todo mundo que ali estava por inúmeras razões distintas. A falar delas, nesse recurso, recebi roçadas de homens de quem fugi em meio tempo. Dada certa hora, as pessoas somente se soltavam e dançavam a qualquer musica que estava tocando, a magia dos bares. Ou do álcool. Algumas mulheres tomavam meu lado e, nessa altura, eu percebi ser um imã. Nunca havia prestado atenção, me considerava bi por conta de Santana, gay é demais. Eu tive sensações e defeitos causados por Rachel Berry no colegial, mas nunca parei e foquei no que seria. Depois de Santana, as coisas passaram a acontecer, a fazer sentido. Então, quando uma das mulheres dali de cabelos escuros e lábios grossos me diz ao ouvido se gostaria de beber alguma coisa, acompanho-a até o balcão. Primeiro, eu quase pulo no meio do bar com a sensação quente em minha orelha.
— Posso te pagar uma bebida? - Pergunta. Tem os olhos escuros, pretos.
Eu só consenti, realmente precisava da bebida. Em segundos, outra daquela mesma que eu tomava fora posta em minha frente no balcão. Eu procuro por alguma face familiar que ali antes se encontrava, mas sem sucesso. É melhor.
— Nunca te vi por aqui - Quando possui outra em suas mãos, diz. Tem os cabelos pretos, longos até a linha após os seios presos num vestido de coloração meio mate.
— Isso é algum tipo de colocação padrão? - Respondo, esbaforida. Eu concluiria o pensamento se uma vez o vibrar de meu celular não me arrancasse do mundo sociável que eu agora vivia. Puxo-o da bolsa e no visor marca uma mensagem. Santana. Meu coração acelera dentro do peito quando clico no ícone que me lê a escrita de você vem para casa? Momentaneamente, eu estava feliz por ter recebido. Significava que Santana estava pensando em mim, pelo menos. Todavia, a felicidade logo evaporou quando retomo o pensamento pelo qual a deixei, em primeiro lugar. Voltar só me confirmaria que aquilo, nós, não estávamos funcionando. Talvez Santana e eu não deveríamos ficar juntas mesmo. Não poderíamos ser nada além de colegas de sexo, por mais chulo que possa soar.
— Quem é? - A mulher, que ainda permanecia ao meu lado, pergunta.
— Minha esposa - Digo e toda a formalidade me parece estranho em voz alta.
Ao contrario de minhas expectativas, o sorriso que ela tinha no rosto toma mais intensidade e se muda para mais próximo de mim, o braço tocando o final de  minhas costas recostada no balcão.
— O que ela quer? - Sussurra, agora com nossa proximidade. Em resposta, guardo o celular novamente e olho-a.
— Saber se vou voltar pra casa.
— Você vai? - Seu hálito de frutas e álcool bate contra minhas narinas. Ela está olhando para mim, ansiando a respostas, quase como me intimidando a não ir. Não ir embora. E eu não ia.
— Não agora. - Respondo num sussurro correspondente porque ela está tão, tão perto. Posso sentir o calor irradiar de sua pele. Quebramos o contato com os olhos ou qualquer outra parte quando o nome Sam é chamado e ela procura uma direção. Uma mulher de meia altura chamava por seu nome insistentemente, eu presumi ser uma ex, talvez? Eu não me importava muito. Então, quando Sam pede licença, eu concedo tranquilamente.
Não mais que uns quinze minutos, eu tenho companhia novamente.
— Parece que fez uma amiga - Kara. Sua voz me suga da órbita que traço em torno do canudo da minha última bebida. Aparece em pé, agora, e posso perceber que tem poucos centímetros a mais que deu. Deve ser o salto. Debruça sobre o balcão, ambos os braços cruzados sobre ele e é o suficiente para que ponham um shot ali. Vodka. 
— Parece que sim - Digo, imitando sua posição. Assim, vejo-a arrastar a dose pelo curto caminho até parar em minha frente e dizer
— Por conta da casa - Num sorriso branco.
Eu nada faço além de aceitar o presente dado. Uma onda de calor rebate contra meu corpo. Suo frio.
— Você não quer ir pra casa com ela - Diz, após me observar virar a dose duma única vez. Eu tinha certeza que queria. Eu precisava de um alívio, um apague de memória. Sam é bonita, seus cabelos até formavam umas ondas no final, como os de Santana faziam.
— Confie em mim, ela não vale a pena. - Há uma serenidade em seu tom de voz. A expressão cai séria, então resolvo dar-lhe crédito. Era o melhor a ser feito. Tomo uma golada da bebida.
— Eu precisava ir embora com alguém - Afirmo a mim mesma e a ela, também.- Essa é a razão por trás de minha vinda. - Eu só queria me sentir querida e desejada. Sam era a melhor opção, até agora. O amanhã realmente não importava mais que o agora, essa noite.
— O que sua esposa vai pensar sobre isso? - Kara, quebrando-me no meio.
— Se ela se importasse comigo, você diz? Não é nem um casamento verdadeiro. Digo, sim, a gente se casou mesmo, mas é tudo encenação, sabe?- Cuspo, meus olhos enchem d’água. Eu não podia. Não aqui. Santana fazia esse tipo de coisa, não eu. Chorar bêbada. Eu tinha raiva. - Você não quer saber sobre isso. - Tomo uma respiração demorada, em trégua. Ninguém gosta de ouvir problemas alheios. Eu estava sozinha. Após cairmos num silêncio perturbado por musica e falação em fundo, observo-a. Da-me um sorriso de canto que, de alguma forma, conforta-me.
— Não quero ouvir metade das histórias que ouço, mas isso não seria um bar se elas aqui não existissem, não? - Dá de ombros antes de levar o copo ao lábios novamente. Ela exala conforto - Então fale - Diz. Então eu falo.
— Gritei com ela - Desabafei. Ela permaneceu intacta, prestando atenção enquanto eu choramingava - Digo, eu estava certa sobre o que estava dizendo. Ela queria convidar meu pai para a recepção do casamento e eu não o quero lá porque ele me machucou muito quando criança, sabe?
— Por que você era gay?
— Bi, e não. - Corrigi. - Não acho que ele sabia sobre isso, então não é por isso. É porque ele é um desgraçado e eu nunca fui o bastante ao seus olhos. - Antes que eu pudesse perceber, a quentura de uma lágrima escorre por minha bochecha esquerda. Ela não percebe pois não comenta a respeito. Só ali permanecemos.
— Ele era abusivo? - Tem um tom de delicadeza quando pergunta. É conforto, empatia.
— Ele nunca me bateu ou coisa do tipo, fez outras coisas. Eu era uma criança acima do peso e ele sempre pegava em meu pé a respeito disso. Sobre meu peso, minha postura, com quem eu devia ser amiga, as influências. Era tudo sempre sobre aparências, tudo sobre o nome da família. Passei por um período difícil e fui expulsa de casa, não tive pra onde ir. Agora minha “esposa” quer que ele volte a fazer parte da família, só porque disse querer estar lá. - Relato, insegura. Eu estava cuspindo meu coração a uma estranha. Então cada palavra era uma tentação de julgamento. Ela não me conhecia, tampouco Santana.
Brinco com a borda do copo agora vazio quando ela diz
— Ele disse que quer estar lá?
E consenti com a cabeça num movimento único, suspiro
— Como se mudasse alguma coisa.
O tempo que o barman usou para me colocar outro drink, usamos para realinhar os pensamentos tomados pela bebida. Talvez somente os meus. A bebida que vinha tinha cade vez menos sabor alcoólico, eu senti, mas não dei muita importância quando eu lidava com um assunto desse peso. E, sobre assuntos não importantes, entre cabeças vejo Sam flertando com outras pessoas. Somente desvio o olhar e encubo o pensamento de Kara.
— Isso não muda nada - Após tempos, ela diz me surpreendendo por ainda lembrar no que foi dito. - Ela devia entender que ele querer estar presente agora não subtrai todas as coisas que aconteceram anteriormente.
— Exatamente! - Falo, entusiasmada demais. Realmente alguém compreendia, não pude conter a sensação do quão bom era. Santana não entendia, mas uma estranha no bar sim - Ele realmente me destruiu, digo, que tipo de pai faz isso?
— Não um bom. - Coloca num golada. Apenas concordo com a cabeça.
— Eu seria uma pessoa melhor, se não fosse por ele.- Digo, mas era somente para mim. Eu dizia aquilo a mim, especificamente. - Ele me destruiu.
— Você não aparenta muito destruída - Kara, entre sorrisos, pega meus olhos.
— Eu me ferrei tanto, nem consigo ter um relacionamento de verdade - A realidade, não? Meu casamento durou poucas semanas e eu com certeza faria a mesma coisa com qualquer outra pessoa que aparecesse.
— Talvez seu pai foi um merda com você porque os pais dele foram uns merdas com ele, sabe? Lei do retorno, é uma hipótese segundo a análise de Freud ou toda essa baboseira- Ri um riso satírico e, por conta disso, não consigo segurar o meu.
A próxima vez que Sam vem a meu campo de visão é para sentar ambas as mãos em minha cintura, posicionando seu corpo atrás do meu recostado no balcão. O vento gelado sobe em meu estômago e é o suficiente para me fazer virar a ela.
— O que sua esposa acha se eu disser que gostaria muito de ter levar pra casa- Sam. Kara não sai de sua posição, mas tenho certeza que pode ouvir o que Sam dizia. Estávamos muito próximas.
— Eu não pretendo contar a ela e você? - Brinco quando senta ao mãos em meu rosto. Ela sorri.
— Só me deixe despedir de alguns amigos e vamos, ok? - Pergunta, docemente. Eu somente balanço a cabeça em afirmação e volto ao balcão quando ela desaparece entre pessoas desconhecidas. Peço a conta ao musculoso que me atendeu pela noite e acerto o que tem de ser acertado.
— Obrigada por ouvir - Viro o rosto em direção a Kara que ali permanece intacta, inalcançável. Ela somente me olha com desdenho.
— Foi um prazer, Luce. - E sorri acanhado, mas antes - vai com Sam?
— Foi por isso que vim - Dou de ombros em resposta.
Sam retorna de entre as pessoas, beija-me a bochecha e pergunta se está tudo pronto para que pudéssemos ir. Tudo pronto, exceto
— Você pode ir, Sam, ela não vai embora com você - Num impulso, dá a última golada no gin e se vira para nós. Tem os olhos firmes e uma expressão nula no rosto. Entretanto, é a mim que Sam olha diante da troca repentina. Em contrapartida, é a Kara que me tem diante da ação.
— Perdão, surgiu algo de ultima hora - A fim de não deixar a situação pairando no desagradável, digo a Sam que somente vira as costas e caminha até que eu a perca de vista.
— E eu? - Vira-se a mim e pergunta. Kara. Posso sentir sua respiração bater contra meu rosto num ar gelado, essa é nossa proximidade. Eu não estava esperando essa pergunta. Ou estava? Não posso dizer. - Pode ir embora comigo? - Pergunta, não de maneira impositiva. Era um convite. Eu apenas balanço a cabeça em consentimento. Eu a quis desde nossa primeira troca de palavras, então estava tudo bem. - Fecham à 1 am. É o tempo de fechar tudo e irmos, tudo bem?
— Por que tem de esperar fechar? - Pergunto, em órbita no álcool.
— Porque sou a dona, se não percebeu - E sorri.
Quarenta minutos devem ter passado por nós ali, não sei. Não sei, perco a noção do tempo entre danças, conversa e jogos de bar. Tenho uma bebida vermelha sentada em minha frente e quando percebo a ausência do ardor do álcool, reclamo.
— Qual é a mistura nisso aqui? - entre palavras cruzadas, refiro-me a Kara, agora paralela a mim, do outro lado do balcão quando o movimento do bar ia caindo com o passar das horas e o ascender da madrugada. - Mal posso sentir o gosto do álcool!
— É suco de morango.- Diz. - Sexo é melhor quando sóbria, não? - impõe entre sorrisos disfarçados.
Em horas, encontrei-me jogando sinuca, dançando e, quando se podia contar nos dedos a quantidade de pessoas presentes, retiro o salto e sento numa das mesas próxima a saída. Brinco com o celular nas mãos, com medo do que ali podia estar. Mensagens, ligações, me recusei a olhar. Pensei em Santana. Santana em um bar desses, as mulheres. Ela definitivamente sairia com duas, no mínimo, sem nenhum esforço. Entretanto, sou eu quem fazia isso. Santana flertou com pessoas no casamento de Puck, mas sou eu quem vai embora com uma agora. A minha casa ou a dela? Santana não estava lá, presumo, e nem viria a parecer. A minha seria mais fácil.
— Vamos para a minha casa - Digo quando antes de seguirmos diferentes caminhos pouco distantes para nossos carros.
— Não quero me colocar no meio de você e sua esposa - Há um tom de hesitação quando digo.
— Nós não moramos juntas - Explico - Ela tem sua casa e eu, a minha.
Kara me seguiria até lá. Ficaria tudo bem.
Embico o carro no estacionamento externo na porta de casa para que ela pudesse fazer o mesmo, mas, quando desço, vejo que ela permanece com o motor ligado, o veículo ainda na rua. Assim, vou até lá com um olhar confuso.
— Não vai descer? - Pergunto na janela do passageiro que fora aberta para uma breve comunicação entre motorista e pedestre.
— Não. - Balança a cabeça. O ar do bairro é silencioso, só podendo escutar o ruído leve do motor em trabalho. Olho-a dentro do carro com certa incerteza. Ela intercala a visão entre meu corpo na janela e visor frontal em disposição. -Eu só queria me certificar de que tinha chegado em casa segura. - Observa-me com olhos escuros, agora. - Escuta, Luce, você aparenta ser uma mulher maravilhosa e, eu não conheço sua esposa, mas, te escutando essa noite, acho que não é só ela que vai se machucar se acontecesse algo entre nós hoje. Não estou dizendo como deve viver sua vida, mas não perca uma garota que ama em casa por uma noite em Panama City. - Diz. Em resposta, franzo as sobrancelhas em repleta, plena confusão. O que?!
— O que?
— Perdão, tenho esse costume de relacionar as coisas que acontece no cotidiano com letras de músicas. É um hábito que peguei por conta de uma menina que namorei na faculdade, em Nova York que...deixa para lá. É a letra duma musica chamada Don’t ask me how I know, todo dia alguém inventa de toca-la no bar. É a canção do arrependimento, perfeita pra essas ocasiões. É tipo “esqueça seu orgulho e a compre rosas” a letra. Enfim, a questão é que, para mim, parece que você a ama muito e vice versa. Vocês tiveram uma discussão, podem consertar e superar. Ir para casa com uma mulher que você mal conhece, isso é bem mais difícil de se reverter. - Ouço suas palavras com cuidado, como se, em qualquer instante, ela fosse deixar uma bomba em minhas mãos e ir embora em seu carro. Aos invés, busca por minha mão apoiada na porta, puxa-a para perto de seu rosto e beija-a as costas.
— Não me pergunte como sei. Boa noite, Quinn.


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