Traiçoeiro escrita por Roses


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos e queridas, aqui estou novamente com um capítulo escrito com muito carinho. Espero que gostem.

Boa leitura.



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Antes que eu pudesse perceber um mês inteiro passou em um piscar de olhos. As vezes eu achava que pudesse enlouquecer de olhar para todos os lados e só ver água. Quando fomos deixar Ramirez em um pedaço de terra esquecido por Deus que encontramos, quase que me ofereci para ir no lugar dele... Quase, pois então percebi que daria na mesma que ficar no navio. Continuaria ver água por todos os lados e ainda ganharia uma bela de uma insolação.

Rapidamente ajeitamos uma rotina agradável. Logo pela manhã eu ajudava a limpar o convés, ficando com Smee, Ian e o Cirurgião, que se mostrou uma pessoa muito sensível apesar do apelido e de sua aparência. Eles eram os únicos que pareciam já me aceitar como parte da tripulação. Por volta do que acreditávamos ser hora do almoço eu ia para a cabine de Killian, pois era a hora que o sol estava mais quente, e o ajudava com o que ele precisasse, as vezes traduzindo documentos, de origens duvidosas, que ele se recusava a me dizer onde havia conseguido.

Nós dois ainda nos provocávamos, mas Killian havia dado uma cessada com seus “flertes”, creio que o fato de eu ter aprendido que ele só fazia aquilo para me deixar sem graça e ter parado de mostrar que me incomodava o deixou desinteressado. Contudo ele me convidava para sua cama quase todas as noites, a qual eu respondia contentemente com um “só nos seus sonhos” e ele replicava com um “não custa tentar”.

Por volta das quatro eu voltava para o convés, onde Killian e Landon me auxiliavam com as armas. Já estava bem melhor no quesito me defender, as vezes até conseguia ganhar de Killian.

Então as oito, nós três nos sentávamos perto do leme e comíamos, as vezes eu até aceitava um gole de rum. Killian no primeiro dia em que peguei o cantil de sua mão ficou uns bons minutos me olhando surpreso, para começar a rir, murmurando um “muito bem, Swan”.

Apesar de estar me adaptando com a nova rotina, algo não me deixava totalmente tranquila. Não sabia ao certo se pensar que um dia eu teria que ir embora ou porque eu não esperava para voltar para casa. E nessas horas eu percebi como nunca sabíamos o que queríamos de verdade.

Naquela tarde eu estava treinando com Landon. Com as espadas! De todas as maneiras de me defender que eu já havia aprendido, lutar com espadas era a minha preferida.

Gostava do som quando as lâminas se tocavam, ou o fato de estar todo o tempo em alerta para tentar adivinhar o próximo passo do inimigo para poder me defender. Eu até descobri que era boa nisso, se eu me concentrasse. Quando aprendi a ter foco,logo peguei o jeito. O peso da arma já não me incomodava mais como antes, talvez por estar ficando forte, meus braços e pernas estavam duros por conta das atividades que exercia e os treinamentos.

Mas então, Landon parou e estreitou os olhos. Por pouco quase não lhe cortei uma orelha.

–Landon!- exclamei apavorada. Se eu tivesse cortado sua orelha, provavelmente teria ficado sem conseguir dormir para o resto da vida.

Ele me ignorou, deu meia volta e me deixou ali. Comecei a olhar ao redor tentando descobrir o que havia chamado sua atenção.

–Ali.- Ian, que já falava comigo sem receio apontou e eu segui a direção que ele indicava.- É um navio. Se for um navio mercante, pode nos ser útil. Saqueamos, mas não o suficiente para cobrir as despesas, se atracarmos na Nova Província, vamos conseguir pouco dinheiro.

–Nova Província? Eu achei que ela estivesse extinta. Na época de ouro.

–Bom, muitos tentam fazer a população acreditar que os piratas também estão extintos, mas bem... veja onde a senhorita está.- ele indicou o navio com os braços.- É melhor assim. Nós temos menos concorrência, e quanto a Nova Província vendemos nossas coisas lá, porque ninguém quer comprar de nós...

–Não me diga.- resmunguei com sarcasmo, enquanto prendia o cabelo.

– Então vendemos, e essas pessoas para quem vendemos, revendem para comerciantes.

–Que não são burros e sabem que é mercadoria roubada.- conclui, sorrindo com cinismo.

–Mas também pagam mais barato.- rebateu cruzando os braços.

Landon voltou acompanhado de Gancho, que levou a luneta ao olho.

–Sem dúvida. É um navio mercante.- Killian confirmou, fechando e guardando a luneta no bolso.- Preparada?- indagou se virando para mim.

Franzi a testa para ele.

–Com o que exatamente eu deveria estar preparada?- perguntei, mesmo que no fundo sabia qual seria a resposta.

–Vamos saquear aquele navio ali, amor.- explicou com uma voz débil.

Comprimi os lábios olhando o navio à distância e novamente para Killian.

–Eu acho que não. Mas muito obrigada pelo convite. Agora se me dão licença, cavalheiros.- pedi, dando as costas e quase saindo correndo para me esconder na cozinha junto com o cirurgião. Ele era meu amigo, muitas vezes me dava bronca por estar fazendo serviços pesados, certamente não deixaria ninguém me forçar a ir saquear um navio.

–Han han. Pode ficar aqui, senhorita.- Gancho me segurou pelo ombro.- Lembra que isso faz parte do nosso acordo.

–Eu não achei que você estava falando sério!- minha voz subiu alguns decibéis, um sinal de que estava começando a entrar em pânico. Eu já vira o que acontecia quando navios eram saqueados. Explosões, mortes, feridos... Por mais que o cirurgião fosse meu amigo, não queria passar por suas competentes mãos.

–Ah mas eu estava.- sorriu com zombeteiro .- Eis o que vamos fazer: você, Swan, irá entrar naquele bote.- apontou para meu lugar de dormir.- e irá remar, sozinha, até perto do navio, onde pedirá ajuda.

–Ninguém recusa ajuda à uma mulher perdida no mar.- concordou Ian, pensativo.- Ainda mais bonita.

Sorri para ele, surpresa. Foi o primeiro elogio que recebi desde que estava lá. Eu desconsiderava os flertes de Killian e o colocava na categoria “extremamente grosseiro”.

–Obrigada.- agradeci para Ian que ficou vermelho.

Killian pigarreou impaciente.

–Felizmente esse tempo que você ficou conosco ainda não a desfigurou. Está bonita o bastante para chamar a atenção, e fica claro em seu jeito que é uma dama. Você entrará fácil.

Tentei ignorar a ofensa em suas palavras. Killian já deixara bem claro outras vezes, mesmo com seus flertes baratos para me constrangir, o que achava de mim, não que eu me importasse. Não era como se ele fosse um pretendente em potencial para pedir minha mão ao meu pai.

De jeito nenhum.

–E os senhores esperam que eu roube sozinha o navio?

Posso jurar que ouvi Landon murmurar “do jeito que é, bem capaz que consiga”.

–Claro que não, Swan! Nós iremos em botes remando também. Os homens já estão providenciando. Aqui a história que irá contar: você é filha de um governador...

–Mas eu sou mesmo.- interrompi. Killian se limitou a revirar os olhos.

–...que foi sequestrada por piratas. Você viu a oportunidade perfeita para fugir quando avistou o navio ao longe. Um dos marujos, que não concordou com o sequestro lhe ajudou a jogar o bote na água sem chamar atenção e fugir para pedir ajuda. Entendeu?- indagou me encarando nos olhos.

Para ser bem sincera comigo mesma, eu não tinha nem prestado atenção no que ele disse. Acabei me dispersando ao olhar o rosto dele, isso sempre acontecia quando deixava o rosto muito próximo ao meu.

Mesmo assim, concordei com a cabeça e me forcei a desviar o rosto. Eu ainda me sentia atordoada com o que sentia quando ficava tão próxima à Killian. Não era uma coisa boa, nem um pouco.

Mas também não era de todo ruim.

–Aqui.- ele prendeu o punhal em minha cintura.- Nunca abandone o navio desarmada.

–Sabe que eu ainda posso quebrar a sua cara se me tocar assim de novo.- ameacei.- Eu não sou uma de suas mulheres. E agora, eu realmente posso quebrar esse seu rostinho lindo.- assim que eu terminei de falar mordi minha língua. Killian abriu um de seus sorrisos maliciosos para mim. Eu tinha que trabalhar meu filtro, não podia continuar soltando coisas sem pensar.

–Então quer dizer que me acha um rostinho lindo?- indagou divertido, se aproximando, enquanto eu dava um passo para trás, na tentativa de me afastar.

–Acho sim.- respondi sincera.- Contudo de pouco conteúdo.

Ele estava preparado para rebater, com algo obsceno com certeza, quando Landon apareceu avisando que estava tudo pronto.

Respirei fundo, tentando controlar a tremedeira e fui em direção ao bote. O olhei desconfiada. Ainda não me parecia uma boa ideia.

–Swan.

Me virei para ver o que ele queria dessa vez, quando senti a água me atingindo em cheio no rosto.

–Mas que diab..- consegui dizer quando parei de tossir. O maldito quase me fizera praguejar em voz alta.- Por que fez isso, Jones?- questionei irritada.

–Para dar mais veracidade. Você estava seca demais.- respondeu com inocência.

–Você vai ver a veracidade quando eu voltar.- resmunguei entrando no bote que estava suspenso com a ajuda de Landon.- Dê risada que eu quebro seu nariz também, Landon.

–Longe de mim rir da senhorita.- Landou tentou se manter sério.- Estaremos logo atrás de você, Emma... Bem, não tão atrás. Aqui.- ele abriu minha mão e colocou uma pistola.- Acredito que já está pronta o suficiente para usar uma sozinha. Não posso mandá-la até aquele navio apenas com um punhal. Se precisar, dê um tiro para cima, iremos o mais rápido que puder para te ajudar.- me instruiu sério e respirou fundo antes de prosseguir.- Preferia manter você fora disso, homens de navios mercantis podem ser cruéis. Tome muito cuidado.

–Eu irei, Landon. Obrigada.- apertei a pequena arma na minha mão e a enfiei por dentro da blusa, bem escondida no corpete velho que usava, já que estava sobrando um bom espaço nos seios. Assenti com a cabeça e logo senti o bote sendo abaixado.

Quando tocou o mar, soltei as cordas e peguei o remo. Comecei a remar devagar, a distância era longa e seu colocasse força demais, acabaria sem energia nenhuma no meio do caminho.

Na minha cabeça se passava mil e uma maneiras que esse plano daria errado. Para começar, eu não conseguiria chegar. Alguma onda iria aparecer e me engolir. Ou então, os homens do outro navio iriam se recusar a me ajudar. Ou o Jolly Roger iria embora e me largar ali, ou que não fossem rápidos o suficiente para me salvar se caso algo desse errado.

Observei o navio pirata se afastando. Pela manobra percebi que eles tentariam chegar por trás, na tentativa de não serem vistos.

O silêncio me perturbava.

Tinha algo, em se estar sozinha, em um bote, no meio do mar que era apavorante. Eu me sentia vulnerável. Pequena demais, perdida naquela imensidão azul e verde.

Parei por alguns minutos, para descansar os braços. Quanto tempo eu já estava remando? Dez minutos ou meia hora? Quanto mais eu teria que remar para chegar até o navio?

Lá ao longe no horizonte.– comecei a cantarolar para passar o tempo.- Vejo a cavalaria chegar, com o coração apertado, espero meu amado voltar. Lá ao longe no horizonte, vejo as crianças brincar, esperando , esperando. Esperando o pai voltar. Bem no fim do horizonte, vejo um bravo homem lutar, perecendo e rezando, para sua família voltar.

Engoli em seco, piscando os olhos para espantar as lagrimas. Ouvira as mulheres da aldeia cantando uma vez em que estava visitando os aldeões. Não me lembrava dela toda. Era uma cantiga triste. E eu ficava triste ao pensar que quantos homens não voltaram para suas famílias.

Um arrepio percorreu meu corpo. Eu não queria passar por uma angustia dessas quando decidisse me casar. Não mesmo.

Depois de muito tempo, consegui me aproximar do navio. Não muito, mas o suficiente eu esperava.

–Alguém.- berrei, me atrevendo a ficar de pé no bote que balançou.- Olá.- tentei novamente.- Por favor, alguém.- forcei a voz a sair mais rápido e o mais desesperada possível.

Vi um homem surgir no parapeito do navio. Logo uns dez homens haviam se juntado à ele.

–Me ajudem.- implorei, ainda gritando para me fazer ser ouvida.- Eu... eu...- desabei dramaticamente no assento do bote fingindo um desmaio, espiando discretamente a agitação que começou no navio.

Finalmente encontrei alguma finalidade para todas aquelas horas que gastei com minha tutora me dizendo que uma dama deveria desmaiar sempre que se encontrava em uma posição de surpresa ou para distrair se caso houver uma briga.

Tudo o que eu pensava era como tudo aquilo era patético.

Eu já estava ficando impaciente, tendo que ficar me fingindo, na verdade eu gostaria de estar na segurança do Jolly Roger, da próxima vez vestiria um dos homens de mulher e o mandaria no meu lugar.

Então finalmente senti alguém subindo no bote. Senti o homem apoiando a orelha em meu peito e começando a remar em seguida.

Esperei até sentir o barco ser içado para “recuperar a consciência”.

Abri os olhos atordoada e vários homens me encaravam receosos e curiosos

–Oh, Graças a Deus!- exclamei juntando as mãos.- Mui...muito obri...gada por me ajudarem. Eu estava tão apavorada.

–A senhora está bem?- um dos homens perguntou.

Neguei com a cabeça, fungando audivelmente e cobrindo meu rosto com as mãos.

–Venha. A senhora precisa tirar essa roupa molhada.- um senhor me ofereceu a mão.

Hesitei em aceitá-la e dei uma olhada na tripulação daquele navio. Meu peito afundou ao perceber que eram pessoas de bem. Quase preferia que fossem homens cruéis.

–Muito obrigada.- finalmente aceitei sua mão estendida. Percebi que o sotaque do homem era forte, o que deixava explicito que não era inglês.

Ele me levou até um gabinete e ordenou em italiano, para que me buscasse uma roupa limpa. Agradeci com um sorriso fraco, querendo me tacar ao mar por estar enganando aquelas pessoas. Logo, outro homem entrou com uma bacia de água e um pano, indicando que era para eu me limpar.

Comecei a passar o pano no rosto, então passei para o pescoço, busto e por último os braços. Me encarei no pequeno espelhinho que encontrei ali e pude reconhecer a Emma. Tinha medo se ver um rosto desconhecido ali.

Ouvi uma batidinha de leve na porta.

–È possibile immettere.- “Pode entrar” respondi,me sentando em uma cadeira.

–Per miss-“Para a senhorita” o marujo ergueu os braços para mostrar o tecido.

–Grazie.

Assim que ele saiu, corri para a porta, me certificando que estava trancada. Passei a mão maravilhada pelo tecido, segurando o vestido em minhas mãos, sem conseguir acreditar que depois de um mês usando calças eu teria um vestido.

Eu tinha um vestido! Era um vestido simples, mas mesmo assim.

O apertei em minhas mãos, sentindo o tecido leve brincar nos meus dedos. A cor era de um verde musgo, um vestido matinal. Como eu sentia falta dos vestidos matinais.

Rapidamente me livrei das roupas, apenas mantendo o corpete velho, que era onde estava escondido a pistola. O punhal escondi no cano da bota que estava usando.

Rodopiei com o vestido, contente por tê-lo ganho, para então ser atacada pela culpa.

Me joguei novamente na cadeira encarando o teto e brincando com a fita do vestido. Esperava que Deus me perdoasse pelo que estava fazendo e que percebesse como não estava contente com toda aquela situação.

Criei coragem e sai rapidamente do gabinete, me deparando com a tripulação me olhando curiosa. Não sabia o que fazer, deveria falar alguma coisa ou apenas parecer abalada demais? Quanto tempo demoraria para que Landon e Killian chegassem até lá?

–Grazie per abbigliamento.- falei segurando o vestido. O homem que eu julgava ser o capitão, fez um sinal de descaso com as mãos.

–Dicci cosa è successo com te?-indagou e eu assenti com a cabeça.

Ele queria saber o que tinha acontecido comigo. Comecei a torcer as mãos em um gesto claramente nervoso. O que Gancho tinha pedido para eu dizer mesmo? Ótimo, agora teria que inventar algo e eu nunca conseguia levar uma mentira por muito tempo sem acabar me enrolando nela e me desmentindo.

Respirei fundo. Comecei pela única coisa que eu lembrava que Killian havia me instruído. Disse que era filha de um governador,mas não acrescentei de qual condado era, contei do ataque que sofrerá lá. E quando falei do ataque, algo estalou na minha mente. Só podia ser isso que Killian queria que eu contasse.

Então lhes expliquei que haviam me sequestrado, me sentindo mais confiante a partir que consegui dizer algo que não poderia me desmentir. Não era muito difícil de acreditar devido ao estado que eu subi no navio. Disse-lhes que quando vi o navio ao longe, percebi a oportunidade de escapar. Também acrescentei que os homens não gostavam de ter uma mulher a bordo, por conta disso, acabaram decidindo entre eles, me colocarem para fora.

O capitão do navio pareceu um pouco desconfiado nessa parte, não era para menos. Todos sabiam quais eram as regras dentro de um navio. Tudo era escolhido por voto, quando o capitão era justo, caso contrário, os que desafiassem suas ordens acabavam mortos.

Contudo ele não me questionou. Pelo menos no momento. Me deu uma maçã e logo todos voltaram aos seus trabalhos. Permaneci sentada onde estava, em um balde virado para baixo, as mãos entre as pernas, começando a ficar apavorada.

Já era para eles estarem ali, não era?

Ou então...

Ou então foi um plano para me tirar do navio e eu, de bom grado me coloquei para fora.

Me sentia exposta ali, com todos me olhando de soslaio. Já havia passado por essa situação antes e não estava com vontade de revivê-la mais uma vez.

Cansada de ficar sentada, me levantei e comecei a andar, olhando tudo. Me atrevi à descer, depois mais um lance e quando cheguei ao aposento dos homens, subi novamente. Não importava o navio, ali nunca seria um lugar agradável para se ficar muito tempo.

Tenho certeza que não me demorei tanto lá embaixo, contudo quando voltei, o convés estava estranhamente silencioso.

Olhei ao redor e os encontrei empoleirados no parapeito do navio. Me aproximei e ali, à poucos metros estava o Jolly Roger. Soltei um suspiro de alivio, o que chamou a atenção dos homens.

–Cerchiamo di non lasciare che prendere.- “não deixaremos que a pegue”.

Ótimo. Senti meus olhos arderem de tanta raiva que eu sentia de mim mesma.

Dei as costas, voltando ao convés principal.

–Killian.- arfei quando o encontrei, juntamente com Landon, Smee e outros homens.

–Eu disse que viria te buscar, amor.- me respondeu com um sorriso torto.

–Será que não podemos deixar esse navio seguir?- indaguei esperançosa.- Eles são homens bons.

Killian correu os olhos pelo meu vestido novo.

–Claro que são.- murmurou com desdém, olhando para trás.- Senhores, vejo que possuem uma coisa que me pertence.- Gancho os cumprimentou com um floreio na minha direção.

–Eu não pertenço a você porcaria nenhuma.- resmunguei irritada.

–Senhora?- o capitão do navio que estávamos me chamou. Dei um suspiro resignada, me aproximei de Killian puxando sua espada.

Me arrependeria profundamente de fazer aquilo.

Apontei a espada perigosamente para a garganta do capitão que me ajudara de tão boa vontade.

–Si prega di far loro prendere quello che vogliono- “por favor, deixe-os pegar o que quiserem”, implorei para o capitão, que me olhava de um jeito que nunca esperei ninguém olhasse para mim.

Ele me acusava e praticamente gritava “traidora” com o olhar.

–Swan, poderia falar em uma língua que eu entenda? E isso não é um pedido.

Respirei fundo,apertando a ponta da espada ainda mais no pescoço do pobre capitão.

–Eles não irão lhes machucar se não revidarem. Por favor, me escutem, sei que não posso pedir que confiem em mim. Eu não quero que ninguém aqui saia ferido. - pedi, demonstrando na voz todo o cansaço que aquela situação estava me causando.

O capitão, ainda me olhando desconfiado, e traduziu para a tripulação o que eu havia dito. Rapidamente, os homens de Killian os amarraram e logo foram atrás das mercadorias.

–Perdonami.- pedi me agachando perto deles.- Eu não tive escolhas.

–Swan.- Killian me chamou e caminhei até ele achando que tinha algo de importante para me dizer.- A próxima vez que quiser pegar na minha espada, é só pedir.- murmurou bem perto do meu ouvido.

Pude entender o duplo sentindo em suas palavras, já havia passado tempo suficiente no meio deles para começar a compreender.

–Cale a boca, Jones. Ou eu vou enfiar sua espada em você.- ameacei.

Ele riu.

–Até parece.- desdenhou.

Já estava em um grau de irritação tão grande, que quando percebi estava prendendo Killian contra o mastro, com a espada em seu pescoço.

–Muito bem, Swan.- arfou tentando se afastar. Ele estava com um pouco de medo, medo que eu tivesse enlouquecido e realmente usasse a espada, pude perceber.-Agora já pode se afastar.

–Não tão rápido, Jones.- dei risada. Eu estava me sentindo tão corajosa naquele momento e forte, que não queria que acabasse. - Não quero que use essas palavras de duplo sentido comigo novamente, entendido? Elas são ótimas para uma concubina, não para uma dama.

–Não as usarei quando encontrar com uma dama.- retrucou.

Sem pensar levei meu joelho na região intima de Killian, com toda força que eu possuía. Ele se dobrou para frente e caiu, gemendo.

Pude escutar os risos dos homens que estavam amarrados.

–Creio que o senhor deveria pensar em suas palavras. Essa dama, sabe se defender.- cuspi me afastando e jogando a espada ao seu lado.- Irei pegar as roupas que deixei no gabinete, quando voltar, espero seu pedido de desculpa.

[...]

Bom, eu não tive meu pedido de desculpas. Tudo que consegui foi um olhar zangado de Killian e nada mais.

Mas eu me sentia incrivelmente satisfeita com o que eu havia feito. Nunca achei que teria aquela raiva dentro de mim que me fizesse bater em alguém.

A sensação foi ótima.

Eu estava sentada junto com os homens que comemoravam o saque. Tecidos, especiarias, e alguns barris de pólvora. Landon me explicou que com o que já tinham conseguido daria para pagar a tripulação.

E me disse também que os homens estavam me aceitando como uma deles, aparentemente chegara aos ouvidos deles que eu havia batido em seu capitão, de propósito,e isso parecia contar como alguma coisa aos olhos da tripulação.

“Audaciosa”, foi a palavra que usaram e “estúpida”, também.

Contudo, eles não me queriam no porão e para ser bem sincera, eu não fazia questão de voltar para lá. Já havia me acostumado à dormir ali encima.

Mas fiquei feliz em poder me sentar com eles, beber e conversar. Demonstrei alegremente como uma dama deveria desmaiar, eles pareciam achar isso engraçado de algum modo. E então eles começaram a cantar e a dançar, tentando me ensinar uma de suas danças.

Nunca me senti que pertencia a um lugar como naquele momento.

Apesar da comemoração, as oito, todos já haviam se recolhido. Estávamos indo para a Nova Província para se abastecer e então ir na para a ilha do pesadelo.

Killian ainda não havia desistido daquela história.

Pelo o que Landon me explicou, já estávamos próximos o suficiente, se o vento ajudasse estaríamos em Nova Província pela madrugada. Aparentemente aquele trajeto era ótimo para se encontrar navios mercantis.

Me ajeitei para dormir, passando a mão pelo tecido fino do vestido que ainda usava. Meu coração ainda estava partido pelo roubo, teria sido mais fácil para mim se eles fossem homens inescrupulosos.

Não consegui pegar no sono. Ainda estava animada demais, a adrenalina ainda correndo pelas minhas veias. Comecei a caminhar pelo convés. Talvez eu fosse ficar com Landon, ele sempre ficava no leme agora noite por um tempo.

–Não consegue dormir, Swan?- Killian indagou sem desviar os olhos do horizonte. Fiquei com um pé na escada, indecisa se andava até ele ou voltava para trás.

Por fim decidi que ficaria ali, Killian não era a melhor das companhias e provavelmente estava irado comigo, entretanto não queria ficar sozinha. Poderia muito bem ficar sem dizer nada com uma companhia.

–Eu não estou conseguindo apagar, acho que ainda estou animada com o dia de hoje.- expliquei,me sentando de pernas cruzadas no chão, nem um pouco parecida com uma dama que me gabava tanto de ser.

Ele me olhou de rabo de olho, fazendo uma careta para o jeito que estava sentada.

–Por qual parte a deixou desse jeito exatamente?

Pensei por um momento, sentindo o sorriso se abrir.

–Sem ofensas, mas quando bati em você. Nunca bati em ninguém de propósito, assim no calor da raiva.

Pude jurar que Gancho abriu um sorriso e quando ele se virou para me encarar confirmei minhas suspeitas.

–É um prazer lhe ser útil. E devo lhe dar as congratulações, foi um belo de um chute.- ele falou com diversão e uma pontada de... orgulho?

–Tenho bons professores.- lhe respondi brincando com a fita do vestido.

Killian voltou sua atenção para o horizonte. O único barulho que quebrava o silêncio era o seu assovio baixo e melancólico. Eu gostava de ficar ali, sentada sem dizer nada. Observando Gancho sem que ele fizesse comentários desconcertantes.

Eu não confiava nele, de jeito nenhum. Mesmo assim, eu sentia alguma coisa, que ainda não sabia ao certo o que era. Sabia que as vezes queria que ele me beijasse, mas como eu sabia disso? Em base do que havia lido? Será que na vida real sentíamos o ventre ficando gelado e dando pulos e mais pulos?

Gostava de observar as costas dele ou o fato que seu cabelo parecia tão macio e sempre muito limpo. Sempre me senti fascinada por cabelos escuros, talvez pelos meus serem tão claro.

Precisava parar de observá-lo. Isso não estava me fazendo bem. Talvez eu prestasse tanta atenção nele justamente por ele mostrar não ter interesse nenhum em mim, a não ser é claro para me dar ordens e fazer comentários para me deixar sem graça.

–Posso fazer uma pergunta?- questionei depois de muito tempo. Ele não em olhou.

–Faça. Dependendo a pergunta,posso pensar se irei respondê-la.

–Landon disse capitães de navios mercantis podem ser cruéis. Como?

Ele ficou tanto tempo em silêncio que achei que não iria me responder.

–De navios mercantis e da marinha real são extremamente cruéis.... não todos, mas a maioria, sim.- respondeu. Killian prendeu o leme e veio se sentar ao meu lado.- Na teoria, capitães de navios mercantis não podem aplicar castigos tão brutais, mas eles os fazem. Se não gostam de alguém da tripulação eles o castigam sem motivos, o mesmo acontece na marinha. Chicotadas uma atrás da outra até estar só carne,para depois jogarem rum nas feridas, são forçados a comerem carnes já com as larvas, a beber urina de seus superiores, comer suas próprias fezes, e se tem sorte apenas ficam sem comer.- falou em um tom de voz sombrio.- São amarrados aos mastros sem motivo algum e muitas vezes não recebem seus pagamentos. Muitos são forçados a entrar na vida de marinheiro, já que nem todo mundo quer essa vida porque você tem que ser muito estúpido por se candidatar de boa vontade. Fiquei sabendo de uma história de um menino, ele foi espancado pelo seu capitão todos os dias.- pude sentir que ele se retesou, fiquei tentada a segurar sua mão, mas isso seria muito atrevimento, portando apenas fiquei o fitando horrorizada.- Quando ele morreu, seus companheiros afirmaram que a cabeça dele estava tão inchada que dava duas e que a carne estava tão mole que parecia gelatina.

Engoli em seco querendo vomitar .

–Era o filho de Landon.- sussurrou me olhando nos olhos.

–Meu Deus!- exclamei levando as mãos à boca, os olhos ardendo.

–Os homens decentes, não são tão decentes e justos assim.- Killian rosnou- Depois os monstros somos nós. Sabe por que vivemos essa vida, Emma?- ele me indagou.

–Porque vocês vivem suas próprias regras, vocês vivem como acham que é justo. Pelo menos foi o que meus tutores explicaram.

–Exatamente. Em um navio pirata você vai achar mais justiça do que em um navio mercante ou da marinha real. Eles alegam que fazem o que é certo, mas nem sempre o que eles acham certo , é certo. Essas pessoas tem um jeito deturpado de enxergarem o certo e o errado. Existem piratas que vivem essa vida com a desculpa de serem maus, mas a maioria só vive essa vida porque é a mais justa.

–E por que você vive essa vida? Vejo que não é estúpido para aceitar uma vida no mar, algo deve ter feito você escolher isso. Quem era Killian Jones antes do pirata?- soltei, antes que pudesse me segurar.- Me desculpe, não precisa responder. Foi atrevimento da minha parte.

–Era tenente Jones.- me respondeu, a voz em um sussurro.- Pertencia à marinha real... esse navio, era o que eu ajudava a comandar. E então... eu o tomei para mim quando eu percebi que a realeza não joga limpo. Não podia continuar obedecer ordens absurdas.

Ele parou de falar. Entendi que não me contaria mais nada, mas não precisava. Já tinha o suficiente para uma noite. Estava feliz que não havia recebido a resposta padrão “não é da sua conta”. Killian parecia perdido em memórias. Queria saber o que havia acontecido, porém ficaria para outra ocasião.

–Obrigada, Killian.- agradeci dando um aperto de leve em sua mão. – Por conversar comigo.

Meu toque pareceu tê-lo tirado do estupor em que se encontrava. Retirei a mão, já havia deixado mais tempo do que seria adequado aos olhos da sociedade, que no caso era inexistente ali, mas Killian a puxou de volta.

Senti minha respiração falhar e aquela sensação gelada em meu ventre. Eu olhava hipnotizada para nossas mãos.

O QUE RAIOS ESTAVA ACONTECENDO COMIGO?

Senti a respiração de Killian em minha bochecha. Quando ele havia se aproximado tanto assim?

Ah Deus! Gancho tentaria me beijar, não tentaria? E provavelmente fraca como sou, iria deixá-lo me beijar e então estaria perdida para sempre.

Ou não. Se eu o deixasse me beijar, ninguém ficaria sabendo. Eu não contaria para ninguém quando voltasse para casa e ele, obviamente, não contaria. Provavelmente nem lembraria no dia seguinte.

Apenas não fazia sentido, ele estava sempre me desdenhando, nunca considerei seus flertes grosseiros como algum sinal, e agora estava ali, passando a ponta de seu nariz, que estava gelada por sinal, no meu maxilar de forma lenta e deliciosamente torturante.

–Emma.- ele murmurou com a voz rouca.

Senti qualquer certeza se dissolver. Eu iria beijá-lo e que se danasse as consequências.

No futuro, quando estivesse velha e que poderia falar qualquer coisa, porque pessoas velhas podem dizer e fazer quase tudo, contaria para meus netos que sua avó havia beijado um pirata. E um pirata muito bonito por sinal.

Finalmente o olhei e engoli em seco nervosa. Levantei minha mão livre e rocei levemente sua barba. Fechei os olhos sentindo a textura. Eu poderia ficar com os dedos ali por dias, só acariciando.

–Espero que você tenha ideia do que esteja acontecendo aqui.- Killian balbuciou em meu ouvido, sua mão apertou meu quadril com força,me puxando para mais perto dele. Seu halito quente pinicou minha pele.

Hálito?

Ah céus! Meu hálito deveria estar terrível. Desde que eu chegara ali não havia limpado meus dentes uma única vez.

Fechei os olhos e virei o rosto quando Killian finalmente, finalmente, iria colocar seus lábios nos meus.

–Eu... Eu preciso limpar os dentes. Não os limpo desde que cheguei aqui.- eu engolia e piscava sem parar, sentindo meu rosto esquentar.- Devo estar com mau hálito.

Killian bufou irritado, ainda segurando meu quadril firmemente.

–Assim como eu, Emma.- respondeu impaciente.- Podemos comprar palitinhos aromáticos, sabão e giz para cuidar disso.- prometeu me apertando ainda mais e tentando me puxar para si novamente.

–Hã... Tudo bem então. Eu...,eu acho que já vou dormir. Boa noite.

Me livrei de sua mão, ficando de pé em um salto. Levantei a barra do vestido para correr, querendo me afastar dali o mais rápido possível. Só para não correr o risco de cair na tentação se caso acontecesse.

Nunca que o primeiro beijo que eu iria dar estaria com a boca fedendo. Preferia morrer sem nunca ser beijada.

O que acabou de acontecer? Eu quase havia o deixado me beijar! Onde estava com a cabeça? Ele iria jogar esse beijo na minha cara sempre que eu dissesse que sou uma dama. Damas não saem beijando homens por aí.

Desabei em meu lugar de dormir irritada e ainda sentindo o toque de Killian em minha pele.

Agora não sabia se estava irritada por não ter sido beijada ou irritada por ter querido tanto ser.


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Notas finais do capítulo

Bom, foi isso gente. Espero que tenha ficado bom, me digam o que acharam, está autora agradece as críticas, sejam elas boas ou não.

Beijos.