Capítulo 18 - Desconfianças

Alexia acordou sobressaltada. Havia tido outro pesadelo.

Aquela noite havia sido inteira desse jeito. Um sonho ruim e ela despertava. Voltava a dormir e a mesma coisa.

Alguns não faziam sentido e outros Alexia nem ao menos se lembrava. Mas já alguns eram perturbadores.

Primeiro havia tido o sonho com as gêmeas novamente. Depois com um grampo de cabelo com um rubi grande em cabelos ruivos.

Mas o pior deles era uma criatura horrenda. Era gigante com o corpo todo coberto de escamas escuras, porém cintilantes que faziam uma dança de luz conforme se movia. Vivia colocando sua língua para fora, que era bifurcada e com muito sangue. Seus olhos eram de um roxo forte e inesquecível. Suas asas eram enormes, assim como a sua calda, com espinhos na ponta.

Alexia também viu a espada Vorpal no sonho, quando escutou uma voz que a arrepiou a espinha. Era a criatura falando.

— Nos encontraremos em breve, minha velha inimiga. E pode ter certeza que deixarei em pedaços o seu portador.

Alexia ficou um tanto aliviada ao perceber que ele falava com a espada. Logo ela estaria fora daquele inferno e azar de quem tivesse que empunhar a espada.

A criatura começou a gargalhar, e foi quando Alexia acordou.

Estava tremendo e soando frio, o que era normal todas as vezes que tinha um sonho ruim. Alexia era uma garota muito sugestionável.

Olhou para os lados se recordando de onde estava. Estava vestida de outro modo também. Mas já estava ficando acostumada a ser trocada sem que peçam ou que vejam seu corpo.

A camisola desta vez era prateada e cintilava igual as escamas do monstro de seu sonho. Era leve e confortável. A garota gostou daquela ali.

Quando se sentou, pôde ver o seu reflexo. Haviam escovado seu cabelo também. Estava brilhante e sedoso, apesar dos cachos estarem armados. Em seu rosto aquelas tatuagens com pedras ainda permaneciam, mas Alexia passou a gostar. Era uma espécie de charme, na verdade.

A garota levou os pés até o chão, mas não se levantou. Ficou apenas balançando as pernas enquanto seus pés sentiam a temperatura do chão. Fria, como era de se esperar.

Depois de muito enrolar, Alexia se levantou e foi até um armário onde presumiu que estivesse as roupas. E estava certa.

A garota separou uma blusa branca com botões e uma calça que lembrava montaria. Se vestiu rapidamente e colocou seus sapatos, enquanto arrumava os cabelos. A blusa também tinha abertura para as suas asas. Sua aparência não ficava bizarra com elas, apesar disso. Na verdade, passava um ar de... superioridade.

Estava caminhando para a porta para poder sair, porém alguém bateu na porta antes. Já que estava no caminho, atendeu-a fácil.

Lá estava Jared também vestido com algo branco, calças e seus sapatos. Ele não tinha suas asas e nem as tatuagens estranhas em seu rosto. Mas ele continuava charmoso.

— Vejo que já está de pé — Ele deu um sorriso doce — Vim acompanha-la até o salão para tomar café. Eles devem ter planos para nós hoje.

— E eu tenho para eles. Já descansei bem, espero que eles nos mandem para casa agora.

Jared respirou fundo. Alexia podia notar que ele também queria muito isso. Porém não queria dizer nada além de apoiá-la.

As vezes Alexia se perguntava se depois de voltar para casa, ele ainda a trataria assim. Ter vivido aventuras com ele os aproximou muito e ela viu a sua preocupação e dedicação. Não podia mentir, ia sentir um pouco de falta daquilo. E se além de perder as aventuras, perdesse o seu Jared também?

Alexia estava perdida nos seus pensamentos, porém Jared apenas abriu um sorriso, puxando ela pela mão enquanto andavam pelos corredores, o que a fez despertar.

— Faz muito tempo que acordou? — Perguntou ela a ele.

— Na verdade não tive uma noite muito boa... — Confessou ele.

— Eu também não.... É como se a energia desse local fosse assim... — Dizia ela baixinho para não correr o risco de ser ouvida e alguém se magoar. Estavam sendo tão hospitaleiros... — Mas pretendo continuar calada. Eles foram muito gentis conosco, é até estranho o fato de dormirmos mal aqui.

— Eu acho que está mais para uma energia ruim perseguindo a gente do que este lugar — Disse ele baixinho, o que faz Alexia pensar. Ele tinha razão. Na verdade, era completamente possível. Estavam lidando com coisas malignas. Isso solta energias ruins, ainda mais quando eles têm consciência disso. É daí que vem a magia. Que a sua energia pode fazer diferença.

Permaneceram calados desde então, até que dois guardas com cabeça de peça de xadrez abriam a porta. Alguns já estavam lá. Entre eles Morfeu, a rainha Marfim — Magnifica como sempre por sinal — e rábido branco.

— Um bom dia ser! — Disse ele contente.

Alexia logo foi até o seu lugar e se sentou. Com uma mesa tão apetitosa, era difícil não despertar fome.

A garota pegou um pedaço de torrada. Estava fresquinha. Em seguida, pegou o pote de geleia de morango e espalhou pela torrada.

— Deseja um pouco de suco de Tumtum? — Perguntou a Rainha, sorrindo docemente.

— Nem pensar! Alexia quase me comeu da última vez que tomou esse troço — Dizia Jared se exaltando.

— Não se preocupe — A Rainha gargalhou — Este aqui não tem aqueles efeitos. Eu mesma preparei.... E quando ele não te faz querer todo mundo, tem um gosto bem agradável.

Alexia olhou desconfiada para a jarra do suco roxo.

— Podem confiar nela — Sorriu Morfeu — Enquanto a Vermelha estudava como mandar sobre os seres e as coisas, a nossa rainha se especializou em poções e alquimia.

Se você quer ficar mais confiante de algo, não peça para o Morfeu ajudar. Na verdade, ele nunca foi muito confiável também. Mas Alexia precisava beber algo, então colocou um pouco sobre o seu copo e bebeu.

O gosto era realmente de qualquer fruta que havia tomado. E nada havia acontecido.

— E mesmo se acontecesse, temos essa fruta aqui em cima de nossa mesa — Morfeu completou vitorioso.

Jared mastigava irritado quando a porta se abriu.

— Bom dia, meus queridos amigos! Estou morto de fome, e é hora do chá!

— Chapeleiro! — Alexia exclamou reprimindo a vontade de pular de sua cadeira e lhe dar um abraço — Que horas chegou?

— Não é hora do chá meu querido amigo — A Rainha sorriu — Se chama café da manhã.

— Está errada, majestade. Sempre é hora para um chá — Ele piscou para ela e depois olhou para Alexia — Chegamos de madrugada.

— Como assim.... Chegamos? — Disse Alexia confusa.

— Trouxe amigos comigo, é claro! — Disse ele e de trás de si saíram dois gêmeos gordinhos, algumas fadas e uma rata que usava uma agulha como espada.

Jared engasgou olhando para os gêmeos e depois desviou o olhar para a mesa. Esperava realmente que não estivessem irritados pelo o que ele fez na luta contra as cartas. Antes ele do que eles.

— Estamos honrados em participar da batalha! — Disseram eles juntos, fazendo uma espécie de reverência.

— Qual.... Batalha? — Perguntou Alexia preocupada.

— Ora, a batalh.... — Ia dizendo a Rainha Marfim, mas Morfeu a cortou.

— Uma batalha qualquer, não precisa se preocupar — Disse ele sorrindo. Alexia não gostou da atitude, mas se calou. Por ora. — Não é mesmo, Marfim, querida?

A Rainha o encarou confusa, mas em seguida assentiu.

Os convidados se sentavam a mesa, mas Alexia já havia comido, então se levantou junto a Jared.

Morfeu se levantou logo em seguida.

— Alexia, amor — Ele abriu um sorriso — O que acha de um pequeno treino? Para voltar para casa em forma.

— Eu não sei se.... — Ia dizendo ela, mas a Rainha abriu um grande sorriso.

— É uma ideia magnífica!

Jared bufou com a cara amarrada.

— Eu guio vocês — Morfeu sorria — Com licença — Disse ele pegando o braço de Alexia, enlaçando-o ao seu.

Sem muita escolha, Alexia, Jared e Morfeu iam em direção a central de treinamento.

Dois guardas abriram as portas e Alexia arregalou os olhos com o que viu.

Diferente da casa de Morfeu, era um local muito bem preparado.

As paredes tinham plataformas para escalar e alguns canhões. O centro dela era todo acolchoado e uma das paredes era apenas para pendurar todas as armas existentes que já puderam inventar.

Ao fundo ainda tinha uma piscina grande funda e várias e várias plantas de todos os tipos. Grama, árvore, arbustos, flores...

— Uau! — Exclamou Alexia.

Morfeu riu de leve e se aproximou de um dos guardas.

— Traga o que eu lhe pedi — Disse ele enquanto o rapaz se retirava.

— O que você “pediu”? — Alexia fez aspas com os dedos.

— Ah, você saberá logo.

Alexia revirou os olhos, mas sabia que com Morfeu ninguém tinha vez. Alguns segundos depois o guarda apareceu de volta com a Espada Volpal.

— Por que isso está aqui? É da rainha agora! — Dizia Alexia encarando a espada.

— A rainha concordou plenamente em você usá-la. Além do mais, você já está de partida! Deixar a grande salvadora da espada partir sem usa-la é um pecado! Vamos! Pegue-a!

Sem ter outra escolha, Alexia pegou a espada quando o guarda se aproximou dela. A leveza da arma ainda a assustava.

— Muito bem... — Ele ia dizendo — O que quer começar a treinar primeiro?

— Eu não sei.... O que sugere? — Dizia ela encarando-o quando Jared pigarreou.

— Bem, já que eu não serei necessário aqui, estou me retirando — Dizia ele nitidamente irritado, saindo sem esperar resposta, com passos pesados.

— Se deseja assim — Morfeu dava de ombros e em seguida sorriu — Vamos fazer algo relacionado a condição física!

A garota assentiu com a cabeça e Morfeu acenou para um dos guardas. Ele ligou então um dos mecanismos e mais do que rapidamente um dos canhões estourou uma bola.

Alexia não esperava por essa e por muito pouco conseguiu desviar dela.

— Você é louco?! Podia ter me avisado? — Disse ela já desviando de uma das bolas.

— Ótimo reflexo — Disse Morfeu sorrindo se afastando da área onde as bolas acertariam, encostando-se na parede de armas com cuidado para não se espetar com nenhuma lâmina — Agora, eu preciso que você faça isso melhor. Está muito desleixada! A gente luta com classe. A espada faz parte do seu corpo agora, e se essas bolas fossem seus inimigos? Não poderia desviar assim. Fica vulnerável para lhe enfiarem uma faca!

— Você se esquece que eu não vou ter inimigos lá em cima — Alexia rosnou enquanto via uma bola vindo em sua direção e girou para o lado, se desviando.

— Bom! — Dizia ele sorrindo — Continue assim!

A velocidade das bolas foram aumentando, obrigando Alexia a fazer movimentos mais frenéticos e desesperados para desviar das bolas.

Quando a garota estava se acostumando com o ritmo as bolas pararam de vir.

— Ah, qual é?! — Disse ela parando, irritada enquanto Morfeu pegava uma espada rindo, indo em direção a ela. — O que vai fazer?

Sem dizer uma única palavra Morfeu desfere um golpe contra Alexia. A garota demora um pouco para assimilar os movimentos, mas consegue desviar.

— Muito bom — Disse ele sorrindo e desferiu outro golpe contra a garota, que desta vez colocou sua espada contra a dele, arqueando a sobrancelha, encarando-o com um ar de desafio.

Ele sorriu e avançou contra ela atacando novamente. Alexia choca sua espada contra e gira para trás dele, tentando chutar suas costas para que caísse no chão.

Porém ele foi mais rápido e voltou para sua frente, desviando do chute e atacou com a espada, dessa vez com mais proximidade, intimidando-a e dando menos espaço para lutar. Alexia desviava bem e contra-atacava.

Porém Morfeu pisou em seu pé. A garota grunhiu de dor e ele aproveitou esse instante de distração e a derrubou no chão, ficando por cima dela.

— Você trapaceou! — Disse ela tentando sair de baixo dele.

— Quem disse que havia regras? — Dizia ele imobilizando o braço da garota para que não usasse sua espada.

Com Alexia completamente submissa a ele ali, Morfeu ia se aproximando da garota. Passou seu nariz pelo pescoço da garota fazendo-a se arrepiar e subindo aos poucos, trilhando o caminho pelo seu maxilar.

Alexia já estava em fôlego quando ele estava próximo de sua boca. Porém, não seria tão fácil. A garota esticou sua palma da mão e mais do que imediatamente os cipós das árvores puxaram Morfeu.

— Ei! Não vale magia! — Dizia ele se debatendo e lutando com os cipós.

— Você não estabeleceu regras — Alexia abriu um sorriso e piscou para ele, pegando sua espada. Ia devolvê-la para a Rainha e negociar sua volta.

Mas conforme ia caminhando até a porta, ela é aberta abruptamente.

— Alexia! — Dizia Jared ofegante — Você não vai acreditar em quem está aqui!