Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf


Capítulo 7
O Sol




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– Uma namorada? - Espantou-se Liz quando contei a ela sobre Logan e Becky.

– Fale baixo!

Estávamos em meio ao jantar, na mesa da Grifinória.

– Como ele pode ter uma namorada? Eu só via ele conversando com você…

– Eles já se conheciam - respondi.

– Você tá bem, Cice? Não… Não se importa com isso?

– Claro que não! Por que me importaria? - As pessoas ao nosso redor me olharam, repreendendo silenciosamente meu tom de voz elevado. Liz levantou uma sobrancelha. - Tá, eu tava acostumada a ter o Log só pra mim, sabe? Mas não desse jeito… Ele é difícil demais. E ela parece fazê-lo feliz! E é isso o que importa.

Dito aquilo, fiz questão de dar uma boa garfada em meu jantar, anunciando que aquela conversa havia terminado.

Os irmãos Reed, chegando atrasados para o jantar, sentaram-se de frente para nós. Liz tentou desesperadamente ajeitar seus cabelos curtos.

– Senhoritas - disse Finn. - Onde está a terceira mosqueteira?

O sorriso de Liz deu uma leve vacilada.

– Está sentada na mesa da mãe dela - respondi, feliz por eles terem aparecido e varrido Logan dos pensamentos de minha amiga.

– Quer dizer que ela foi reconhecida? - Perguntou John, atraindo olhares feios de alguns estudantes.

– Sim! Vocês deviam ter visto, foi lindo!

Ignorando os olhares, continuamos a comer e a conversar até que a professora McGonagall ficou de pé diante dos alunos e começou a falar.

Ao virar-me em direção à mesa dos professores, vi Logan sentado sozinho na mesa de Zeus. Aquilo me fez pensar em que mesa Becky estaria. Vasculhei rapidamente o Salão Principal, e a vi no outro extremo do salão. Sentada à mesa de Atena.

– Cice - sussurou John, surpreendendo-me - tá afim de conhecer melhor a escola?

Seus olhos verde-claros brilhavam como os de uma criança fazendo travessura. Sorri, esquecendo de minha descoberta.

– Eu adoraria.

– Então venha - ele fez menção de se mexer, mas o repreendi.

– Agora? Não temos que ouvir o que ela tem a dizer?

Ele riu de um jeito zombeteiro, mas divertido.

– Claro que não! Vem comigo.

– Mas vocês não podem andar por aí a noite! - Disse Liz, alarmada. Era a única pessoa a prestar atenção em nós.

– E quem disse que nós vamos andar? - Respondeu John, sem perder o brilho nos olhos. Levou o dedo indicador à boca, em sinal de silêncio, e escorregou para baixo da mesa. Se você queria chamar minha atenção, conseguiu. Intrigada, fiz o mesmo.

– Cuidado com os pés - disse John, e saiu engatinhando em direção ao final da mesa. Nunca imaginei que eu, aos 18 anos de idade, andaria de gatinhas de baixo de uma mesa, mas lá estava eu fazendo exatamente aquilo. De qualquer forma… por que preciso tomar cuidado com meus pés?

Um minuto depois, entendi o que isso queria dizer. Um rapaz se mexeu no banco, acertando o pé em mim. Abri a boca para reclamar, mas John silenciou-me com uma das mãos, enquanto acertava o pé na garota ao lado. Escutei ela dizer “ai, tome cuidado com esses pés!”

John riu baixinho e fez sinal para continuarmos, e fomos mais depressa. A mesa da Grifinória ficava bem em frente à saída do Salão, então não foi difícil sairmos sem sermos vistos.

– Como assim não vamos andar? - Perguntei, enfim, ao chegarmos sã e salvos aos jardins.

– Ora, nós vamos voar!

Voar? – Agora eram meus olhos que brilhavam feito os de uma criança.

– Você verá. Venha, só preciso pegar minha vassoura.

Vassoura? Vamos voar numa vassoura? Dá pra esse lugar ser mais incrível?

Pela primeira vez, estávamos sozinhos. Um milhão de borboletas pareciam ter criado vida em meu estômago.

John tirou a varinha do bolso, fixou o olhar na Torre da Grifinória e disse: – Accio vassoura!

Por alguns instantes, nada aconteceu. Então, uma vassoura veio voando sozinha em nossa direção.

Só pode estar de brincadeira comigo, pensei, enquanto ele se sentava.

– Pode vir, eu não mordo!

Rindo, sentei-me atrás dele. Era até confortável, bem mais do que pensei que um cabo de vassoura pudesse ser. John tomou impulso, e disparamos noite adentro. Agarrei-me com força em sua cintura.

– Pelas barbas de Merlin, você é bem fortinha para uma garota tão magricela!

– Ops, desculpa… - Com as bochechas corando, afrouxei o abraço, enquanto ele ria.

– Hey, eu não disse para soltar!

Voamos sobre o jardim e acima das torres mais altas do castelo.

– É tão lindo! – Exclamei.

– Você ainda não viu nada, ruiva! - Disse ele, enquanto ganhávamos altura e saíamos de perto das torres. - Olha ali, é a Floresta Proibida! Você não faz ideia do que vive lá.

– Mas os semideuses não fazem um jogo ali? Alguma coisa com uma bandeira.

– Caça à bandeira? É, fazem mesmo. Ali é a parede de escalada e lá fica a quadra de vôlei. Mas o meu lugar favorito na escola inteira… - Passamos pelo corujal e chegamos a um campo, onde havia seis aros circulares a uns 15 metros do chão, três em cada extremidade. – ... é o campo de Quadribol! – disse John, entusiasmado. – Temos jogo sábado, você vai ver?

– Ah, você joga? – Perguntei.

– Sim, sou artilheiro e Finn é o apanhador do time da Grifinória – respondeu ele, sorrindo, enquanto sobrevoávamos o campo.

– Eu não perderia isso por nada.

Naquele momento, não havia nada em minha cabeça além de John. E o melhor de tudo: enquanto estávamos ali, eu tinha uma desculpa para abraçá-lo.

John me mostrou os estábulos, os jardins, a estação de Hogsmeade ao longe, a arena de combate... tudo. O tempo pareceu voar com a gente, e quando dei por mim já estávamos voando de volta ao castelo, com o barulho de passos e vozes enchendo o ar. Pousamos nos jardins, e o bruxo lançou um feitiço que fez sua vassoura voar de volta para a Torre da Grifinória.

– E então, o que achou? - Perguntou ele, enquanto entrávamos novamente no castelo.

– Foi incrível, adorei! Muito obrigada, John… Foi realmente incrível.

– Não precisa agradecer - Ele sorriu enquanto colocava a mão em minha bochecha, puxando-me para perto.

– Vocês dois! - Gritou o monitor da Grifinória, um cara alto e barbudo do sexto ano que eu não sabia o nome. - Venham! Todos os alunos devem estar na sala comunal agora.

Estraga prazeres.

***

Ao chegar no dormitório, leve como uma pluma, deitei-me entregue a devaneios. Desejei que o tempo passasse rápido para que amanhã chegasse logo, e fiquei imaginando como teria sido se o Monitor não tivesse nos interrompido. Então, eu fiz o que sempre fazia quando estava feliz.

Ajoelhei-me e puxei a caixinha de sapatos que escondia de baixo da cama.

Peguei meus tesouros envelhecidos pelo tempo: uma foto, uma carta e dois cartões de aniversário. A carta que minha mãe escrevera em seu leito de morte era, de longe, o meu tesouro favorito. Peguei o papel, enquanto as letras dançavam. Alguns minutos depois, finalmente, as quatro palavras escritas em lápis azul-claro formaram a frase que eu tanto relera.

Eu estou com você.

– Cice? - Emily levantava de sua cama e vinha em minha direção, sonolenta. Liz e Maísa dormiam a sono solto. - Que parada é essa aí?

Suspirei. Não havia mostrado nada daquilo nem mesmo à Marlí, minha companheira de quarto do orfanato. Apenas meu melhor amigo sabia da existência daqueles papéis.

– Nada - respondi, fechando a caixa rapidamente. Emily pareceu compreender e mudou de assunto, sentando-se no chão ao meu lado.

– Tá bordejando, né? - Seus lábios finos contorceram-se em um meio sorriso, e os olhos castanhos me olhavam como se eu tivesse sido pega no flagra.

– Tô o quê?

– Eita - ela suspirou. - Liz me contou do seu rolé com o John…

Dei uma risadinha.

– A gente sobrevoou Hogwarts na vassoura dele!

Ela franziu a testa.

– Deve ser cabuloso pra alguém como nós voar de vassoura.

– Ah, não exatamente… Aliás, o que a Prof. McGonagall falou?

– Só umas paradas de não podermos mais jogar caça à bandeira a noite… Pô, a coroa é uma cagona! De dia não tem graça!

Foi impossível não rir daquilo.

– As duas pestes poderiam fazer o favor de calar a boca e ir dormir - resmungou Maísa, que tentava tapar os ouvidos com o travesseiro. Sem sucesso, pelo visto. Emily e eu abafamos o riso. Nossos olhos se encontraram e eu resolvi que se alguém ali poderia descobrir meus segredos, seria ela. Tinha certeza de que podia confiar. Certifiquei-me de que Maísa não nos espionava, coloquei a caixa de sapatos sobre meu colo e a abri novamente.

– São meus tesouros. Além de você, só mostrei à Logan - disse, num sussurro. Peguei a carta e a estendi para Emily. - É a única coisa que tenho da minha mãe.

Ela segurou o papel e passou o dedo pelas manchas escuras.

– Isso é…

– Sangue. - Confirmei. Ela me olhou preocupada. - Não sei se é meu ou dela. Minha mãe escreveu isso no dia em que morreu, eu tinha 4 anos. Uma fúria nos atacou. Acho que ela sabia que eu ia me sentir sozinha, que eu seria… Diferente.

Emily assentiu.

– Acho que ela não contava que você viesse pra Hogwarts. Não está sozinha aqui.

Sorri, mas não consegui dizer nenhuma palavra.

– Esses aqui são seus velhos? - Emily pegara outro tesouro dentro da caixa. A foto mostrava um casal tipicamente londrino, que sorria para a câmera em pé em um belo jardim.

– Já foram. É o casal que me adotou aos 6 anos, mas eles morreram num incêndio. E esses dois cartões de aniversário são os únicos que já ganhei na vida - estendi os cartões coloridos para ela. - Não sei o porquê, mas o professor Peterson gostava de mim. E um professor gostar de mim é raridade! Eu sempre fui encrenqueira.

Emily riu, devolvendo os papéis à caixa.

– Eu também era mó porralouca, deixava um rastro de destruição onde passava!

– Se vocês duas não calarem essas bocas agora - disse Maísa, contendo a raiva - eu vou estuporar vocês.

Eu não era nenhuma bruxa, mas sabia o que estuporar significava. Emily olhou para mim sem entender.

– Talvez um dia eu te conte tudo - disse à ela, só com um fio de voz. - Boa noite, Emily.

– Boa - concordou ela, e deitou-se de volta em sua cama.

***

O dia amanheceu bonito, mas eu não estava muito animada. Teria mais um horário vago destinado ao treinamento nas forjas, e torci para que Logan não estivesse lá. Ele me faria lutar com espadas, o que eu não queria, mas o fator principal era que eu ainda não conversara com Log desde o dia em que ele me contou sobre o namoro. Desde então, eu só o vira sozinho nas refeições, à mesa de Zeus, enquanto Becky se sentava com os irmãos na mesa de Atena.

Cheguei nas portas do arsenal, e ele não estava à vista. Por outro lado, os cabelos azuis de Lee Campbell se destacavam em meio aos outros. Escutei vozes excitadas atrás de mim, e quando virei-me, vi que era o time de quadribol da Grifinória saindo do treino. Finn e John Reed estavam entre eles, com os cabelos loiros meio molhados de suor e as vassouras em mãos. John, ao me ver, sorriu. Senti minha bochechas queimarem horrivelmente, e acenei, virando-me pra frente com rapidez. Dei de cara com Lee.

De perto, percebi que a raiz de seu cabelo e suas sobrancelhas eram loiras.

– Não deixe suas bochechas ficarem dessa cor - ele disse. - Você já é ruiva, corada fica parecendo uma cenoura.

Franzi a testa, e tentei decidir se eu ainda gostava dele.

– E você devia parar de pintar o cabelo dessa cor, fica parecendo algodão doce.

Ficamos olhando um para o outro durante alguns segundos, até que… Disparamos a rir. Todos os semideuses que estavam no arsenal olharam para nós, sem entender.

– Até que enfim alguém que entenda meu senso de humor! - Disse Lee, engolindo alguns soluços.

– Ai… eu digo o mesmo! - Respondi, segurando a barriga enquanto tentava parar de rir. Não importava quão ruins fossem suas piadas, decidi que gostava de Lee.

– Mas você realmente não gosta da cor do meu cabelo? - Ele perguntou, agora preocupado.

– Eu só tava brincando! - Respondi, voltando a rir. - Droga Lee, minha barriga já está doendo!

– Pare com isso que a gente tá longe dos banheiros! - Quando ele viu que eu não conseguiria responder, me pegou pelo braço e saiu me puxando.

– Vem, vou te ensinar a usar o arco.

– Vai mesmo? - Perguntei, com os olhos brilhando e esquecendo as palhaçadas. - Você sabe usar?

– Se eu sei? - Ele empertigou o nariz, orgulhoso. - Os filhos de Apolo são os melhores arqueiros do mundo!

Sorri.

– Apolo é o deus dos arqueiros, não é? E do sol, das artes, da música e dos curandeiros.

– E das profecias.

– E vocês são bons em tudo isso?

– Nem todos. Mas até que não sou ruim nas artes, se consegui deixar meu cabelo azul…

Tínhamos chegado aos alvos, e Lee pegou dois arcos grandes e uma aljava de flechas.

– Aqui está - ele me entregou a arma. - Não é difícil. É só encaixar a flecha aqui, puxar…

Mas eu já não estava ouvindo. A flecha e o arco pareciam trabalhar sozinhos em minhas mãos e, quando dei por mim, estava atirando a flecha. Ela foi parar bem no meio do alvo, sem eu nem me dar conta.

Lee olhou-me, boquiaberto. Depois, ergueu a cabeça.

Uma luz dourada em forma de sol brilhava acima de mim.


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