Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf


Capítulo 6
Alguém é Reconhecido




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– Por que o senhor procuraria por mim?

O centauro olhou para os lados, medindo as palavras.

– Conheci sua mãe, Cecília.

– Conheceu? E como ela era?

Ele sorriu de um jeito triste.

– Bom… Era um boa mulher.

Lembrava-me um pouco de minha mãe, da noite em que ela morreu. Tinha cabelos castanhos e olhos verdes, mas seu rosto era só um borrão em minhas lembranças.

– Não sou parecida com ela, não é?

– Não fisicamente.

Levei a mão ao ombro esquerdo, e senti as marcas na pele sob a blusa.

– Ainda sonho com a noite em que ela morreu e eu ganhei isso - indiquei o ombro com um movimento de cabeça. - Foi uma fúria, não foi?

– Sim. Foi um ato de muita coragem da parte dela.

Assenti, suspirando. Vi Logan levantar uma sobrancelha; eu nunca contara à ele sobre a cicatriz.

Quíron era um centauro de poucas palavras, mas eu não poderia deixar de perguntar.

– E o senhor sabe quem é o meu pai?

– Você descobrirá na hora certa. Eu sei que é tudo muito novo para você, Cecília, mas garanto que encontrará as respostas para todas as suas perguntas. Na hora certa.

Dito isso, ele nos deu as costas e voltou para a forja.

– O que tem no seu ombro?

– Um braço.

Nem por um segundo passou pela cabeça de Logan a hipótese de que, se até então eu não tinha falado nada com ele à respeito daquilo, era porque eu não queria falar sobre aquilo. A frieza em pessoa. Mas ninguém em sã consciência responderia um filho de Zeus com uma piada sem graça, mas eu ainda estava com a cabeça enterrada em lembranças ruins. Felizmente, Lee Campbell e seus cabelos azuis apareceu antes que Logan pudesse dizer ou fazer qualquer coisa.

– Se eu fosse vocês, sairia daí. Nem todos aqui são filhos de Apolo.

Estávamos parados a apenas alguns metros de distância dos alvos, usados para o treino de arco-e-flecha e bestas. Logan saiu andando sem dizer palavra.

– Obrigada, Lee - agradeci e sai andando atrás de meu amigo. - Sabe, Log, é que eu não gostaria de falar sobre isso.

– Já me acostumei com suas piadas ruins - ele deu de ombros, mas apenas alguns segundos depois, virou-se pra mim com um meio sorriso e passou a mão pelos cabelos cor de breu. - Só você mesmo, Cice.

Santo bom humor. Por que não pode ser assim todo dia?

.

Entramos no arsenal, onde havia diversos tipos de armas. Lanças, espadas, massas, arcos, e outras que eu nunca tinha visto antes. Uma delas se destacava de longe.

– É um Tridente? - Perguntei enquanto Logan ia passando direto. Ele voltou para onde eu estava, pegou a arma com uma das mãos e a estendeu.

– Sim. Experimente.

Segurei o Tridente com as duas mãos. Era pesado, grande e desajeitado, de modo que mal consegui mantê-lo na vertical sem apoiar o cabo no chão. Dois segundos depois Logan pegou-o de volta, ainda com aquele meio sorriso torto.

– Sabia que não.

– “Sabia que não” o quê?

– O Tridente é a especialidade dos filhos de Poseidon, além deles só os filhos de Ares sabem manuseá-lo. Eles sabem usar qualquer arma, na verdade. Você já pode riscar os dois da sua lista.

– Dá pra saber quem é o meu pai só pela arma que eu souber usar?

– Em tese, sim. Mas você não vai testar todas, se é no que está pensando. - Era exatamente no que eu estava pensando. - Pelo menos não agora, não estou aqui pra isso.

Alguns metros a frente, outra coisa me chamou a atenção. Era uma arma diferente mas, de certa foma, familiar. Já a vira na TV, em um dos desenhos animados que eu mais gostava quando era mais nova. Um sorriso travesso percorreu meus lábios.

– Diga suas últimas palavras, Logan Dempsey, porque sua alma já não pertence mais à esse mundo.

Ele me olhou com indiferença.

– Pelos deuses, que diabos você está fazendo?

– Francamente, Logan, você não vê televisão? Eu sou a Morte!

– Larga essa Foice, Cice. De todos os olimpianos que poderiam ser seus pais, Deméter seria a última.

Se isso fosse um desenho animado, uma lâmpada brilharia acesa sobre minha cabeça.

– Só os filhos de Deméter sabem como usar isso? Quero dizer, além dos de Ares… - Log assentiu. - Então espera ai, só um pouquinho.

Fiz o caminho inverso até sair do arsenal, e avistei a pessoa que estava procurando.

– Hey, Emily! - Ela me olhou com seus olhos castanhos tranquilos, apoiando no chão a espada que segurava. - Pensa rápido!

Joguei a arma em direção à Emily, que largou a espada, segurou a Foice no ar e a girou com as duas mãos, com uma rapidez e agilidade que nem mesmo ela sabia que possuía. Em um movimento rápido, a semideusa cravou a foice no chão, com os olhos arregalados de surpresa. O que aconteceu depois foi… lindo.

Alguma coisa assumiu um brilho muito forte sobre a cabeça de Emily. No início parecia uma bola de luz, até que tomou a forma de dois ramos de trigo unidos pela base. Todos aplaudiram, enquanto Emily sorria feito boba.

Deméter acabara de reconhecê-la como sua filha.

***

Logan, que me seguira para fora do arsenal, arrastou-me pelo braço de volta para dentro. Seguimos sem paradas até entrarmos numa grande sala repleta de espadas, de todas as formas, tamanhos e metais.

– Meu Deus! Pra quê vocês precisam de tantas espadas?

Nós precisamos porque todos os semideuses devem saber manusear uma espada. - Ele pegou uma delas e a lançou em direção à mim. Não consegui pegá-la no ar. - Todos, por mais difícil que possa parecer.

Assim como o Tridente, a espada era grande demais, pesada demais. Escorei-a no chão. – É muito pesada!

Logan bufou, impaciente, e analisou os modelos mais uma vez. Pegou outra espada e a lançou para mim. Quase não a peguei antes que caísse.

– Essa é a menor.

De fato, essa era consideravelmente mais fina e mais leve que a outra, mas ainda era desconfortável e de difícil manuseio.

– Está ótima.

40min depois, meus braços pesavam feito chumbo. Meu treinamento foi horrível, claro. Cai várias vezes e, de acordo com Logan, ele teve pelo menos umas 60 chances de me matar. Prometi a mim mesma que meu próximo treinamento seria com outra arma.

Por sorte, o próximo horário era tranquilo: Estudo dos Trouxas. Eu crescera em meio a eles, de modo que a aula só seria útil para uma boa soneca. Depois do almoço, Emily e eu fomos para a aula de Adivinhação com o centauro Firenze, que nos explicou tudo sobre o Oráculo e suas profecias, quase tão certeiras quanto aquelas feitas por bruxos com o dom da visão do futuro.

.

Naquela noite, Emily não cabia em si de alegria.

– Putz, cara! - Dizia ela. - Até agora eu não saquei como isso foi acontecer!

– Eu queria tanto ter visto quando o ramo de trigo brilhou sobre você - disse Liz. - Deve ter sido tão lindo!

– Como você sabia, Cice?

– Como eu sabia o quê?

– Quando você jogou a foice para mim… Como sabia o que ia rolar?

Encolhi os ombros e sorri.

– Não sei, Emily. Eu tenho um sexto sentido muito bom.

Nós três sentávamos de indiozinho em minha cama.

– Cice, e o Logan? - Perguntou Liz. - O que é que tem entre vocês?

– Somos amigos. Ele é o meu melhor amigo.

Emily e Liz se entreolharam.

– Ele é muito bonito pra ser só seu amigo - riu a bruxa.

– Então quer dizer que Finn Reed é seu namorado?

Liz parou de sorrir e suas bochechas coraram.

– Que nada! - Disse Emily, caindo na gargalhada. - Isso aí é só lero lero!

Comecei a rir também, principalmente porque não tinha ideia do que aquilo significava.

– Podem parar, as duas! Ele não é meu namorado…

– Mas bem que você queria que fosse! - Respondi, ainda rindo.

– Espera aí, quer dizer então que aquele tipão tá disponível?

– Eu não disse isso - resmungou Liz, com a carranca ainda mais vermelha.

Emily sorriu, levantando-se, e foi rodopiando até sua cama. Tirou a coroa de rosas brancas do cabelo e deitou-se, espreguiçando.

– Quando vou receber meu novo horário?

– Provavelmente amanhã de manhã. - Respondeu Liz, à contra-gosto.

– Pode crer. Boa noite, Cice! Boa noite, Figurinha!

– Boa noite, Mãe Natureza! - Respondi, sorrindo.

– Por que ela me chama desse jeito? - Resmungou Liz, baixinho. Dei de ombros, segurando para não rir mais. – Eu vou dormir. Semideuses são mais estranhos do que eu me lembrava. - Liz foi rígida até sua cama. - Boa noite.

– Bons sonhos, Liz.

Mas, com John Reed na cabeça, quem teve bons sonhos fui eu.

***

A primeira aula de Trato das Criaturas Mágicas seria dada no jardim, em frente a cabana do professor Hagrid. Ele não estava à vista, então sentei-me na grama próxima a alguns alunos que já estavam ali. Ouvi outras pessoas se aproximarem enquanto eu pegava meu exemplar de Animais Fantásticos e Onde Habitam, e em meio as diversas vozes que conversavam animadas, reconheci a de Logan resmungando.

– Droga! Não sei onde deixei a droga do meu livro!

– Calma nervosinho, a gente divide o meu - ofereci prontamente, mas quando virei-me vi que ele não estava falando comigo. Uma garota bonita, de cabelo castanho-claro na altura do ombro e quase tão alta quanto Logan, estava com ele. Ele me lançou um olhar carrancudo.

– Desculpa… - murmurei, quase cavando um buraco para enfiar a cabeça. - Achei que estivesse falando comigo.

– Quem é ela? - Escutei a garota repreendê-lo.

– Cecília - Logan chamou, e tornei a me virar. - Esta é Becky Brooks, minha namorada.

A fincada no coração me deixou sem palavras.

– Ah, é ela? - Disse Becky, com desgosto. - É um prazer.

– Então Log falou de mim? Engraçado, ele nunca falou nada de você.

Não sei o que foi pior. O jeito como ele olhou pra mim, ou o olhar que Becky lançou a ele. Logan bufou e passou a mão pelo cabelo, claramente tentando conter a raiva.

– Vá pra sua sala, Becky.

A garota, que me lembrava de tê-la visto na Seleção, fez menção de protestar, mas desistiu. Parecia conhecê-lo bem o suficiente para saber que aquilo só pioraria as coisas, então virou e saiu, batendo os pés.

– Você… perdeu… a cabeça? - Disse Logan, voltando-se para mim.

– Você deve ser um excelente ator, já que interpretou um personagem durante os dois anos que estudamos juntos, não é? Todo dia descubro uma mentira nova! Eu nem sei quem é você.

Enquanto ele reprimia a raiva, eu segurava o choro. Mais mentiras!

Logan me olhou nos olhos, e o que vi não foi arrependimento. Foi impaciência. – Pode parar com esse drama. Becky e eu só voltamos a namorar ontem.

Abaixei os olhos, sem dizer palavra.

Hagrid já começava sua aula, mas nem eu e nem Logan estávamos muito interessados. Ele continuou.

– Nos conhecemos no Acampamento Meio-Sangue, lá nos EUA, e namoramos até que eu tive que me mudar pra cá. Então fui pra Londres, pra ficar de olho em você, e Becky e eu não voltamos a conversar.

– Como assim? Você foi pra Londres pra ficar de olho em mim?

– Sim, Quíron e eu nos instalamos aqui em Hogwarts, e eu fui pra lá. É uma longa história, Cice. Fato é que namoro à distância não rola, e Becky não confiava em mim com você por perto. Por isso nós terminamos.

– Não precisa me contar tudo isso… - Eu já estava ficando envergonhada. Pela primeira vez, ocorreu-me o fato de que ele abandonou muita coisa por mim.

– Preciso sim.

Um silêncio meio constrangedor preencheu o espaço entre nós. Talvez ele não me contara sobre Becky porque era doloroso demais, da mesma forma que a cicatriz em meu ombro era dolorosa para mim.

– Então… quer dizer que ela não gosta de mim?

– Ela te odeia.

Ri daquilo.

– No lugar dela, eu me odiaria também.

Ele sorriu.

– É só porque ela nunca conversou com você. Todo mundo que te conhece, te adora.

Logan me elogiando?

Pelo visto, aquele namoro era o que o deixava de bom humor.


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