Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf


Capítulo 16
Floresta Adentro




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Era quase impossível andar sem fazer barulho. Abri caminho por entre as grandes árvores, seguida por Liz e John, e Logan ia fechando a fila. Galhos se partiam e folhas amassavam por onde quer que passássemos. Log bufou.

– O que foi? - Disse Liz, alarmada.

– Com essa barulheira que estamos fazendo estaremos mortos antes do pôr-do-sol.

O barulho não diminuiu à medida que avançamos, mas por um tempo nada nos incomodou. Até que, no final da tarde - acredito que a minha barriga roncando tenha sua parcela de culpa -, fomos ouvidos por aquela coisa.

A floresta parecia vibrar ao nosso redor. John parou e ergueu a varinha.

– O que está acontecendo?

– Alguma coisa nos achou - senti minhas pernas tremerem enquanto respondia.

– Temos que sair daqui - Logan passou correndo por nós, puxando-me pelo braço. John e Liz corriam logo atrás.

– Será que é um…? - Perguntei, enquanto galhos finos arranhavam meu rosto.

– Óbvio.

De repente estávamos em uma clareira, e o barulho de árvores caindo parecia muito próximo. Paramos. John e Liz pareciam tão aterrorizados quanto eu, mas Logan permanecia impassível. A frieza em pessoa, não pude deixar de pensar.

– PREPAREM AS ARMAS! - Gritei, encaixando duas flechas no arco.

Foi então que o quintípede apareceu na clareira. Era grande, peludo e pesado, tinha uns dois metros de altura e quase uma tonelada de pelo marrom avermelhado e músculos. De seu corpo redondo saíam cinco patas enormes, como as de uma aranha gigante. E ele parecia com fome.

Disparei flechas contra ele, mas todos os meus ataques paravam em suas patas dianteiras inofensivamente. Ambos os bruxos berravam feitiços enquanto feixes luminosos atingiam a criatura, também sem efeito. Logan esticou a mão para o alto, e seus olhos pareceram mais azuis do que eu jamais vira. Um raio, então, desceu do céu e atingiu o monstro em cheio, eletrocutando-o, fazendo com que um odor de pelo queimado enchesse o ar. O raio não o matou, mas fez com que o quintípede recuasse e fugisse.

– Estão todos bem? - Indagou Logan.

– Inteiros - falei sem muita convicção.

– Vamos montar acampamento aqui - a voz de John se fez ouvir entredentes.

***

Acendi a fogueira e sentei-me na grama, enquanto Liz lançava feitiços protetores ao redor da clareira e Logan armava a barraca.

– Fico feliz por você ainda usá-lo - John sentou-se ao meu lado, pousando no chão os odres cheios de água. Só então me dei conta de que apertava o medalhão de lobo entre os dedos. Soltei.

– Você foi rápido - indiquei os odres com a cabeça.

– É, o rio não passa muito longe daqui.

Concordei. – Avançamos bastante.

– Você também foi bem rápida com a fogueira.

Encolhi os ombros e sorri.

– Sou boa com fogueiras.

Ele sorriu de volta, e ficamos em silêncio por um tempo

– Faz com que eu me lembre que não estou sozinha.

– A fogueira?

– O medalhão.

John sorriu novamente, encarando o fogo. – Por mais que o Dempsey não goste, eu ainda estou aqui com você.

– Sabe, vocês não precisavam se odiar tanto.

Foi a vez de John encolher os ombros.

– Ah, ele é da Sonserina e eu sou um grifinório. Ele é semideus e eu, bruxo. E ainda tem você.

– O que tem eu?

Ele deu uma risadinha sem graça.

– Eu sempre percebi um clima entre vocês, Cice.

Baixei os olhos e suspirei, corando.

– Eu gostava de você também.

Vi que ele me olhou por alguns segundos antes de responder.

– Está tudo bem. Só quero que você seja feliz com ele.

Sorri. – Serei.

John sorriu de volta enquanto se levantava e entrou na barraca sem dizer palavra. Continuei ali, sentada, até que Log veio até mim.

– A primeira vigia é minha.

– Você ouviu? - Perguntei ao ficar de pé.

– Ouvi - ele respondeu, impassivo.

– Foi legal o que ele disse.

Logan apenas ergueu uma sobrancelha, com ar de quem não se importa.

– Pelos deuses! - Falei com uma risadinha, - o que foi que eu vi em você?

Ele me encarou, seus olhos reluzindo á luz da lua recém erguida, e deu um meio sorriso que fez meu coração bater mais forte.

Sorrindo por dentro e por fora, entrei na barraca.

.

A barraca era maior por dentro do que por fora. Pertencia à família de John - de acordo com ele, aquela barraca fora usada como abrigo para os Reed na última Copa Mundial de Quadribol -, então não me admirava que fosse encantada. Eu não estava cansada, de modo que deitei na cama de cima da beliche de Liz e fiquei a observar o teto, em meio a devaneios.

– Cice? - Liz interrompeu meus pensamentos. - Cice, está acordada?

– Tô. Algum problema?

Ela subiu até minha cama e se sentou.

– Eu… sinto falta dela, Cice. Sei que não nos dávamos bem, mas mesmo assim… - sua voz começava a falhar - eu só brigava com ela, Cice! Por tudo! Mas não quero que ela morra!

E desabou a chorar.

Abracei-a e esperei que se acalmasse, enquanto meus olhos também se enchiam de lágrimas. Alguns minutos depois, o choro dela se transformara em suspiros abafados. Se John ou Logan ouviram, tiveram a gentileza de não demonstrar.

– Emily não está morta, Liz, sei que não. Nós vamos achá-la, e vamos todos embora dessa ilha infernal.

– N-Não vamos não… esqueceu d-da profecia do O-Oráculo?

– Não importa. O futuro é imprevisível, Liz, nem mesmo Apolo pode ter certeza do que está por vir. Não acredito nessa profecia. Você está aqui pra me ajudar a salvar a Emily, e vocês vão voltar a ser amigas. Vai ver.

– Você acredita m-mesmo nisso?

– É claro. - Que não. A cada minuto que passava, eu acreditava menos na possibilidade de encontrarmos Emily viva, ou na possibilidade de nós sairmos dali com vida, mas Liz não precisava saber.

Ela deu um último suspiro e voltou para sua cama. – Então eu também acredito. Boa noite, Cice.

– Boa noite, Liz.

***

Acordei algumas horas depois, a barraca ainda escura, e os bruxos dormiam profundamente. Saí pela porta da barraca sem fazer barulho. O fogo da fogueira já se extinguira, e Logan sentava-se na grama olhando fixamente para o céu. Sentei-me ao seu lado.

– No que está pensando?

Ele deu de ombros.

– Quer que eu fique aqui com você?

– Não, tudo bem. Você precisa descançar. - Log passou o braço por meus ombros e beijou minha testa. Mil borboletas pareceram se agitar em meu estômago.

– Me sinto mal por estar me sentindo tão bem agora - falei, o que o fez rir.

– Então eu me sinto mal também.

– Suponho que isso seja bom então, né?

Ele sorriu e segurou meu rosto com uma das mãos.

– Escute, Cice. Não sou muito bom pra falar… sobre como eu me sinto. - Não pude segurar uma risada e um “jura?” extremamente sarcástico. Ele repreendeu-me com o olhar. - A questão é que… Você me falou uma coisa muito legal quando estávamos voando pra cá e… Pelos deuses, Cice, estou conversando sério aqui, pare de rir!

– Sinto muito! - falei, ainda rindo, - mas é engraçado o fato de você achar que eu não sei.

Ele franziu a testa por um momento, depois sorriu. – Desde quando?

– Me diz você.

Logan desviou os olhos para o céu novamente.

– Desde o dia em que você quase me matou com aquela espada.

Senti minhas bochechas corarem num misto de vergonha e arrependimento. Baixei a cabeça.

– Mas eu curei você.

– Exatamente - ele ergueu meu rosto num movimento rápido e…

– Já é minha vez de ficar de vigia? - Liz perguntou da porta da barraca, surpreendendo-nos. Log bufou.

– Pra que mesmo que você foi trazer ela?

.

Fizemos o desjejum ao nascer do sol do dia seguinte, levantamos acampamento e adentramos a floresta rumo ao norte mais uma vez. A caminhada daquele dia foi tranquila, e rapidamente atravessamos o rio principal que atravessava a ilha - com a ajuda imprescindível dos feitiços de John e Liz, é claro -, até que ouvi um breve farfalhar das folhas muito próximo a nós. Sem hesitar, armei o arco e atirei. O alvo foi atingido em cheio e gritou, um berro terrivelmente alto e estridente. Alguém caiu por entre as folhas alguns passos na nossa frente, com minha flecha fincada no braço.

– Pelas barbas de Merlin!

– Ah meu Deus, não pode ser…

Mas era. Estava diferente, machucada e maltratada, mas era ela.

– É a Emily.


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