Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf
Minhas pernas ainda tremiam quando atravessei os jardins e as portas principais do castelo. Quíron me aguardava no saguão de entrada.
– Todos estão esperando pra saber a profecia do Oráculo, Cecília.
Apenas concordei com a cabeça. Ao adentrar o Salão Principal, todos os olhares se voltaram para mim. Suspirei envergonhada antes de falar:
Uma vida por outra será levada
Dois semideuses e dois bruxos para Drear irão
Numa missão que já foi lançada
Nem todos retornarão.
Rapidamente, um burburinho de conversas nervosas percorreu o aposento, até que Dumbledore fez sinal para que todos fizessem silêncio.
– A profecia foi feita - começou ele, - mas ainda nos resta saber quem serão os três outros alunos que acompanharão a senhorita Cecília Guérisser até a ilha.
Quatro pessoas se adiantaram.
– Não! - Falei antes que eles pudessem dizer alguma coisa. - Não vou deixar vocês irem comigo! É perigoso!
Liz, John e Lee trocaram olhares nervosos. Logan permaneceu impassivo.
– E é por isso que precisará de ajuda, senhorita - disse Dumbledore. - Essas pessoas se prontificaram a ajudar você.
– A profecia diz dois semideuses - Quíron virou-se para Logan e Lee. - Terão que decidir qual dos dois fica.
– Eu vou - Lee falou prontamente. - Sou irmão dela. E a garota que a Fúria levou é minha namorada.
– Não - Logan disse em voz grave. - Eu sou o único filho de Zeus aqui. Ela vai precisar de mim.
Lee abriu a boca para argumentar, mas Quíron falou antes dele.
– Logan tem razão. O senhor é o melhor arqueiro da escola, sr. Campbell, mas Cecília é boa com o arco também. Logan é o melhor espadachim, suas habilidades serão muito úteis na ilha.
Fiquei envergonhada por desejar tanto que Logan fosse comigo. Não queria o expor a esse perigo, mas não me imaginava numa jornada daquelas sem a sua companhia.
– Não quero saber! - Lee se exaltou. - Não vou deixar ela ir sem mim!
Eu tinha lágrimas nos olhos quando segurei as mãos de Lee.
– Hogwarts precisa de você, Lee. E se houver outro ataque? - Ele fez que não com a cabeça, as lágrimas começando a brotar em seus olhos azuis. Depois olhou pra mim novamente. - Vou ficar mais tranquila sabendo que você está aqui.
Logan aproximou-se de nós e colocou uma mão sobre o ombro de Lee.
– Não se preocupe, cara. Eu vou cuidar bem dela.
Lee conteve a raiva e me abraçou forte, sem dizer palavra.
– Quanto aos dois - Dumbledore disse à Liz e John, - é muita bravura se candidatarem.
– Não é uma tarefa para mulheres! - Finn se juntou ao grupo. - Sou eu quem vai com meu irmão, senhor.
Logan pareceu notar só naquele instante que John também estava ali.
– Não é muito perigoso pra você, Reed? - Ele disse para John em tom debochado e olhar frio. - Você não aguentaria dois dias naquela ilha.
– Cala essa boca, Dempsey, ninguém está falando com você!
– Você sabe que não aguentaria uma briga de verdade.
– JÁ CHEGA! - Eu gritei, colocando-me entre os dois. - Não é hora de briguinhas! Mas, talvez se você ficasse, John…
– Você está muito enganada se acha que vou deixar você ir com esse inútil - John rangia os dentes enquanto falava.
– Eu vou! - Liz gritou em voz estridente. - Eu vou! Cice é minha amiga, ela não vai sem mim!
– Decidam-se - Quíron falou num tom que me deu calafrios.
– Reed fica - Logan retrucou.
Empurrei John quando este fez menção de atacar Logan.
– Não - falei. - Sou eu quem decide. John e Liz vão comigo.
Meu coração apertou ao colocá-los em perigo dessa forma, mas confiaria minha vida àqueles dois e sei que eles fariam o mesmo. Logan bufou enquanto Finn puxou-me pelo braço, usando mais força que o necessário.
– Não vou deixar meu irmão ir nessa missão suicida sozinho.
– Ele já está bem grandinho pra precisar de babá - desvencilhei-me dele com um puxão, - e ele não estará sozinho.
– Pois bem - disse Dumbledore. - Cecília, Elizabeth, Logan e Johnan, vocês partem amanhã a noite para a ilha de Drear.
***
Não assistimos a nenhuma aula no dia seguinte, então nos dedicamos a arrumar as coisas que poderíamos levar para a ilha. John e Liz encantaram mochilas com feitiços extensórios para que pudéssemos levar espadas, adagas, flechas, lanças, poções, livros, pergaminhos, alguma comida e até uma barraca. Quando o sol se pôs, estávamos prontos.
Vários alunos, principalmente os da Grifinória, e quase todos os professores nos seguiram até os estábulos. Blackjack agitou-se ao ver que eu me aproximava de sua baia.
– Calma, garoto! Não quer embarcar numa aventura? - Abri a porteira e ele saiu, alegre, com o pelo negro brilhando na noite recém-chegada. A poucos metros de distância, Logan preparava Daphne, uma égua alada toda branca, para a viagem.
– Ruiva... - Virei-me e vi que Lee se aproximava com os olhos marejados, seguido por nossos irmãos. - Só queria te dizer que… tenha cuidado.
Seus cabelos adquiriam um tom anil durante a noite, mas não deixavam de parecer com algodão-doce. Foi minha vez de o abraçar apertado.
– Prometa que vai voltar - ele falou com a voz trêmula.
– Prometo, Lee. Eu vou voltar.
Abracei meus outros irmãos enquanto meus companheiros se despediam também. John foi o último a se reunir à nós quatro.
– Tem certeza de que não podemos ir voando de vassoura? - John perguntou a Dumbledore, que estava de pé ao lado de Quíron, próximo as baias.
– Drear é imapeável, sr. Reed - respondeu o bruxo. - Vocês não a encontrariam se fossem voando com vassouras, mas os pégasus são criaturas extremamente inteligentes e capazes de levá-los em segurança até la.
John franziu a testa em reprovação, mas foi esperto o suficiente para não dizer mais nada.
Eu montaria Blackjack e Logan, Daphne, mas houve uma certa tensão quanto a quais dos bruxos, Liz ou John, montaria em qual pégaso. Foi necessária a intervenção de Quíron, dizendo que, por uma questão de balanciação de peso, cada pégaso levaria um rapaz e uma moça.
Voar num págaso com meu ex segurando minha cintura a noite inteira. Ótimo.
Levantamos vôo rumo ao céu estrelado do norte. Aos poucos, as pessoas lá embaixo foram ficando pequenininhas até sumirem, e o castelo de Hogwarts pareceu uma casinha de boneca antes de desaparecer também. Nós e os pégasus éramos apenas dois pontos no céu, um branco e um negro.
– Estamos indo, Emily.
***
Algumas horas de vôo depois, John já dormia escorado em minhas costas. Liz estava pálida e com os olhos arregalados, o cabelo curto atrapalhado pelo vento. Logan olhava pra frente e seguia em silêncio desde que saímos do castelo.
Foi quando sobrevoávamos o mar que Liz finalmente adormeceu. Blackjack e Daphne voavam lado a lado.
– Eu não tive escolha, você sabe disso - falei para Logan, indicando John com a cabeça. Ele bufou.
– Eu sei. Mas ele não deveria ter vindo.
– Por que não?
– E você ainda pergunta?
Foi minha vez de bufar. – Pelos deuses, Logan! Você não tem o direito de dizer com quem eu deveria ficar! Só porquê eu estou apaixonada por você? Não é justo! Você tem a Becky, enquanto eu não tenho ninguém!
Minhas bochechas queimaram horrivelmente quando percebi o que tinha acabado de dizer em voz alta. Log me encarou por alguns segundos antes de sorrir.
– Você é uma lerda mesmo, não é? - Ele falou em tom de brincadeira. - Acha que ela aceitaria eu sair atrás de você numa missão?
– Para, você está me assustando. Você nunca brinca.
– E você me toma por um rabugento.
– Mas você é - para o meu espanto, ele deu uma leve risada. – Tá legal, quem é você e o que fez com o Logan que há dois minutos nem estava olhando na minha cara?
– Você se declarou, Cice, depois de dois anos e sabendo que eu tenho uma namorada. Confesse que tem graça.
PQP CICE SUA IDIOTA, PRA QUÊ VOCÊ FOI FALAR ISSO??? O QUE VOCÊ TEM NESSE CABEÇÃO???
Abri a boca várias vezes, mas não fui capaz de formular uma frase. A única coisa que consegui dizer foi:
– C-cala a boca! Deuses!
Ele deu uma gargalhada que fez Liz se remexer em seu sono.
– Não seja boba. Becky terminou comigo. Mas eu ia terminar com ela de qualquer jeito porque, olha só que milagre, você estava certa sobre alguma coisa.
– Engraçadinho. E sobre o que exatamente eu estava certa?
– Sobre aquilo que disse quando estávamos na Torre de Astronomia. Sobre… sentir coisas.
Abaixei a cabeça, as bochechas ainda queimando. – O que você quis dizer com isso?
Mas, antes que ele pudesse responder, Liz se remexeu mais uma vez e acordou assustada.
– A gente já chegou?
***
Poucas horas antes do nascer do sol, avistamos a ilha ao longe. Ainda estava escuro quando pousamos. Liz desceu de Daphne, quase verde de enjôo. John só acordou quando Blackjack aterrissou na areia da praia, e logo já começou a lançar feitiços ao nosso redor.
– O que está fazendo? - Perguntei.
– São feitiços protetores. Ainda está escuro, e os quintípedes caçam a noite. Isso deve nos manter seguros.
Fiz que sim com a cabeça e fui até Logan, que ajudava Liz a se sentar numa pedra.
– Como vamos fazer? - Indiquei os pégasus com a cabeça.
– Vamos alimentá-los e deixar que descansem. Eles sabem o caminho de casa.
– Então… vamos mandá-los embora?
Log me conduziu para mais perto dos pégasus e longe de Liz.
– Foi o que Quíron me disse para fazer. Eles são um banquete pra uma fúria e um prato cheio para os quintípedes.
Concordei enquanto acariciava a crina branca de Daphne. Ela era tão bonita quanto Blackjack, grande e forte, de pelagem inteiramente branca e fofa como as nuvens.
– E como nós vamos pra casa?
Log suspirou, cansado. – Vamos ter tempo para pensar nisso.
John avisou que ficaria de guarda para que pudéssemos descansar e, depois de dar água e feno para os pégasus, Logan e eu adormecemos.
.
– Cice - acordei sobressaltada com Log me sacudindo de leve.
– Mas eu só dormi por cinco minutos… - murmurei, ainda sonolenta.
– Nós dormimos por horas.
Esfregando os olhos, sentei na areia. Pela posição do sol no céu, percebi que já eram quase 8h da manhã. Liz e John já vestiam uma semi-armadura, mas meus olhos pararam na mata que crescia além da praia. Engoli em seco.
– Alguma chance de Emily ter sobrevivido à isso?
Logan olhou ao redor e franziu a testa. – Só temos um meio de descobrir.
Andamos até onde os bruxos estavam.
– E então, como vai ser? - Liz perguntou.
– Não podemos só sair por aí - Logan ponderou, - precisamos de um plano.
– Antes de um plano, precisamos de um mapa.
Os três acompanharam meu olhar, fixo no cume de uma pedra alta não muito longe dali.
– Se você for lá vai atrair umas mil fúrias! - A voz de John estava alarmada.
– Então é melhor eu levar umas mil flechas.
Tirei a aljava de flechas e um arco curto composto da mochila enfeitiçada e fui até Blackjack.
– Ei, rapaz! Tenho mais uma tarefa pra você. - Sentei em seu flanco enquanto Liz me entregava um rolo de pergaminho, pena e tinteiro.
– Não estamos mais em Hogwarts, Liz, pode me dar uma caneta.
Ela pareceu confusa. – Eu… não trouxe uma caneta…
Logan suspirou impaciente ao seu lado.
– Hey! Eu não frequentei escola de trouxas!
– Estamos perdendo tempo! - John falou, bravo. Pegou a pena de minha mão e agitou a varinha. - Plumuspen!
E me entregou uma caneta.
Blackjack alçou vôo e poucos minutos depois já pousávamos numa área plana no cume da rocha, que parecia ter uns 50m de altura.
– Essa droga de ilha é ainda maior do que eu pensava.
A ilha era majoritariamente plana, com apenas alguns cumes altos e muitas rochas. O ponto mais alto, meio desfocado pela distância, parecia um vulcão inativo. A vegetação era densa próxima a praia e perto dos cumes, mas rala em muitos outros pontos. Um riacho cortava a ilha de fora a fora, com ramificações que facilitariam nossa procura por água potável.
Desenrolei o pergaminho sobre a pedra e comecei a desenhar os contornos da ilha, que ficaram mais fracos no horizonte já que o extremo oposto da ilha não estava visível. Blackjack se agitou de repente, relinchando.
– Calma, garoto! Está tud…
Foi então que vi a Fúria que voava em nossa direção.
Preparei rapidamente a flecha no arco e esperei. Uma flecha não a mataria, mas não era esse o plano. A Fúria fez a volta e sobrevoou o mar, exatamente o que eu esperava que fizesse. Atingi o olho esquerdo do monstro, que se debateu e caiu no mar. Corri de volta para o pergaminho e terminei o desenho o mais rápido que pude. Quando montei novamente em Blackjack para que descêssemos, mais uma Fúria vinha em nossa direção.
– Blackjack, mergulhe.
O Pégaso saltou da rocha em um mergulho longo rumo ao chão, e a Fúria veio logo atrás. Pouco antes de chegar ao chão, porém, Blackjack abriu as asas, planou por um instante e nos impulsionou pra frente. A Fúria não foi tão rápida, o que nos deu tempo para pousar na areia dentro do círculo protetor que John conjurara. A criatura nos perdeu de vista e ficou confusa, olhando para os lados. Coloquei mais uma flecha no arco, com ela na mira, mas o monstro deu algumas voltas sobre nós e foi embora. Suspirei aliviada ao abaixar o arco.
– Aqui é onde nós estamos - desenrolei o pergaminho na areia e indiquei um ponto no mapa, - e esses são os pontos mais altos da ilha. A lenda diz que o cara transfigurou morcegos em fúrias, então ele deve estar se escondendo numa caverna. Eu diria que é nessa alta aqui, o que o deixa longe da área de caça dos quintípedes. - Tracei uma linha diagonal ligando a nossa localização à caverna no mapa. - Emily deve estar lá.
Blackjack e Daphne partiram de volta pra casa poucos minutos depois. Logan embainhou sua espada num lado da armadura e uma adaga na outra. Vesti minha semi-armadura dourada de aço leve, guardei um punhal na bainha e pendurei a aljava de flechas nas costas.
Com o arco em mãos, puxei a fila ao abrir caminho pela mata densa.
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