Descendants of the Future escrita por Feltrin


Capítulo 8
VIII — Pesadelos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/513856/chapter/8

Passaram-se três longos e monótonos dias desde minha adorável conversa com o Líder. Hoje serei designada para outro grupo pelo fato de que não consigo (de jeito nenhum) manipular ou apresentar resquícios do que eu deveria considerar um dom. Não depois de que matei um Soberano. Pensando bem, pode até não ter sido eu. Qualquer outro poderia ter me defendido daquela maneira.

Mas eu tive todos os cálculos e ângulos idealizados, ainda os tenho. Lembro-me perfeitamente de ter decidido cada aparição das vórtices.

Só que, simplesmente, não consigo repetir isso. Meus pensamentos estão mais que embaralhados. E eu sempre vejo ele, o jovem garoto disposto a me proteger e trazer-me até aqui, dessa vez com o rosto impassível e pálido. Não conseguia evitar. Não conseguia evitar sentir falta dele. O fato de não ter Tanner aqui me consumiu de uma maneira que eu nunca imaginaria.

– Audrey? – Chamou Darlila, inerte de frente para mim. Imagino o quão cansada ela deveria estar depois de exigir tanto de seu privilégio contra mim, na mesma crença de que eu simplesmente abrisse um portal negro e impedisse seu ataque. Eu, ao menos, estava. E muito.

Parte de meu colete negro estava consumido por um pózinho cinza. Uma das mangas da camiseta azul marinho está rasgada e com rastros de chamas. Meu cabelo, preso em um rabo de cavalo alto e gracioso, talvez em perfeito estado se não fosse por alguns fiapos frouxos que haviam se soltado.

– Desculpe. Eu não consigo e você sabe disso. – Afirmei, e pude vê-la suspirar. Estamos no penúltimo andar do prédio, onde foi empregado um campo de treinamento em toda a área. – Já cansei de ser atacada e não poder fazer nada.

– Mas você fez contra o Soberano, por que seria diferente comig... – Darlila se deteve, como se tivesse dito algo que não deveria. Rapidamente, se corrigiu – neste momento, eu sou sua inimiga e você deve me ver como uma. Todos nós temos um motivo por qual acionar nossas habilidades, Audrey. Encontre o seu.

Viktor chegou de súbito por uma das arquibancadas e anunciou, apressado.

– A médica quer fazer outra consulta com a Hudson, parece que encontrou vestígios da Fúria no sangue dela. – Meus olhos se arregalaram. Ele largava as palavras com tanta segurança e certeza, mas havia algo escondido em seus lábios. Um sorriso, talvez. – Certo, Darlila?

Darlila assentiu e me auxiliou a desprender o colete. Não demorou muito para que eu acompanhe Viktor até um dos elevadores.

Quando as portas se fecham e ele se certifica de que Darlila com toda a certeza não ouvirá, aproxima os lábios de meu ouvido e sussurra:

– Você precisava ter visto sua cara!

– Como assim? – Prendo a atenção no rosto dele. Viktor estava rindo. Um milagre, suponho.

– Não há Fúria, doce! Simplesmente acabei de salvá-la de uma aula chata com a Darlila. Não que ela seja chata, é claro. Super gostosa? Sim. Demais! – Ele piscou com o olho direito e sorriu. Depois, seus lábios desenharam "Certifique-se de dizer a ela que eu a elogiei" em silêncio.

– E o que você, doce, pretende ganhar com isso? – Questiono, em dúvida. Mal reparo quando começo a sorrir também.

– Um beijo que não é. Sou todo da deusa dos cabelos esverdeados, lhe garanto. Ela ainda me notará! – Viktor se permitiu ser demasiadamente dramático. Ele estava mais que diferente. Parecia decidido, como se tudo tivesse passado. Além de transmitir todo aquele entusiasmo de uma hora pra outra.

Talvez seja seu desejo por Darlila. Eles devem ter se comunicado de alguma maneira diferente.

Não, não, não, Audrey. Você não pensou nisso.

– Agora, respondendo sua pergunta – ele fez o favor de interromper meus pensamentos sujos –, esperava por companhia. Esse lugar é tão sem graça quando se está sozinho, não acha?

Concordo com a cabeça, em silêncio.

– Você é bem quieta, não? Acho que escolhi mal minha companhia. Uma menina que não fala! Vê se pode isso. – E então, encontrei o sarcasmo que dominava cada centímetro de Viktor. Ambos rimos. As portas do elevador se abriram no terceiro andar.

– Eu não sou nada quieta, pra sua informação. – Acrescentei assim que chegamos. Ele me encarou como alguém que dissesse "Jura?" e sequer pediu permissão para me puxar pela manga da blusa pelos corredores. Depois, entramos por uma porta que nunca tinha reparado antes.

Me deparei com o que parecia um cômodo antigo e repleto por velharias. Viktor me soltou e atacou uma caixa de papelão que estava em cima de uma mesinha bamba de madeira. Acompanhei-o até vê-lo explorando e lendo (com dificuldade) papéis presos dentro de capas feitas de plástico, transparentes. Não sabia o que era aquilo, mas lembro que minha mãe guardava um. Ela me disse "Isso é o que jovens da sua idade adoravam antes desse caos. Espero que algum dia a gente possa ver Titanic junto com seu pai" mas nunca entendi o significado daquelas palavras. E quando perguntava, ela ria e fazia-me dormir.

– Do... Docume... men... – Viktor murmurava, aflito, enquanto tentava ler as letras de uma das capas. Me coloquei ao seu lado e li.

– Documentário de Phillip Smoke, o Grande Historiador. "Eu não viverei aqui enquanto mantivermos a guarda baixa". – Identifiquei as palavras e as li baixinho, mas audível para o loiro. Entretanto, ele continuou de sobrancelhas curvadas e concordou com a cabeça, imparcial. – Afinal, o que são essas coisas?

– Filmes. Mas são só alguns. Os últimos existentes na Terra! – Ele anunciou, com orgulho.

– Filmes? Jura?! Já assistiu algum? Qual? – O único meio que já tive de imaginar cenas diferentes foram em livros. Na verdade, o que restou dos livros.

Viktor negou com a cabeça.

– Perguntas erradas. Vamos, escolha um.

Entreguei O Documentário de Phillip Smoke no mesmo instante para ele. Nem de perto que eu era alguém com muita experiência e um gosto admirável por filmes, mas este pareceu-me interessante apenas pelo título.

Enquanto Viktor encaixava o CD em um aparelho próprio para isso e configurava uma televisão velha, fiquei sentada em um sofá com cheiro de mofo e de laranja. Era bem confortável, pelo menos. Havia encontrado um par de lençóis e separei um para Viktor e o outro para mim.

Depois de muita luta, o documentário começou. Tratava-se de um cientista historiador e vidente – pelo que parecia – que pressentiu a vinda dos alienígenas muito antes deles chegarem. Foi no ano de 2017. E, então, conta uma típica história de um homem que cedeu à ciência e ficou completamente maluco. Viktor não durou quase que nem a metade do filme (e, bom, não o culpo por isso), adormeceu muito antes de passar as filmagens das experiências que Phillip fazia para provar sua previsão.

Mas havia largado a atenção da televisão fazia tempo. A maneira bruta de como Viktor se movia enquanto dormia me assustava. Não queria saber que tipo de pesadelo o assombrava.

Não posso... – ele murmurou. – Não!

De súbito, ele se acordou e ofuscou uma lágrima antes de se debruçar sobre mim e abraçar meu tronco. Era uma ação atrevida, sim. Seu rosto foi ocultado pelos lençóis e ele soluçava. Nunca, em quesito algum, imaginei me deparar com Viktor dessa maneira. Nunca.

Mas meu único impulso foi abraçá-lo novamente.

– Eu fiz, Aud. Fiz a maldita ordem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Descendants of the Future" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.