Descendants of the Future escrita por Feltrin


Capítulo 9
IX — Kohling




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Há uma tensão ríspida entre nós. Evitei continuar na insistência constante em perguntá-lo o motivo dele estar assim depois de, novamente, não receber resposta alguma.

De uma hora pra outra e, finalmente, ele se abre.

– Fui eu. Eu matei ele – admite. – Não foi porcaria de Soberano nenhum. Eu simplesmente me... eu...

E, por mais que doa, sei exatamente de quem Viktor está falando. Sinto o pesar de suas palavras, mas não o arrependimento. Continuo indiferente, aspirando que ele tenha a coragem de dizer o nome da vítima, só que ele se cala.

– Tanner? – murmuro em um sussurro quase inaudível e, hesitante, ele concorda com a cabeça. Sinto nojo de mim mesma. Desprezo minha ingenuidade em confiar em alguém como Viktor.

Por quê?, é tudo o que penso. Por qual razão?!

De repente, me encontro em um estado de luto, mas me esforço para não demonstrá-lo. Da maneira mais rude possível, me desfaço dos braços de Viktor que persistiam presos em mim e disparo na direção do corredor sem sequer fechar a porta. Fecho os olhos no instante em que sinto a ardência das lágrimas e torço em silêncio para não estar vermelha.

Mas meus minutos refletindo passam rápido. Subitamente, um estrondo ondula todo o prédio e meu corpo ameaça debruçar-se para frente e cair. Me agarro nas paredes antes de tudo começar a tremer e tento me manter imóvel e de pé.

– É a privilegiada! – ouço alguém gritar, exasperado. – Campo principal! Campo principal!

Então, despenco no azulejo branco. Pisco várias vezes quando vejo um garoto passar voando apressadamente pelo corredor, seguido de uma garota ruiva também planando no ar. Eles seguem de maneira aflita até um dos elevadores e vou engatinhando pelo piso de maneira acelerada. De vez em quando, inquieto na insistência de ficar de pé, mas sempre acabo tombando no chão pelas ondulações.

Alcanço a cabine do elevador ao lado da que os privilegiados voadores pegaram e aciono o botão que leva até o campo principal. O elevador também começa tremelear e congelo quando dá a impressão de que ele vai simplesmente desabar. Quando atinjo meu destino, vejo o que aparenta ser duas patrulhas de aprendizes armados atentos à garotinha morena que foi ferida por um Soberano no ataque passado. Seu rosto está totalmente inexpressivo e ela dirige ambas as mãos como se estivesse apontando para o solo, o que acarreta sequentes ondulações e preserva a tremedeira. Mas me encanto com o que ela faz quando um dos soldados puxa o gatilho duas vezes e envia um par de projéteis na direção dela: seus lábios se movem e, de lá, um grito agudo rebate as balas e elas caem sem surtir efeito no chão.

Me espremo por entre uma janelinha que dá acesso ao campo de maneira discreta, bem a tempo de ver o ato suicida da ruiva que vi outrora em investir contra a menininha em pleno voo e ser rebatida por uma energia que a afasta e a privilegiada despenca no chão, desacordada. Não há sinais do outro garoto.

Agora, concentre-se.

Tento encontrar algum ponto em que me sustentar. Uma âncora que desperte qualquer indício de possíveis habilidades que eu deveria possuir. A propósito, penso na possibilidade de minha família estar morta. Algo variando entre raiva e agonia me consome.

Idealizo os portais. A imagem simulada de meus pais estarem sendo interrogados e julgados através de tortura martela na minha cabeça.

Uma enxaqueca me atinge no instante em que vejo um dos portais se materializar em frente, caracterizada por alguma energia cósmica que variava do negro a um roxo bem escuro. Cada segundo com a vórtice aberta é como uma tortura e, hesitante, salto para dentro.

– Não atirem! Cessem fogo! – uma voz feminina clama e agradeço em silêncio, mesmo sem saber de onde ela se origina.

O outro portal rompe atrás da garotinha e desabo por cima dela. Mas ela não me ataca, muito pelo contrário, sequer tenta se mover e apenas se afasta.

– Escute, eu não vou machucá-la. Vê? Não tenho armas. – Ergo as mãos na direção dela, mas seus olhos preservam a inexpressividade.

A garotinha me olha, ainda indiferente.

– Eles irão.

– Quem? Quem irá?

– Os monstros cinzas, eles irão! Irão me machucar e exterminar todos aqui! Irão! – Ela começa a chacoalhar os braços de maneira involuntária e escuto o destrutivo som de um projétil. A bala se choca contra a nuca da privilegiada e impeço que ela despenque no chão ao correr até ela e segurá-la. Me ajoelho ao seu lado a tempo de evidenciar seu corpo se debater e seus olhos ficarem inteiramente cinzas como o céu acima de nós.

Sou concebida com uma visão horrenda. Mas ela se esvai rápido demais para que eu consiga distinguir os detalhes.

– Tão... – ela sussurra de modo mecânico e finalmente fica inerte. Quase vejo a cor de sua pele se esvaecer de uma hora pra outra e, portanto, volto a piscar constantemente. Não daria mais de treze anos para ela. Mas também, independente de em outras circunstâncias ela ter sobrevivido a hoje, não daria mais de três anos de vida futuros a ela.

É melhor ir agora do que depois, penso.

Mas já lidei com mais mortes do que posso suportar.

Alguns minutos depois vislumbro um quarteto de enfermeiros abandonar o elevador com uma maca desmontável. Enquanto uma dupla se encarrega de engatar e trazê-la, os outros dois seguem na minha direção. Largo o corpo da privilegiada sobre a areia e me afasto instintivamente.

Minha cabeça lateja quando vagueio o olhar por toda a extensão do campo. Fixo a atenção na menina ruiva inconsciente sobre o chão e noto o garoto que vi no corredor ajoelhado ao seu lado, dando tapinhas nas bochechas dela. Agilizo os passos até eles e evidencio a ruiva acordar, imediata.

– Quantos dedos você vê aqui, maçã? – assisto o privilegiado erguer quatro dedos no meio do campo de visão da ruiva, mas ela ainda parece estar recuperando a noção. – Ao menos sabe seu nome?

– Meu nome é Molly.

Curvo as sobrancelhas. Agora sei exatamente o motivo do fato dela voar, quando a vi no corredor, não ter me impressionado. Foi outra coisa. Seu quase exato aspecto ao de Molly.

O garoto ri da maneira mais escandalosa que consegue e, em seguida, a corrige.

– Não, sua ruiva demente. Seu nome é Sabrina Kohling. Aliás, Molly não é um nome engraçado para servir como piada. Lembra chiclete de morango.

Só que a próxima atitude de Sabrina me assombra. Ela me encara e, em silêncio, juro ter visto seus lábios desenharem meu nome.


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