Descendants of the Future escrita por Feltrin


Capítulo 7
VII — Punhal




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Minha cabeça dói e tudo que escuto são sussurros. Poucos resquícios de iluminação escapam por uma brecha debaixo da porta, mas privo-me de fazer qualquer movimento. Não por desânimo, apenas pelo medo fervente de sentir toda aquela dor intensa que me consumiu antes do desmaio. Era, sem dúvida, algo que não queria experimentar outra vez.

Ainda estou perdida em meus pensamentos quando a porta se abre e uma luz intensa aclara meu rosto. Em minha frente, vislumbro um torso feminino. Ela aciona as luzes do quarto em que estou e vejo quem imagino ser uma enfermeira ou algo derivado, com um emaranhado de fiapos negros acoplados em um coque perfeito. Seus lábios são demasiadamente vermelhos complementando a pele morena.

Mas sua expressão não combina com a aparência angelical de uma boneca.

– A Oitava está acordada. Precisamos aprimorar a dose de anestesia. Auxílio! – Estranhamente, seus olhos estão presos em mim. E dentro de suas feições, ela parece muito mais que perplexa e apavorada de uma vez só.

Sem resposta, a enfermeira se permite preparar uma agulha inclusa por um líquido amarelado e, em parte, quase transparente.

– O que é isso? – Contesto, em dúvida. Ela vagarosamente torna na minha direção e, em silêncio, faz menção para aplicar a vacina em meu ombro. Me contorço na maca e quando tento acertá-la por um chute, percebo estar aprisionada em uma armação de algemas nos tornozelos.

– Por favor, não resista. Se o fizer, não acabará bem para você ou à mim.

Ela tremia incessantemente. Os dedos que envolviam a base da vacina estavam frouxos e tremelicavam consigo. Não fazia ideia do motivo. Não sabia o que era aquilo dentro da agulha. E, principalmente, sequer tenho noção do que estou fazendo aqui.

– Solte-me. Quero voltar para os dormitórios. Eu não deveria estar aqui e não tenho ideia do que você está falando.

Pausa. Uma pausa, de fato, apavorante. Ela ficou imóvel e sem responder por em média uns cinco minutos. Então, finalmente, cedeu e pousou a vacina sob uma mesinha de vidro. Novamente, virou-se para mim.

– Você lutou. Desintegrou um pedaço da matéria produzida por um Soberano e o matou. Afastou os outros dois. E ficou inteiramente intacta. Depois, simplesmente desmaiou e ficou repetindo frases totalmente estranhas enquanto estava desacordada. Isso não é humano, Oitava. Desculpe-me falar. – Ela curvou as sobrancelhas por um momento, como se tentasse se recordar do restante. – E agora está aqui. Viva quando deveria estar morta. Nós nunca presenciamos algo assim e tinha certeza que estava portando a Fúria até começar a falar. Mas isso é impossível.

Odiava sair do padrão do que podia ser considerado humano. Sempre tive receio em fazer coisas impossíveis por isso. Não queria ser essa pessoa e muito menos conseguir fazer o que faço. Apenas... ser mais alguém. E continuar humana.
Por isso, uma parte de mim conseguia se assemelhar aos alienígenas. E essa sim era a sensação mais horrível que alguém poderia sentir.

– Certo, preciso... Apenas... Deixe que... Esqueça. Vou liberá-la hoje – Enquanto ela se aprontava para ativar as algemas e desprendê-las, pude ler "Srta. Bickwivk" em um cartão que persistia preso ao seu sobretudo branco.

– O que é a Fúria? Achei que fosse algo...

– Bom? É um vírus. Mais mortal do qual o mundo foi submetido. Ele ataca o cérebro e... imobiliza a pessoa e a mata do modo mais lento e doloroso que você possa imaginar, resumindo. E é algo transmissível. Principalmente dos Soberanos.

Pousei meus pés no azulejo gelado cuidadosamente. Quase pude sentir minha visão escurecer outra vez e uma dor aguda se acentuou em minha cabeça. Tudo de modo tão rápido que quase não tive tempo de protestar.

A enfermeira cedeu anuência para que eu deixasse a câmara e segui até encontrar o corredor principal.

Novamente, a vaga memória de ser pega por um anúncio descuidado transpareceu subitamente. Tanner está morto. Mas não sei como reagir a isso. Não sei se há coerência em simplesmente desabar em lágrimas ou fingir que nem me importo com isso. Ele foi o garoto que me salvou de um futuro cheio de ilusões que Dhalia, provavelmente, arquitetaria. Só que, ao mesmo tempo, o garoto que mal permitiu que eu me aproximasse. Meus olhos ardem e pisco várias vezes.

Instintivamente, me enfio no meio da multidão apressada que atravessava o corredor. Estou perdida suficientemente em meus pensamentos para não conseguir constatar as pessoas me encarando seguidamente.

De maneira discreta, tento distinguir o pátio inferior por uma das janelas. Não vejo ninguém, pelo o que consegui divulgar. Ergo a cabeça e sigo ligeiramente até o fim do corredor.

Sentado em um dos bancos, dispersando o suor da testa, está Viktor. Não preciso tampouco chamá-lo para que ele, inusitadamente, se levante e me abrace. Um abraço em que ele se dá ao luxo de quase me sufocar. Depois, se afasta. Mas sua expressão continua impassível e ele curva as sobrancelhas.

– Você é tão burra e ingênua. O que estava pensando, Audrey Hudson? Que simplesmente iria entrar lá, na porcaria do campo de batalha, desorientada do jeito que você é, e acabar com todo mundo? – Viktor tentou ser o mais rude possível. E quase me senti ofendida. Mas fiz algo que não fazia há algum tempo: ri do jeito mais difamatório que pude.

Reparei num sorriso distraído nos lábios de Viktor, mas ele recobrou a expressão imparcial no mesmo momento. Certamente, o loiro não iria ceder aquela postura militar e rígida tão facilmente.

Viktor se sentou desleixadamente sobre um dos bancos novamente. E ouvi uma voz familiar clamar pelo meu nome constantemente. Quando me virei, uma Darlila preocupada me alcançou e estranhei.

– Você precisa vir comigo. Está sendo solicitada na sexta ala.

Engoli em seco e acompanhei Darlila até um dos elevadores mais próximos. Ela passou seu cartão de acesso em um leitor incluso abaixo dos botões, no interior da cabine. Depois, premeu o botão que sublinhava o número 6 em vermelho. No leitor, as palavras "Acesso Permitido" foram focalizadas em verde. E o elevador finalmente uniu suas portas.

Em pouco tempo, as portas desuniram-se e permitiram acesso. Darlila indicou uma longa porta revestida por vidro em frente e se dispersou por um dos outros corredores vazios. Mal precisei franquear a fechadura para que ela se abra.

– Olá, outra vez, srta. Hudson.

E lá estava ele.

Com uma precisa expressão relapsa e um sorriso de escanteio aflorando nos lábios, a imagem do Líder que havia me recebido em meu primeiro dia persistia sentado de modo desalinhado sobre uma luxuosa poltrona vermelha. Mal o conhecia, mas algo em sua aparência me dava náuseas.

– Presumo que não tivemos tempo para nos conhecermos, correto? Por favor, sente-se – ele indicou uma cadeira calçada por plástico escuro e, aparentemente, velha e estafada. Em silêncio, me dirigi à ela.

– Você quem me recebeu no meu primeiro dia, não foi? Por que fica sempre aqui? – Meus olhos instintivamente se chocaram contra o rosto cadavérico do Líder. Ele desviou a atenção para minhas mãos, que tremiam de maneira incessante. Cruzei os braços.

– Poupe suas perguntas, srta. Hudson. Nós não temos muito tempo. E, com todo o respeito, esperava que você já tivesse encontrado suas respostas. Estava errado, considero. – Ele sorriu de uma maneira fictícia, mas logo recobrou sua expressão serena e imparcial. – Temia que você fosse a Numen, mas torcia para que não. Você terá um futuro embaralhado, amável Audrey. Garanto que a morte lhe perseguirá no momento em que ceder à suas obrigações.

– Nu... o quê? Como? – Levantei-me por pura intuição, de maneira que o ameaçasse. Mas ele sequer se moveu, impassível.

O Líder fechou uma expressão incoerente e encarou-me de maneira indiferente. Permaneci imóvel até, no entanto, ele resolver se erguer.

– Eu não permiti que você fizesse perguntas diretas, srta. Hudson. Não ainda. E se quiser poupar os tapados que lhe cercam, aprenda, em primeiro lugar, a seguir as regras propostas e acatar seus superiores. Você definitivamente não sabe com quem está falando, criança.

Ele tossiu em sequência e acomodou-se na poltrona vermelha outra vez, debilitado. Com uma das mãos, indicou para que eu me retirasse.

Antes que eu resolva dar as costas, o Líder advertiu, preciso:

– Pessoas como você não podem ceder para as emoções, querida. Lembre-se disso. Você é uma arma feita para matar. Só precisa decidir seu lado.

Ele proferiu aquelas palavras com certeza. E tentou transparecer uma única coisa. Nada relacionado com as pessoas que me cercam. Apenas uma coisa.

Como se eu estivesse cedendo aos alienígenas.


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