Acordo com o barulho de porta se abrindo. Seriam as enfermeiras de novo? Elas não entendem que eu não vou tomar aquele maldito remédio! Finjo que estou dormindo, quem sabe assim elas me deixam em paz e vão embora.

– Effie - chama.

Aquela, com certeza, não era a voz de uma enfermeira. Eu reconheço essa voz. Ela estava nas minhas alucinações e nos meus sonhos também... Haymitch. Fecho os olhos com mais força.

Eu o odiava e o amava ao mesmo tempo. Não podia estar mais perdida e confusa com meus sentimentos.

– Eu sei que você não pode me ouvir, deve estar desmaiada por causa dos remédios, mas eu queria dizer isso para você - Haymitch se senta na ponta da cama e segura minha mão - sabe o quanto dói para mim vir aqui todo dia e não ter resposta? Eu estou com saudades de você.

Será que aquilo era verdade? Haymitch realmente ia todos os dias me ver? Bem, eu não me recordo de nenhuma visita. Ele estaria mentindo ou eu não estava acordada? E por que ele insistia se sabia que eu tinha mudado?

Levanto meu braço discretamente, mas ele é impedido de se mover por uma fita grossa que me prende na "cama". Por que mesmo tinham me prendido na maca? Ah, sim. Deve ser pelas minhas reações agressivas a qualquer toque desconhecido.

Bufo baixinho por não poder reagir. Continuo de olhos fechados, absorvendo as palavras de Haymitch e esperando pelas próximas frases. Ouvir a voz dele era tão bom, e ao mesmo tempo tão torturante. Ouço um suspiro baixo escapar de seus lábios.

– Você me disse que a Capital não podia nos separar, mas eles fizeram isso, eles tiraram você de mim - Haymitch encosta sua testa na minha - Eu queria que você voltasse. Queria tanto.

Não respondo. Também sentia sua falta, queria poder abraçar ele e nunca mais largar, porém não ia admitir isso, não com aquelas lembranças terríveis. Solto um rápido e baixo suspiro.Por sorte, Haymitch não escutou e posso fingir que estou apagada.

– Nesse tempo todo, eu só queria te resgatar de lá. Quando soube como eles te torturavam... até desejava que fosse eu em seu lugar - fala, com um tom de choro - Eu os odeio por isso. Queria poder acabar com a Capital de uma vez.

Depois de uma longa pausa, abro os olhos discretamente, ele não percebe. Seu rosto está virado e seu olhar parece distante. Aquele medo desapareceu assim que vi seu rosto... de repente, ele sorri e se vira para mim. Volto a fechar meus olhos.

– Eu ainda me lembro do nosso primeiro beijo, no trem... sabe, eu não estava bêbado aquele dia, estava totalmente consciente - Haymitch ri - Lembro da nossa primeira discussão, o primeiro dia que te vi, a nossa primeira noite... lembro também do nosso último beijo. Sinto tanta falta desses momentos. Gostaria que se lembrasse dos nossos dias e disso também.

Haymitch beija minha boca, carinhosamente. Depois, faz um carinho em minha bochecha e se afasta, ainda mantendo nossas mãos juntas. Contenho um sorriso. Aquela sensação na barriga, o gosto da sua boca (que parecia não ter mais a presença de bebida) e o toque de suas mãos... eu não poderia estar mais leve do que agora.

Ouço a porta se abrir e a voz da enfermeira mandando Haymitch sair. O horário de visita tinha finalmente acabado.

Sem perceber, aperto sua mão com força, quase como um pedido para que fique. Ele solta um risinho leve e beija minha testa. Depois de uma caricia rápida em minha mão, Haymitch se levanta e solta um barulho que parece ser um resmungo.

– Adeus Effie, até amanhã - diz - eu te amo.

Não consigo dormir até os remédios fazerem efeito. Não conseguia parar de pensar naquelas palavras. Ainda tinha rancor de Haymitch. Ele torturou e matou muita gente em minhas memoria. Na verdade, pensava que estava morto também, então não conseguia nem acreditar que estava realmente vivo. Podia ser mais uma ilusão minha. Ou todos aqueles pensamentos eram coisa da minha cabeça... ah, isso não importa. Não posso ceder a Haymitch.

Mas ainda tinha algo que incomodava: Eu também amava ele.