A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 13
Faço um trato com Atlas


Notas iniciais do capítulo

Gente esse capítulo ficou grande, me desculpem acho que me animei um pouco. Vou tentar diminuir na próxima ;)



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Continuamos andando em meio a matas fechadas por mais uma hora, até eu me ver obrigada a parar para descansar. Sentei-me em uma pedra e peguei uma garrafa de água da mochila, Annabeth e Percy fizeram o mesmo.

A água desceu facilmente por minha garganta e eu pude senti-la chegar ao meu estômago vazio. Nós estávamos péssimos, as dores pelo corpo haviam diminuído devido à ambrosia, até meu ombro já estava melhor, mas nossos cortes, arranhões e roupas rasgadas nos faziam parecer mendigos. Desde que havíamos deixado a cena da décima tarefa ninguém mais tinha aberto a boca, o que fazia com que eu sentisse muita falta da tagarelice de Jéssica. Olhei para o céu tentando não pensar nela, pois sabia que não conseguiria conter as lágrimas caso elas viessem, e então observei o sol reparando pela sua posição que devíamos estar perto do meio-dia.

– Algum de vocês tem noção de para onde devemos ir agora? – perguntei em uma voz áspera.

Percy olhou para Annabeth.

– Nós achamos que seria melhor continuar a caminhar até encontrar alguma estrada, e então segui-la para a próxima cidade. – falou.

Eu não disse nada, apenas tomei mais um gole de água. De repente senti um calor no peito seguido de uma vontade incontrolável de puxar briga com alguém, de fazer algo que pudesse descarregar minha raiva.

– Foi fácil, não foi? – disse eu.

Percy e Annabeth me olharam confusos.

– A tarefa. – completei. – Foi fácil para vocês dois, não é?

Annabeth pousou sua garrafa de água no chão lentamente.

– Eu não entendi. – disse ela.

Eu sorri sarcasticamente.

– Ora, vamos Annabeth. Eu fiz todo o trabalho sozinha. Fui eu quem matou o cão deixando você livre para ajudar Percy, fui eu quem matou Gerion, fui eu quem mandou o Hipogrifo ajudá-los. Não deve ter sido difícil matar o dragão de sete cabeças em três, enquanto eu cuidava do monstro mais forte sozinha.

Eu não sabia por que estava falando aquilo, mas senti meu coração ardendo como se estivesse sendo queimado, e quanto mais brava eu ficava mais ele ardia, até o ponto em que começou a doer.

Annabeth levantou.

– Isso não é verdade. O que está havendo com você? Você nunca falou desse jeito.

A dor em meu peito aumentava e eu sentia meu corpo pesado, levantei-me também e joguei minha garrafa de água aberta aos pés de Annabeth, espirrando água em seus tênis.

– As coisas mudam Annabeth. – falei antes de dar as costas a ela e a Percy, apoiar-me no tronco de uma árvore e disfarçadamente colocar a mão sobre o peito. A proporção em que eu me acalmava a dor ia diminuindo.

Após livrar-me totalmente da ardência no peito voltei para junto de Percy e Annabeth que cochichavam entre si, e pararam rapidamente ao me ver. Fingindo que não havia percebido a conversa silenciosa que os dois estavam tendo, peguei minha mochila e a coloquei nas costas.

– Já descansamos de mais, é hora de ir. – disse eu.

Sem dizer uma palavra eles colocaram suas mochilas e nos pusemos a caminhar.

Andamos por mais algum tempo até chegarmos a uma longa estrada onde seguimos caminhando pelo acostamento. Terminamos em uma cidade não muito grande, mas que me deixou feliz por estar novamente em um lugar que não tivesse somente árvores para onde quer que se olhasse. É claro que eu sempre preferi a natureza à cidade, afinal, quando eu me encontrava em um ambiente natural sentia-me mais forte e saudável, capaz de fazer qualquer coisa. Mas isso não mudava a saudades que eu tinha da civilização, pois estar realmente em uma cidade após tanto tempo me fazia lembrar-se de casa, da cidade de Nova York, aonde eu cresci desde pequena, e de minha família, principalmente minha mãe. Lembrar dela me fazia querer pegar um ônibus agora mesmo, chegar em casa, correr para os seus braços e pedir desculpas por ter fugido e deixado-a chorando.

Apesar de tudo isso eu sabia que não podia voltar, isso significaria colocar em risco a vida de minha família, pois vários monstros sempre estariam atrás de mim. Perguntei-me como Percy e Annabeth faziam para poder morar com seus pais e mesmo assim mantê-los seguros. Eu quase ia me virar para falar com eles sobre isso e pedir se eles achavam que um dia eu poderia voltar para casa, quando me lembrei de que não estávamos nos falando.

Então me contentei a olhar ao redor enquanto caminhávamos pela calçada. Observei os prédios, o trânsito intenso, as lojas e os restaurantes que me davam água na boca e tornavam difícil resistir à sensação de entrar e pedir algo para comer.

Estávamos passando na frente de um posto de gasolina quando Annabeth lembrou-se de algo.

– Quíron havia pedido que ligássemos para ele pelo menos uma vez durante a missão, para contar como estavam indo as coisas. Agora me lembrei que tirei algumas moedas da mochila de Jéssica, e já que estamos aqui é melhor aproveitarmos a oportunidade.

Eu não entendia o que ela estava querendo dizer.

– Pensei que meios-sangues não podiam usar celulares. – disse eu, em uma voz um tanto quanto rígida. Eu me lembrava de um dos filhos de Hermes ter me contando, quando eu ainda estava no acampamento, que semideuses costumavam evitar o uso de celulares, pois ligar para alguém era como emitir um sinal de sua localização para qualquer monstro em um raio de dez quilômetros.

– E não podem. – falou Percy, feliz por estarmos trocando algumas palavras depois de mais de uma hora. – Mas felizmente nós temos outro jeito de nos comunicarmos.

Ele e Annabeth entraram no posto e se dirigiram até o lava jato que se encontrava vazio. Percy pegou a mangueira de um compressor e a ajustou para esguicho fino.

– O que vocês vão fazer? – perguntei, deixando de lado a voz áspera com a qual eu os estava tratando em nossas últimas conversas.

Nenhum dos dois respondeu. Annabeth puxou algumas moedas da mochila e as contou.

– Ótimo, são 75 dracmas, ainda irá nos sobrar 10.

– O que custa 75 dracmas? – quis saber eu.

– Mensagem de Íris. – explicou Percy. – A deusa do arco-íris transmite mensagens aos deuses. Se pedirmos com jeito ela poderá fazer o mesmo com nós.

Ele apontou o bico da mangueira para o ar e a água saiu chiando em uma espessa névoa branca, a luminosidade do sol se filtrou através da névoa e se decompôs em cores formando um arco-íris.

Annabeth estendeu os dracmas acima da cabeça e falou enquanto os jogava no arco-íris.

– Ó deusa, aceite nossa oferenda.

Por um momento nada aconteceu. De repente me vi olhando através da névoa para campos de morangos, era como se eu estivesse na varanda da Casa Grande. A nossa frente estava Quíron sobre a cadeira de rodas, parecia que eu o estava olhando por uma televisão.

– Gabrielle, Annabeth e Percy, quanto tempo. Como vocês estão? – perguntou ele.

Seguiu-se então uma longa conversa que se deu mais entre Annabeth, Percy e Quíron sobre os últimos acontecimentos. Eu decidi não falar nada, pois conhecia Quíron há pouco tempo, achei melhor deixar que eles conversassem entre si enquanto eu apenas escutava, mas no momento em que Percy e Annabeth tocaram no assunto sobre Jéssica eu desviei o olhar mantendo-o nos carros que entravam e saiam do posto de gasolina, pois não queria ver o olhar de pena de Quíron sobre mim.

Foi então que percebi algo que me chamou atenção. Havia uma limusine branca estacionada a alguns metros de nós, e encostado na limusine um homem de camiseta justa vermelha, jeans pretos, casaco de couro e um facão preso à coxa. Meu coração quase parou quando eu finalmente o reconheci. Aquele era Ares, o deus da guerra.

Meu corpo ficou paralisado, não de medo, mas de alerta. Percy e Annabeth pareciam não terem notado a presença de Ares, e ainda conversavam com Quíron. Meu cérebro começou a trabalhar rapidamente imaginando o que o deus que havia dito querer me matar estava fazendo à minha frente.

Mesmo a distância pude ver a boca de Ares abrindo-se em um sorriso debochado enquanto ele erguia a mão e sinalizava pra que eu fosse até lá. Eu o encarei friamente.

– Não tenho medo de você. – murmurei, e comecei a andar em sua direção, mas algo me deteve segurando meu braço.

– Não vamos deixar você ir sozinha. – disse Percy mantendo os olhos em Ares.

Annabeth também observava o deus, parecia que a conversa com Quíron havia terminado, e agora ela segurava o compressor voltado para o chão.

Eu me desvencilhei do aperto de Percy sobre meu braço e não disse nada, apenas dei-lhe as costas e continuei caminhando para Ares, com ele e Annabeth me seguindo.

– Na última vez que os vi vocês eram quatro. O que aconteceu com a outra? Há, me lembrei. Parece que ela teve que dar a vida por alguém fraca demais para se defender. – debochou Ares quando estávamos próximos.

Coloquei a mão no bolso, pronta para puxar minha caneta quando uma voz que vinha de dentro da limusine me fez hesitar.

– Pare com a palhaçada Ares, sabe que não posso perder muito tempo, há uma convenção de moda em Paris que começará em meia hora e eu não posso perdê-la.

Franzi as sobrancelhas e esqueci completamente que estava prestes a atacar Ares.

O deus apenas suspirou e voltou a falar enquanto abria a porta da limusine.

– Tem alguém aqui que deseja vê-la pirralha.

Continuei com a mão no bolso, eu não sabia se podia confiar em Ares, mas estava ciente da presença de meus amigos atrás de mim. Se algo acontecesse eles me ajudariam. Com esse pensamento na cabeça comecei a entrar na limusine, quando ouvi Ares barrar Percy e Annabeth os impedindo de se aproximar mais.

– Somente a Gabrielle, pivetes. Vocês dois esperam aqui fora. – disse ele.

Percy estava pronto para puxar a espada quando eu o interrompi.

– Está tudo bem, eu não vou demorar. – disse eu. Entrei na limusine e Ares fechou a porta.

Quando olhei para a mulher que estava a minha frente, tive que me segurar para não deixar o queixo cair. Por um breve momento enquanto eu a observava esqueci meu nome e o lugar em que eu estava.

Ela usava um vestido de cetim vermelho e os cabelos caiam numa cascata de cachos. Estava maquiada perfeitamente, seus olhos verdes eram deslumbrantes e seu sorriso capaz de iluminar o lugar mais escuro da Terra. Dentro da limusine eu podia sentir um cheiro que eu tinha certeza, nem o melhor dos perfumes podia igualar-se àquele.

A mulher sorriu para mim e se possível ficou mais bonita do que antes. Você pode imaginar todas as mulheres mais bonitas que você já viu, pegar os traços mais perfeitos de cada uma delas e juntá-los em uma única mulher, mesmo assim aquela mulher á minha frente continuaria sendo dez vezes mais bonita que aquela que você formar.

– Olá Gabrielle. – disse a deusa. – Eu sou Afrodite.

“É claro que é.” Tive vontade de dizer. Afrodite, a deusa do amor e da beleza, eu não encontrava motivos pra questionar o título que lhe fora dado.

– O... Oi. - gaguejei.

A deusa fez um gesto para cima com a mão, um espelho flutuou do chão da limusine e ficou pairando no ar na altura de seu rosto, o escondendo de mim. Cheguei mais para o lado para poder enxergá-la, e a vi retocando o batom vermelho, embora eu não visse nada de errado com ele. Então ela fez outro gesto, dessa vez para baixo, e o espelho voltou ao seu lugar inicial.

Afrodite virou-se para mim e eu percebi como era difícil olhar em seus olhos sem imaginar como alguém podia ser tão bonita daquele jeito.

– Você faz ideia do por que está aqui comigo? – perguntou ela.

– Não. – respondi. – Mas imagino que se trate de algo sobre a próxima tarefa.

Afrodite voltou a sorrir.

– E você já está sabendo qual é?

– Não.

A deusa ergueu a mão e estalou os dedos, na mesma hora um pergaminho apareceu entre nós, e eu podia apostar que era o mesmo pergaminho das tarefas que estava segundos antes na mochila de Annabeth.

– Então abra e descubra. – ordenou Afrodite.

Com cuidado eu abri o pergaminho, o desenrolando até chegar à décima primeira tarefa.

“11º tarefa: obter as maças de ouro do jardim das Hespérides.”

– Isso mesmo. – falou a deusa, como se tivesse acompanhado minha leitura mesmo sem eu a ter feito em voz alta.

O final da frase lembrou-me algo: “o jardim das Hespérides”. Pelo que contavam as histórias era um jardim desconhecido, Hércules havia vagado o mundo atrás dele.

– Mas você não precisará fazer isso, pois eu lhe contarei como fazer para poder cumprir essa tarefa ainda hoje. – disse Afrodite.

Eu ergui a cabeça do pergaminho bruscamente e me dei conta de que ela estava respondendo aos meus pensamentos.

– Você terá que ir até Ontário, uma vez que esteja lá suba até o topo da montanha mais alta da cidade. Isso é tudo. – continuou Afrodite.

– Porque está me contando isso? – perguntei, eu odiava que os deuses lessem meus pensamentos, e a raiva que eu havia sentido na hora em que descobri que Afrodite estava fazendo isso minimizou o estado hipnótico em que a deusa da beleza deixava quem a olhasse.

– Porque após conseguir as maças você terá que entregá-las a mim. Foram ordens de Zeus. – respondeu ela.

Eu enrolei o pergaminho.

– E onde eu posso encontrá-la, depois de pegá-las?

– Não se preocupe com isso. Eu encontrarei você.

Eu permaneci calada e senti o olhar de Afrodite sobre mim, ela me olhava dos pés a cabeça.

– Você está horrível, até parece que acabou de sair de um filme de terror. – disse ela fechando os olhos. – Eu não consigo manter-me olhando para alguém desse jeito. Há quantos dias você não vê um chuveiro?

Eu ia abrir a boca para dizer que nem todos tinham poderes como os dela, e nem todo o tempo do mundo para cuidar de si mesmo, mas eu não conhecia seu temperamento, se ela ficasse irritada poderia matar-me facilmente.

– Não tivemos muito tempo para isso nos últimos dias. – falei.

Afrodite suspirou e lançou-me um olhar de pena, não por estarmos arriscando nossas vidas e perdendo amigos, mas sim por não termos tempo de nos preocuparmos com nossas aparências, que para ela vinham em primeiro lugar em uma pessoa.

A deusa estendeu a mão fechada para mim, e então a abriu subitamente. Em sua mão apareceu um cartão de crédito prateado que parecia ser de um hotel cinco estrelas, o qual não pude ler o nome devido minha dislexia.

– Pegue. – disse Afrodite. – Esse hotel não fica muito longe daqui, é o melhor da cidade, lá vocês encontrarão roupas novas e um chuveiro para cada um.

Eu estendi a mão e peguei o cartão. Quando meus dedos tocaram levemente na palma de Afrodite, senti a textura lisa e macia de sua pele.

– Obrigado. – agradeci, embora soubesse que ela só estava fazendo isso, pois encontrar alguém em nosso estado para ela deveria equivaler à maior catástrofe da história da Terra.

A porta se abriu e eu soube que minha conversa com a deusa do amor havia terminado. Comecei a sair da limusine, mas Afrodite me chamou.

– Eu sinto muito pela Jéssica. – disse ela.

Eu não conseguia entender. Por que ela estava se mostrando preocupada ou no mínimo interessada pelo que havia acontecido?

– Eu sei que você gostava realmente dela. O amor que você sentia por ela, como amiga, eu não via há séculos entre os mortais. – confessou Afrodite.

Quando ela falava de amor seus olhos brilhavam e era impossível não sentir a presença desse sentimento me envolvendo, mesmo que por um instante.

Eu apenas concordei, me despedi da deusa e sai da limusine. Ares fechou a porta atrás de mim e eu me juntei a Percy e Annabeth.

– Bom, então eu acho que é adeus, não é pivetes? – falou o deus. – Aproveitem o pouco que resta da vida de vocês, pois se a missão e Nêmesis não conseguir matá-los, sempre tem outra opção.

Ares pousou a mão sobre o facão em seu cinto com um sorriso cruel atravessando os lábios. Eu sabia que ele estava se referindo a mim e a Percy em particular, pois Annabeth nunca o havia feito nada para que se tornasse alvo de sua ira. Esperei o deus entrar na limusine e logo depois ela partir para então voltar para meus amigos.

– E então, como foi? – perguntou Percy.

Eu contei toda minha conversa com Afrodite aos dois, e depois entreguei o pergaminho das tarefas a Annabeth que o recebeu com uma expressão confusa no rosto.

– Mas... Como? – disse ela enquanto abria a mochila só para confirmar que o pergaminho não se encontrava lá, e depois me olhar desconfiada querendo saber como eu o tinha pegado.

Eu fiz um gesto de irritação com a mão e então lhes mostrei o cartão de crédito prateado.

Sem perder tempo começamos a caminhar pedindo informação de como chegar até o hotel, e depois de alguns quarteirões chegamos ao local.

O hotel era enorme, escadas pintadas de dourado levavam até a entrada e vários chafarizes enfeitavam o jardim da frente. Quando mostramos ao recepcionista nosso cartão ele arregalou os olhos e disse a um dos carregadores de mala que passava por nós.

– Por fa... Favor. Leve essas maravilhosas e doces crianças aos seus quartos.

Eu olhei para Percy e Annabeth sem entender, mas eles apenas sacudiram os ombros mostrando que também não haviam entendido o motivo de tanta formalidade.

– Precisam de mais alguma coisa? – perguntou o recepcionista.

– Não, está tudo bem. – respondi.

O homem sorriu.

– Se precisarem é só chamar, a qualquer hora.

Eu concordei ainda sem entender. Então o observei passar nosso cartão, os números que mostravam o quanto tínhamos de limite começaram a passar rapidamente pelo mostrador, até que começaram a piscar e foram substituídos pela palavra: ILIMITADO.

Era por isso que o homem da recepção estava nos tratando daquele jeito, ele devia achar que éramos filhos de pais milionários.

Percy, Annabeth e eu nos entreolhamos sem conseguir conter o riso.

Fomos levados até nossos quartos que ficavam na cobertura. Eu nunca havia estado em um lugar como aquele. Tudo era magnífico, e eu tinha certeza que apenas um daqueles travesseiros de pena devia custar o equivalente a soma de todos os móveis do meu quarto.

Tomamos banho, cada um em seu próprio chuveiro e quando saímos encontramos sobre as camas, malas que continham várias roupas e que inacreditavelmente couberam em nós. Fiquei imaginado se isso não havia sido coisa de Afrodite. Mais tarde pedimos todos os diferentes pratos do hotel e nos deliciamos comendo desde chocolate até pratos franceses que eu nem saberia pronunciar.

Quando a noite caiu nos deitamos sobre os colchões de água, com as barrigas cheias, limpos e usando roupas novas. Pensei em como Jéssica ficaria feliz se estivesse ainda conosco, e logo fui atormentada por visões suas com a espada cravada no peito. Fechei fortemente os olhos tentando evitá-las, levou alguns minutos, mas quando os reabri elas já tinham cessado.

Vi que Percy e Annabeth já estavam dormindo, eles estavam certos, era melhor aproveitarmos para descansar, não seria sempre que teríamos um hotel para passar a noite.

Fechei novamente os olhos e deixei que a sensação de um colchão e um travesseiro macio, barriga cheia e corpo limpo (pequenas coisas que não sentíamos há dias) tomassem conta de mim fazendo com que eu pegasse no sono.

Acordamos cedo no dia seguinte e pedimos um farto café da manhã. Após terminarmos de comer resolvemos escolher uma peça de roupa da mala de cada um e colocamos no corpo. Mesmo que quiséssemos levar mais roupas, nossas mochilas não tinham espaço suficiente e concluímos que como possuíamos apenas dois dias para terminar nossa missão, e exatamente duas tarefas para completar não faria sentido preocupar-se com a roupa que iríamos usar.

Após escolhermos o que vestir, enchemos nossas mochilas com a maior quantidade de comida que pudemos colocar, pois essa sim nós sabíamos que iria fazer falta, e depois seguimos para o saguão de entrada.

Ao passarmos pelo balcão da recepção o recepcionista correu em nossa direção.

– Vocês já estão indo? Mas ainda nem experimentaram nossa piscina, a maior do estado e com vista exclusiva para a cidade.

O homem parecia realmente triste com nossa partida. Eu queria poder dizer que sim, que ficaríamos para ir a tal piscina, mas sabia que não tínhamos escolha.

– Olha, eu sinto muito, mas nós temos que ir. – disse eu. Então puxei o cartão de crédito do bolso e o entreguei ao recepcionista. – Fique com ele.

A boca do homem se abriu sem acreditar no que eu estava fazendo, Percy e Annabeth também pareciam surpresos, mas não falaram nada. Eu não me importava com o cartão, afinal quando acharíamos tempo para aproveitá-lo? Ele só funcionava para aquele hotel e provavelmente nunca voltaríamos ali, dinheiro não era a prioridade de nossa missão no momento. Acho que Percy e Annabeth também pensavam assim, por isso não me questionaram.

– Mu... Muito obrigado. – gaguejou o recepcionista enquanto olhava para o cartão sem ainda acreditar que era seu.

Eu balancei a cabeça em um gesto de “não há de que” e junto com Percy e Annabeth deixei o hotel em direção às ruas agitadas de Barstow.

Havíamos passado a maior parte da manhã no hotel e agora era quase meio-dia, precisávamos chegar a Ontário logo. Se pegássemos um ônibus, este faria muitas paradas antes de alcançar seu destino de modo que decidimos pegar um táxi.

– Mas como vamos pagar um táxi até Ontário, provavelmente sairá muito mais caro do que uma passagem de ônibus. – observou Percy.

Instintivamente levei a mão ao bolso a procura de dinheiro, e realmente surpreendi-me quando meus dedos tocaram no que pareceu serem notas de dinheiro. Rapidamente puxei-as do bolso, havia pelo menos cem dólares e no meio das notas vários dracmas.

– Como? – exclamou Percy, também colocando as mãos no bolso de sua roupa e encontrando os mesmo valores que eu. Com Annabeth não foi diferente.

– Isso só pode ter sido ideia da... – disse Annabeth.

– Afrodite. – completamos Percy e eu.

Com os bolsos cheios de dinheiro paramos um táxi e entramos.

– Para Ontário. – falou Annabeth ao taxista.

Em poucos minutos nos encontrávamos na estrada rodeados por plantações. Após três horas chegamos à cidade de Ontário e o motorista estacionou perto da companhia de correios local.

– Bom, são... – começou ele.

– Espera. – interrompi.

O taxista ergueu uma sobrancelha.

– Conhece bem a cidade? – perguntei.

– Conheço. – respondeu ele com cautela.

– Então será que poderia nos levar aos pés do monte mais alto daqui?

O motorista permaneceu calado, provavelmente analisando meu estranho pedido. Eu já havia contado a Percy e Annabeth sobre minha conversa com Afrodite, portanto eles não demonstraram sinais de surpresa.

– Tudo bem. – concordou o motorista. – Mas fiquem sabendo que isso tornará a viagem mais cara.

Eu suspirei aliviada, cada um de nós entregou ao taxista mais da metade do dinheiro que estava em nossa posse, e não o ouvimos mais falar sobre preço durante o resto da viagem.

Atravessamos a cidade e chegamos a uma paisagem rural, ao longe eu pude ver o cume de um morro enquanto nos aproximávamos rapidamente. Quanto mais perto chegávamos dele pior o tempo parecia ficar, até o ponto em que começamos a ouvir trovoadas ao longe.

– Tempo esquisito. – comentou o taxista olhando pela janela do carro.

Desembarcamos aos pés do morro e esperamos o motorista dar a partida e desaparecer ao longo da estrada.

Olhei para o topo do morro, apreensiva. Um vento frio começou a soprar fortemente sobre nós e o som de trovões aumentou.

– Está vindo do topo do morro. – disse Percy.

E ele estava certo, o cume do morro estava coberto de nuvens que lançavam raios sem parar, fazendo-o parecer um vulcão expelindo filetes de energia para todo o lado.

– Não tem outra opção. Vamos subir. – disse Annabeth.

– Só há tempestade no topo do morro, as nuvens negras se espalham em um raio de mais ou menos um quilometro, e depois delas o céu se encontra completamente limpo. É como se o próprio morro estivesse espalhando a tempestade para os arredores. Isso não é natural. – observei.

– E é dessa maneira que sabemos estar no lugar certo. – falou Percy.

E nós três juntos começamos a subir o morro.

O mais estranho era que à medida que subíamos a tempestade parecia acalmar-se, quando chegamos ao topo do morro já não havia mais vento, mas mesmo assim podíamos ver as nuvens negras sobre nossas cabeças.

– Vocês não acham que essas nuvens parecem estar perto de mais? – perguntou Annabeth com um ar intrigado.

Estendi o braço para o céu e surpreendentemente senti a ponta de meus dedos passando através de algo parecido com fumaça, porém um pouco mais denso.

– Não parecem, na verdade elas estão. – respondi.

Ainda podíamos escutar a tempestade, mas era como se estivesse muito longe de nós, talvez nas nuvens mais altas que se escondiam por cima daquelas em que estávamos tocando.

De repente Annabeth apontou para algo a nossa frente e com um salto percebi que era um homem. Ele estava agachado e de cabeça baixa, sobre ele nuvens cinzentas turbilhonavam num pesado vórtice, formando um funil que quase tocava no topo da montanha, mas que, em vez disso, descansava nos ombros exaustos dele.

Eu comecei a correr ao seu encontro, mesmo a distância era possível ver que ele não estava bem.

– Não Gabrielle, não se aproxime! – gritaram Percy e Annabeth juntos, mas era tarde de mais, eu já havia me ajoelhado ao seu lado.

– Olá. – cumprimentou o homem erguendo levemente a cabeça. Sua voz transparecia exaustão e seu corpo estava encharcado de suor.

Percy e Annabeth me alcançaram e afastaram-me do homem. Eu me levantei de cara amarrada.

– Qual é o problema com vocês? Precisamos ajudá-lo.

– Não, não precisamos. – retrucou Annabeth. – Você não sabe quem ele é? Olhe para as nuvens apoiadas em suas costas, você não vê o que ele está segurando?

Eu me virei para o homem que havia baixado a cabeça novamente. Reparei em suas mãos, que ele mantinha acima da cabeça e na altura dos ombros. E então a ficha caiu.

– Ele está segurando o céu. Este homem é Atlas. – falei.

Annabeth confirmou com a cabeça.

– Atlas é um titã que foi condenado por Zeus a sustentar o céu para sempre, por ele ter juntado-se a outros titãs e invadido o Olimpo para alcançar o poder. Ele não merece nossa ajuda.

– Mas há alguma coisa errada. A tarefa não se referia em nada a Atlas. Talvez Afrodite tenha armado para cima de nós. – disse Percy.

Comecei a pensar no que ele havia dito e meu coração acelerou. Se Afrodite tivesse mesmo mentido a nós sobre a localização da 11º tarefa e estivéssemos no lugar errado, teríamos perdido uma manhã inteira em vão.

Atlas sorriu sob o enorme peso que era forçado a segurar.

– Como vocês são idiotas. Por acaso não se lembram de como Hércules realizou a tarefa das maçãs no jardim das Hespérides? Se é que eu posso dizer que realizou, já que eu fiz todo o trabalho.

Eu franzi as sobrancelhas, mas aos poucos as palavras do titã foram criando sentido em minha mente. O jardim das Hespérides era guardado por um dragão de cem cabeças, Hércules vendo que não teria muitas chances contra a temível fera, fez um trato com Atlas e segurou o céu para que o titã pudesse ir ao jardim, derrotar o monstro e trazer as maçãs para ele.

Eu não via outra saída, o único jeito era fazer o mesmo que Hércules. Só havia um problema: eu não sabia se seria capaz de segurar o céu, quantos milhões de quilos ele deveria pesar? E se eu o deixasse cair, o que aconteceria à Terra? Eu estaria arriscando a vida de todas as pessoas do planeta.

Observei o titã e cada gota de suor que pingava de seu rosto, algumas caindo sobre seu terno marrom de seda. Ver isso não me trazia muitas esperanças, se até mesmo Atlas, um dos maiores titãs que reinaram antes mesmo dos próprios deuses, encontrava-se exausto e com dificuldades de manter-se segurando o céu por milhares de anos, minhas chances de conseguir sustentá-lo, pelo menor tempo que fosse, eram mínimas.

Mesmo assim estava pronta para agachar-se ao seu lado e segurar o céu em seu lugar quando Annabeth, percebendo meu movimento puxou-me pelo braço.

– Está louca? Não podemos confiar nele, há vários anos ele vem tentando enganar semideuses prometendo a eles várias coisas em troca de que eles segurem o céu por apenas alguns minutos, o bastante para que ele possa descansar. Quando na verdade, uma vez que ele encontra-se livre de seu fardo, ele foge e não volta mais. E uma vez que você segura o céu não poderá largá-lo, a não ser que queira matar milhares de pessoas, inclusive a si mesmo.

Eu encarei Annabeth.

– E você sabe outro jeito de conseguirmos passar por um dragão de cem cabeças e permanecermos vivos? Vamos Annabeth, até Hércules sabia que era impossível, nós precisamos da ajuda de Atlas. – puxei o braço do aperto de Annabeth. De repente senti algo dentro de mim, o mesmo calor insuportável que eu havia sentido enquanto parávamos para descansar no dia em que Jéssica nos deixou.

Rapidamente dei as costas à Annabeth e fechei os olhos tentando controlar a dor e ao mesmo tempo a vontade de brigar com alguém, de expandir minha raiva para o exterior.

Vi Atlas erguer novamente a cabeça e sussurrar:

– Nêmesis?

Eu não entendi o que ele estava querendo dizer, imaginei que soubesse sobre nossa missão, a de deter a deusa da vingança.

Percy aproximou-se e colocou uma mão sobre meu ombro.

– Gabrielle, não faça isso. Como Annabeth disse, não podemos confiar em Atlas. Há alguns anos ele prendeu Ártemis neste mesmo lugar e a forçou a segurar o céu enquanto ele trabalhava para trazer Cronos de volta ao poder.

O relato de Percy atingiu-me em cheio e não consegui manter controlada a raiva que crescia dentro de mim como uma bomba relógio.

Ele e Annabeth devem ter pensado que isso me faria desistir, enxergar que não podíamos confiar em Atlas, mas ao contrário, deu-me mais força e a vontade de vingança falou mais alto. Sem dar atenção aos meus amigos ajoelhei-me ao lado de Atlas e tirei a mochila das costas.

– O que você vai querer em troca de ir até o jardim das Hespérides e trazer algumas maçãs para nós? – perguntei.

Atlas fingiu pensar sobre o assunto, era possível perceber sua expressão de deboche misturando-se a de dor.

– Acho que vou pedir o mesmo que pedi a Hércules, só que dessa vez vou querer mais tempo para aproveitar enquanto não seguro o céu. Entenda, milênios levantando quilos e mais quilos pode deixar você um pouco cansado.

Eu suspirei. Nem Percy e nem Annabeth questionaram minha decisão de apresentar-me para segurar o céu, eles sabiam que essa parte da tarefa não poderia ser cumprida por outra pessoa.

– Tudo bem. Por quanto tempo quer que eu fique em seu lugar? – perguntei à Atlas.

Um sorriso maldoso atravessou seus lábios e eu soube que a resposta não seria nada boa.

– Cinco horas.

Eu não pronunciei uma palavra, estava congelada. Tudo parecia ter parado ao meu redor. Eu não aguentava ficar quatro horas sentada em uma sala de aula, quem dirá cinco horas segurando milhares de quilos sobre os ombros.

– Você só poder estar brincando. Annabeth e eu seguramos o céu por alguns minutos quando viemos em busca de Ártemis, e quase cedemos sobre o peso dele. Você sabe muito bem que é praticamente impossível, mesmo para um semideus, sustentar seu fardo por todo esse tempo. – disse Percy.

Atlas apenas revirou os olhos.

– É a minha proposta semibobocas. É pegar ou largar. E se eu não me engano vocês não terão muitas chances sem minha ajuda. – então o titã olhou para mim, seus olhos cravados nos meus. – O destino do mundo está em suas mãos.

Eu lhe retribuí no mesmo olhar penetrante.

– E eu não vou falhar.

Atlas voltou a sorrir e comecei a aproximar-se dele, perto do ponto em que as nuvens quase tocavam o chão. Ouvi Percy ainda insistindo para que eu não fosse, mas não lhe dei atenção. Foi então que me lembrei do aviso de Annabeth de que Atlas não era alguém em que se podia confiar.

– Espera. – disse eu, afastando-me do titã.

Atlas suspirou.

– O que foi? – ralhou ele.

– Como vou saber se vai voltar? – perguntei.

Atlas parecia ter sido pego de surpresa, por fim disse:

– Acho que você terá que confiar em mim.

Eu ri da piada.

– Sem chance. Vamos fazer um juramento. Quero que você jure pelo rio Estige que voltará para segurar o céu. – pedi.

O rosto de Atlas anuviou-se e ele começou a olhar para os lados, provavelmente pensando em um jeito de sair dessa. Às minhas costas podia-se ouvir a respiração acelerada de Percy e Annabeth. Bom, caso você não saiba, jurar pelo rio Estige é o juramento mais sério que existe em nosso mundo, quando fazemos isso garantimos, quase com total segurança, que a pessoa manterá sua promessa, pois caso ela não mantenha o rio Estige se vingará. Percy havia me contado que Zeus havia jurado pelo rio Estige que não teria filhos, mas ele acabou gerando Thalia. O rio Estige se vingou, mas como Zeus é um deus safou-se facilmente fazendo com que a vingança caísse sobre sua filha. Eu não sabia se isso podia acontecer para titãs também, mas era a única chance que eu tinha de garantir que Atlas não me deixasse segurando o céu para sempre.

O titã rangeu os dentes.

– Ok. Eu juro pelo rio Estige.

Nesse momento ouvimos e vimos um raio cruzar o céu, não um raio comum, mas sim um bem mais poderoso, significando que nosso juramento estava selado.

Lentamente Atlas deixou seu posto e eu o substituí. Toquei as nuvens frias e pesadas até o momento em que ele soltou totalmente o peso do céu e eu já não era mais capaz de distinguir sensações. Era a coisa mais pesada que eu já suportara, sentia como se eu estivesse sendo esmagada debaixo de milhares de ônibus. A dor era insuportável e achei que fosse desmaiar. Sem demora gotas de suor já pingavam de meu rosto.

– Imagine segurar isso por milhares de anos. Você deve agradecer que só será por cinco horas. – riu Atlas. – Mas trato é trato, vejo você mais tarde.

Ouvi Atlas retirar-se a passos pesados e então sumir de nossa presença. Annabeth e Percy aproximaram-se de mim angustiados, suas expressões de pena só faziam com que as coisas piorassem. Cada músculo de meu corpo parecia estar em fogo, eu não fazia ideia de como aguentaria por cinco horas.

– Este é o ponto em que o céu e a terra primeiro se encontraram. – disse Annabeth. Imaginei se ela estaria contando essa história para que eu tivesse algo em que me concentrar que não fosse a dor. – Onde Urano e Gaia deram à luz seus filhos, os titãs. O céu ainda anseia em abraças a terra, mas se encostarem-se novamente esse lugar desabaria achatando a montanha e tudo o mais em um raio de cem léguas. É por isso que Atlas os mantém afastados.

Ela parou, pois eu já não ouvia mais nada, apenas lutava para manter-me firme.

Após uma hora tive a sensação de que meus ossos estavam se dissolvendo, eu queria gritar, mas não tinha forças para abrir a boca. Comecei a afundar cada vez mais no chão, o peso do céu me comprimindo.

Após duas horas eu respirava com dificuldade, e minha visão começou a embaçar. Pensei em Jéssica que dera sua vida para me salvar e em Ártemis sofrendo durante dias como prisioneira e sendo obrigada a sustentar o céu. Eu não podia desistir, por Jéssica, por Ártemis, pelas caçadoras, por Percy e Annabeth, pelo mundo. Com dificuldade levantei o céu alguns centímetros, mas ele logo voltou a ser sustentado com a ajuda de meus ombros.

De repente escutei um sibilar parecido com o de uma cobra às minhas costas, que fez os pêlos de minha nuca arrepiarem. Mas foi quando eu escutei a voz reptiliana de Equidna sussurrando em meu ouvido que o terror tomou conta de mim.

– Olá, Gabrielle. Mas em que má situação eu encontrei você, não é? Tão fraca, tão vulnerável. – Equidna disse enquanto riscava em meu rosto, usando suas garras afiadas, uma linha que aos poucos se tornou vermelha com o sangue que começou a aparecer.

Eu não podia me mexer, não tinha como me defender, não podia largar o céu. Equidna poderia fazer o que quisesse comigo.

– Nêmesis a mandou? Por que ela não para com esses joguinhos e vem pessoalmente me encontrar? – disse eu. Ela podia me machucar, mas não me impediria de manifestar-me através de palavras.

Equidna sorriu, mas por pouco tempo. Nesse instante uma faca passou voando à frente de meu rosto e ela foi obrigada a se afastar.

– O que está fazendo aqui Equidna? Querendo uma passagem só de ida direto para o Tártaro? – debochou Percy, já com a espada em mãos.

Equidna endireitou-se sobre seu corpo, que da cintura para baixo era uma cauda de serpente, e atacou. Eu não conseguia enxergar muito bem por causa de minha visão embaçada, mas podia ouvir Percy e Annabeth lutando ferozmente contra Equidna.

Aos poucos fui perdendo a concentração em manter-se sustentando o céu e fui dando lugar à preocupação com Percy e Annabeth, o que apenas tornou mais difícil minha tarefa. Em certo momento os ruídos da luta cessaram e meu coração disparou. Meu cérebro insistia em pensar o pior e senti meus braços cedendo sobre o peso do firmamento.

Tentei virar a cabeça, mas não podia ver nada. Quando voltei a virá-la meus olhos encontraram os de Equidna, seu rosto a centímetros do meu.

Comecei a fraquejar, o céu aos poucos me comprimindo mais.

– Onde estão Percy e Annabeth? – perguntei cerrando os dentes.

– Ora, mas que coisa. Finalmente consegui arranjar um tempo só para nós e você preocupada com eles. – disse Equidna.

Meu corpo tremia de raiva e eu tentava evitar os pensamentos de que Percy e Annabeth talvez não estivessem mais aqui, que tivessem seguido o mesmo caminho de Jéssica. Então uma ideia louca passou-me pela cabeça.

– Diga-me o que fez com eles ou soltarei o céu agora mesmo, e você sabe que não há chance nenhuma de sobrevivência para nós duas caso eu o faça. – falei. Parte de mim queria fazer isso, acabar com tudo em um piscar de olhos. Será que morrer não seria melhor do que viver do jeito que eu vivia?

Equidna deu uma forte gargalhada e abriu a mão à frente de meu rosto mostrando suas enormes garras. Então apertou a ponta de uma das garras sobre minha coxa e começou a arrastá-la até meu joelho, fazendo um corte que atravessou minha calça jeans e perfurou minha pele. Ela queria matar-me devagar, torturando-me aos poucos. Eu sentia vontade de gritar, mas não possuía forças nem para isso.

– Faça isso Gabrielle. Eu não me importo de morrer, desde que eu a leve comigo. – disse Equidna.

Eu estava prestes a dizer a mesma coisa, quando o sorriso no rosto de Equidna desapareceu substituído por um grito de terror, e logo depois ela explodiu como areia levada pelo vento.

Quando o corpo de Equidna se desfez pude ver Percy com a espada apontada em minha direção, havia sido ele que tinha descido a arma sobre as costas de Equidna pegando-a com a guarda baixa e acabando de vez com a mãe de todos os monstros.

Eu suspirei aliviada e fechei os olhos, Annabeth estava logo atrás de Percy, os dois estavam bem.

– Espero que ela permaneça no Tártaro por muito tempo. – disse Percy enquanto ajoelhava-se ao meu lado seguido de Annabeth.

– Você está bem? – perguntou ela tirando da mochila um pequeno frasco.

– Estou segurando o céu há duas horas. Como acha que me sinto? – perguntei. A dor em meu corpo só aumentava e os cortes que Equidna havia me causado pioravam meu estado.

– Abra a boca. – disse Annabeth ignorando minha pergunta anterior. – É meu último suprimento de Néctar, isso vai ajudar a curar seus ferimentos.

Fiz o que ela pedia e senti o líquido descendo por minha garganta, o melhor sabor que eu já havia sentido na vida.

Depois disso Percy e Annabeth não podiam fazer mais nada a não ser esperar, e torcer para que eu conseguisse suportar o peso do céu por mais três horas.

Faltando duas horas os pingos de suor em meu rosto começaram a cair mais rapidamente. Minhas mãos estavam escorregadias. Parecia que as vértebras de minha coluna estavam sendo soldadas por um maçarico.

Após mais uma hora comecei a perder a capacidade de pensar em meio à dor. Eu não sabia dizer onde Percy e Annabeth estavam, onde eu estava, se estava viva ou não. Havia perdido a passagem do tempo.

Quando ouvi a voz de Percy ela parecia estar longe, perdida em algum lugar no espaço. Ela não fazia sentido em minha mente.

– Atlas está de volta!

Mesmo sem entender muito bem o que ele havia dito, a mínima parte em meu cérebro que ainda estava consciente sabia que era uma notícia boa.

Alguém se aproximou de mim. Eu achava que deveria ser aquele homem destinado a segurar o que eu estava segurando, mas eu não conseguia lembrar-me de seu nome. A única coisa que senti foi que em algum momento o enorme peso sobre minhas costas cessou, fazendo-me cair por terra e logo após na subconsciência.

Enquanto estava desmaiada, de algum modo inexplicável comecei a ver imagens que passavam como flashes, minha mãe, meu pai, Percy, Annabeth, Ártemis, minha irmã, até que finalmente parou com a imagem de Jéssica no momento em que a conheci no colégio. Aos poucos seu rosto foi perdendo a nitidez e senti uma mão pousando sobre minha testa. No mesmo instante comecei a sair do estupor em que me encontrava, voltei a ouvir as coisas ao meu redor e senti os músculos de meu corpo mais fortes. Subitamente abri os olhos e encontrei o rosto de Afrodite.

– Sentindo-se melhor? – perguntou a deusa.

Um pouco tonta comecei a levantar com a ajuda de Percy e Annabeth.

Realmente eu estava bem, a dor em meu corpo havia passado e eu já podia pensar com clareza.

– Bem melhor. – respondi, mas lembrei-me de algo. – As maçãs! Nós tínhamos que entregá-las a você e...

– Calma Gabrielle, está tudo bem. Percy e eu já fizemos isso. Afrodite ainda está aqui porque pedimos a ela que nos ajudasse a acordar você. Tínhamos medo de que você estivesse... – Annabeth não terminou a frase.

– O bom é que estamos todos bem. – falou Percy rapidamente.

– Fale por você filho de Poseidon. – resmungou Atlas.

Eu voltei-me para o titã. Então ele havia realmente cumprido a sua promessa. Havia voltado com as maçãs. Estava agora segurando o céu novamente, seu fardo para toda a eternidade, era quase possível sentir pena de Atlas. O que eram cinco horas comparadas há milênios? Mas por um lado, ele havia tentado tomar o Olimpo duas vezes e manteve Ártemis prisioneira. Pensar nessas coisas ajudou a extinguir o pequeno sentimento de pena que havia me tomado. Ele merecia a punição dada por Zeus.

– Eu tenho que ir. Preciso retocar a maquiagem. Nunca passei tanto tempo sem um espelho, tenho muito trabalho a fazer. – disse Afrodite.

Como passar o dia inteiro cuidando de si mesma? Pensei.

– Por que não fica aqui e me faz companhia doçura? – falou Atlas.

Afrodite virou-se para o titã.

– Você nunca aprende, não é Atlas? – a deusa revirou os olhos e então desapareceu deixando um aroma de rosas no ar.

Despedimos-nos de Atlas e descemos a montanha. Era final de tarde e estávamos felizes por mais uma tarefa cumprida, faltando, assim, apenas mais uma. Como amanhã seria o ultimo dia do prazo estipulado por Zeus não podíamos perder tempo. Fomos até a estação de Ontário e pegamos um trem até Los Angeles. Chegaríamos à cidade na manha seguinte e então seguiríamos (meu corpo inteiro se arrepiava só de pensar) para o Mundo Inferior.

Havíamos atravessado completamente o país, e depois de tantos acontecimentos finalmente estávamos chegando ao final de nossa jornada. Se tudo corresse bem acabaríamos a missão bem em tempo, mas se algo desse errado minha vida e a das caçadoras chegariam ao fim.

Percy, Annabeth e eu sentamos próximos um do outro e mesmo sabendo o que nos aguardava em Los Angeles, o cansaço que estávamos sentido fez com que dormíssemos durante toda a viagem.


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Notas finais do capítulo

O mundo inferior aguarda Gabrielle, Percy e Annabeth no próximo capítulo. No reino de Hades muitas surpresas aguardam a Filha de Ártemis. A profecia feita no dia de seu nascimento será revelada, e saberemos o que aconteceu com Jéssica e o pai que Gabrielle tanto sonha em conhecer. A batalha contra Nêmesis está muito próxima.



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