A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 11
A milenar tribo amazona




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Eu não conseguia acreditar em quem eu via à minha frente. Olhei mais atentamente para a mulher que mantinha seu arco e flecha apontado para o chão. Ela possuía longos cabelos loiros e ondulados e seus olhos encaravam-me esperando que eu falasse algo, mas meus olhos estavam ocupados observando-a.

Ela usava uma saia de couro, parecida com as “saias” que os antigos soldados que serviam ao exército romano costumavam usar, e botas também de couro que lhe iam até o joelho. Vestia na parte de cima um sutiã de couro e trazia nas costas uma aljava cheia de flechas.

Olhando ao meu redor percebi que todas usavam o mesmo tipo parecido de roupa, algumas ainda tinham braceletes ou faixas amarradas na cabeça e como Hipólita traziam arcos e flechas. Ao perceber que eu não falava nada Hipólita se pronunciou.

– Soltem os outros. Não há perigo.

No mesmo instante as mulheres que mantinham meus amigos presos os libertaram.

– Vocês são a tribo das amazonas, não são? – perguntei.

– Exatamente Gabrielle. – respondeu Hipólita.

– Uau. – exclamou Jéssica. - As amazonas eram muito famosas na antiguidade, mas eu não sabia que ainda existiam.

– As amazonas nunca deixaram e nem deixarão de existir. Isso eu lhe garanto. – afirmou Hipólita. – Mas e vocês, foi uma sorte nós os termos encontrado, creio que precisam de algo que está em minha posse.

Eu franzi a testa, Annabeth abriu a mochila e me entregou o pergaminho das tarefas. Na última linha lia-se.

“9° tarefa: obter o cinturão de Hipólita.”

Hipólita esperou um momento e então falou:

– Faço questão que venham conosco até nossa aldeia. Lá poderemos conversar melhor sobre sua tarefa.

Eu fechei o pergaminho e entreguei-o a Annabeth.

– Nós iremos. – falei.

Começamos a seguir pela floresta junto das amazonas que me lembravam muito as caçadoras de Ártemis, a única diferença é que elas pareciam mais com um exército de mulher saído de algum filme sobre a antiguidade. Hipólita seguia na frente comigo ao seu lado.

No caminho para a aldeia eu ia repassando mentalmente as histórias sobre as amazonas que sempre me fascinavam quando eu era pequena. As mulheres guerreiras da antiguidade, que viviam na floresta e caçavam pra sobreviver. Eram conhecidas por ser uma tribo muito unida e composta apenas por mulheres. Para que sua linhagem se mantivesse de tempos em tempos elas visitavam as aldeias vizinhas e tinha relações com os homens de lá. Quando geravam filhas mulheres as amazonas as mantinham com elas na tribo e as ensinavam a lutar e a sobreviver na floresta, mas quando geravam meninos estes eram entregues aos seus pais para que lhe cuidassem ou eram simplesmente abandonados na mata.

Mesmo com algumas atitudes radicais eu admirava as amazonas, pois elas representavam o símbolo do poder e força femininos, e era uma honra para mim conhecê-las, ainda mais Hipólita lembrada por ser a melhor Rainha que as amazonas já tiveram.

Lembrando-me do preconceito que as amazonas tinham pelos homens eu me virei pra observar Percy que estava um pouco mais para trás.

– Não se preocupe, não faremos nada ao seu amigo. – disse Hipólita percebendo meu movimento.

Eu me virei para ela.

– Não, eu sei que não. – tentei confirmar para mim mesma.

Ela abriu um sorriso.

– O mundo não é machista porque deve ser, mas porque nós permitimos que fosse.

Hipólita pousou uma mão sobre meu ombro enquanto caminhávamos e eu fitei o chão refletindo sobre o que ela havia falado quando me lembrei de uma coisa.

– Como sabe meu nome? – perguntei.

Ela demorou um tempo para responder e por um momento só ouvimos o som de nossos próprios passos no chão coberto de folhas da floresta.

– A reconheci pelo colar. – disse ela finalmente.

Eu olhei para o colar em meu pescoço e quando me virei para observa Hipólita vi ao longe a silhueta de um lobo preto que desapareceu rapidamente entre as árvores. Quando baixei a cabeça meus olhos pousaram na pulseira que Hipólita estava usando e nela havia um pingente de madeira em forma de lua.

Minha respiração acelerou e tomei um susto ao ouvir a voz de Hipólita ao meu lado.

– Estamos chegando.

Eu havia me lembrado de algo sobre as amazonas, um fato importante de sua cultura. A tribo amazona tinha o costume de cultuar uma deusa olimpiana, e era ela quem lhes trazia inspiração, pois essa deusa também era um símbolo da bravura feminina. O poeta grego Píndaro havia atribuído às amazonas a fundação do templo da deusa em Éfeso. E essa deusa era Ártemis.

Meu coração começou a pulsar mais rápido, se as amazonas descobrissem que eu era filha da deusa para qual elas rezavam todos os dias acreditando ser uma deusa pura e casta, elas iriam querer me matar assim como a maioria dos que sabia a verdade. Olhei para Hipólita, será que eu podia confiar nela?

– Mas o que tem de mais em meu colar? – perguntei insegura.

– Nós temos muito que conversar, mas esse não é o momento certo. Primeiro trataremos da missão.

– Mas... - comecei querendo descobrir o quanto ela sabia e o quanto era seguro ficar ao seu lado.

– Agora não, quero que conheçam minha aldeia. – disse ela apontando para frente.

Eu segui a direção em que seu dedo apontava e vi uma enorme clareira entre as árvores, mesmo estando a alguns metros podíamos escutar as vozes das amazonas e conforme nos aproximávamos seus rostos viravam-se para nos olhar. Algumas treinavam golpes de batalha outras estavam sentadas em frente às casas construídas de madeiras e folhas.

Por todo lado via-se cavalos e mais amazonas que chagavam segurando animais abatidos por elas mesmas e que provavelmente seriam o jantar daquela noite. O que mais me impressionava era o número de amazonas que viviam ali, eram dezenas de mulheres e crianças que brincavam em meio aos cavalos ou com espadas de madeira.

Vendo tudo aquilo tive uma boa impressão de como deviam ser as aldeias de milênios atrás, era como voltar no tempo.

– Bem-vindos. – falou Hipólita.

– Isso é incrível. – exclamou Annabeth olhando ao redor.

De repente uma das amazonas se aproximou de nós e fez uma pequena reverência à frente de Hipólita.

– Senhora, precisamos de sua presença na cabana de reuniões.

Hipólita suspirou levemente aborrecida.

– Tudo bem. – disse ela e então aponto para outra amazona que passava. – Bruna, você pode mostrar a aldeia a eles enquanto me reúno com o conselho?

– Sim senhora. – respondeu a amazona.

Hipólita então se despediu prometendo que conversaríamos mais tarde e seguimos Bruna pela aldeia.

– Bem, como podem ver aqui é onde guardamos nosso arsenal e onde começamos a treinar as meninas desde criança.

Ela apontou para uma grande mesa repleta de escudos, espadas, arcos e flechas, enquanto mais ao longe se via uma espécie de campo com vários alvos para mira.

– É parecido com o do acampamento. – observou Percy.

E era mesmo. Estava imaginando porque as amazonas teriam todo esse arsenal de guerra e campos para treino se não havia mais exércitos antigos para guerrearem, quando meus olhos caíram sobre uma grande pedra achatada com vários desenhos gravados, como a lua e as estrelas, um arco e flecha, a cabeça de um lobo e uma mulher com um longo vestido seguida de uma corça.

– O que é aquilo? – apontei.

Bruna parou no meio da explicação sobre a participação das amazonas na Guerra de Tróia e olhou para a pedra.

– É um altar à deusa Ártemis. – respondeu.

Vi Percy, Annabeth e Jéssica ao meu lado se entreolharem.

– É onde oferecemos sacrifícios e cultuamos a deusa da lua. Eu nunca a vi pessoalmente, mas ela serve de exemplo para todos nós desde o surgimento de nossa tribo. – explicou a amazona.

Eu olhei para o chão temendo que meus olhos revelassem algo que não deveriam.

– Hum... li em um livro de mitologia que as amazonas eram descendentes de Ares. – falou Annabeth querendo mudar de assunto.

Bruna olhou para ela.

– É verdade. As primeiras amazonas eram filhas de Ares e por isso guerreiras natas, lutavam tão bem quanto qualquer homem da época e possuíam grande força. Foram elas que começaram a tribo de mulheres, que mais tarde veio a se chamar amazonas, portanto somos sim, de certa forma, todas nós descendentes de Ares.

– Não saberia dizer se isso é uma coisa boa. – murmurou Jéssica para que a amazona não ouvisse, mas parecia difícil que alguma coisa escapasse às habilidosas guerreiras.

Bruna deu uma leve risada e disse:

– Talvez tenha razão.

Nós continuamos a andar pela aldeia com Bruna nos contando histórias que, pelo menos para mim, eram interessantes e de vez em quando parando para que assistíssemos às amazonas combatendo entre si como uma forma de treino.

Foi quando estávamos sentados vendo um desses combates que enxergamos Hipólita vindo em nossa direção, quando a rainha amazona se aproximou, Bruna fez uma pequena reverência.

– A reunião foi encerrada. Espero que tenham gostado da aldeia. – falou Hipólita.

Nós acenamos em concordância.

– Obrigado por tomar conta deles Bruna, mas agora será que poso ter uma conversa particular com os três em meus aposentos?

Aceitamos, nos despedimos de Bruna e acompanhamos Hipólita até a moradia da rainha que tanto por fora quanto por dentro não se diferenciava em nada das demais. Era feita de madeiras e folhas e decorada com arcos e espadas em seu interior.

O único objeto presente lá que eu havia certeza de que não se encontraria em nenhuma outra moradia das amazonas era o cinturão de Hipólita. Era sem dúvida a coisa que mais chamava atenção naquele lugar. Pendurado na parede o cinturão brilhava em dourado, feito de ouro puro e incrustado de diamantes.

Percy, Annabeth, Jéssica e eu admirávamos os desenhos feitos no cinturão de bravos guerreiros em batalha que pareciam se mexer conforme nos mexíamos quando a voz de Hipólita quebrou nossa concentração.

– É muito bonito, não é? Mas tomem cuidado, pois é também muito poderoso.

Ela estava parada às nossas costas, e a nosso exemplo também admirava o cinturão, até que desviou o olhar e dirigiu-se a uma espécie de trono.

– Lembro-me de quando o ganhei de Ares, vários guerreiros viajavam de terras longínquas para admirá-lo, e, é claro, muitas vezes roubá-lo.

Ela fitou o chão por alguns minutos.

– Mas é claro que nunca permiti que o levassem somente até Hércules contar-me sobre suas tarefas e então tirá-lo de mim.

Percy deu um passo à frente.

– A senhora vai deixar o levarmos? Afinal estamos em uma situação parecida com a de Hércules.

Annabeth, Jéssica e eu concordamos com a cabeça. Achei a palavra “parecida” na frase de Percy uma boa definição, pois estávamos cumprindo os doze trabalhos assim como Hércules, mas a diferença era que não fazíamos isso para nos punirmos por nossos erros, mas sim para salvar minha vida, a das caçadoras e, abrangendo um pouco mais, a vida de toda a humanidade.

– Sim eu vou. – respondeu Hipólita. – Mas não o entregarei facilmente. Algo com um valor tão grande como o cinturão não pode ser entregue a qualquer um. Como em todas as tarefas vocês terão de lutar por ele.

Eu suspirei. Era tão óbvio, por que nada na vida de um semideus podia ser fácil?

Hipólita continuou.

– Melhor dizendo, “vocês” não, você.

Falando a verdade não foi nenhuma surpresa ver que Hipólita apontava para mim. Como Zeus havia dito eu deveria cumprir as tarefas no final.

Permanecemos mais algum tempo na presença de Hipólita enquanto ela nos explicava o que exatamente eu teria que fazer para obter o cinturão. Minhas poucas esperanças de consegui-lo evaporaram no momento em que ela pronunciou as palavras: lutar com a melhor amazona depois de mim, a mulher escolhida para ser meu braço direito no comando.

Após eu falar algo muito inteligente como:

– Hum...

Hipólita seguiu explicando que a luta seria com a posse de espadas e que a mesma se seguiria até a morte, então nos acompanhou até o lado de fora e sugeriu que eu descansasse um pouco, a luta se iniciaria à tarde.

Caminhei de cabeça baixa até chegar á sombra de algumas árvores e desabar no chão.

– Você vai conseguir, eu sei que vai. – incentivou Jéssica sentando-se ao meu lado.

Annabeth e Percy vinham logo atrás com pratos cheios de carne de ovelha, cervos e vacas. Deveria ser perto do meio-dia, pois todos estavam reunidos desfrutando da refeição enquanto o sol quente ardia no céu.

– Você precisa comer algo. – falou Annabeth me estendendo um prato.

– Não, obrigado. – recusei empurrando o prato para longe. No fundo eu sabia que estava faminta, mas a ideia de talvez não conseguir cumprir a nona tarefa tomava conta de minha cabeça, se caso eu falhasse do que teria adiantado todo o sofrimento que havíamos tido para chegar até ali?

– Olha. – disse Percy. – Você é uma das melhores lutadoras que eu já vi. Aquilo que você fez com os olhos fechados quando estávamos no acampamento foi incrível.

Annabeth e Jéssica olharam-no sem entender, mas ele continuou.

– Eu tenho certeza que se eu tivesse que enfrentá-la alguma vez em minha vida eu ficaria realmente receoso. Vamos lá, você é a única filha de Ártemis, ninguém conhece os poderes que você possui. Use isso, pois eu sei que se você se concentrar poderá ir ainda mais longe. Nós acreditamos em você.

Eu fitei o chão. Talvez Percy estivesse certo, talvez eu tivesse alguma chance. Levantei os olhos e fitei intensamente cada um.

– Se por acaso eu falhar, vocês prometem continuar sem mim até o Mundo Inferior, conseguir o diário de minha mãe, acabar com os planos de Nêmesis e salvar as Caçadoras?

– Não tenha dúvida. – respondeu Annabeth.

Jéssica envolveu suas mãos nas minhas.

– Você não vai falhar.

Percy concordou.

Era inacreditável a confiança que Jéssica tinha em mim. Era uma grande sorte tê-la como amiga.

A tarde chegou e as amazonas aos poucos se reuniram em volta da arena preparando-a para a luta. Algumas traziam tambores enquanto outras se preocupavam em achar um bom campo de visão. É claro que Hipólita já havia contado a todas sobre o grande acontecimento do dia.

Uma das amazonas guiou-me até a cabana de armas e armaduras. Annabeth, Percy e Jéssica não podiam entrar comigo por isso seguiram para a arena para esperar com as outras amazonas.

A mulher amazona que me levou até a cabana segurou a porta aberta para que eu entrasse e logo depois a fechou atrás de mim permanecendo do lado de fora. Inicialmente pensei estar sozinha, mas enxerguei Bruna, a amazona que havia nos mostrado a aldeia, escolhendo algumas armaduras.

Ela se aproximou devagar, talvez achasse que eu estivesse muito nervosa e que eu pudesse ter um surto ou algo do tipo, mas pela primeira vez em horas eu me sentia completamente calma. Havia me conscientizado de que não importava o que acontecesse lá na arena, pois Annabeth, Percy e Jéssica haviam prometido continuar sem mim. E eu acreditava neles.

– Está tudo bem? – perguntou Bruna.

– Está. – respondi.

Ela me observou de cima a baixo, virou as costas e logo depois venho trazendo nas mãos três armaduras diferentes.

– Acho que essas devem servir. – ela estendeu-as pra mim.

Eu observei as armaduras com cuidado, elas possuíam pequenos detalhes diferentes, mas no geral eram compostas por uma saia e botas de couro, a mesma espécie de “sutiã” usado pelas amazonas e braceletes de ferro. Não conseguia me imaginar usando aquilo.

– Experimente. – incentivou Bruna.

Eu afastei a armadura.

– Não, obrigado. Eu realmente acho que não faz meu estilo.

– Tem certeza? – perguntou Bruna colocando as armaduras de lado. – Eu não acho que uma camiseta, uma calça jeans e tênis possam parar a lâmina de uma espada.

– Me sentirei melhor assim. – respondi.

Bruna deu de ombros.

– E uma espada? Talvez queira escolher uma, a não ser que ache que possa lutar com as mãos.

Ela então me mostrou algumas espadas do arsenal das amazonas.

– Obrigado, mas eu já tenho uma. – falei enquanto sentava-me em um pedaço de tronco de árvore, eu precisava me concentrar e guardar energias.

Bruna percebeu a tensão e sentou-se ao meu lado.

– Hipólita escolheu Éphine, ela é uma boa lutadora, mas ela tem um ponto fraco, golpes baixos. Ela não é muito boa em pará-los. – confessou.

Eu a olhei.

– Porque está me contando isso?

Bruna demorou um pouco para responder.

– Você luta por uma causa, mesmo que eu não saiba qual e nem quero que me conte, mas Éphine lutará apenas por lutar. Só estou fazendo o certo. – respondeu.

Eu sorri, Bruna era mesmo uma boa pessoa. Nesse momento alguém abriu a porta e entrou. A amazona levantou-se rapidamente.

– Rainha Hipólita. – cumprimentou.

Hipólita fechou a porta atrás de si.

– Olá. Bruna estão precisando de você na arena. – disse ela.

– OK. Eu vou até lá então. – falou Bruna e dirigiu-se para a porta, mas antes que ela pudesse fechá-la eu a chamei e ela virou-se para me olhar.

– Sim?

– Obrigado. – agradeci. Era bom sentir que alguém naquela aldeia, além de Annabeth, Percy e Jéssica, estava torcendo por mim.

Ela sorriu e logo depois seguiu seu caminho enquanto Hipólita sentava-se ao meu lado.

– Não vai usar uma armadura? – perguntou reparando nas três armaduras que estavam deixadas de lado.

– Não me sentiria confortável com ela. – expliquei.

– Boa sorte para você então.

Ficamos em silêncio por um tempo.

– Sabe Gabrielle, Éphine é uma ótima lutadora, mas não é invencível. Principalmente quando se trata de uma luta entre você e ela.

Franzi as sobrancelhas.

– Não entendi. – falei.

Hipólita fixou seus olhos nos meus pela segunda vez naquele dia e senti algum tipo de conexão entre mim e a rainha amazona.

– Seus maiores poderes estão aqui. – ela segurou o pingente de meu colar entre os dedos. – E aqui. – então colocou a mão sobre meu coração.

Senti um frio no estômago. Ela sabia. Hipólita sabia que eu era filha de Ártemis. Eu não tinha como negar.

– Minha mãe não me ajudará nessa batalha.

Hipólita sorriu.

– Sua mãe não, mas os poderes que você possui por ser filha dela sim.

– Como sabe disso tudo? As outras amazonas sabem também? – perguntei.

– Não, não sabem. Quanto a sua primeira pergunta, foi Ártemis quem me contou.

Eu permaneci calada e Hipólita continuou.

– Eu conheci seu pai, Gabrielle. Quando Ártemis teve você ela precisou esconder-se do Olimpo por uns dias, e parte desses dias ela passou aqui, escondida na minha casa. Eu me lembro como se fosse ontem de quando vi você pela primeira vez. Era um bebê tão lindo e envolto em uma luz prateada.

Por um momento seus olhos se perderam nas lembranças do passado. Eu escutava com atenção, a ideia de já ter estado ali quando eu era apenas um bebê havia me deixado perplexa.

Hipólita voltou a olhar para mim e acariciou meu rosto.

– Você é muito parecida com ela, principalmente os olhos. Por dentro também, você tem vontade de ser livre, é forte e corajosa. Tem aspectos de seu pai também.

Era a segunda vez que ela falava em meu pai, mas não explicava quem ele havia sido.

– Você disse que conheceu meu pai. Como ele era? – perguntei.

Hipólita suspirou.

– Quando Ártemis ficou aqui ela me contou sobre ele. Seu pai era um dos meus descendentes.

Era. Não pude deixar de lembrar-se do que Quíron dissera. Meu pai havia sido morto por Zeus. Nunca tinha parado para pensar muito nisso.

– Como você sabia? – perguntei.

– Ártemis sabia. Seu pai morava em um sítio, era muito bem sucedido, criava cavalos e bois, e um de seus hobbies era caçar. Um dia Ártemis o encontrou no meio de uma caçada e se apaixonou por sua beleza, força e humildade. A deusa se apresentou a ele como uma mulher comum e logo os dois caçavam juntos, ela chegou a contar mais tarde que era uma deusa, e explicou a ele sobre o nosso mundo.

Eu podia imaginar a cena, senti vontade de ter conhecido meu pai. Hipólita continuou.

– Depois da surpresa ele resolveu que isso não fazia diferença. Bom, mais tarde Ártemis teve você e avisou seu pai do perigo de seu nascimento, mas Zeus foi mais rápido e em um acesso de fúria o matou por deitar-se com Ártemis. Só mais tarde e por acaso, Ártemis descobriu que seu pai era um descendente meu.

– Eu queria tê-lo conhecido. – falei.

– Ele a amava, isso eu tenho certeza. – disse Hipólita.

Seguiu-se mais um longo momento de silêncio enquanto eu refletia sobre as novas informações que Hipólita me contara.

– É por isso que eu digo Gabrielle. – continuou a rainha. – Você possui os poderes de sua mãe. – ela apontou para o colar. – E tem o sangue de uma verdadeira amazona correndo nas suas veias. – ela colocou a mão sobre o meu coração. – Por que você acha que sabe montar como ninguém? Não é por nada que para os mortais é chamada de amazona a mulher que monta a cavalo.

Ela então se levantou e caminhou até a porta.

– Vamos lá, você tem uma luta para ganhar.

Ao chegar à arena fiquei impressionada com o número de pessoas que estavam lá, a aldeia inteira, sem exceção, estava ao redor do grande círculo onde aconteceria a luta. Aproximei-me de Annabeth, Percy e Jéssica e contei a eles a breve história sobre meu pai durante o tempo que restava para o início da luta.

– Nossa, que outros segredos sua vida possui? – perguntou Jéssica.

Eu ri enquanto pegava a espada com a qual havia matado a Píton.

– Tenho a impressão de que ainda vamos descobrir alguns. – respondi.

Do outro lado da arena eu podia enxergar Éphine se aprontando para lutar, ao contrário de mim ela usava uma armadura, tinha braços musculosos, coxas torneadas e media dez centímetros a mais que eu.

Percy colocou uma mão sobre meu ombro.

– Você vai conseguir.

Olhei para as amazonas ao redor e meu olhos encontraram os de Bruna que sorriu para mim e disfarçadamente apontou para baixo sussurrando quase sem mexer os lábios: golpes baixos.

Eu concordei e me virei para observar Hipólita que estava sentada em uma cadeira alta, era a que estava mais perto da arena e possuía uma visão privilegiada da luta. Quando ela me viu piscou rapidamente, voltou à atenção para uma amazona ao seu lado e sussurrou algo em seu ouvido. A amazona caminhou até uma espécie de palco pequeno de madeira e tocou uma concha em forma de trombeta. Era hora da luta começar.

Éphine e eu entramos na arena e nos cumprimentamos. Ao nos afastarmos Éphine assumiu uma posição de ataque com as pernas afastadas e a espada a frente do corpo. Em segundos e rápido de mais ela atacou com a espada descendo por cima de minha cabeça, ergui minha espada para proteger-me e o tilintar de metal batendo contra metal se fez ouvir.

Éphine com um giro mudou a direção do ataque, tive pouco tempo para desviar, a ponta da espada da amazona rasgou minha camisa, senti um pequeno arranhão e houve murmúrios das pessoas que estavam assistindo.

Concentre-se, concentre-se. Murmurei para mim mesma. Deixei que meus sentidos tomassem conta de meu corpo e dessa vez fui eu quem atacou. Mantendo a espada á frente fingi mirar na barriga da amazona e então girei para acertar seus joelhos. Golpes baixos, lembrei. Mas ela foi mais ágil, pulou e caiu sobre minha espada, aproveitando que minha arma estava presa sob seus pés ela chutou meu peito e eu rolei para longe.

Quando o mundo parou de girar como um carrossel, vi Éphine vindo em minha direção, ela desceu a espada enquanto eu ainda estava no chão, concentrei-me e com a imagem da espada parecendo vir em câmera lenta foi fácil pará-la, juntei as mão e prendi a lâmina entre elas.

O murmúrio entre as amazonas aumentou e vi pela primeira vez Éphine revelar uma cara de surpresa. Com um impulso ergui as duas pernas e a empurrei para longe, suas costas bateram de encontro com a parede do lado de fora de uma casa, a luta não se concentrava mais na arena. Recuperei minha espada e corri até ela, ataquei, mas ela desviou e a espada apenas raspou a madeira atrás dela.

Recuperada ela atacou de novo, coloquei minha espada à frente para proteger-me e as armas se chocaram violentamente. Éphine era extraordinariamente forte, senti meu braço amortecer ao segurar seu ataque.

A luta continuou com estocadas e divididas, seguido vinte minutos de briga estávamos cansadas e com vários arranhões. Foi aí que Éphine revelou sua arma final, com um puxão na bainha de sua espada ela a dividiu ao meio, a arma era na verdade duas espadas fundidas. Com uma arma em cada mão ela atacou. Segurei o golpe da primeira espada, mas a segunda arranhou minha bochecha.

Tentei atacar, mas Éphine parou minha espada fazendo um X com as suas. Então ela chutou minha barriga e senti o ar deixando meus pulmões, sem conseguir respirar direito cai de joelhos. Éphine se ajoelhou ao meu lado e sussurrou ao meu ouvido.

– É uma pena que não vá conseguir o cinturão, mas não se preocupe, terá um funeral amazônico.

Com um pequeno riso irônico ela levantou-se e ergueu a espada para decepar meu pescoço. Minha mão fechou-se em punho sobre a bainha de minha espada e meu corpo inteiro tremeu de raiva. Como ela era capaz de falar aquilo? A vida dela de certa forma dependia de mim. Custei a lembrar para mim mesma que ela não tinha ideia da missão em que estávamos, mas a raiva tomou-me conta rapidamente e senti uma força estranha, uma força divina dentro de mim.

Vi a espada da amazona em sua mão direita vindo devagar e a espada da sua mão esquerda aproximando-se lentamente do lado direito de meu corpo. Senti sua respiração arfante, ergui minha espada e bloqueei o golpe que vinha de cima, com cuidado desviei com a própria mão o golpe que vinha da direita. Fiz tudo muito rápido e quando meus olhos encontraram os de Éphine senti o medo por trás deles.

– Co... Como fez isso? – sussurrou ela largando uma das espadas e segurando a outra com as duas mãos.

Levantei-me e ataquei enquanto ela bloqueava todos os golpes, mas a amazona estava ficando exausta, quanto a mim era como se recém houvesse começado a lutar. Coloquei toda minha força no último golpe e no momento em que as espadas chocaram-se Éphine não foi capaz de manter-se segurando a dela e sua espada voou para metros de distância da dona.

Ela caiu de joelhos com as mãos para cima em forma de rendição, apontei minha espada para seu pescoço e me vi em uma situação complicada. É claro que eu lembrava muito bem de Hipólita ter dito que a luta seria até a morte, mas eu estava tão preocupada em ser a vítima que nem havia pensado na possibilidade de ter de matar Éphine.

Aquilo era ridículo, eu não poderia fazer isso. Baixei a espada e estendi uma mão para Éphine, ela ergueu os olhos desconfiada.

– Não vou matá-la. – falei alto para que todos pudessem ouvir. – Não é a coisa certa a fazer.

Éphine segurou minha mão e eu ajudei-a a levantar-se. A multidão aplaudiu, mas Hipólita permaneceu quieta me encarando. Aproximei-me devagar da rainha e ajoelhei-me aos seus pés.

– Desculpe, mas não posso fazer isso.

Hipólita continuou calada e então se virou para Éphine.

– Éphine, você admite que foi Gabrielle quem venceu a luta? – perguntou.

A amazona fez um pequeno aceno com a cabeça.

– Muito bem. – Hipólita ergueu-se e fez sinal para que eu também me levantasse, uma amazona aproximou-se da rainha e lhe entregou algo envolto em panos.

– Estenda as mãos. – pediu Hipólita.

Entreguei minha espada à Annabeth e fiz o que ela pedia. Hipólita retirou os panos e colocou o objeto sobre minhas mãos.

– Parabéns, você mostrou nobreza e humildade. Era esse o objetivo da luta. Não há dúvidas de que você mereceu. – completou.

As amazonas explodiram em festa, ouve tambores e cantos, senti os abraços de Annabeth, Percy e Jéssica. Não pude me conter, abri um grande sorriso e senti meu rosto iluminado pela luz dourada do cinturão de Hipólita que estava em minhas mãos.

Após cuidarem de meus ferimentos e de comermos um delicioso banquete de fim de tarde Annabeth, Percy, Jéssica e eu nos encontrávamos sentados ao redor da fogueira observando o cinturão em minhas mãos.

– O que faremos com ele? – perguntou Jéssica.

– Sinto que devemos enviá-lo á Zeus, como aconteceu com a maioria dos monstros que matamos. – comentei.

Na verdade eu queria entregar o cinturão á Zeus para mostrar que havíamos conseguido mais uma tarefa, mostrar que nada poderia nos impedir.

– Como faremos isso? – indagou Percy.

Eu parei para pensar e então meus olhos caíram sobre o altar erguido para Ártemis.

– Á moda antiga. – respondi.

Fazer um altar não foi muito difícil Percy, Annabeth e Jéssica me ajudaram, recolhemos várias pedras e em alguns minutos improvisamos um. A noite já estava chegando e as amazonas reuniram-se ao redor do altar dedicado á Zeus, que na verdade não era o deus o qual elas cultuavam, mas resolveram que se iríamos oferecer algo era melhor elas também o fazerem para mostrar que tinham respeito pelo deus do céu.

Após as amazonas darem suas oferendas peguei o cinturão de Hipólita, aproximei-me do altar, o coloquei sobre as pedras, me afastei e ajoelhei-me. Percy, Annabeth, Jéssica e todas as amazonas fizeram o mesmo. Ergui as mãos para o céu já pontilhado de estrelas e falei:

– Á Zeus, deus dos deuses olimpianos, senhor do céu e dos trovões ofereço o cinturão de Hipólita.

Como em nenhuma oferenda anterior um forte feixe de luz desceu do céu e iluminou o altar, quando a luz atingiu o cinturão foi como se a noite virasse dia por um momento e então o cinturão simplesmente desapareceu. Logo depois um trovão ecoou no céu sem nuvens.

Todos nós levantamos devagar e após um profundo silêncio Hipólita disse:

– Tudo bem, agora acho que é melhor voltarmos à fogueira e terminar a refeição antes de irmos dormir.

As amazonas a seguiram de volta à fogueira, vendo que eu não me mexia Percy, Annabeth e Jéssica voltaram-se para mim.

– Você não vem? – perguntou Annabeth.

– Daqui a pouco. – respondi.

Ela concordou e os três seguiram para a fogueira. Eu me dirigi lentamente para o altar de Ártemis e me lembrei das histórias antigas em que os gregos sacrificavam uma virgem à deusa em certos rituais. Como minha mãe podia permitir aquilo? Ela, sobretudo devia proteger as jovens castas e não aceitá-las em sacrifícios.

– Só porque os mortais fizeram tal coisa não quer dizer que aprovamos isso.

Dei um pulo e quando virei-me vi Ártemis à minha frente. Foi uma aparição repentina eu não sabia o que fazer, olhei para as amazonas ao longe, mas nenhuma parecia ter percebido a deusa.

– Aconteceu alguma coisa? – perguntei.

Ártemis parou ao meu lado e tocou o altar, o toque da deusa iluminou a grande pedra e os desenhos pareceram criar vida.

– Não. A propósito, foi uma grande ideia oferecer o cinturão à Zeus, pois seus ânimos não estão muito bons ultimamente. Eu só vim lhe avisar que não deve esperar, deve partir em direção ao Mundo Inferior ainda hoje à noite, o tempo não é algo que está ao seu favor.

Lembrei-me do aviso de Hera para que não perdêssemos tempo.

Nós ficamos em silêncio, eu podia sentir a aura divina de Ártemis enchendo o lugar onde estávamos. Repentinamente lembrei-me de meu pai. Era a oportunidade perfeita para que Ártemis me contasse sobre ele. Era impossível saber qual seria a reação da deusa, mas eu tinha que tentar.

– Hipólita me contou sobre meu pai hoje à tarde. Eu gostaria de tê-lo conhecido. – falei.

Ártemis suspirou.

– Seu pai era um bom homem, mas eu fui tola em deixar-me levar, eu deveria ter aprendido com o ocorrido com Órion. – ela fitou as estrelas e eu segui seu olhar.

Lá estava, a Constelação de Órion. Eu conhecia muito bem a história. Órion era um gigante caçador pelo qual Ártemis apaixonou-se. Apolo aborreceu-se com a aproximação dos dois, enviou um escorpião que perseguiu Órion até o caçador entrar no mar para se salvar nadando para longe. Então, Apolo chamou sua irmã, Ártemis, e a desafiou a acertar no pequeno ponto que se movia no mar. Ártemis impecável em sua pontaria e sem saber do que se tratava acertou em cheio Órion. As ondas levaram o corpo do caçador até a praia e Ártemis ao ver quem era ajoelhou-se sobre o corpo do amado e em meio às lágrimas transformou Órion em uma constelação.

– Órion deve ter sido um ótimo caçador. – comentei.

Ártemis desviou o olhar da constelação.

– Eu posso não ser boa em demonstrar sentimentos, mas até agora você me orgulhou muito Gabrielle. – disse ela.

As emoções dentro de mim começaram a rodar como em uma roda gigante, mas consegui manter o controle.

Devagar Ártemis envolveu minhas mãos nas dela e senti algo inexplicável, como um calafrio, uma sensação de proteção, de força, de incentivo. E lembranças de quando ela tocou-me ainda bebê passaram como flashes. Uma sensação diferente, a sensação do toque de deusa e especialmente materno de Ártemis me invadiu.

Ela passou a mão por meu rosto e pela primeira vez vi o rosto de meu pai, eu sabia que era ele, pois vi traços meus nele. Ele tinha olhos azuis, cabelo loiro, barba por fazer e sorria para mim ainda bebê como se não houvesse perigo algum. Ártemis estava realizando meu desejo de conhecer meu pai.

Sem que eu notasse uma lágrima escapou por meu olho e Ártemis retirou as mãos. Todas as boas sensações se foram e me vi novamente no mundo em que eu tinha missões para cumprir.

– Obrigado, muito obrigado mãe. – agradeci.

– Eu confio em você, seja forte, pois logo você enfrentará um difícil desafio, e lembre-se do que eu disse vocês não tem tempo a perder. Adeus Gabrielle.

Eu queria pedir para que ela esperasse, para que ficasse mais um pouco comigo, mas achei que iria parecer uma criança boba. Além do mais, ela já havia sumido em um clarão prateado. Fiquei pensando o que ela queria dizer quando mencionou um forte desafio. Com uma última olhada para o altar segui em direção à fogueira para falar com Percy, Annabeth e Jéssica.


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Notas finais do capítulo

A jornada de Gabrielle, Percy e Annabeth, aproxima-se do final. Mas como Ártemis disse, o próximo desafio pode não sair como esperado. Uma surpresa inesperada, tanto para Gabrielle, como para os leitores, será revelada no próximo capítulo. Um dos versos da profecia irá se cumprir.



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