Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 20
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Pra completar o combo e segurar vcs por uns ~dias~ rs
Delicados dias para a galera de MoE...

Enjoy!



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Noutras vezes quando Murilo questionava pela milésima tricentésima quinquagésima nona vez se eu estava bem, já teria mandado ele tomar lá naquele lugar. Não dessa vez. Não me canso na verdade de suspirar e de assentir que sim, e entre um caso e outro, deixo que me abrace ou me roube um carinho ademais. E ele que “nem gosta” disso, praticamente se jogava em cima de mim sem se importar com qualquer reprimenda minha. Bom, acho que ele notou que eu tinha dado uma amolecida. Nesse caso pelo menos.

Contra sua natureza, ele não se aproveitou muito. Por incrível que pareça.

Ele me dava espaço também. Esse espaço infelizmente era mais por eu ter que estudar mesmo, havia uma prova pendente para realizar e fechar definitivamente meu semestre. Ainda assim, Murilo preferiu faltar no trabalho para ficar comigo em casa, por sempre me levando algum mimo, não importando se era ou não hora de um break, e por esse tempo perdurava certa paz.

Foi fazendo carinho nele que descobrimos um “galinho” no alto de sua testa. Quando Murilo me seguiu na avenida, correndo, e que eu entrei no ônibus, o senhor que esperava sua vez no ponto de ônibus pensou que meu irmão fosse algum bandido que estivesse me perseguindo. E atacou o Murilo quando o transporte se foi. Bateu nele com a bengala de madeira.

Tipo, bateu mesmo!

A adrenalina àquela hora fora tão tensa que meu irmão mal sentiu. Só muito depois que notou uns pontos doloridos em seu braço e ombro, onde também foi atingido. Na realidade, ele quase não deu importância a isso de tão alucinado que se encontrava. Poucas foram as horas em que ele se aquietou. E quando se aquietava, parecia pior. Foi o que Aline me deixou escapar. Ainda não me informaram sobre o que houve dentro de casa, só colho pedaços de história de um e de outro. Foi Vini e Gui que tiveram de segurar meu irmão, que parecia um maníaco a qualquer coisa que diziam.

Traçar caminhos pelos fios de cabelo dele – também foi assim que descobrimos umas marcas por seu pescoço daquela doida recente catapora que teve – e fazer aquele carinho que mais amava me puxava para encará-lo. E lá, naquelas pupilas atentas a mim com todo cuidado, podia ver o desespero e a ânsia ainda impregnados nesse ser. Estava abalado, é o que quero dizer. E não só pelo fato de eu ter fugido e sumido, mas as "provas" de que algo bem ruim havia acontecido. Como aquela história de Yuri ter me visto.

Só de cogitar a ideia de eu ter entrado num carro com estranhos, a cabeça de meu mano imaginou coisas terríveis, as mais extremas possíveis. Temia ele não ter que ir na polícia dar parte de meu desaparecimento, mas sim para hospitais, senão nas próprias delegacias, chamado por algum acontecimento. Que, pelo meu estado suscetível, qualquer um poderia se aproveitar.

Não era bobeira.

Falhei muito nisso, é o que me recrimino. Uma vez até tinha prometido a Vinícius que nunca iria mais fugir dele como já havia feito, que, se brigássemos, apenas diria pra se afastar. Aquela preocupação dele era real e eu não a considerei, fiz foi assustar novamente. Do tipo, assustar mesmo, aos dois. Me joguei ao risco em profunda loucura. Tanta coisa poderia ter acontecido comigo!

E pela primeira vez em anos Murilo culpou a pessoa certa. Denise. E foi por essa hora que bateu um ódio mortal que ele saiu revirando a casa. Que não estava por toda arrumada, percebi depois. Quer dizer, senti falta de uns vasos e porta-retratos que eram de vidro, a Tv tava deslocada e com umas lascas de arranhões, a mesinha da sala estava bamba, e o tapete da sala fora removido. Não chequei o lixo da cozinha, aquilo me foi o bastante até então.

Agora ele sabia. Tudo. Sabíamos mutuamente. E eu estava conseguindo lidar, aos poucos. Ainda o pegava muitas vezes nervoso, sofrível, engolindo a seco seu medo, seu tremor. Nessas horas eu tomava meu mano no colo, não importava o estudo que tinha nas mãos, tomava de conta dele até perceber que aquilo tudo tinha passado. Detonei de novo sua cabeça, mas estava ali, disposta a acalmá-lo, e não a aterrorizá-lo mais como às vezes eu fazia.

Não iria mais me martirizar por isso, nem sacrificar minha relação com Murilo.

– Vou deixar você estudar.

Estava sendo um pouco duro de meu mano aceitar que aquilo era real, que eu estava “sã e salva”, seguindo em frente. Como me confessou durante o café-da-manhã, ele já tinha sonhado muitas vezes com isso, tanto dormindo quanto acordado, então meio que duvidava o que era sonho, o que era realidade. Como se ele pudesse uma hora se tocar de que foi tudo ilusão, e ainda havia toda uma névoa ruim nos pairando. Estava tão acostumado a sofrer que sair desse limbo era inacreditável.

Assim ele evitava me deixar a qualquer custo.

Na noite anterior, mal processando as coisas, ele, acabado, tinha muito de seus receios. Na hora de dormir, levantou-se de minha cama após uma conversa sobre meu feitio com Flávia e Gui, por eu ter espionado eles, disse que me deixaria, por uma velha lição que eu havia dado a ele, sobre ter senso de que eu estaria bem, e de que não era necessário ficar em cima de mim se certificando disso.

Só que eu... não queria isso. Não essa noite.

– É melhor eu... errr... eu ir para meu quarto.

Levantei-me um pouco, toquei em seu ombro antes que saísse. Ele estava confuso, mas ainda muito perturbado pelos acontecimentos, pelo seu senso-mor de proteção e, claro, sua nova índole, então ele titubeava.

Eu, por outro lado, estava muito certa do que queria. Assim deixei claro.

– Espera, Mu... Fica.

– Mas você disse daquela vez que... que eu preciso te dar espaço.

– Quero que fique. Preciso que fique aqui, essa noite.

Ele não resistiu mais, só vi a serenidade tomar seu aspecto, quase aquele meu sorriso besta favorito, maravilhado com meu pedido. Não era que não queria ficar sozinha, é que, de fato, tava precisando de um pouco dessa sua proteção, dessa segurança. Dele em específico. Não seria o mesmo se fosse Vinícius ali do lado, e não falo por fazê-lo menor, não, eram coisas totalmente diferentes.

Vini sentiu que era preciso nos deixar a sós, embora relutante que fora embora. Só não apareceu ainda por justamente Djane ter frisado bem que era uma coisa minha e de Murilo, que tempo era pra ser dado. A carinha dele não foi das melhores, mas concordou. Prometeu que mais à noite do dia seguinte voltaria novamente.

Assim pudemos nos concentrar um no outro, eu e Murilo, para então dormimos mais tranquilos. Não sei quem foi o primeiro a cair no sono, mas, dado um momento na madrugada, abri os olhos, e vi, pela luz amena do abajur, que meu maninho tinha finalmente uma expressão de paz, totalmente apagado, apesar de cansado.

Me aconcheguei mais ao meu travesseiro, cedi um pouco mais do lençol e sorri, por estar ali, e ele comigo, como achei que não teria mais. Ele não virara as costas, afinal. E que idiota da minha parte foi cogitar isso. Mal senti que havia tombado na cama, fora uma noite sem sonhos e/ou demais perturbações, que rendeu mais do que pude imaginar.

Quase pensei estar no quarto de Vini quando, grogue, acordei pela manhã e vi as horas marcando já praticamente o fim dela. Murilo não estava mais deitado, logo apareceu, no entanto, dizendo que também tinha acordado não fazia muito tempo e rimos mais bestas ainda por não termos coragem de fazer café da manhã, menos ainda almoço.

Não era dia de dona Bia, além de que ela ainda estava de folga por motivos de saúde. Como ele não queria abusar de ninguém, teve que sair para comprar algo. Fizemos apenas um achocolatado básico antes de mais nada. Almoçamos tarde, preguiçosos. Aí eu tomei um bom banho para criar coragem de estudar (ou pelo menos passar uma vista na matéria).

Contudo, era difícil se concentrar quando hora e outra meu mano aparecia à porta, pra se certificar de que eu estava no quarto, me fazendo suas clássicas perguntas, as quais eu respondia, muito calma. Isso até eu insistir para ele ficar logo no meu quarto, o que eu acabei estudando foi nada praticamente.

– Tudo bem, eu só tava revisando. Não preciso de muitos pontos pra passar e ainda sei da matéria.

– Não tá dizendo isso para me fazer sentir melhor, está?

– Não. Se fosse o caso, se eu tivesse muito para estudar, já teria te tacado um desses livros na tua cabeça. No exato local desse teu galo.

Queria para sempre esse sorriso estampado em seu rosto!

– Provavelmente teria mesmo...

Um pouco cansada de revisar, aproveitei esse break e fui para sala, ao que ele me acompanhou, liguei a Tv para acabar com aquele silêncio. E assim assistimos juntos a uns episódios gargalhantes de Friends, com direito a gelatina (ele comprou quando saiu para pegar nosso almoço) e chocolate. Isso até meu celular tocar e eu hesitar uns segundos antes de atender, ao que Murilo notou.

Não adiantava enfim o quanto a gente adiasse, ou só aproveitássemos esse tempinho para respirar e nos tranquilizar, pois mais cedo ou mais tarde seríamos golpeados novamente com a verdade. Não apenas ter ciência dela, mas falar sobre, desabafar, e ouvir-nos alto e claro. Aquela nuvem carregada pairava.

Era hora de deixar que chovesse então.

– Alô-ô? Oi... Eric.

~;~

Se achei que tinha perdido muito da parte alucinada de Murilo com raiva, descubro-me terrivelmente enganada pelo que pressinto pelo clima na minha sala.

Da ligação de Eric, improvisei um encontro em minha casa, afinal, ele estava total por fora dos últimos acontecimentos. Na sua cabeça, eu ainda repensava o caso, como me pedira. Esperava pela minha decisão, que também representava sua liberdade.

Quando o atendi na porta, não deu tempo de eu trocar mal duas, três palavras com ele, pois Vinícius apareceu logo em seguida, também requisitado para aquela reunião de última. Não havia como proceder com aquilo sem os meus dois homens, mas não minto que imaginava Vini como aquele que poderia segurar Murilo para qualquer coisa ademais. O que provavelmente teria de segurar, pensei, só por ter em mente tudo de novo.

Talvez Murilo não estivesse preparado para aquilo. Eu tinha minhas dúvidas, hesitava. Mas quem estava? Quem pode se preparar? Mesmo com todas as chances do dia a dia, a gente resiste, diz que precisa de tempo e o todo o tempo passa sem que possamos fazer algo. Porque sempre haverá coisas acontecendo.

Então eu fitava meu mano e, só de vê-lo respirar, só de ver aquela dor se dissipando em cansaço de tudo, repensava meus receios, que ele merecia mais de mim. Fui falha o bastante por muito tempo, admito. Não só admito, como espero por descarregar. Seria essa minha chance de ceder o que tanto evitei esses anos.

A confiança.

Perdi tantas chances de dar-lhe essa confiança que agora estou tendo que pagar um preço alto. Continuo a detonar a cabeça de meu mano, é isso, e contornar por agora não tem jeito. Ou escancaro logo de uma vez ou para sempre ficarei guardando as metades que preferi encobrir. Não tem jeito.

Por ter sido eu quem foi receber Eric, praticamente o que teve foi um abraço e ele disparando mil questões sobre o ocorrido. Ou pelos menos as poucas partes que citei no telefone. Informei que aquilo pelo que tanto esperava havia acontecido... que descobriram a verdade.

Murilo o recebeu acanhado, por ter noção de que Eric nada teve a ver senão ser uma das vítimas. Ficou um clima estranho entre os dois enquanto se encaravam e sentavam na sala.

O fato é que sabíamos partes de um mesmo acontecimento, havia muitas lacunas pra se preencher. Percebi que assim como eu desejava entender o resto, eu precisava contar a minha parte para poder ouvir as outras. Por isso optamos por uma reconstrução de fatos, foi o que melhor veio a calhar para se começar aquilo. A propósito, eu quem deu partida, já que os três deram a entender que nenhum deles se sentia no direito.

Eric não compreendeu bem de início, achava que eu que havia contado de primeira mão, assim, na lata, pelo pedido que havia feito. Sentia-se culpado até, embora muito certo de que aquilo fora necessário.

No sofá de três lugares, fiquei na ponta que se aproximava da poltrona, onde Murilo preferiu sentar e Vinícius permaneceu de pé, atrás de Eric, quem ficou na outra extremidade do sofá. Quando expus que não fora eu quem contara, e que na realidade me deu pânico por me confrontarem, Eric não esperou boa coisa. Ao saber que eu havia fugido, ao que Vini afirmou por eu não ter conseguido tirar as palavras da minha boca, ele parou por um segundo, assim, atônito, para então disparar novas e aflitas questões:

– Ela fugiu.

– Ela o qu...? Quando? Como? Por que não me ligou, Leninha?

Apenas amassei um lábio no outro para me dar tempo de arquitetar algo que não o assustasse mais que isso, só que meu silêncio foi interpretado de outra forma, imagino. Capaz de achar que eu estava me fechado, Eric se alterou, levantou-se bruscamente. Foi a hora que larguei de pensar demais e as palavras saíram num jato antes que eu pudesse as segurar:

– Droga, eu teria te ajudado!

– Eu sei! Mas imaginei se Murilo ou Vinícius já não tinham te alcançado, ou sei lá... Eu só quis sumir, ok? Tava muito sentida pelo sábado e...

Foi aí que se descobriu que Vinícius não havia compartilhado todas as informações com meu irmão, pois ficou claro que Murilo não sabia de sábado. Com aquele seu porte de protetor, não entendendo do que falávamos, e que era sério o bastante, ele se levantou já carregado por certa ira de não ter sido informado disso.

Quando questiona “que porra foi essa de sábado”, que deixa a marca de uma crescente indignação e estreita os olhos, Murilo se direciona para Vinícius. Ele o acusava.

Não é que meu irmão não soubesse de tudo, só não tinha ciência do que aconteceu no sábado, ou que a razão de tudo ter explodido da maneira como aconteceu ter relação com Anderson e com aquele dia em que meu mano me pegou quieta demais no quarto. Estranhou demais meu comportamento, só que ele não fez a ligação certa de que havia alguém por trás me ameaçando.

Isso toca no seu velho senso de violência.

– Eu CONFIEI EM VOCÊ. Como não me diz tamanh...?

De primeira fiquei sem ação, por ficar avaliando cada um naquele espaço e imaginando quem iria avançar em quem, o que eu poderia fazer a respeito. Vini, por outro lado, tenta se explicar, mostrar que foi levado a filtrar os fatos, o que concordo até, em vista de... o que teria feito meu irmão?

– Foi... foi muito para despejar assim, cara.

Vinícius toma uma postura cuidadosa conforme meu irmão tenta alcançá-lo a passos calculados. Assim eu corro, contorno o sofá pelo outro lado e me meto entre eles. Isso não impede o sentimento raivoso de Murilo, que parece só ver essa questão no momento.

Ele respirando alterado não é bom sinal, ok, nem toda essa trinca que é a mandíbula ou seu porte enrijecido como se reunisse forças para bater em alguém. Em Vinícius, na verdade. Mas nada consegue ser tão pior ou perigoso que sua expressão. Havia um tamanho vinco em sua testa, um misto de cólera bufante, revolta e confusão. Sem demora, ele explode:

– MUITO? Não tava nem aí se era MUITO, contanto que... DROGA, VINÍCIUS! Eu jogava com aquele cara. E ele tava tocando terror na minha irmã!

Me preparava pra segurar Murilo se fosse o caso, nem vi que Eric também tinha se movido para apartar, bem diferente do que eu havia imaginado mais cedo. Não acreditava que aquilo tava acontecendo. Quer dizer, Murilo se virando contra Vinícius? Depois de tudo? Era... surreal, absurdo demais!

Mais louco ainda por Vinícius responder com raiva também, só que de Anderson. E revelar outro dado que faz meu irmão quase parar de respirar pela fúria que o acomete.

– E você acha que não fiquei maluco também? Ele me enganou! Ele nos testou!

– Ele o quê?

~;~

Se era pra ser extrema, eu estava sendo.

– ANDA. BATE. BATE QUE EU QUERO VER.

Saí da frente de Vinícius e puxei Eric para dar espaço.

O que eu fazia? Pilhava meu mano numa jogada arriscada.

Como quando Filipe se enfrentou com o filho na porta de minha casa, que eu não pensei e apenas me lancei com meu sogro, trancando o Vini do lado de fora, me arrisquei. Murilo mesmo disse que eu havia me prendido com um psicopata. Na época, expliquei que eu tinha de fazer alguma coisa, qualquer coisa, só para pará-los, não importasse o quê.

Com Vini e Murilo em crise perante mim eu preciso fazer algo novamente. Não é nada com força do braço que as coisas vão se resolver, e não, eu não vou me jogar em sacrifício, não, dessa vez eu penso, e rápido.

Murilo precisava de um choque.

Infelizmente eu não teria como arranjar um aparelho daqueles que possuem alta voltagem pra dar aquele restart nos seus neurônios, mas eu podia dar a ele algo que fizesse sua mente trabalhar. Dessa vez, trabalhar para o lado certo. Já havíamos todos gritado e nos defendido sob o sangue quente:

– Hey, gente, sem briga, não v...

Mas Murilo não quis dar trela para Eric, empurrou ele, que estava ali a postos para barrá-lo.

– E tu te cala que eu ainda nem comecei contigo.

Aí eu gritei para ver se conseguia a atenção de todos.

– Gente. GENTE!

Em vão.

– Não, Lena, não dá pra ser passível, sinto muito.

E foi aí que minha falsa condescendência me brilhou uma chance de virar o jogo. Se Murilo ia dar uma de violento, resistir só daria mais força a ele.

De qualquer forma, era arriscado.

– Ah sim, porque bater no Vinícius vai resolver muito agora.

Psicologia inversa, o que seja, eu precisava chamar a atenção de meu irmão, fazê-lo despertar do que estava fazendo, do que o corroía. Se permitisse que levasse isso pra frente, ele ia se perder na própria fúria. Por isso saí de sua frente.

– ENTÃO BATE. BATE SE ACHA QUE VAI SE SENTIR MELHOR.

Eles poderiam se enfrentar na minha frente, era uma probabilidade. Mas o que era aquela pulsão violenta perto de tudo que passamos os três juntos? Vinícius foi aquele que se provou digno nas avaliações feitas por Murilo mesmo, quem persistiu quando os problemas nos golpearam, quem esteve do nosso lado, e mesmo se não estivesse, tinha uma tamanha consideração que não permitia se desligar da gente. Isso sem falar da forte amizade que eles dois desenvolveram, quase irmãos. Murilo iria mesmo jogar tudo para o alto... por causa de uma reles informação? Que Vinícius não cedeu?

Essa raiva toda não era por ele.

Barrei Eric, que não tava entendendo minha jogada e lancei de novo a sorte:

– ANDA, MURILO. VAI. BATE.

Ele não consegue. Urra e dá pra trás, se distancia de nós, confuso. A volta da sanidade dele é que me faz respirar de volta, que tomo um longo fôlego de alívio por ter dado certo. Por nenhum momento olhei para trás para checar como Vini estava, minha atenção por completo era em meu irmão. Como Murilo também lutava para deixar aquele seu velho eu para trás, aquele que parte para cima antes mesmo de perguntar. Que se deixa levar pelo que acredita ou que o fizeram acreditar.

Não poderia julgá-lo por isso, mas sim mostrá-lo o caminho do bem. Agora ele sabia por que não podia, atingi sua mente, que então estava em ativa para barrá-lo daquele jeito. Só precisava fazê-lo admitir. Mais que isso, eu tinha que tomar as rédeas daquela confusão toda se quisesse me ver livre de verdade dela.

– Você já tem tanto com o que lidar, Mu, vai mesmo ser o fraco agora? Vai mesmo se provar aquele que não vale a confiança? Iria bater no seu melhor amigo?

– Não... NÃO. DROGA, NÃO... Não!

Sem me atentar para mais nada naquele espaço, tomo um passo para chegar até ele, que se mantém de costas para nós, perturbado, inquieto. Sinto que se esconde dele mesmo pela forma com que se fecha em suas mãos, como elas apertam sua cabeça.

Eu sabia bem o que era vergonha. Eu sabia bem... o que era aquela batalha.

As amarras de Murilo eram a superproteção, a qualquer preço.

A despeito das últimas horas de paz que tivemos, sabia que havia umas últimas fagulhas atormentando meu irmão. Elas dessa vez foram pegas no flagra. Se diziam ter amainado, se diziam ter se esvaído. Mentira! Isso era mais fundo!

– Mano...

A voz fraca sai abafada.

– A-agora não, Lena.

Só que isso não ia me quebrar, não, eu tenho de ir em frente!

Ele precisa me ouvir!

– Eu t-também não aguento mais, Mu. Entende? Ok que Anderson me ameaçou, só que se ele não tivesse feito isso, o que seria de nós hoje? Chegamos ao extremo.

Murilo enfim se expõe, como nunca antes, nunca havia feito para mim. Enquanto não tivéssemos uma situação para lidar, talvez essa sua capa não caísse e ficasse à espreita para qualquer coisa. A máscara cai, ele abaixa os braços, derrotado.

Era hora de puxar essa capa também.

– Eu d-devia t-te protege-er.

– Você não tem força suficiente para lutar contra o mundo, maninho. Aceite isso, apenas. Não estou dizendo para me deixar às avulsas, não, estou dizendo que nem de tudo você poderá me safar. Alguns erros eu tenho de cometer e você não pode querer consertar. E acima de t-tudo, não prejudicar a si mesmo no processo.

Meu irmão se vira numa conturbação só, os ideais do velho Murilo se revelando. O que ele tanto guardava, e me escondia até. Já sabíamos da existência desse seu lado mais obscuro, que não se tinha mais que indícios ao dia a dia, já havíamos conversado sobre isso, mas dessa vez a situação em si pede, exige dele, para que tome a decisão certa. Ele está vendo que essa é uma postura desgastada. Preciso que veja que ela não mais vale a pena de carregar.

– Mas eu prometi qu...

– E eu prometi que nunca viria a te contar essas atrocidades. Não sabe quantas falsas crenças eu tive que quebrar dentro de mim para poder aceitar. E aceitei, maninho.

Resistente, ele nega com a cabeça, não seria fácil. E já estamos longe demais para eu ou ele dar para trás. Quando bate ao peito, ele faz com força. Uma força pautada infelizmente na sua maior fraqueza.

– Mas... mas... tem tanto ódio em mim que agora... por não ter... não pude... nada... Eu nunca senti tão forte isso aqui dentro.

A velha impotência desde aquele incidente quando éramos crianças.

Que eu descobri na noite que ele relatou para Vinícius.

Dou um passo para mais próximo dele, vou com calma. Ele também se aproxima, me afaga o rosto, porém o seu ainda exprime aquele mártir.

– Eu sei, lembra? Foi um acidente. Você também poderia ter se machucado.

– Mas quem se machucou foi você! Até hoje tem essas... c-crises...

Sustentar essa crença era demais para ele mesmo, Murilo precisava se ver!

Mas já estive desse lado, também fui cega. E como fui.

Por isso me preencho de determinação, para então convencer essa sua cabecinha. Encaro-o direto nos olhos e retiro sua mão de meu rosto. Aperto-a no entanto, e a seguro comigo à altura do coração. Murilo vai ouvindo devagar, os olhos que ora caem, desfocados, ora voltam, marejados, tudo vai fazendo efeito aos poucos.

– Também não entendo o que são essas crises, mas... sinto... Sinto que não se trata disso. A Dani, por exemplo, ela tem pânico, mas também teve pesadelos. Eu nem tenho a mínima lembrança. Aconteceu, apenas, foi um acaso. Você se danifica por achar que me danificou. E criou essa rede de proteção. Mas ela não abarca o mundo. Preciso que esteja disposto a se desamarrar disso para poder te ajudar. Preciso que seja forte.

Como se eu estivesse duvidando ele, Murilo tenta se reafirmar.

– Eu sou forte... por você.

Rio sem humor, disso eu tinha certeza, porém...

– Não, não por mim. Forte por e para você mesmo.

Devolvo então a mão que tinha comigo e elevo-a ao nível do coração dele.

– Acha que consegue?

Ele abaixa a cabeça por uns segundos, se apoia em mim. Quando levanta, inspira forte e assente. Nos afirma:

– Acho que eu posso tentar.


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Notas finais do capítulo

Acham que o Murilo aguenta o tranco? :)
Bom, ele tem que tentar, né.



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