Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 145
Capítulo 144


Notas iniciais do capítulo

VAMOS DE INTERVENÇÃO?
Prometo ser das boas - não como aquela que fizeram com a Djane zangada hahaha

ENJOY!



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Estou de castigo e nem estou reclamando.

Isso mesmo, de castigo. Pelo Murilo, por Djane e pelo médico. Sim, médico.

Depois daquela minha queda de energia na faculdade, a coisa piorou. Eu não consegui levantar no dia seguinte. E tive febre um pouco alta e um cansaço enorme. Murilo me fez bater na emergência. Acontece que eu tava tão cansada que mal vi o que ocorria. Cada piscada minha que dava, me descobria em outro lugar. Sei que tomei um pouco de soro. Era gripe, mas também era exaustão e que precisava maneirar, descansar.

Nem precisei me preocupar de estar assustando o Murilo, pois ele achou foi bom, vez que agora eu teria um atestado pra me afastar das coisas. E assim perdi mais dias de aula e de trabalho. Aquele papel tinha um poder enorme – menos o de arrumar minha vida.

Não que eu tivesse muito interesse nisso. Não tinha muito interesse em nada. Mas sento no sofá pra configurar a televisão, pra me ocupar um pouquinho e estar com uma cara melhor quando o namorado aparecesse.

Ia passar Velozes e Furiosos 3 de novo e o convidei pra passar o sábado comigo.

Digo “de novo” porque foi um dos assuntos que tanto ele quanto Murilo usaram para engatar uma conversa comigo quando eu estava fora do ar. Naquele domingo que ficamos eu e meu irmão off de tudo, para eu recuperar um pouco o fôlego do que lhe revelei, o Vinícius não aguentou ficar de fora e veio bater aqui em casa após o almoço.

Nem vi quando ele chegou, porque eu estava no banho. Quando fui atrás do Murilo pra saber do carregador do meu celular, vi os dois na cozinha. Estavam cuidando da louça enquanto conversavam, algo sobre a mudança de departamento do meu irmão. Vinícius parou no mesmo instante que me viu e as coisas ficaram silenciosas no mesmo instante.

— Vini.

— Oi.

Então meu irmão quebrou o clima sendo bem aleatório:

— Acho que o Velozes e Furiosos que vai passar daqui a pouco é o filme 3.

Ainda desnorteada como estava, me esquivei um pouco, porque não sabia como corresponder a sua presença. E isso o Vinícius bem notou, pois, colocando o prato e o pano de enxugar de lado, disse:

— Posso ir embora se você quiser que eu vá.

Eu não queria dizer essas palavras, embora parecessem ideais ao momento. Preferi contornar um pouco, sem me voltar para ele, só para a barra da camiseta de meu pijama.

— Mu, não achei meu carregador.

— Ah, eu peguei emprestado.

Meu mano fechou a torneira, enxugou a mão e detinha uma cara de que não queria se meter entre mim e o Vinícius.

— Tá lá no quarto. Eu... volto já.

Estando sozinha mais uma vez com Vini era estar outra vez numa posição difícil e novamente ali na cozinha. Estávamos os dois sem ação. Vini aproveitou o comentário anterior de meu irmão para dar o primeiro passo.

— Então, Velozes e Furiosos. Acha que posso ver com vocês? Faço a pipoca.

Era uma proposta bem generosa, porém, eu não aguentaria estar com ele sabendo o que tanto queria de mim e que eu não conseguiria ceder. Não aguentaria seu olhar sobre mim. Não aguentaria apenas.

— Eu sei que você quer respostas, Vini.

Ele se aproximou de mim, ficando bem rente a mim e ao meu rosto. Vi o quanto estava temeroso de qualquer reação minha e que mesmo assim não queria ficar longe. Ao pegar em uma de minhas mãos para firmar as suas, ele disse:

— Quero estar com você.

— Eu também sei ler seus olhos.

Desviei um pouco os meus, porque era complicado assim encará-lo. Mas deu pra perceber que ele cerrou os seus assim que mencionei. Deu pra perceber também que estava apertando-os, como se fosse algo muito doloroso também.

— Estou tentando... É tão difícil assim me dizer?

Dei um passo pra trás e soltei minha mão da dele.

— É, é difícil assim. É difícil pronunciar as palavras. É difícil sentir. E é difícil vivenciar mais uma vez. Eu não quero.

Sabia que estava ferindo-o assim, mas também sabia o quanto aquilo me feria. Entre ele e eu, eu estava me escolhendo primeiro. Era para ele entender meu silêncio e afastamento. E mais uma vez, Vinícius quis me puxar de volta para si.

— Lena, por favor.

— Vini, por favor você.

Ele enfim me ouve, pois parece arrependido quando falei com tamanha resolução. Arrependido e vacilante, ele se mostrou perdido nas próprias decisões e palavras.

— Me desculpa. Eu... Eu sei que tô fazendo besteira aqui. Dizendo coisas que não são pra dizer. É só... É só minha vontade de estar com você. E de fazer alguma coisa por você. Alguma coisa útil. Pode... Pode me perdoar?

Com mais um passo, ele se aproximou de novo de mim, dessa vez com um carinho ao rosto, como que para recomeçar e apagar essa conversa ordinária nossa. Vez que eu nada disse, ele tentou preencher o vazio com suas insistências.

— O que você precisar. O que você precisa nesse minuto, agora?

Nesse momento, Murilo reapareceu na sala com o carregador. Olhei dele pro Vini. A tortura do meu namorado também era minha tortura. O que eu precisava naquele minuto era de esvaziar todo esse pesar. Mas se não seria eu a falar... Foi então que bateu uma outra abordagem e me afastei. Fui até meu irmão, que disfarçava ajeitando algo no sofá.

Baixinho, eu lhe disse:

— Pode contar.

Murilo ficou um pouco atordoado e surpreso com essa.

— O quê?

— Conta pro Vini.

— Tem certeza? Não seria melhor vocês conversarem?

— Eu não consigo falar uma segunda vez. Mas te autorizo.

Com essa, peguei meu carregador e me refugiei no meu quarto. Só que uma vez lá, a agonia não passou. Tentei ao máximo me conter lá dentro e isso me deixou com os nervos à flor da pele novamente. Em algum tempo, não resisti. Abri a porta e ouvi um pouco da conversa dos dois. Estava bem no ponto que Murilo, com certa calma, dizia:

— ...e parece que a Milena queria me abraçar e abraçou ele.

— EU VOU MATAR ELE!

Vinícius se exaltou tanto que precisou meu irmão colocá-lo nos eixos. Como eu estava afastada, só engoli um soluço, pois as lágrimas estavam voltando com tudo.

— NÃO, NÃO VAI. Se eu não mato, tu não mata.

— CARA!

— Eu sei, isso foi... Eu não tenho nem palavras. Mas como te disse, a Milena é prioridade agora. O bem-estar dela é prioridade. Também tá me matando, mas reagir com violência... Isso não iria beneficiar ninguém.

Com toda a força que eu tinha, fechei os olhos diante da dor de meu irmão, de seu esforço por mim, e assim as lágrimas saíram livres. A fala de Murilo também mexeu com Vinícius, que, pelos sons, entendi que aceitou aquela determinação.

Veio enfim a conclusão.

— Com essa revelação, ela só fugiu. E foi aquilo tudo que você já sabe. Ela quebrada, ela precisando da gente. Precisando da gente reforçando todo um amor para colar os pedaços de volta.

Era assim mesmo que me sentia e me encontrava.

Quando Vini respondeu, me esforcei pra ficar longe da conversa de novo.

— Preciso vê-la. Preciso abraçá-la.

— Calma, cara. Você vai. Mas eu vou primeiro. Preciso certificar que ela tá ok pra te ver. Tudo bem?

Fechei a porta e passei a camiseta no rosto para não demonstrar meu estado. Voltei pra cama e lá fiquei, com o lençol embolado debaixo da cabeça pra dar algum apoio, observando nada em especial na meia luz do quarto. Com uma batida fraca à porta, Murilo apareceu. Pela sua voz, parecia cansado.

— Ele quer te ver.

— Se ele não se importar, eu não quero... Não agora. Não quero chorar de novo.

— Tudo bem, ele entende. E agradece a permissão. Vou ficar um tempo com ele lá na sala e o dispenso, que tal? Daí você pode ficar mais sossegada.

Eu era a prioridade, como ele havia dito.

Só balancei a cabeça em concordância e foi isso.

Agora que estou com alguns neurônios funcionando melhor e que fiz esse convite, aproveitando também da abordagem aleatória de meu irmão, Vinícius nem hesitou. Seria bom ter um momento a sós com ele. Fora que a Lia dessa vez não liberou o dindo dela e achei até melhor.

Eu só precisava terminar a configuração do aparelho mesmo. Fora o agito dos ânimos dessa semana, a televisão da sala resolveu pifar. Ela já vinha dando uns sinais – a imagem um pouco ruim, o som alterado, às vezes com chiado e uma faixa escura na tela – até que uma hora ela simplesmente não ligou. Murilo fez a troca hoje de manhã e eu fiquei de ver as opções da tela.

Não demora muito – tanto pra configurar as opções de rede, imagem e som, quanto para o Vinícius chegar. Fazia alguns dias que não o via, e, apesar de falar com ele no telefone e por mensagens, temia que as coisas estivessem estremecidas entre a gente.

Mas não. A primeira coisa que ele faz quando abro a porta é me perguntar como estou. Digo que estou melhor. Pelo seu porte, ele está receoso e cauteloso, mantendo um pouco de distância. No entanto, quando o convido para entrar, ele chega mais próximo e me abraça. Desses abraços que ele me rodeia por todo e posso me deitar no seu cheiro. Estar aninhada de volta em seus braços me dá um grande conforto e alívio. E, após aquele nosso desentendimento, acredito que para ele também.

Ainda me apertando contra si e respirando contra mim, ele diz, a meia voz:

— Senti sua falta.

E dito isso, antes que eu dissesse algo ou reagisse, ele se desvencilha de mim, segura meu rosto e me beija com delicadeza. Com cautela, mais uma vez. Por um segundo ou dois não reajo, mas senti-lo junto a mim logo me desperta. Retribuo o carinho, também matando as saudades de seu amor. Era disso que precisava. Amor.

Como o Murilo havia falado.

Não nos aprofundamos muito, ambos ainda incertos da situação. Sou a primeira a interromper, pois tinha de o lembrar de uma coisa. Sem graça, digo:

— Ainda estou um pouco gripada. Não quero passar pra você.

Ele ri, um riso ainda inseguro, desses que avalia qualquer resposta minha com receios. Mas embroma pra disfarçar.

— Sem problemas. Estou com as vitaminas em dia.

Isso não alivia muito a tensão do reencontro, porque seguimos meio pisando em ovos um com o outro. Quando eu ia fechar a porta, ele volta rapidinho no carro e traz uma sacola.

— Achei que umas gelatinas cairiam bem.

Aceito com um meio sorriso, que ele me devolve e me acompanha ansioso. Digo para que fique à vontade enquanto iria preparar uma vitamina efervescente. Ele ter mencionado o assunto me lembrou de tomar a minha. Mas Vinícius termina por me acompanhar também na cozinha.

Com as mãos segurando firme a chave do carro, ele pergunta:

— Já começou o filme?

— Ainda faltam uns minutos. Estava estreando a televisão com o Youtube e algumas músicas. Sabe, boy bands, rever letras, relembrar alguns trechos, sentir outras emoções que não fossem... Errr... Só ouvindo música confortável mesmo. Achei uma playlist com uma boa seleção. Vi que tem umas do N’sync lá.

— Ah, é? Quais?

Coloco o efervescente num copo e me viro para pegar água, ainda me sentindo um pouco deslocada. Apesar do bom recomeço, é como se me sentisse um pouco incerta de estar perto dele. Ou embromando coisas. Mas sigo a conversa.

— Hummm. Drive myself crazy, Gone, It's gonna be me. E outras mais. O que foi?

Ele olha baixo e morde o lábio.

— Nada.

— Tem certeza?

— É que lembrei que... Quer dizer... Eu ouço N’sync quando me sinto confuso. E estive ouvindo essas músicas. E lembrando de outros momentos de confusão, que não quero repetir. Quero fazer certo. Fazer darmos certo.

É, ele entrou no assunto de cara. Me desconserto toda.

— Vini...

— E como diz em Gone, se tiver algo que eu possa fazer, você me deixaria saber?

 

Trilha Mencionada: N’sync - Gone

 

Bem lembro desse trecho. A música fala sobre um relacionamento que se quebrou e um cara que sente falta da outra pessoa, esta que foi embora de casa por algo que ele não mudou. E ele se ressente disso, pensando sobre ela, sobre essa ausência, sobre esse partir. Fora que o tom da música é de partir o coração de qualquer um.

Será que ele achou que eu iria... Terminar? Me afastar? Que ele...? Me desarmo. E preciso desarmá-lo também.

— Você não era o problema, Vini.

— Eu sei, mas eu errei em...

Deixo a jarra de água de lado e me coloco a sua frente, esclarecendo firmemente:

— Você não era o problema e não é o problema. Eu não tava em mim. Não sei ainda se tô ou quando estarei. Sei que te afastei, mas é que... também me afastei de tudo. Aconteceu muita coisa de uma vez só. Mas você não foi o problema, Vini.

Me concentrei tanto no furacão-mor que não pude me atentar para os desastres pelo caminho. Ainda vi o Murilo por ali, mas o Vini, eu acabei deixando um pouco para trás. Disso eu sei. Mas não sabia que isso tinha feito tanto estrago. Que ele teria algum medo em relação a nós dois.

Ainda agoniado, ele se mantém cabisbaixo, apertando firme a chave do carro. Como se estivesse se preparando para uma nova avalanche e pronto para sair se preciso.

— Eu só... Eu quis tanto, tanto, te ajudar. Me senti tão impotente. Tão... Sem ação, sem palavras.

Toco, branda, nas suas mãos tensas, ainda de punho fechado à chave.

— Eu também.

Vinícius então me olha e fala o que estava lhe perturbando de verdade.

— Mas Mi... Parecia que... Parecia que minha presença não te fazia bem. E eu não sei nem se já está tudo bem eu vir, mesmo com você tendo me chamado. Porque... Prefiro me afastar a você me afastar outra vez. Mas ao mesmo tempo, eu não quero ficar longe.

Junto minhas mãos as suas, desfazendo todo aquele aperto, e digo, fitando-o direto nos olhos:

— Eu não te quero longe, Vinícius. Eu confio em você. Pode parecer que não, mas eu confio. E me sinto segura com você. E segurança tem sido algo bem difícil nos últimos tempos.

A insegurança dele persiste e ele desvia o olhar, envergonhado acho.

— Você não quis falar comigo. Eu não queria te pressionar, e nem quero agora, mas... Mas foi difícil ver que tinha algo ou alguém te afetando e não poder fazer nada... E depois fiquei sabendo que você saiu com o Sávio.

Agora o medo dele parece fazer mais sentido pra mim.

— Olha, eu não tô dizendo que aconteceu algo ou que fiquei com ciúmes. Bem, um pouco. Eu só queria que você tivesse me aceitado assim, que tivesse falado comigo, como falou com os outros.

— Não houve “outros”, Vinícius. Como eu disse, eu não tava em mim. As coisas não tavam fazendo sentido. Eu só... Fugi um pouco.

Magoado, ele rebate:

— Eu fugiria com você.

— Eu sei que sim. A diferença aqui é que... Eu tava me sentindo vigiada. E pressionada. Tinha um barulho tão grande na minha cabeça que eu não sabia por onde começar.

Ele me ouve, novamente cabisbaixo.

— E você estava trocando informações com o Murilo. Vocês estavam me olhando de um jeit... E eu não disse nada pro Sávio. Eu não disse nada a ninguém até que explodi com o Murilo. Mas aquela saída com o Sávio se tratou apenas disso. Eu sendo imprudente e fazendo besteiras e falando besteiras. Sem pressão. Entende?

— Acho que sim.

— Ele foi isso pra mim, um escape. Com você não é assim. Eu precisava de um tempo e... e eu precisava respirar. Se eu tivesse energia em mim para falar, eu falaria. Mas não tinha. Porque me machucou até a esse ponto. Vocês viram como fiquei.

Percebo que Vini está é de olho em nossas mãos juntas, ele amainando a pressão de si aos poucos, conforme me ouve.

— Entendo que isso ficou confuso e que te magoei no processo. E eu não quero mais magoar. Eu só quero demonstrar o quanto em ti me permito confiar. Não porque é meu namorado. É porque é você. Eu confio em v-você. Eu... a-amo você.

Se não fosse minha voz começar a embargar e gaguejar, nem me perceberia chorando, do tanto que me sentia determinada falando todas essas coisas.

Vini me acarinha o rosto, mais aliviado, porém ainda com uma expressão de preocupação. Dessa vez, ele não rebate de supetão ou magoado, ele me responde com calma num sussurro.

— Amo você.

— Então me desculpa por toda essa má impressão?

Parado no meio da minha cozinha, ele fecha os olhos e respira com certo alívio antes de acenar que sim. Aproveito essa deixa para lançar eu outro pedido de desculpas:

— E me desculpa por ter pegado tanto no seu pé?

Isso o faz abrir os olhos e vincar a testa.

— O que quer dizer?

— No ano passado, enquanto você enfrentava os problemas com seu pai... Percebi agora que forcei muito a barra. Entendi o que é ter essa barra forçada. Não sei como você me aguentou.

Vinícius passa os braços por minha cintura e me aproxima de si.

— Porque não queria perder a única coisa boa que tinha no momento. E continuo sem querer perder. Mas você estava certa, no final das contas. Eu era a chave da questão. Eu só não queria ser.

— Estou cada vez mais compreendendo o que é essa sensação. Também não quero perder as poucas coisas e pessoas boas ao redor. Não quero te perder.

— Não sabe o quanto estava maluco pra saber disso. Pra ouvir isso.

— Acho que posso imaginar. E acho que N’sync é como a Britney foi muito tempo pra mim.

— Você não faz ideia.

Rimos juntos enfim. E então ele continua:

— Acho que o que me pegou é que é dezembro de novo e estava ouvindo as mesmas músicas e me sentindo confuso e distante mais uma vez.

— Como assim?

— A nossa separação no final do ano. Por conta do que o Murilo fez.

— Ah. Nossa. Não tinha me ligado disso. Melhor nem ouvir N'sync hoje. Ou por um bom tempo.

— Topo.

Meu Vini abre seu bom sorriso e me aperta contra si, abraçando-me. Desta vez, aliviado e mais relaxado. Até me beija o ombro, mais disposto. Quero morar nessa sensação, mas o combinado era outra coisa.

— Acho que o filme já vai começar.

Nos desvencilhamos e ele me aparece com uma carinha traquina inesperada.

— E se a gente assistisse outra coisa?

— O quê, por exemplo?

— Trouxe uma coisa pra você. Além das gelatinas. Um minutinho.

Coloco enfim água no copo com minha vitamina e espero ele voltar. Antes que o comprimido dissolvesse por completo, Vinícius reaparece na cozinha com um pacote embrulhado. Uma caixa um pouco grande.

— Eu... Pensei em antecipar seu presente. De Natal.

— Ai, meu Deus, Vini!

— Abre.

Recebo o embrulho meio sem ação de tão surpresa e, sob o olhar generoso e curioso do namorado, puxo a fita. Coloco na mesa pra abrir o restante. Ao vislumbrar o que era, já começo a surtar.

— Ai, meu Deus, ai, meu Deus, ai, meu Deus!

Era um box de DVDs de Dawnson's Creek. Com seis temporadas! Coleção completa.

— Como...? Mas...? Meu Deus, deve ser sido bem caro, Vini!

— Só de te ver sorrindo assim, valeu cada centavo. Ainda bem que trouxe.

— Eu ainda nem...

— Nem faz essa carinha de quem pensa em não aceitar. É presente, é de Natal, não aceito de volta.

Paro o surto, sorridente.

— Você me conhece bem. Mas vou aceitar sim. Obrigada. De verdade. Nunca poderia imaginar.

— Te pegar de surpresa, isso sim vale muito mais. Vamos estrear?

— Vamos. Vamos sim!

~;~

Depois de quatro episódios, eu surpresa e empolgada de revisitar Dawson e companhia, cantando com leveza a música de entrada TODAS as vezes, o namorado ficar bobo e chocado com a série, me sinto mais renovada. Sério. Foi um retorno e tanto, com tantas lembranças e não só das tramas. Como dizem, a ficção imita a realidade e ali vendo aqueles personagens e seus conflitos entrei em muitos paralelos junto do Vini.

Ele ficou admirado com como a série era tão aberta com as coisas e ao mesmo tempo tão quieta. Eu ia apresentando os personagens e às vezes ele perguntava coisas como “e essa pessoa, a gente gosta?” ou “o que acontece?” e eu simplesmente entrava na dele. Bom, alguns personagens são odiáveis de início e nem tudo eu também contava, porque era pra ele descobrir junto comigo.

Alguns temas também mexiam bastante conosco, uns de forma mais complicada, outros de maneira mais leve e interessante. E não só pelas bobagens que fizemos quando tivemos nossos 15 anos. Relacionamento de professora com aluno, amores platônicos, paixões repentinas, traições... E também pais se pegando na frente de filhos e amigos, momentos de pai e filho, piadinhas bobas, começos de namoro, etc.

Íamos das conversas profundas a beijos roubados em minutos – beijos nossos. Cada vez que tinha um em cena, o Vini “inventava” de imitar a ficção. Acho que era sua maneira também de acreditar que estávamos de volta. Valia até mesmo para os beijos errados do enredo. Quando teve uma dança, como no baile de alunos, eu o convidei para dançar. Um olho na televisão e outro na gente. Ele acabou dançando comigo em uma das entradas musicais também.

Acho que posso dizer que ele gostou. Da série, da experiência, de suas memórias, das nossas conversas.

Levanto para preparar os guardanapos quando Vinícius vai atender o cara da pizza na porta e ouço uma notificação no celular. Aparentemente da Aline. Meio distraída, abro o vídeo que acabara de enviar.

 

Trilha mencionada: Pablo Alborán – Solamente Tú

 

Nele, aparece o Murilo ninando a Lia e então o áudio demonstra que ele canta baixinho:

Y tú, y tú, y tú... Y tú, y tú, y tú, y solamente tú...

— Ai, meu Deus!

Exclamo, toda envolvida na cena fofa. Meu mano segurava a pequena acolhidinha nos braços e a balançava com calma, todo bobo, cantando. A imagem focava no rosto dele, com closes maravilhosos da Aline, rindo ao fundo.

Vinícius logo entra na cozinha, interessado.

— O que foi?

— Você precisa ver isso aqui.

Mostro o celular pro namorado alcançar.

— O que é?

— Um vídeo do Murilo cantando pra Lia. Em espanhol. Uma preciosidade.

Vinícius ri bobo assim que as imagens começam, mas não deixa de entrar na minha.

— Ouro de troca?

— Ouro de vida. Acho que já deu isso de ouro de troca, né? Não tenho mais porque ameaçar o Murilo. Ou provocá-lo dessa maneira. Ou o namorado lindo.

Viro o pescoço para poder deixar um beijinho no seu rosto e logo sigo para o armário, onde estavam os guardanapos.

— Hmmmm. Lindo, é?

Respondo organizando as coisas na mesa, até que levanto a cabeça de vez:

— Lindo, apaixonante, charmoso e... Veio ketchup?

Vinícius ri diante dessa mudança abrupta. Novamente, ele entra na minha.

— Veio.

Assim termino o que estava falando:

— E muito esperto o namorado.

Isso o instiga a se aproximar e me beijar com vontade e, UAU, como eu sentia falta disso. De seu corpo colado no meu, de seu cheiro, de seu toque, respiração, sorrisos, animação. De dias amenos, leves e bons. De surpresas, boas surpresas. E testas uma na outra, dividindo olhares intensos. Ter sido recostada no armário da cozinha por ele era um adendo interessante.

— Posso... perguntar... o que... foi isso?

— Um namorado... sendo namorado.

— Gostei disso.

Em algum tempo nos voltamos para a pizza, brincando com a comida. Com o ketchup, desenhei um V no meu guardanapo e ele um “3” em cima, me roubando três selinhos. Nem parecia que a gente tinha tido um tempo ruim. Sentia saudades dessa bolha também. De estarmos sozinhos e livres. E conversando de peito aberto e sereno.  

Era sobre resgatar a confiança com amor e com coisas aleatórias, sem pressão.

Com uma carinha traquina, lembro de um detalhe.

— Preciso te dizer uma coisa que talvez você não goste.

— O quê?

— Talvez o seu presente chegue atrasado.

— Você lembrou de comprar o presente, então tô no lucro.

Quero bater nele por isso, mas só faço uma cara de falsa zangada e dou uma tombada com meu ombro no seu. Apesar de já termos terminado de jantar, ficamos na mesa da cozinha. De sobremesa, gelatinas surtidas. Roubei as vermelhas, claro.

— Comprei faz tempo, mas sabe como pedir pela internet pode demorar.

— E o que é?

— E tu acha que vou contar? Tem que esperar. E que chegue até o dia da viagem.

Ou seja, daqui a uma semana. Vou ter aula até quarta-feira e na sexta terei todas as notas no sistema – assim espero. A clássica viagem de Natal estava para o domingo, dia 23, mas minha mãe insistiu muito para que fôssemos no sábado.

Desta vez seria apenas eu e o Murilo. Convidamos Iara e Vini para a virada de ano, mas a resposta da minha amiga fez a gente mudar de ideia. Ela sugeriu de irmos para o rancho do Silveira.

No caso, o Murilo não iria, pois quer passar o réveillon com a Aline e a Lia. Mamãe nem sonha com isso. Vamos falar só em cima da hora pra diminuir o chororô.

— Não acredito que vamos passar mais um Natal separados.

— Mas não vai ter vaso na sua cabeça. Ou assim espero. A Iara prometeu.

— É, ela tá bastante animada com isso. O Natal, digo. Não tinha percebido o quanto era importante para ela até me ver junto decorando a casa do vô Júlio. Você tem que ver, tem todo tipo de enfeite e na casa inteira.

— É o primeiro Natal dela em família, né. No caso, com o pai, o irmão, o avô. Ela não perderia por nada. Por isso que quando fui convidá-la para viajar, só chamei pro ano novo.

Chamei também o Sávio, que ficou de dar resposta.

— O Murilo até tinha dado a ideia de trazer nossa família pra cá, mas não sei o quanto isso é viável. E acho que seria super legal ir conhecer a fazenda. Daria para passar pelo menos um dia com minha família e partiu rancho. O que foi?

Ele estava me olhando risonho enquanto saboreava sua gelatina de laranja.

— Gosto de te ver animada assim, fazendo planos. Só isso. Mesmo que isso signifique passar o Natal longe mais uma vez.

— Djane esse ano pelo menos não vai dizer que seu filho está todo amuado pelos cantos.

O que ele faz? Fica com cara de amuado agora.

— Talvez fique.

— Vini! Aproveite seu Natal. Aproveite sua irmã. Aproveite a piscina também.

— Prometo tentar.

Ouvimos logo em seguida o Murilo manobrar o carro na garagem. Em dois minutinhos, ele chega bradando na portinhola que liga a área à cozinha:

— Cheguei, família! Trouxe bolo.

— Bolo?

— A Aline que fez.

— Coloca na geladeira. Tô entupida de pipoca, pizza e gelatina. A não ser que o Vini ainda tenha espaço.

O namorado só se estica na cadeira, dando a entender que também estava bem cheio. Murilo então coloca a sacola no espaço vago da mesa, para retirar o pote com bolo.

— E aí, vocês viram o Velozes e Furiosos?

Acho que era a maneira do meu irmão perguntar se estava tudo bem entre a gente. Mais tranquila, respondo:

— Na verdade, não vimos filme.

Só que a criatura entende de outro jeito. Chega a tapar os ouvidos até, com cara de nojo.

— Ai, credo, não quero saber.

Jogo uma bola de guardanapo nele.

— Seu chato, não é nada disso. Vimos uma série. O Vini trouxe meu presente de Natal antecipado.

Colocando o bolo na geladeira, ele pergunta:

— Que série?

— Acho que você não lembra. Dawson's Creek. Série adolescente das antigas. Não passava na tv com frequência. Enfim, o namorado aqui comprou a coleção toda!

Movo os braços e tudo pra apontar pro Vinícius, como se ele fosse uma grande atração. Quer dizer, ele fez uma grande ação. Murilo acaba por se sentar à mesa conosco:

— Por esse sorriso e animação, valeu cada centavo.

— Foi o que eu disse.

Os dois se mostravam bem satisfeitos com isso. Eu, por outro lado...

— Ai, gente, parem de dizer isso, fico sem graça.

— Ah, mas é meu novo esporte favorito.

Murilo e suas pérolas. Mas pergunto.

— Como assim?

Vinícius é quem responde, seguido do meu irmão:

— Colocar um sorriso no teu rosto, amor.

— E ter orgulho de quem é e do que faz. Tava cantando até Avril Lavigne pra Lia hoje.

— Esse vídeo a Aline não enviou! Mas o que tem a Avril comigo?

Meu irmão faz uma cara engraçada pro meu namorado e eles conversam como se eu não estivesse ali:

— E ela ainda pergunta, né, Vini?

— Até minha mãe tá ouvindo Avril. Na verdade, acho que todo mundo. Meu pai, o Silveira... Não sei meu avô. Mas ele também deve ter visto o show umas vinte mil vezes.

— O quê?

Mordiscando um pedaço de pizza que sobrou, Murilo complementa:

— Tava dizendo isso outro dia, ela tava tão solta e livre e empolgada naquele vídeo. Acho que nunca a vi tão envolvida em algo desse jeito. Foi muito bonito. Acho que ela devia repetir a dose. Sendo Avril ou outro artista.

O Vini? Concorda.

— Também acho e apoio!

— É sério que vocês vão falar sobre mim na minha presença como se eu não estivesse aqui?

Sim. Porque meu irmão continua divagando.

— Será que eles deixam mais pessoas assistirem o ensaio?

— Murilo!

— Viu, novo melhor esporte. Opa, hobby.

Cruzo os braços e, com um bico, finjo chateação.

— Vocês esqueceram de me perguntar se eu quero cantar.

O namorado? Me entrega.

— Ela já tava cantando hoje. Em todas as entradas da série. Um primeiro passo já foi dado.

Eu não deveria estar reclamando, né? O clima está agradável, estamos de bom ânimo, o papo não é nada difícil. Acho que tenho é que seguir essas gentilezas. E carinho e amor. Eles me vencem com essa boa vibe.

— Claro, é uma música que pega fácil.


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Notas finais do capítulo

"Você não era o problema, Vini."
"Prefiro me afastar a você me afastar outra vez."
"Eu fugiria com você."
AI MEU CORE ESSES DOIS

"e... Veio ketchup?"
HAHAHAHAHAHAHA
"Mas não vai ter vaso na sua cabeça. Ou assim espero. A Iara prometeu."

E sim, eu também PRECISO DESSE VÍDEO DO MURILO CANTANDO AVRIL
E não, não é pra Milena reclamar desses dois escudeiros fiéis que amo de paixão!

TRECHINHOS MARAVILHOSOS DO PRÓXIMO?
"Num timing perfeito, minha criaturinha aparece com ciúmes do chamego.
— Pra isso ninguém me chama.
A Iara ainda cai no papo dele.
— Isso o quê, Murilo?
— Sombra e água fresca.
Mas eu não:
— A piscina tá aí."

e

"- Eu sei usar meu charme.
Iara, que até então só observava e ria das tramoias de meu mano, se manifesta:
— Sem camisa, então.
— IARA!
— O quê? Eu tenho olhos, ué. Meu coração não bate por ele assim, masssss... Sei reconhecer charmes.
— Quê que tem meu charme?
Agora é o namorado entrando na conversa. Iara? Ela resolve atazaná-lo.
— Teu charme precisa de análise, irmãozinho."



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