Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 133
Capítulo 132


Notas iniciais do capítulo

HOJE TEM CARNAVAL. Ou algo assim.
Vocês vão descobrir.



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Energia.

Fazer o que a gente gosta, por gente que a gente gosta, com gente que a gente gosta, dá uma boa energia. E como eu estava precisando de algo assim, penso ao balançar a cabeça e o corpo ao som leve da Ellie Goulding. Terminava de preparar uns cupcakes e ajudava dona Bia com o almoço.

 

Ellie Goulding – Lights

https://www.youtube.com/watch?v=0NKUpo_xKyQ

 

Ela foi outra que me achou bem melhor, mais disposta. Eu até devia estar evitando esforço, mas, como ficar parada num dia como esse? Mesmo com o Bruno levando o bolo (nada muito grande), eu queria preparar algo especial para nossa empreitada. Levaria ainda uns cookies da dona Bia e um presentinho que havia comprado há um tempo atrás. Estava no meu nome junto ao do Vini.

Murilo chega cedo com um “cheguei, família” que me faz sentir bem onde devia estar. Logo ele entra na cozinha, atraído pelo cheirinho de comida misturado à sobremesa. Dona Bia sai para buscar algo na dispensa ali do lado e faz gestos para não deixar o Murilo beliscar nada, que fica com um muxoxo. Ela também era das minhas.

Sentando-se de frente pra mim na mesa da cozinha, enquanto eu passava a cobertura nos cupcakes, Murilo começa:

— É aquela cantora, não é?

— Que cantora?

— A do teu toque de celular. Eu não aguento mais essa mulher.

Paro de passar a cobertura para me encostar no espaldar da minha cadeira e rir. Porque o Murilo fazia uma cara engraçada, embora eu soubesse que ele não estava de sacanagem.

Desde cedo tocava uma playlist que achei no Youtube só com as músicas da Ellie Goulding. Algumas eu não conhecia, mas preencheram bem aquele tempo que passava na cozinha.

— Não ri não, que é sério. Às vezes eu me pego com aquela música na cabeça do nada e às vezes acho que teu celular tá tocando quando ele não tá tocando. Troca logo esse negócio.

Era uma entrada marcante mesmo. E repetitiva. E chiclete.

Meu celular mais vivia no silencioso do que outra coisa, mas bastava um toque e Anything Could Happen com seu ih, ih, ih, ih retornava com tudo, pra meu desespero pessoal. Fiquei de trocar faz uns dias e vivia esquecendo. Mas diria isso ao Murilo?

Não. Preferia rir da criaturinha.

— Olha, quem inventou de colocar foi o Vini, viu.

— Mas o celular é teu e, Deus, preciso que isso mude. Sério, Lena. Coloca qualquer outra coisa. Qualquer toque genérico serve.

— Parece que não me conhece, Mu.

Repito o que disse no outro dia, mas diferente da nossa última – e resolvida – discussão, digo com graça e gentileza. Murilo, por outro lado, aperta as têmporas teatralmente.

— Só faz isso pelo teu mano, valeu?

— Nada de bolinhos antes do almoço, menino Murilo.

Dona Bia retorna à cozinha bem direta e seu menino faz novamente um bico.

— Eu nem tava falando disso! Tava falando do celular da Milena.

— Sei, sei.

— Vou é tomar meu banho, que hoje vocês estão difíceis. Mas...

Num movimento rápido, Murilo passa uma colher na panela com o chocolate de cobertura e sai num pulo antes que eu ou dona Bia pudéssemos fazer qualquer coisa. Balanço a cabeça pela travessura de meu mano e continuo a ajeitar os cupcakes, quando dona Bia, andando pela cozinha e de olho no que preparava, diz:

— Pode colocar a tal música, menina Milena.

— Hum?

— A música que seu irmão quer pra trocar. Coloca. E pra repetir. Alto.

Nem dou espaço para gargalhar, só levanto e, com a mão suja, dou meu jeitinho de atender o pedido dela. Clico no clipe e conforme passa a entrada do vídeo, com som de ondas do mar quebrando, aumento o volume ao máximo. Ao começar o ih, ih, ih, ih, pulo no recinto e dona Bia me acompanha.

Se Murilo ousar falar algo mais, vou dizer que ele tá reclamando de barriga cheia. De acordo com nosso histórico, ele com certeza preferiria Ellie Goulding a Britney Spears. E ao pensar nisso, posso dizer que eu também preferiria.

~;~

A surpresa era tão surpresa que ficamos surpresos com o atraso de Sávio pra aula. Tem bastante tempo que ele não se atrasa assim, mas hoje, logo hoje, que estamos todos mancomunados para fugir, ele desaparece. Ou melhor, não chega.

Vez que são duas entradas na faculdade, Iara e Acássio ficaram no fundo, e eu e Bruno na principal. Só que num canto, claro, porque não era pra ninguém ver que estávamos ali e não em classe. Por sorte, tinha uma mureta que fazia uma boa sombra e dali poderíamos pegar o Sávio no pulo. Ou a Iara também, que poderia se esconder melhor no meio de tanto carro do estacionamento dos fundos.

Sinto o celular vibrar no bolso da calça e tenho a esperança de ser a I com alguma notícia. Ao virar o aparelho, vejo o nome do Vini. Atendo.

— Oi!

— Amor, por onde vocês estão? Acabei de estacionar. Tô no lado da avenida.

— Mas era pra você nos encontrar lá na praça! Ficou combinado de eu ir com o Bruno no carro dele, lembra?

— Eu sei. É que quero ver você.

— E vai ver, ué.

— Agora já estou aqui. Onde você tá?

— Hm, atrás da muretinha cinza. O Sávio ainda não chegou. Tá vendo minha mão?

Balanço o braço na calada da noite para assinalar melhor.

— Estou. Vejo você em uns segundos.

E assim fiquei escorada atrás da mureta, de olho na entrada, à espera mais de Sávio do que de Vini. Mantinha uma conversa fiada com Bruno sobre algumas mudanças que haveria no pátio que Djane tinha comentado quando uma sombra caiu por mim e de repente me tascou o maior beijão. Era o Vini, claro, mas me pegou tão de supetão que levei um susto. Ele também não me deu brecha pra protestar, só continuou a me beijar, como se estivéssemos separados faz milênios e ele tivesse uma tamanha sede ou fome, sei lá. Era... intenso.

Em algum tempo consegui retribuir, mesmo que ainda tivesse um pouco admirada por sua atitude e um pouco atrapalhada, pois, por mais que ali fosse escurinho, não era um lugar apropriado. E, bem, ainda por cima tinha o Bruno do lado! Que depois de um tempo pigarreia pra nos interromper.

— Gente, acho muito bonito o love de vocês e faço muito gosto. Por outro lado, tô aqui, né. Vocês podem se pegar depois.

O Vini quase cai pra trás, mortificado, ao perceber o outro. Eu não sei nem como reagir, se rio ou se... respiro. Com a mão nos lábios, olhando pra cena, não digo nada. Ao se recuperar do susto, um Vini sacana, misturado a um Vini hiper desconcertado, diz:

— Desculpa, cara. Não tinha te visto. De verdade.

— Nah, tudo bem. Vocês são livres. Mas temos uma missão agora. E... espera aí, é a Iara ligando aqui.

Bruno caminha para a rampinha de entrada, onde havia uma iluminação. Assim que sai e percebemos que não se tratava de notícias de Sávio, me volto para o namorado, que ainda tava se recuperando do momento desconfortável.

— Então, devo perguntar? Não que não possa me beijar assim, aliás, deve, sempre e muito, mas isso deixa uma namorada curiosa.

— Se eu te contar, você nem vai acreditar.

— Diz.

— A minha mãe.

— Qual das?

Tenho o maior prazer de perguntar isso, diga-se de passagem.

— Viviane. Estava ouvindo uma de suas fitas ainda pouco e...

— Espera!

Interrompo-o ao ver determinada figura andando a pés apressado pela calçada. Tento chamar atenção de Bruno, que está no alto da rampa, perto das catracas e de costas, ainda no celular, só que ele não consegue perceber.

Assim que Sávio passa a entradinha para a rampa, saio das sombras com um pulo e me materializo na sua frente. Ele, claro, dá um salto pra trás.

— Ei!

— Caraca, Lena, de onde tu saiu? Porra!

— Eu? Eu que te pergunto! Tá atrasado!

— Eu sei. Tive que fazer uma entrega de última hora e me perdi no endereço e... Por que você tá aqui fora?

Ao me ver sorrindo para o canto escuro da mureta, ele segue meu olhar e fica desconfiado.

— E por que o Vini tá aqui também? Aconteceu... algo? É com a Iara?

— Errr... Mais ou menos.

— Desembucha logo.

— Eu... Você precisa me acompanhar. Nos acompanhar na verdade.

Ao ver o Bruno voltando, Sávio parece mais confuso.

— O que tá acontecendo?

— Só acompanha a gente. Você vai entender.

— Não vamos pra aula?

— Não hoje.

~;~

O que você faz quando tem uma vontade imensa de rir loucamente em uma hora nada apropriada? E esse riso foi determinante pra você ser ou não presa?

Isso mesmo, presa.

Ao rebocar o Sávio até o carro do Bruno, e o Vini dizer que iria logo na frente com o seu, apresentei as opções traquinas ao aniversariante – e, veja só, foi ideia do Bruno, não minha. Sério.

Era um lenço enorme. As opções eram: ou para cobrir os olhos do Sávio ou para amarrar suas mãos. Na hora, eu também não pensei em nada, só segui o baile da brincadeira. Foi aí que o Sávio entendeu.

— Isso é o que eu tô pensando que é?

Dei de ombros, graciosa, como se não estivesse fazendo nada demais.

— Depende do que você esteja pensando.

— É porque é meu aniversário, não é? Tá, prefiro as mãos amarradas.

Na real, eu não achava que o Sávio iria dar trela à brincadeira, que iria dispensar o lenço e iríamos seguir caminho normalmente. Me surpreendo por ele entrar no jogo. Talvez nunca ninguém lhe fez uma surpresa de aniversário. Talvez ele ainda ficava incrédulo por ter amigos de verdade.

E assim amarramos as mãos dele, de modo que elas ficassem pra frente, e ele foi no banco de trás, sozinho, tentando puxar informações da gente.

— E onde vai ser?

— Em algum lugar.

— Envolve pizza?

— Não dessa vez.

— Hmmm... e música ao vivo?

Eu, no banco do carona, virei pra ele, que se mostrava bem curioso. Era muito bom vê-lo assim. Relaxado, confiante, surpreso e apreciando a empreitada.

— É provável.

Mas aí... o Bruno disse um “merda, lascou” e “rápido, esconde o Sávio”.

Como que daria pra esconder o Sávio, me diz? Ele é maior que eu e o Bruno juntos. Então olhei pra frente e entendi. Era uma blitz. E a gente tava com um cara “amarrado” no banco de trás. Gelei também. E logo mais me virei para o espaço entre os assentos para puxar uma sacola de roupas que tinha no chão do carro, bem atrás do meu banco, que por um acaso de vida o Bruno tinha avisado que não era onde estavam escondidos os presentes (estavam no porta-malas), quando entramos em seu veículo.

Toda destrambelhada, puxei umas camisas e joguei no colo do Sávio, que não podia fazer muita coisa com as mãos presas. Não poderíamos esconder nosso amigo, óbvio, porém, esconder suas mãos sim. Daí fomos parados. O guarda pediu pra encostar. Nervoso, Bruno pegou logo seus documentos e deu uma respirada pra se fazer calmo. Ao passo que o guarda chegou em sua janela, meu amigo já parecia mais centrado.

— Boa noite.

— Boa noite, seu guarda. Já tenho aqui os documentos.

Não dá pra ver muito o guardinha, pela escuridão da avenida. Quer dizer, tinha luminárias por ali, porém, não dava muita visão nessa parte. O homem recebeu os documentos, analisou por uns minutinhos, a gente meio sem graça, eu evitando de olhar pro Bruno ou pra trás, o Bruno olhando pra frente, e sabe-se lá como estava o Sávio.

Então o homem se abaixou na janela do Bruno e perguntou:

— Estão vindo de onde?

Senti que Bruno engoliu seco. Mesmo assim, não respondi por ele.

— Da faculdade, senhor. Aquele prédio ali mais atrás. Estamos indo pra um... hã... aniversário. Levando o aniversariante.

Daí o Bruno apontou pro Sávio. E o cara fardado pegou sua lanterninha, jogando nos nossos rostos. Ficou um segundinhos averiguando tudo e depois desligou. Devolveu os documentos. Então falou algo para um colega que estava verificando outro carro e bateu na porta do Bruno. Eu jurava que ele estava nos liberando até ouvir um “podem descer”.

Foi a hora que olhei pra trás e vi um Sávio também no cagaço.

É AGORA QUE VOU PRESA, BRASIL!

Tão logo desci, vendo a cara desesperada de Bruno, abri a porta de trás pra ajudar o Sávio a sair. Tentei puxar o raio do lenço, já pensando na desculpa sobre eu estar tirando meu amigo dali. Diria que a porta estava com problemas e que só abria por fora. Talvez colasse. Só que o nó do lenço estava bem firme e eu não tive como desfazer ali, naquela situação. Então segui mortificada logo atrás do Sávio. Quando o guarda notou o que era pra notar, exclamou:

— Mas que diabos?

E então veio mais dois guardas. Foi nessa hora que eu juntei minhas mãos em reza e supliquei, já que os meninos não conseguiam dizer coisa alguma.

— Eu posso explicar, seu moço. Eu juro juradinho.

Um dos caras puxou o radinho e disse algo que não consegui compreender. E tornei a falar destrambelhada:

— É realmente um aniversário, de verdade. Um aniversário surpresa. Pode olhar na carteira dele a data. E a gente veio sequ... segurar o aniversariante. Estávamos a caminho da festa. Bom, encontro. Era só um churrasquinho. Nada demais.

Aí eu ouvi o que eu tava falando e sei que tudo soou ainda pior. Sei porque mesmo na meia luz da avenida consegui enxergar a sobrancelha do homem descer de um jeito nada legal. Então ele disse:

— Todos pra delegacia.

Os outros estavam tão atônitos que sequer responderam algo. Eu, por outro lado, estava uma tagarela louca.

— O qu...? Vou ser p-presa?

— Vocês vão prestar esclarecimentos com o delegado. Precisam nos acompanhar.

E foi assim que tivemos que nos mexer pra entrar de volta ao carro e ser escoltados por uma viatura até a delegacia mais perto, que ficava a umas quadras dali. Bruno manobrava o carro e dizia:

— Vai ficar tudo bem, gente. Eles vão ver que era só uma brincadeira. Uma infeliz brincadeira. Mas vão ver. Vai dar certo.

Eu tava tão chocada que só conseguia assistir a viatura atrás da gente pelo meu retrovisor. O Sávio nem dizia nada e eu nem disse algo também. Devia ter enviado uma mensagem pro Vini dizendo o ocorrido, porém, não conseguia pensar com clareza. Pelo menos não estávamos na viatura, não é? Não é?

Ao chegar no destino, fomos encaminhados para o atendimento. Demos nossos nomes e outros dados. Nos deixaram esperando em um banquinho no corredor. A essa hora, já tinham tirado o lenço das mãos do Sávio.

O negócio estava tão doido, tão doido, que olhei para meus amigos, cada um de um lado no banco e não aguentei. Comecei a rir. Rir e rir, apertando os olhos, pela situação. Então o Bruno bateu o ombro no meu.

— Para de rir, senão eu vou rir e acho que as coisas vão piorar pro nosso lado.

Mas tava difícil. MUITO difícil. Era daquelas risadas que precisam ser liberadas, tal qual um balão vazando ar pela boca. Tive que encostar o rosto nas costas do Bruno pra soltar um pouquinho e então respirar e voltar à posição ereta no assento. Eu seria presa por rir desse jeito e isso me dava mais vontade de rir. Pode isso, sociedade?

Então um dos policiais passou por nós, olhando para nós e aí parei. Fingi estar tentando ler um panfleto no mural a nossa frente. Quando ele se foi, o Bruno me sussurrou:

— Não começa de novo, senão eu te mato.

— Ah, sim, porque isso ajudaria muito.

Então o Sávio interviu.

— Lena, por favor.

Ele pareceu super sério e ansioso quando o vislumbrei, e isso me aquietou. Só que logo depois meu amigo deu um sorrisinho de lado e apenas inspirei e expirei, para recobrar minha concentração e parar de vez.

Por fim, bati o ombro no de Sávio.

— Desculpe pelo transtorno, cara.

— Nah, vocês estavam tentando fazer algo legal. Um churrasquinho com música ao vivo teria sido muito bom. Muito bom mesmo. Obrigado.

Sávio me toca no joelho para confirmar que não fazia mal. Que não fazia mal ele ter perdido sua surpresa e estar numa delegacia. Eu já não via motivos pra rir, nem mesmo um riso nervoso.

Ficamos uns bons minutos ali. Quando eu ia perguntar para um dos policiais, que passou por nós, se podíamos fazer ligações, nossos celulares começaram a tocar. Era com certeza a galera atrás da gente.

Mas aí o policial apareceu para nos levar ao delegado.

~;~

Fui a primeira a entrar, seguida de Sávio, Bruno e o policial que nos acompanhava. Era uma saleta um tanto apertada, pois só nós quatro preenchia bastante espaço. Sequer olhei pro delegado, embora, pela visão periférica, podia vê-lo em sua cadeira de rodinhas andando entre um curto espaço da sua mesa e a impressora logo atrás de si.

— Foram esses os jovens apreendidos?

— Sim, senhor.

— Está com as fichas aí?

— Aqui.

O policial repassou algumas folhas pro delegado.

Eu não sabia o que pensar ou para onde olhar. Mas tomei um ar para refrescar as ideias e me concentrar na situação. Não era mais uma brincadeira, não era mais engraçado. Estávamos de frente a um delegado. Apreendidos.

Cuidado com o que vai falar, Milena, cuidado!

Sem risos, sem piadas, sem nada, ok?

— Ok.

Todo mundo de repente vira pra mim e me encolho de onde estou, de pé, embora tenha cadeiras para receber pessoas em frente à mesa. Acho que não estávamos autorizados a sentar. Só que aí encaro finalmente o delegado e ele me encara. Estreita os olhos e faz uma cara da qual não sou muito fã.

— Por que sinto que já conheço você?

Ele não era nada como os outros da polícia que já tinham conhecido em circunstâncias adversas. Não sei responder isso. Mas daí o outro policial me encara, me incentivando a falar e eu...

— Bem, o senhor andava de ônibus há uns... Há um a-ano... atrás?

— Por que sinto que já ouvi essa pergunta?

— Talvez seja um deja-vú, senhor. Uma vez li qu...

Bruno me acotovela levemente no braço para parar de falar e eu quase posso gritar “obrigada!”. Ficar nervosa e tagarela não é o tipo de coisa que parece comigo, no entanto, a situação era... diferente.

De volta para seus papéis, o delegado afirma para si mesmo:

— Ah, já sei quem é você.

Saltada como me sinto, olho pros meninos ao meu lado e fico sem fala.

Ah, agora você fica sem fala, né, bonita?

— Foi com esse aí que te peguei da outra vez? Ele parece um pouco diferente.

— Senhor, desculpe, mas... Eu não tenho ideia do que está falando. E eu sei que isso parece muito o que alguém diria nessa situação. Mas acho que não há outra maneira de dizer.

— Lembro do seu nome. Milena. Lembro porque tenho uma sobrinha que se chama assim. É você mesmo.

Quais as chances de ser outra Milena, meu pai?

— Quantas vezes mais vou ter que apreender vocês?

O delegado ri de boca aberta, enquanto mastiga a tampa de uma caneta, e eu só me pergunto se seria algum tipo de brincadeira. Eu não lembrava dele. Ele lembrava de mim. Ele sabia meu nome. Não tive alternativa, senão:

— Posso fazer uma pergunta, senhor?

Mudando da água para o vinho, ou do vinho para água, ele parece mais relaxado.

— Diga lá, jovem.

— Foi um caso de invasão domiciliar?

— Então era você mesmo. E seu namorado. Bruno?

Ao olhar para as fichas, ele deve ter presumido tal coisa. Então esclareço:

— O Bruno é meu amigo da faculdade. O Sávio também, inclusive da minha turma. O meu namorado estava em outro carro. 

— E era algum tipo de pegadinha?

Eu não respondo, porque estou tentando processar as últimas informações. Os outros também nada dizem. E isso parece indignar a autoridade, que bate na mesa.

— HEIN? Era alguma pegadinha?

Bruno responde no pulo.

— Não, senhor. Quer dizer, mais ou menos, senhor. Como disse para o policial que nos parou, era apenas uma brincadeira de aniversário.

Volto a ser tagarela, pra ajudar.

— Foi tudo um engano, senhor. Estávamos fazendo uma surpresa com nosso amigo pelo aniversário dele. Ó, tenho até bolinhos na minha bolsa. Eu q-que fiz.

Puxo minha bolsa-mochilinha que não me desgarrei um minuto e abro. Dela tiro uma vasilha fechada com alguns cupcakes. Levanto a tampa e o cheirinho de bolo se concentra ali. O delegado até parece interessado, porém, desconfiado também. Dou um a ele.

— Tem algum tipo de substância aqui?

— Só um cupcake normal, senhor. Aprendi a fazer tem um tempo, daí quando tem aniversário, e-eu faço uma fornada. O Bruno tava levando o outro bolo na mala, coisa que o senhor pode conferir. E pode provar também.

Dou um para o policial ao lado, que fica na dúvida, porém abocanha um pedaço.

— Hmmm. Bom. Bem macio.

— Obrigada. Depende sempre da mass...

— Pedro, envia lá pra análise.

— Ok, senhor.

Fico pasma. O policial pega minha vasilha sem cerimônias e leva, conforme o comando do delegado. Quero dizer que esse cara é bipolar, mas não quero ofender pessoas.

— E... onde estão os presentes? Se era mesmo um aniversário.

Bruno mal começa a dizer “no carro”, daí aparece outro policial com uma caixa de papelão com os embrulhos que estavam no porta-malas, além do outro (pequeno) bolo. Da onde esse policial saiu, não tenho ideia. Eu não mexia direito e nem olhava pra trás.

O delegado avalia à distância os pacotinhos. Depois pega um e faz que vai abrir.

Eu de doida, digo o quê?

— Senhor, se for para abrir, pode ser o Sávio?

O policial ao lado ri. O delegado por fim concede. E todo mundo olha pro Sávio, que fica mega desconcertado, apertando o ombro e engolindo em seco. Definitivamente, não era assim que eu queria que ele passasse o aniversário.

— Vá em frente, meu rapaz.

Sávio enfim pega o primeiro presente, o meu, e abre o pacotinho. Era um vale-presente de uma loja onde poderia comprar várias ferramentas, um pequeno vício seu que descobri tem um tempinho. Sei que ele estava atrás de um lançamento de uma marca, agora qual e do que se trata, sabe-se lá, então a melhor opção foi esse vale e ele mesmo escolher na loja. Explico isso conforme o Sávio olha estarrecido para o pacote e o “presente”. Troco de lugar com o Bruno, apertadinho mesmo, e abraço o Sávio, desejando-lhe os parabéns, sem me importar com nada.

— Obrigado. Eu nem sei o que dizer.

— Abre o próximo.

O delegado quebra qualquer bolha de conforto que se instaurava ali. Sávio de pronto obedece, pega o outro pacote, enquanto o policial averigua os materiais do meu presente. E assim como o primeiro, a embalagem era pequena e fácil de abrir. Com uma puxada só, deu de ver que eram camisetas. Duas camisetas.

Na primeira que o Sávio puxa, o Bruno explica:

— Essa aí foi difícil de achar. Tive que pedir pra um amigo do trabalho quando ele foi pra Washington.

Era de uma banda que eu não conhecia, porém, posso dizer que era totalmente a cara do meu amigo. De Sávio, digo. Ele estava super pasmo com a camiseta em mãos.

Mas foi a outra que surpreendeu a todos. Assim que Sávio abriu, tanto as sobrancelhas dele quanto as minhas saltaram. Era hiper colorida, quase um carnaval inteiro, de verde e laranja principalmente. Bruno se sente na obrigação de explicar e fico agradecida que ele faz de bom gosto, até que percebo do que se trata. Ou, sei lá.

— Essa era pra... sabe, colorir um pouco teu guarda-roupa. Não que teu estilo não... não que não seja legal, é que... Quando a gente anda com a Milena, a gente aprende umas coisas.

— Quê que eu tenho a ver?

— Foi tu que me deu aquele chapéu de festa junina no Natal do ano passado. Tô passando a tradição, só isso.

E eu nem consigo reagir a isso. Olho pro chão, desconcertada. Era uma situação surreal demais pra mim e pros meus próprios padrões.

Quando que vou poder ir embora?

— Quer saber? Eu acredito. Vamos só esperar o resultado da análise. Dos bolos, no caso. Só para nos certificar de que não há nada ali. Ou nesse outro. Se não houver, podem ir. Se houver... Bem, conversaremos de novo.

O chefe de polícia larga as fichas sobre sua mesa e parece categórico.

Ainda atônitos, não conseguimos dizer coisa alguma. É quando o policial abre a porta para nos direcionar a se sabe lá onde, que eu volto e pergunto:

— Essa análise dura quanto tempo, senhor?

— Algumas horinhas.

— Horas?

O policial educadamente – pra não dizer o contrário – me reboca dali.

E, por incrível que pareça, agradeço mentalmente a ele. Pois do lado de fora, quando fomos alocados na sala de espera, estavam a Iara, o Murilo, o Vinícius e até o Acácio. Não fazia ideia de como teriam aparecido ali.

O mais importante é que estavam ali.


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Notas finais do capítulo

Estou CHOCADA tanto quanto vocês. E meio que ri revisando, mas o "cala boca" do Bruno me deu o alerta haha Amei foi a camisa colorida na bagaça e a justificativa dele!

Um trechinho do próximo?

"- E você, pensa em voltar a cantar, Milena? Algum dia?
— Nos palcos, como você?
— Também, acho. Não construir carreira e tal. Só... cantar mesmo. Sem expectativas. Pra espantar os males.
Comento, entre risos.
— Nesse caso, eu preciso muito. Preciso urgentemente."



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