Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 132
Capítulo 131


Notas iniciais do capítulo

tem tanta coisa nesse capítulo que não vou falar nada, vou apenas deixar pra vocês haha
enjoy!



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Desde que comecei a trabalhar na empresa, é muito, muito difícil eu conseguir chegar no horário certinho da aula, que dirá antes de começar. Quando o Gui diminuiu o uso de seu carro, aí mesmo que a gente passou a chegar bem em cima da hora, às vezes tendo até que implorar pra poder entrar na sala (professora Silvana já nem reclamava mais, só abria a porta e pedia silêncio). Então quando chego super cedo na faculdade, cedo do tipo “o céu ainda não estava completamente escuro”, até estranho. Não sabia o que era ver o prédio vazio assim fazia muito tempo.

Ao chegar no pátio, Dani, que estava numa das mesas, até faz graça:

— Yuri.

— Hum?

— Acho que tô vendo um fantasma.

Um Yuri com a boca cheia de sanduíche vira de costas pra me olhar e me sorri.

— Deixa eu adivinhar: coisa do Murilo?

Assinto, mas editando a informação.

— Aproveitando carona do Murilo.

Sem cerimônia e sem reserva alguma, sento à mesa com eles. Eu ainda estava abatida do dia anterior, o que me deixava tão aleatória, que eu poderia conversar com o maníaco do parque e nem entender o que estava acontecendo. Mas era a Dani e não um maníaco. Apesar de todos os climões (e discussões) com que já nos envolvemos, nem eu nem ela suportávamos prosseguir daquele jeito. E na semana passada ela demostrou bandeira branca, certo? Ela até ficou no mesmo recinto que o Sávio. E o Bruno. E confessou algumas coisas... E jogou um suco na cara da Keyla por minha causa.

— Como tá o Gui?

— Do mesmo jeito, com dor, reclamando, mas agradecido por todo o apoio. Ontem não pude ir visitá-lo, só conversamos brevemente. E como a Iara quase não sai de lá, ela me mantém informada.

— Ah. Que bom. Não conheço tão bem a Iara, mas fico feliz.

— E falando em ficar feliz... Como foi com o pai do Vini?

Yuri me deu uma olhada que me obriga a esclarecer a pergunta.

— Ele é fã das apresentações dela, só isso. E deu uma carona no outro dia pra Dani.

Dani, que se limpava com o guardanapo do lanche que havia feito, abriu um sorrisão do tamanho do universo. Não via um desses faz tanto tempo que acho que nem sei reagir.

— Ai, Lena, olha... Eu já tinha conhecido alguns fãs meus, claro, mas o tio Filipe, não sei dizer.

Tio Filipe. Eu finjo coçar um pouco o rosto para não transbordar a emoção que sinto de ouvir isso. Ainda bem que Dani está tão tomada pela própria sensação que parece não ver o que estou tentando disfarçar.

— Acho que eu não sabia o quanto a música e a minha interpretação poderia tocar alguém, sabe? Até então, pra mim, era como uma brincadeira. Era algo que eu gostava de fazer, então eu fazia. Muita gente gostava da minha da minha voz e, sei lá, gosto desse agito. Mas ouvir dele o que achava... Olha, até me fez querer cantar de novo. Me fez ir atrás da banda de novo e dessa vez pra valer.

 - Você tinha saído da banda?????

Yuri levanta um pouco a voz de tão surpreso que estava. Eu que achei que seria ele quem estaria mais por dentro da história, vejo que estava enganada. Daniela mexe a cabeça, titubeando, um pouco sem graça. Também fico um pouco desconcertada, porque parecia que tava vazando coisas que não eram pra vazar. Mas como poderia eu saber, né?

— Mais ou menos. Passei um tempo off, só isso.

— Você me disse que tava num break por conta das provas.

— Era uma forma de ver, eu acho.

 Encolhendo os ombros, algo que não é do feitio de Dani, ela parece se desculpar sem dizer as exatas palavras para Yuri, que não estava de cara boa. Não sei bem o que pensar sobre isso, porque com certeza seria uma reação que o Gui ou o Vini teria comigo se eu tivesse dado um vacilo desses. Só não sei dizer mais se Yuri está numa posição de Gui ou Vini. Digo, de amigo ou... namorado.

Não, deve ser só amigo mesmo. A Dani é ainda muito apaixonada pelo Bruno. Mesmo que eles não voltem a namorar, ela não iria se envolver com ninguém no momento. Ela é muito fiel aos seus sentimentos, às vezes até demais. Não creio que a fama que ela obteve nos últimos meses teria mudado isso.

Como que salva desse novo climão, vejo Pompeu chegando pela entrada dos fundos. Distraído com seu celular, ele não me vê acenando. Mas aí... uma coisa estranha acontece. Yuri olha pra mim de um jeito que não sei explicar e, com um tom bem rígido, pergunta:

— O que você quer com o Pompeu?

— Tô com uma camisa dele que preciso devolver. Por quê?

Yuri se volta para o pouco de sanduíche que restava em suas mãos e sua expressão não melhora. Aliás, fica mais estranha.

— Só acho que ele não é uma boa companhia. Não pra vocês.

Visivelmente irritada pelo comportamento dele, não deixo barato. Uma coisa era ele fazer cobranças pra Daniela, outra coisa era ele se intrometer daquele jeito.

— E pra quem então?

Ele não responde, só enche sua boca de sanduíche, o que deixa o clima mais estranho e desconfortável. Dani é quem tenta amenizar as coisas. Ela faz gestos para que eu relevasse, que não devia ser nada. Olho de um para o outro e de repente quero levar Dani comigo pra onde quer que fosse. Não ia tolerar aquilo.

— Bem, se me derem licença, eu preciso falar com o Pompeu. Até depois... Dani.

~;~

Quando estou seguindo para o patamar da sala do Pompeu, que fica acima do meu, quase trombamos, eu subindo, ele descendo, na rampa.

— Opa.

— Desculpa!

— Tudo bem. É um prazer trombar em garotas lindas como você.

Não fico surpresa com o comentário dele, sei que ele é assim e não é nada demais. Não é como se ele estivesse me cantando de verdade. Talvez um flerte inocente? Ajeito meu material aos braços e puxo uma sacolinha que mantinha em cima do meu caderno.

— Bem, essa garota linda está com sua camisa.

— Ih, verdade. Tinha até esquecido disso.

— Está lavada, claro. Só queria dizer muito obrigada mais uma vez.

— Ah, que é isso. O mérito de esforço é seu, eu só dei uma ajudinha.

— E foi muito, acredite. Obrigada mesmo.

— Disponha. Vai descer?

— Vou sim.

Seguimos juntos pela rampa, andando e conversando.

— Ah, eu soube do caso do Gui. Como ele está?

— Não quebrou nada, mas também não tá muito inteiro. Ele vai se recuperar.

— Fiquei péssimo quando soube. Pensei que, sei lá, poderia ter ajudado o cara, se tivesse por aqueles lados, sabe. Eu tava no auditório na hora. A maioria dos monitores estava no auditório. E teve um momento que fui no banheiro lá perto. Fiquei pensando nisso. Eu poderia ter feito algo.

— Não foi culpa de ninguém. Não dava pra saber que uma coisa dessas ia acontecer.

— É, não dava.

— Mas obrigada pela consideração. E obrigada pela camisa. Já agradeci pelo empréstimo?

— Considere-se bem agradecida.

Chegamos ao meu patamar. Eu coloco meu material em cima do bebedouro pra descansar um pouco os braços e Pompeu mostra que vai seguir caminho. Ele pisca com graça pra mim.

— Te vejo por aí, linda.

Conserto, também com graça.

— É “Lena”.

Ele não olha pra trás, já está descendo o nível pela rampa, mas se conserta:

— Te vejo por aí, Lena.

~;~

Havia chegado tão tão tão tão tão cedo na faculdade que deu de acertar todos os detalhes finais do sequestro do Sávio. Quer dizer, aniversário. Seria essa semana, na quinta-feira, e a única dúvida que ficara era se faríamos na quarta ou na quinta. Ou na sexta. Mas achávamos bom ficar entre quarta e quinta porque daria mais efeito pra surpresa e a Iara teria mais espaço com o Sávio pra comemorar sozinhos na sexta-feira, né. Era isso que o Bruno tentava explicar pra Iara no telefone.

Ele também havia chegado cedo, mas não tão cedo como eu, claro. Ficamos na minha classe, que, sabe-se lá o porquê, estava mais vazia que o normal. Ou era eu que não sabia mais o que era chegar adiantada na aula.

Enquanto Bruno andava a esmo pela sala, próximo à janela que dá para a avenida, mando uma mensagem pro Vini pra mantê-lo a par do plano. Quando dou por mim, vejo uma cabeça na porta da sala procurando... a mim. Dani me chama com um aceno assim que me vê no fundão. Pelo que percebo, ela parece não ter visto o Bruno. Assim levanto e vou até ela.

— Ei. O que tá fazendo por aqui?

Sem olhar diretamente pra mim e mordendo os lábios, Dani parece um pouco desconcertada.

— É que... Só vim pedir desculpas. Pelo que houve mais cedo, digo.

— O que quer dizer?

— O comportamento do Yuri. Ele tem estado estranho nos últimos tempos e às vezes fala umas coisas que nem sei dizer bem. Acho que ele tá com algum problema em casa que não quer me contar. O que não justifica ele ter sido rude daquele jeito. Na mesa, sabe.

— E por que você é quem está se desculpando?

— Ah. Porque... não sei. Achei que devia dizer que não é nada pessoal.

— Espero que não seja pessoal mesmo, mas você não tem que se sentir responsável pelo que ele disse ou como disse, Dani. Sério.

— Eu sei. Eu só... Não queria que você ficasse chateada.

— Já passou. E já devolvi a camisa.

— Então... Já vou indo. Até... outra hora.

Assisto ela seguir pelo corredor, que já estava mais movimentado. Éramos do mesmo patamar, mas nossas salas ficavam em lados opostos. Quando Marcinha passa por mim pra entrar na sala e cumprimenta com “oi, Lena, oi, Bruno” é que noto que ele estava bem atrás de mim. Bruno dá um sorrisinho sem muita animação e a cumprimenta de volta. Viro pra ele de braços cruzados.

— O quê?

— Você. Sei lá. Espionando aqui.

— Não estava espion... Ouvi sem querer, tá.

— E o que você ouviu?

Bruno coça a nuca, querendo disfarçar.

— Algumas coisas.

Levanto uma sobrancelha pra ele.

— Que tipo de coisas?

Ele muda o semblante e vira o jogo:

— Uma melhor pergunta seria: o que o Yuri fez pra ti?

— Nada que eu não pudesse lidar.

— Lena.

— Vai dar uma de Gui agora é?

Provoco, porque estou sentindo que tem algo maquinando na cabeça do meu amigo. Bruno às vezes pode ser muito aberto, outras uma rocha. E quando envolve a Daniela, principalmente desde que se afastaram, ele tem evitado algumas conversas. Pode responder algumas perguntas, mas não chegamos a fundo de questões. Tenho dado bastante espaço também, mas agora, não sei, sinto que já não estamos na fase de distrações.

— Bem, você também é minha garota. Preciso ter uma conversinha com o Yuri?

— Não, não precisa. E tu sabe que esse papo não cola comigo.

— Pior que eu sei. Mas queria realmente saber dessa do Yuri.

— Ele fez um comentário idiota e eu dei um chega pra lá. Agora me conta o que tem nessa cabeça ou eu vou ter que arrancar?

— Bruta.

Dou uma boa olhada pra cara dele, que me puxa pra sair dali da entrada da sala.

— Eu só tava pensando se... Você não acha que...?

— Que o quê?

— Nada. Vamos voltar pro plano. A Iara disse que...

Bruno inventa de sair de fininho e eu invento de segurá-lo pela camisa, o que chama um pouco de atenção com os alunos em sala, mas ninguém diz nada. Quando um inquieto Bruno retorna ao ver que eu não largaria sua camisa, ele diz, derrotado:

— Só estava pensando se eles estão juntos. Yuri e Dani. Como casal.

Eles não tinham terminado faz tanto tempo assim, penso. Mas pra quem terminou, isso pode parecer uma eternidade, não é?

— Não acho que eles estejam juntos. De verdade. A Dani é bem expressiva quanto aos sentimentos dela. Não que você perceba muito, né.

Alfineto porque gosto de alfinetar mesmo.

— Como assim?

— Quando ela começou a gostar de você, você nem via.

— Eu via sim. Só não queria me envolver naquela época.

— Sei.

Saio andando, depois de plantar uma sementinha na cabeça dele. Bruno me segue, passando pelas filas de carteiras.

— Eu não tava com a cabeça no lugar naquela época, só isso.

— E tá agora?

— Tô. Você sabe que eu tô.

Pior que eu sabia mesmo. Eu não queria me meter na relação dele mais do que já havia feito até então, mas tinha dia que era difícil, principalmente quando eu via como ele ficava por só pensar ou estar perto dela. Contudo, suas convicções permaneciam fortes. Ele queria fazer melhor.

— Então não pense sobre isso. Vamos voltar pro plano. Tudo ok pro sequestro?

— E você que é a pessoa normal aqui, né?

Ele ironiza e eu sigo na sua jogada.

— Totalmente.

~;~

— Eu vi o que eu vi?

— Viu, querida, viu. Sei porque também vi.

Djane fecha a porta de seu gabinete com um sorrisinho maroto e eu a sigo até a mesa, ainda meio chocada com a cena de segundinhos atrás. Max conversando com Glorinha e ele ter ficado desconcertado ao me ver entrar na antessala. Fiquei tão surpresa que fechei uma mão ao rosto e disse que estava segurando um espirro. Porque não queria deixá-lo mais desconcertado. Eu, Milena Lins, sendo boazinha com Max.

Eu não fazendo estardalhaço. Por Max.

Ou pela Glorinha?!

— Imagina como é difícil ter que lidar com esses dois agora.

— Com certeza. Mas eles são tão fofos que dá vontade de entregar logo o jogo. Jura que a Glorinha ainda não sacou?

— Juro. Acho que a costumeira gentileza de Max a deixa em dúvida.

— Gentileza nada, é queridês, Djane. Ainda bem que ele desligou esse modo dele comigo. Eu não suportava.

— Sério?

— Sério. Acho que meus instintos só gritavam um alerta de “tem algo muito errado com esse cara” e tinha mesmo. Quero dizer que o queridês dele não era natural. Me pergunto se esse é o primeiro trabalho de contato assim de Max.

— E você que não é nada desconfiada, querida.

Djane diz assim, sem mais nem menos, enquanto mexe em algo no seu computador. Na cadeira em frente à sua mesa, reclamo, claro.

— Aí tu me mata também, né. Sou o que sou. Mas vamos mudar de assunto. Fiquei pensando sobre o que você me diss... Me propôs ontem.

— E você tem alguma resposta mais conclusiva? Ou prefere pensar mais?

Apertando uma mão na outra e meio sem graça, digo:

— Eu... Preciso confessar uma coisa.

Djane para de digitar e pende a cabeça para o lado, para o monitor não ficar entre a gente.

— Eu não tenho a mínima ideia de como seguir. Com a monografia ou a orientação. Não tenho tema, nada. Parece que não tem nada com que eu me identifique de verdade, nenhuma área. Todos os trabalhos que apresentei em eventos acadêmicos eram sempre ramificações de trabalhos em classe, então nada muito original e nenhuma pesquisa muito específica.

Queria ser como o Bruno, que achou um tema bacana pra explorar, algo que lhe chamava a atenção. Por mais que o tema dele tenha sido provocado por uma situação desconfortável, dá pra ver sua empolgação e interesse quando comenta.

Djane só assente ao ouvir meu desabafo, pensativa, enquanto estou com um buraco no estômago só de falar nisso.

— Diz alguma coisa, professora.

— Você não me chama de professora faz um bom tempo.

Ela ri e eu acabo rindo de nervoso. Quando ela volta a ficar pensativa, suspiro.

— Não quero ser um empecilho pra você, Djane. Sei que esse não é um ideal de uma orientanda. Já era pra eu ter alguma ideia do que fazer, eu sei, eu só...

— Você passou por muita coisa no último ano, Milena. Muita coisa mesmo. Nós duas, na verdade. E a gente tem que aceitar que não deu pra dar 100% por cento da gente. Fui até sequestrada quando achei que poderia produzir mais do que devia. E é normal se sentir assim, perdida. Você não está sozinha. Acredite, orientei muitos alunos nos últimos meses com o mesmo problema. E você nunca seria um empecilho pra mim.

Abaixo o olhar para minhas mãos, porque não tenho cara de encarar Djane assim.

— Na verdade, querida, me arrependi de ter levantado a questão ontem. Era pra estar descansando a mente, não fazendo sair mais fumaça. Só achei que pudesse te distrair de... você sabe.

— Eu sei. E agradeço muito. E como você disse, esse foi um ano... complicado. Se eu fosse fazer um fichamento sobre tudo o que já rolou, iria sair de mãos machucadas de tanto escrever. Até meio que discuti com o Murilo de manhã.

Djane se remexe na sua cadeira.

— Ah, não, vocês dois brigando de novo?

— Na verdade, era o cansaço falando. Cansada desse ano e da vida. Só lembro daquela conversa sua com o Vini sobre as zilhões de coisas queimando meu cérebro.

Tinha que lembrar disso, Milena? Tinha?

— Que conversa, querida?

— Ah, Djane. Você vai me fazer falar, não é? Não foi bonito da minha parte.

— O que quer dizer?

— Foi uma conversa que eu ouvi pelo telefone, um tempão atrás. Você não desligou e deu pra ouvir um pedaço da sua conversa com o Vini, que chegou em casa logo depois. Falava pra ele conversar comigo sobre Max, porque o Vini não havia dito muita coisa depois que abri o caso sobre a investigação.

Minha sogrinha faz uma cara engraçada de surpresa. Eu, por outro lado, devia estar mortificada.

— Oh!

— Eu sei, o Murilo também me recriminou nessa. Em minha defesa, eu só não desliguei também. Quando eu digo que o universo me mostra umas coisas, ninguém acredita. É esse tipo de coisa.

Tá, o Vini acredita. Agora ele acredita.

— Já nem lembro bem do que eu disse na época.

— Sempre desligue, Djane.

— Vou tomar esse cuidado.

— Às vezes eu só queria que a vida desacelerasse um pouquinho. Não sei se aproveito as férias pra zerar o cérebro ou pra surtar com esse papo de monografia.

— Bem, você veio bater na porta certa.

— Em alguma coisa eu tinha que acertar ao menos.

— Sem autodepreciação, Milena, ou eu faço... coisas. Aprendi com a melhor.

— Pelo menos sou referência em alguma coisa.

A autodepreciação novamente desperta Djane e ela ataca, muito segura de si.

— Você vai receber uma ligação amanhã, mocinha. De sua mãe.

— Ah, não, Djane. Minha mãe não.

— Está precisando aceitar amor, querida. E pegar mais leve consigo.

— Eu tento, tento mesmo. Acho que ainda é o cansaço de ontem falando. Não era nem pra eu ter vindo pra aula, mas sabe como eu posso ser... insistente.

— Eu diria teimosa.

— Foi basicamente por isso que discuti com o Murilo.

— Olha, podemos fazer assim. Você chegou a pegar na biblioteca aquele material que te indiquei?

— Peguei, mas tive que devolver logo.

— Hum. Vou separar algumas coisas que tenho em mente. Te aviso, pode ser assim?

— Vai mesmo me orientar?

— Só se você me aceitar. Posso te orientar pra você se encontrar ou... bem, para apresentar seu projeto de conclusão de curso.

— Isso é um privilégio, Djane.

— É um privilégio sim e não te faz menos capaz. Um dia você pode devolver esse bem pra alguém. Ou sou eu quem está devolvendo para o universo. Ajudar você seria uma maneira de agradecer devidamente pelas coisas boas que aconteceram neste ano.

Arrisco um sorriso.

— Tudo bem... Orientadora.

Já o de Djane é bem largo.

— Que bom... Orientanda.

Seu braço atravessa a mesa para me encontrar e enfim suspiro de alívio.

— Só tenho uma pergunta agora.

— Qual?

— Será que os pombinhos ainda estão lá fora?

~;~

Depois de um bom banho, pijama confortável e umas encaradas à parede, saio do quarto e vou atrás do Murilo. Ele chegou depois de mim, quando eu jantava. Enquanto assisti um pouco de televisão, ele ficou no quarto, quieto. Quando foi me deixar na faculdade, fiquei vagando aérea com a rádio ligada. Ele estava calado assim por conta de nossa discussão. Estava me dando espaço, na verdade.

O fato é que eu não fui exatamente gentil essa manhã ou tarde, assim como Yuri não foi comigo no pátio. Mas diferente dele, vou pedir desculpas.

A passos quietos, chego à sala, também silenciosa. Sabia que ele estava lá porque o quarto estava escuro e a luz da sala ligada. Logo o vejo, meu mano jogado no sofá, lendo, exatamente como hoje de manhã. Era o livro da nossa avó.

Desde que voltei do lançamento, deixei o exemplar do Murilo no quarto dele. Claro que espiei a dedicatória que ela preparou. Espiei o de todo mundo, na verdade. Mas o de Murilo, quando estávamos tão distantes, me atingiu mais. Lembro que dizia algo como “Senti sua falta neste momento especial, mas compreendo que você precisava ir, seja lá pro que fosse” e “Me darei por satisfeita se lê-lo pelo menos uma vez”, que fazia referência ao fato de o Murilo nunca ler livros. Eu ainda lia um e outro. Vovó conseguiu me fazer ler alguns por conta própria. E eu vivo lhe dizendo que algum dia ainda mudaria isso.

Talvez fosse a hora, pensei ao ver meu mano com sua edição cobrindo-lhe o rosto, concentrado. Talvez fosse a hora de procurar outras histórias, considerei, bocejando e me arrastando de cansaço pela crise do dia anterior. Como era um pouco cedo, fui buscar algo na cozinha. De longe vi a bolsa de dona Bia num canto, mas ela não estava à vista.

Cumprimentei a criatura. Ao me perceber, Murilo abaixou o livro.

— Bom dia. Como se sente?

— Não muito acordada no momento. Você já não devia estar no trabalho?

— Hoje só entro às 19h.

De olho meio aberto, encarei ele, que entendeu o que eu estava a perguntar sem mesmo dizer as palavras. Se ele estava ali só pra cuidar de mim, perdendo hora no serviço. Porque ele era esse tipo de pessoa.

— É sério, é só à noite.

— Vai fazer plantão?

— Talvez fique até mais tarde, mas sem plantão. E você, vai pra empresa? Sente-se bem o suficiente?

— Não sei. Acho que posso tentar. Só não tenho muitos neurônios disponíveis.

Apesar de ter conseguido melhorar minhas crises, os neurônios não eram algo que eu poderia contar. Muito provável eu errasse algo, trocasse algo, passasse décadas fazendo algo que não compreendia porque fazia. Era tudo lento.

Na cozinha, vi a garrafa térmica e, mecanicamente, procurei uma xícara. Ouvi Murilo no cômodo ao lado.

— E se você não for?

— Não queria ter que faltar.

— A Iara pode conversar com seu chefe.

— Falando desse jeito, nem parece que me conhece, Murilo.

Silêncio. Será que o ofendi? Fui com xícara até a porta da cozinha averiguar.

— Só estava checando a previsão. E pelo jeito vamos ter de novo, mas umas pequenas trovoadas, agora pela tarde.

Colocando desse jeito, só expirei num misto de tristeza e frustração por como essas coisas me atrapalhavam. Voltei pro meu café.

— E à noite?

— À noite?

— Tenho aula, Murilo.

— À noite... não. É uma previsão apenas. Mas acho que você devia descansar mais.

— Tenho aula, Murilo, não ouviu? Aula. Na faculdade. À noite.

— Se você diz.

— E não fala pro Vini. Eu... falo com ele depois.

Quando terminei meu café, ele saiu com o carro para pegar as compras com a dona Bia. E até o almoço, fiquei no quarto. Não tinha condições de estudar, mas consegui fazer algumas coisas que não exigiam muita concentração, como organizar pastas, arquivos e alguns trabalhos. De certa forma, procurava uma luz no fim do túnel quanto a minha monografia. E nada me chamou atenção. Sabia que eu não estava num melhor momento pra pesquisar sobre isso, mas estava inquieta. Sentia que precisava me manter ativa.

Avisei Iara sobre minha falta e mandei uma mensagem também pra Thiago, falei que era uma emergência pessoal. Isso também me deixou mais frustrada. Impaciente. Tanto que no almoço também não disse nada e Murilo idem. Mas sabia que ele estava de olho em mim. Eu tinha a compreensão de que ele estava fazendo aquilo pra me ajudar, mas... havia uma raiva incompreensível dentro de mim.

Durante a tarde, choveu um pouco e fiquei reclusa no meu quarto. Coloquei fones de ouvido e fiquei assistindo alguns episódios de séries. Coloquei num volume razoavelmente alto. Se houve trovões, eu não ouvi. E também não perguntei. Murilo só me avisou que iria sair mais cedo de casa e assim me aprontei pra faculdade. Mais calma, tentei não pensar muito a respeito, mesmo que volta e meia queimasse os poucos neurônios disponíveis.

A única coisa que me deixou mais sã mesmo foi ter passado um tempo com o Bruno planejando o aniversário do Sávio e a visita à Djane. Foi o Bruno que, aliás, me deixou em casa, e durante o caminho ele puxou o assunto do Yuri de novo, e expliquei o pedido de desculpas da Dani. Foi quando a culpa pesou de vez.

— Está aí há muito tempo?

Acordo de repente dos devaneios com Murilo me olhando. Acho que ficar paralisada e escorada na parede deve ter lhe chamado a atenção.

— Não sei.

— Você precisa de alguma coisa?

— Sim.

Murilo põe o livro na mesinha central da sala e se senta no sofá, prestes a levantar. Ele faria qualquer coisa que eu pedisse, eu tinha certeza. Ao coçar os olhos, percebo mais seu cansaço. Mas antes que levante, dou um passo à frente, embora continue distante dele.

— Desculpa por hoje de manhã, maninho. Estava... resistente.

Desde a sua viagem, não consigo não ser sincera com ele. Se não sou, sinto um profundo incômodo. Na verdade, mentir ou esconder qualquer coisa me deixa agoniada demais. Acho que posso dizer que me acostumei a dizer a verdade. Isso é bom, não é?

Já Murilo, ele ri sem muita vontade, sem me olhar diretamente.

— “Resistente” é uma boa descrição.

Continuo, ainda um pouco incomodada comigo mesma, mas sigo em frente. Precisava tirar aquele sentimento do meu peito. Só precisava dizer... e não olhar para meu mano.

— Eu estava um pouco dolorida... e não gosto de me sentir incapaz. Fico resistente e às vezes... maldosa.

Fito Murilo assim que solto a bomba e ele assente, talvez mais para si, e, resignado e calmo, declara:

— O dia seguinte sempre é ruim, eu sei.

— São ruins sim, mas... você estava aqui.

— Ô, Lena.

Murilo enfim levanta, me alcança num segundo e me abraça. Fico pequena naquela montanha de pessoa que ele é e menor ainda quando sinto seu beijo ao topo da minha cabeça. Eu já não estava resistente. E estar na sua asa, não sei, senti um grande alívio. Mas ainda não queria dar o braço a torcer. Não queria falar daquilo mais que o necessário.

— Como estava a leitura?

— Eu já chorei em uns dois ou três textos. Tô na metade acho.

Rio, de uma maneira que não achei possível diante das circunstâncias, contra o seu ombro. Ele também riu, contraindo a si e a mim, ainda grudados.

— Ligo pra vovó quando terminar.

— Ou enquanto lê. Acho que vocês precisam conversar.

— Precisamos?

Lembro rapidamente de um momento daquele fim de semana com vovó dizendo que sabia que alguma coisa tava rolando e que era algo sobre nosso passado com Denise. A intuição dela era forte.

— Confia em mim nessa.

— Ok. Ligo amanhã. Ela dorme cedo.

Me desvencilho dele, ainda envergonhada, e quero desesperadamente falar de qualquer outra coisa. Murilo segue minha onda mais uma vez sem reclamar.

— E você tem tempo para eu te contar o plano de aniversário do Sávio?

— Eu tô convidado?

— Tu e a Aline. Se puderem. Mas queremos muito que sim.

— E o que acha de me contar acompanhada de um sorvete?

— Gosto como você pensa às vezes.

— Eu sei.

Ele se vira pra ir pra cozinha e ainda há algo na minha barriga me incomodando.

— Murilo?

— Oi.

— Me desculpa mesmo. Eu... É difícil pra mim.

— Eu sei, e tudo bem. Mesmo. Dias ruins passam.

Dias ruins passam.


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Notas finais do capítulo

TIO FILIPE. COMO LIDAR?
Melhor do que a possibilidade de um novo casal. Eu sou team Bruno e Dani, mas eles que se resolvam, viu. NÃO SEI DE NADA até me contarem. O mesmo pra Max e Glorinha. Max que se vire, aliás!
E que orgulho da Milena, gente! Cada vez mais aberta, cada vez mais sincera. Só posso dizer que passos muito importantes vêm aí. E muita confusão, claro haha

Trechinho?
"- Ei.
— Caraca, Lena, de onde tu saiu?
— Eu? Eu que te pergunto! Tá atrasado!
— Eu sei. Tive que fazer uma entrega de última hora e me perdi no endereço e... Por que você tá aqui fora?"



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