Our Sun's Heart escrita por Gak


Capítulo 2
Watching Us




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Era um dia ensolarado com ventos moderados, um Sábado de Verão. Eu tinha apenas oito anos de idade e era a primeira vez tendo uma pipa em minhas mãos. Meu pai tinha comprado-a um dia anterior a caminho de casa, logo após ter saído do trabalho. Nosso quintal era pequeno, vivíamos em uma casa em um conjunto habitacional de classe média, haviam dois postes de energia elétrica bem em frente à nossa casa, o que tornava perigoso o fato de se soltar pipas naquele lugar, mas ainda assim o fizemos.

 Apenas ouvimos um pequeno estalo e a pipa que antes balançava ao vento chocou-se contra o chão. O vento forte havia quebrado sua estrutura e por isso, ela não se manteria mais no ar. Guardei com cuidado, para não danificá-la mais, estava chateado, obviamente, mas ainda tinha esperanças de que ela poderia ser consertada. Ironicamente, não havia como consertá-la e mesmo assim decidimos tentar elevá-la novamente, porém em um lugar aberto. No dia seguinte, meu pai saiu de casa em sua bicicleta e por cinco quilômetros, chegamos à um pequeno aeroporto com um parque. Era uma área com grama e pistas para pessoas correrem e passearem com suas bicicletas. Pegamos a pipa, os fios, tudo o que precisávamos para erguê-la. Nós a soltamos no ar e rapidamente ganhou altitude, meu pai segurava-a como se não fosse nada demais, mas meus olhos brilhavam naquele momento. Ele estendeu sua mão em minha direção e imediatamente peguei o fio, com todo o cuidado para não soltá-la.

 Aqueles dez segundos em que eu ergui uma pipa ficaram em minha memória até hoje. Ainda lembro do vento balançando-a lá no alto, já que os movimentos chegavam até minhas mãos por meio do barbante. Foram dez segundos até que ela finalmente rasgou devido à estrutura quebrada, perdendo altitude e caindo alguns metros mais a frente.

 O parque estava vazio naquela tarde de Domingo, e por isso ninguém havia visto aquela pipa no ar. Lembro-me de ter corrido até ela assim que chegou ao chão e meu pai se aproximou com a bicicleta. Ele analisou o brinquedo, apenas para olhar em meus olhos e dizer que não haveria conserto. Jogou-a no chão, não por maldade ou indiferença, mas porque não havia mais nada a se fazer. Sentei na traseira da bicicleta e segurei nas barras de metal enquanto meu pai começava a pedalar, e eu não conseguia deixar de olhar para trás. Aquele pedaço de seda colorido todo espatifado no asfalto ficava cada vez mais longe, e eu não tinha como não pensar nele como um ser vivo. Enquanto pedalava e olhava para a frente, meu velho soltou aquelas palavras: “Amanhã eu compro outra”.

 A pipa que fora comprada dois dias antes durara tão pouco, mas antes de tornar-se completamente inútil, cumpriu com a razão de sua existência, mesmo que por alguns vinte segundos. Eu não possuía uma mente tão inocente quanto as crianças de minha idade, por isso foi impossível não comparar aquele fato com a minha existência em si.

 Somos “comprados” para durarmos tão pouco e logo nos tornamos inúteis... E então é quando com o tempo, somos completamente esquecidos. Nossa curta existência é algo que nunca será lembrada depois de um determinado período de tempo, pois as pessoas que ainda teriam alguma lembrança sua também tornar-se-ão inúteis, serão esquecidas e assim por diante, rumo ao irrefreável futuro.

 Peguei-me perguntando o motivo de ter lembrado daquilo enquanto, assim como todas as outras pessoas, olhava para o horizonte. Será que elas estariam fazendo o mesmo? Relembrando de todo o seu passado? De todas as memórias que em breve seriam esquecidas?

 Sem querer, aquela sensação de nostalgia novamente tomou o meu corpo. Lembrei de uma manhã de Inverno, era o primeiro dia de Janeiro e eu tinha sido o primeiro da família a acordar. Lembro-me de jogar videogame até meus pais acordarem. Lembro-me que foi naquele mesmo dia que conheci a garota da minha vida.

 Fui para a casa de uma tia, já que a família se reunia no primeiro dia todos os anos. A filha de uma vizinha juntou-se comigo em uma brincadeira entre meus primos, não me recordo do nome, mas era semelhante à pega-pega, com a única diferença de quem era pego, deveria permanecer no mesmo lugar até que outro o tocasse, para assim continuar a fugir.

 Brincamos o dia todo e desde então, nós nos tornamos melhores amigos. Anos se passaram, ambos tínhamos quinze anos e estudávamos na mesma sala de aula, no mesmo colégio. Todos os dias após a aula invadíamos um hotel abandonado, subíamos até o terraço e de lá acompanhávamos o pôr do sol. Após isto, nos despedíamos e íamos para casa. Aquele roteiro tornara-se um ritual, algo sagrado para ambos.

 Seu aniversário caíra em um dia de semana. Era uma sexta-feira. Diferente dos últimos dias, o céu amanhecera escuro e cinzento. Enquanto estávamos naquela sala de aula, ela mal falava uma palavra e durante todo o dia permanecera melancólica. Do lado de fora da janela os raios caíam e a chuva era intensa, eu não conseguia entender como o clima havia mudado tão rápido da noite para o dia, mas estava determinado a seguir com o nosso ritual secreto.

 Andávamos pela rua chuvosa juntos debaixo do mesmo guarda chuva. Parecíamos um casal de namorados, porém ela parecia não se importar com nada do que eu dizia a ela. Chegamos no hotel, entramos pela janela na lateral do prédio onde antes havia um aparelho de ar condicionado que havia caído devido à ferrugem e ao abandono. Subimos os dez andares pela escada e chegamos ao terraço.

 Estávamos parados um ao lado do outro enquanto eu segurava o guarda chuva. As gotas d’água caíam ao nosso redor, e ambos sem reação alguma. Não sabíamos o que estávamos fazendo e nem o que deveríamos fazer, apenas ficamos ali por alguns minutos. Uma rajada de vento nos atingiu e fez com que o guarda chuva fosse arrancado de minhas mãos, ouvi o grito dela ao sentir a chuva fria em sua pele e em suas roupas, corri atrás dele, porém seus arames já estavam todos retorcidos.

 Lá estávamos: dois adolescentes debaixo da chuva no terraço de um prédio abandonado. Não demorou muito até que ela começasse a chorar e a me xingar de todos os palavrões possíveis, e eu apenas ficava cabisbaixo, gaguejando um pedido de desculpas. Por algum impulso, eu a abracei naquele momento. Nossos uniformes escolares encharcados encontraram-se e senti seu rosto encostando em meu peito. Ela estava surpresa, mas ficou sem ação. Ficamos abraçados por um minuto até eu dar alguns passos para trás e tocar sua mão. Ainda lembro de seus olhos verdes confusos, sua expressão interrogativa e suas bochechas que agora estavam completamente coradas.

 Eu peguei em sua mão e olhei para o oeste, assim como ela. A chuva continuava caindo, porém no horizonte as nuvens abriam-se, revelando gigantescos e belos raios alaranjados que invadiam a escuridão da tempestade. Nossos olhos refletiam a luz alaranjada e - quando olhamos um para o outro -  nossas imagens... Estávamos apaixonados, e diante daquela paisagem...

 Era como se o Sol estivesse nos observando.


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