Casa Verde (à noite)

Amora estaciona em frente à casa de Bento e tira cuidadosamente duas sacolas do carro. Ela caminha devagar e pára por um instante encarando a porta.

Amora: Não acredito que já tem mais de um mês que estamos casados e eu ainda estou enfiada nesse buraco! – Ela suspira profundamente e logo em seguida acorda dos seus pensamentos – Foco, Amora, foco! Essa parada ainda não está ganha, mas vai estar… ah, se vai!

Amora plastifica um sorriso largo no rosto, abre a porta e adentra a casa da forma mais adorável possível chamando pelo marido.

Amora: Meu amoooooorrrr! Eu tenho uma surpresa pra você! Passei em um restaurante italiano chiquérrimo no caminho vindo pra cá e pedi dois pratos deliciosos para a viagem. Eu ainda não posso cozinhar um jantarzinho para nós dois, mas eu acho que isso chega bem perto…

Amora coloca as sacolas na pia esperando alguma resposta, mas só ouve silêncio. Ela sai em direção à estufa e vê Bento sentado em uma mesa com vários livros espalhados. Ele não percebe a chegada da it-girl até ela começar a falar.

Amora: Então é aqui que você está se escondendo, meu amor?! Por que você está trabalhando aqui e não no seu escritório lá em casa?

Bento: Não sei, Amora… Ultimamente ficar em casa têm sido meio sufocante, resolvi que aqui fora eu trabalharia melhor…

Ela se aproxima do marido e senta no banco ao seu lado. Bento permanece olhando para os livros e ela resolve puxar algum assunto para chamar a atenção. Amora abre os braços de forma espalhafatosa.

Amora: E quem pode te culpar, não é? As suas flores são tão lindas, eu também adoro vir aqui para pensar e… - ela nem sequer termina a frase quando percebe que Bento não está prestando atenção – Mas Bento! Eu trouxe um jantarzinho maravilhoso pra gente, comida italiana que eu sei que você adora! Vem jantar comigo, vem! Eu vou colocar a mesa direitinho; você não vai nem lembrar que não fui eu que cozinhei – diz abrindo um sorriso largo e piscando os grandes olhos.

Bento continua com a cabeça enfiada nos livros.

Bento: Não estou com fome agora, Amora. Você não precisa esperar por mim, pode ir comendo.

Amora: Ah, mas você não quer nem me fazer companhia? Nós somos uma família agora e uma das coisas mais importantes na vida em família é jantar juntos… Então nós podemos falar como foi o nosso dia, quais são os planos para amanhã…

Bento levanta a cabeça e olha nos olhos da esposa.

Bento: Você tem razão, Amora, mil desculpas. Eu acabei comendo qualquer coisa aqui mais cedo e nem ia comer mais nada antes de dormir. Eu devia ter te ligado, pra você não jantar sozinha. Mas é que eu estou tão empolgado com essa idéia para a Toca do Saci…

Amora arregala os olhos e tenta espiar que livros são esses que ele tanto lê.

Amora: A Toca, é?! - Ela leva os dedos aos lábios - E que de tão interessante pode ter na Toca do Saci pra você recusar um jantar chiquetérrimo que eu peguei pra nós dois?

Bento abre um sorriso pela primeira vez. E pega um livro na mesa pra mostrar para Amora.

Bento: Eu e a Malu vamos plantar uma árvore com as crianças da Toca! Vai ser uma atividade super-diferente e muito importante pra ensinar consciência ecológica para as crianças. Eu estou pesquisando sobre qual seria o melhor tipo de árvore para plantar. Pensei numa amoreira porque é frutífera e as crianças iam gostar e…

Amora levanta de supetão levando as mãos à cabeça.

Amora: Eu não acredito que você vai plantar uma amoreira com aquela sonsa e invejosa da Malu! A amoreira é a minha árvore, minha! Até tenho meu nome por causa dela.

Bento fica assustado com a reação da esposa. Esperta, Amora percebe e muda de tom.

Amora: Poxa, Bento! A amoreira faz parte do nosso passado, meu e seu! Não tá vendo que até as minhas lembranças queridas a Malu está querendo roubar?

Bento: Amora, não viaja! Você não é dona de todas as amoreiras do mundo e muito menos tem alguma coisa a ver com as árvores que eu planto ou deixo de plantar… E depois, não foi nem a Malu que deu essa idéia. Dá licença que eu vou dormir, de repente me bateu um sono irresistível. - diz Bento caminhando em direção a sua casa.

Amora: Mas e o nosso jantar? - Amora grita para as costas do marido.

Bento: Faça bom proveito! - Bento nem se vira.

Ela encara pensativa os livros em cima da mesa.

Amora: Você me paga, sua sonsa! - diz sussurrando antes de entrar em casa.