Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 38
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

Eita que o último foi... revelador. Bora ver como a Milena vai digerir/lidar?

Existe esperanças, gentes!
Enjoy.



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Muita coisa que Djane fez não foi de um bom jeito, do mesmo modo que Filipe tão bem não – numa proporção bem maior, claro – senão o próprio Vinícius com alguns comportamentos inaceitáveis, e até mesmo Iara. Mesmo que eu não concordasse na maioria das vezes com as atitudes deles, de uma maneira ou de outra acabei vendo certas facetas de cada um que me fizeram ter fé neles ou em seus propósitos.

Eu entendi parte de suas razões, suas posturas, suas ideias, que direta ou indiretamente acabaram me afetando em algum ponto de nossas histórias entrelaçadas. Djane, por exemplo, para proteger o filho e a si mesma batia de frente com o cunhado, que por sua vez, estava metido na maior mentira da vida de Vinícius, o qual magoava os dois em resposta – à sua mãe principalmente. E Iara... bom, ela me seguiu por uns dias entrando no jogo maluco do pai.

Eu os compreendia de algum jeito, o que me rendeu olhares nada agradáveis de várias partes. Vinícius ficava indignado por eu pegar o lado da mãe, Djane deve ter questionado minha sanidade de ter sido civilizada com o cunhado depois de muitos “atentados”, Filipe era o resmungão que achava que eu só dava chance pra Djane e Murilo é o que mais fica com o pé atrás com Iara. E Filipe. Meu irmão já tinha pego no pé de Vini umas vezes, até que se tornaram aliados. Sempre tem um que fica insatisfeito.

Achei que compreendia meu irmão, achei que o conhecia bem demais. Descobri de uma forma não muito agradável que havia faces nele que eram escondidas, obscuras de medo, machucados e angústia. Traumas. Quase ninguém sabe, ele disse na outra noite. Quem deveria saber? Que ele sofre pela violência da mesma noite que me marcou, que ele, todavia, teve com mais consciência do que eu?

Tenho a mínima visão, resquício, lembrança do que foi o meu tal rapto. Nada além de minha irracional fobia por trovões, que às vezes penso ser apenas isso, uma fobia sem ligação direta a esse fato de minha infância. O caso de ter ocorrido trovões naquela noite antes de meu resgate me faz pensar em coincidências, senão na minha bela sorte que já brincava comigo desde criança. Que lúdica era ela.

Meu suposto trauma desenvolveu um em Murilo. A superproteção que eu tanto repudio é, no fim das contas, uma reação oriunda daquela noite perturbada, que se sentiu tão impotente e irresponsável, apontado por si como o culpado que não exatamente era. Não foi ele quem me sequestrara, nem mesmo me machucara. Penso, melancólica, que é o mal das circunstâncias, que sempre dão um jeito de refletir em nós numa repreensão insensata. Pelo menos àqueles que têm sentimentos e que podem ser suscetíveis a autocondenação. Ele, logo, sabe até demais como funciona minha vergonha, sente queimar por dentro com um problema semelhante: a falta de controle da própria situação.

O que mais não sei? O que mais (quase) ninguém sabe?

Uma coisa é certa. Sei demais. Sempre sei demais. O universo tardou para me contar essa, ajudou meu irmão a guardar com unhas e dentes. E como tantas outras vezes me mostrou uma verdade, tem de ficar meio que por isso mesmo. Digo, eu tenho isso em mãos sem poder ao menos pronunciá-la... Por entre meus dedos a coisa toda se agarra, me olha, me chama a atenção para que a ouça. Acanhada, me pede por compreensão, algo que mesmo na minha, calada, eu posso lhe dar essa chance.

E só por isso posso dizer que entendo meu irmão. Que devo dar uma chance a ele para se redimir, que então se explique. É o que penso quando ligo o abajur de meu quarto sabendo que por mais uma madrugada eu não iria dormir, mas confiante de que algum alívio eu poderia sentir. Dali algo de bom viria.

Por conta da noite passada de crise, eu mal dormi. Fiquei presa num estado de lerdeza por todo o dia que até me rendeu uns micos, além de todo um clima estranho, porque eram as horas seguintes ou mesmo o dia que segue após o “descanso” de meu surto de fobia. Me sinto estranha de tantas formas que é impossível se contabilizar. Além do mais, é tipo da coisa que ninguém diz nada e todos sabem tudo.

Ou pelo menos quase tudo. A família toda já devia estar a par do que aconteceu pela madrugada, pensei durante o banho antes do café-da-manhã. Pela tarde nem senti quando fui parar na praia. Preferi me render ao sono pelas nove horas da noite mesmo, e por insistência de meu namorado que me via resistir.

O zumbido do ar-condicionado do meu quarto ativou minha queda livre ao sono. Algumas vezes acho que abri o olho, me remexia e caía no buraco negro novamente. Numa dessas vezes que me mexo, vejo uma luminosidade no meu quarto. Luz branca de celular que não era o meu, pois estava na escrivaninha do outro lado. Viro-me melhor, o que me dá a visão de uma silhueta curvada, quase encostada na lateral de minha cama.

Sussurro pelo meu estado grogue:

– Murilo?

– Te acordei?

– Er... num sei. Algum problema? O que você está fazendo aqui?

Me levanto um pouco para sentar. Ele mantém a posição, mexe no celular.

Algo estava errado.

– Eu... hã... queria ficar perto de alguém.

– Aconteceu alguma coisa?

– Nada, só...

– Só...

– ...tive um pesadelo.

Seria silêncio se não fosse o som do ar-condicionado tomando meu quarto. Isso devia me dar alguma dica? Do ocorrido, digo. Meu irmão não é bem desses que realmente se espanta por pesadelos – ele até curtia uns, de uma forma bem bizarra. O que ele teria sonhado dessa vez?

Poderia não dar bola, mas lá estava eu... tentando ser gentil.

– Hum... e você quer... err... conversar?

Bufa num riso debochado. Não gostei nadinha disso... Foi ofensivo, ainda mais porque a luz do celular ao se acender novamente quando apagava – ele mexia nuns botões para manter o brilho – pude visualizá-lo balançando a cabeça negativamente.

– O que isso quer dizer?

– Faz dias que tento alguma conversa civilizada com você... Desculpa se agora parece piada, porque do jeito que está, duvido que queira.

Me ajeito no meio de minha cama, intrigada. Podia largar um belo “e você acha que eu ofereceria se não pudesse ou quisesse?”, o que só desencadearia mais discussão para chegar a fim algum, só parar no mesmo ponto de sempre, na mágoa. Nunca facilitava pra ele, era bem verdade. Abraço meus joelhos ainda coberta pelo lençol e suspiro cansada disso.

– Você quer ou não conversar?

Ele vira pra mim, soa perplexo. Veria em seu rosto, aposto, se não tivesse tão escuro. A luminosidade branca não me dava esse acesso direto.

– Vai me ouvir? Vai me ouvir dessa vez? Por quê?

Porque essa coisa toda de entender os motivos de uma pessoa também pode ser considerada uma merda se é uma explicação que faz sentido. Não poderia abordar o assunto daquela conversa dele com Vini, nem agora nem talvez nunca. Mexida com as palavras meu irmão durante meu não-sono, só queria tirar parte de seu tormento. Eu vi isso num franzir que fez na manhã pós-crise, o que não era nada bonito. Mesmo dormindo ao meu lado, algo perpassava seu rosto, vinda de nossos problemas interiores. Isso me matava um pouco.

– Pensei que não questionaria se era o que tanto queria.

– Quero, não “queria”.

Ele faz as aspas com uma mão levantada. Ligo o abajur ao lado.

– Então fala o que tanto quer falar. Estou ouvindo.

Murilo não perde tempo, levanta-se para sentar-se na minha cama, tal qual eu estava, só que mais para a ponta dela. A luz parcial que vinha da luminária me deixou assistir pouco de suas reações faciais mais imediatas. Ele parecia debater em mente sobre como começar, apesar de eu crer que ele já o tinha feito tudo lá dentro, ensaiado todo um discurso. Espero poder corresponder ao roteiro que ele tinha montado, mesmo que não pudesse imaginar qual ou como. Merecia sua chance de explicação.

Coço os olhos pra desembaçar minha visão, queria estar bem mais disposta para lhe ouvir. Reprimo também um bocejo, ele poderia ver isso como algo ruim.

~;~

– Como está seu braço?

Não sei quanto tempo se passou desde que lhe dei a vez de falar. Silencioso, meio perdido, demorava a dizer qualquer coisa. Estaria nervoso? Talvez não soubesse por onde começar. Por isso quis quebrar o gelo, isso me deixava ansiosa. Também queria saber como ele estava... Ele ganhou uma leve queimadura no braço esquerdo, daquelas que ficam só rosadas.

Foi pela manhã, acordei antes de cotar umas horas de sono. Indo para a cozinha ouvi dona Tili dizer a alguém que não demoraria, que colocasse não sei-o-quê no fogo, devia estar saindo para compras ou algo assim. Não era tarde, eu não consegui dormir muito – se foram 4h foi lucro. Nem senti na realidade. Um momento me lembro de ver o quarto iluminado pela janela de vidro protegida por uma pseudocortina de frestas, abri os olhos calmamente despertos, Murilo estava ao meu lado ainda.

Dormia e não era um sono tranquilo dado a expressão que detinha no rosto dolorido. Retomando toda a madrugada em segundos, desejei tirar-lhe aquele sofrimento. Passei a mão por seu rosto, a barba arranhou um pouco, ele nem se mexeu. De lado, virado para mim, ele estava descoberto. Não fazia frio, mas ainda assim eu o cobri com meu lençol. Aconchegada à angústia de sempre, apaguei novamente.

Apesar de ter passado toda uma noite insone, quando eu fechei os olhos ao bater na cama após a crise, foi até fácil dormir. Foi fácil novamente quando entrei no escuro de meus olhos. Ao abri-los, vi que estava sozinha. E sabia que dali então eu ficaria assim, por me respeitarem nesse caso em particular.

Na manhã que acordei na cama de Vinícius, após uma madrugada de blackout, até que fui muito receptiva. Não gostava era quando alguém mencionava o ocorrido, me desestabilizava. Vinícius me enfrentou sem saber o que fazia, o que de certa forma foi bom porque pude acordar para algumas coisas, como exigir dele no processo de entender o que era aquela situação com Filipe e Djane. A parte ruim foi me expor, mas ele também se expôs quando descobriu sobre sua família.

Tomar café com ele e Djane depois de uma noite de trovões, cheio de ditos e não ditos me ajudou a me distrair dos meus problemas, assim como fez Vini ao me amparar com uma conversa madrugueira sobre países e suas capitais, puxando a atenção dos meus reais medos. Ele fez de novo. Quase falhou.

Ao entrar na cozinha os dois homens viraram para me ver. Em seus rostos, um receio modelava-os. Vinícius estava tomando seu café na bancada, enquanto Murilo ajeitava algo na panela, perto do fogão. Quando minhas crises eram violentas, eu nem falava, pelo menos não nas primeiras horas de recuperação. Era diferente dessa vez. Passei por Vini e fui na prateleira pegar um copo.

– Oi.

– Oi.

Enquanto analisava o armário da cozinha, percebi que Murilo tinha paralisado para me ouvir. Tipo, paralisado mesmo, prestando atenção no que eu fazia sem olhar para trás. Ele só se esqueceu que estava com um fósforo ligado na mão, que logo queimou seu dedo. E não só isso, quando largou o palito ao sentir-se queimado, ele fez isso num movimento tão brusco que bateu na panela que fervia ao lado e ela virou no seu braço. Dado ao palavrão por ele gritado, aquilo estava BEM quente.

Bati a janela do armário de madeira com força ao mesmo tempo em que Vinícius se levantou da bancada para ajudar. Ele disse ao meu irmão para colocar o local atingido debaixo da água corrente para melhorar quanto à temperatura. Eu mesma liguei a torneira e puxei Murilo, que no braço dava ao ar da graça uma vermelhidão chegando para o pulso.

– Calma, calma.

– Isso ARDE demais, caramba. Puta merda.

Murilo tenta puxar o braço, Vini não deixa.

– Não. Mantém.

Inquieto ele obedeceu. Resmungou mais uns lindos palavrões pra “não variar”.

Deixei ele na pia com Vini e fui tirar a panela do chão, passar um pano no local e desligar o fogão. Sei que estavam cochichando e não me importei. Só meu irmão mesmo é bobo de se deixar queimar dessa forma, descuidado. Acho que meus pais só me deixaram ir morar com ele na capital pra evitar uma catástrofe.

Mesmo que saiba cozinhar – e bem, coisa que a gente não deve elogiar muito senão ele fica se achando – é preocupante deixá-lo sozinho e distraído. Para todos os efeitos, um extintor ficava na parede da cozinha. Mamãe insistiu em deixar dois, papai a convenceu em ficarmos somente com um.

– Procura gelol nas gavetas, deve ter uma por aí.

– Tá maluco? Isso é queimadura, não pancada.

Eu ia jajá dá uma pancada nele só pra dar o bom exemplo. Quem é idiota de pensar que gelol vai melhorar a queimadura?

– Ela tá certa. Deixa assim que vai melhorar.

– Mas tá ardendo!

Fui na geladeira pegar um pouco de água. Lembrei-me de um programa que falou sobre acidentes dentro de casa, a reportagem dizia que tinha que primeiramente recorrer à água de torneira para estabilizar a temperatura. Depois, para aliviar o ardor, poderia passar um pouco de água gelada. Engraçado que a reportagem eu vi há muito tempo atrás junto de meu irmão no sofá de nossa casa. Me voltou à mente justo quando eu disse a ele para prestar atenção, porque com ele era bem possível de acontecer algo do tipo. Murilo só me respondeu que usaria o micro-ondas se fosse o caso, para evitar maiores desastre, fez muito pouco caso. E aí estava, ele de queimadura.

Na bancada sentei ao seu lado, molhei a ponta de um pano na água gelada do copo, passei devagar sobre o local. Murilo sugou o ar, apertou os lábios e, se não fosse Vini segurando-o, aposto que já teria puxado o braço novamente. O local adotava um vermelho contrastando bem com a pele branca dele. Foi meu único contato com ele por todo um dia.

De volta ao meu quarto, meu irmão passa uma mão sobre a queimadura. Estava só vermelha, nem chegou ao ponto de crescer bolhas, para nosso alívio.

– Melhor. Só arde um pouco, acho que não deu tempo de ferver.

Suspira. O silêncio volta com aquele ar de expectativas. Dessa vez ele não tarda em manifestar o que eu já esperava. Diferente de mim que o olhava diretamente com a cabeça apoiada nos joelhos, sua vista era baixa, focalizada na ponta do lençol que mexia. Murmura meio desistente:

– O que posso fazer para consertar tudo isso?

– Não se trata do que você pode ou não fazer, e sim do que já foi feito.

– Quero me redimir.

– E pelo quê quer se redimir?

Puxo o lençol para que pare de mexer nele, para que me olhe enquanto conversa comigo. Volta a sua antiga posição, semelhante a minha, apoiando seus cotovelos aos joelhos. Confiante dessa vez, ele olha diretamente a mim.

– Tudo.

– Tudo o quê?

Ele teria que ser mais específico que isso.

– Tudo o que deu partida nisso. Eu não batalhei tanto pra simplesmente te perder por besteira.

Ele não acharia mais besteira, era hora de convencê-lo disso. Calmamente prossegui pensando num exemplo que melhor pudesse tornar isso claro. Dou uma inspirada de ar antes:

– Se alguém alguma vez me batesse, fosse violento, fosse quem fosse, um ninja, um papa, por qualquer razão, independente de eu ser inocente ou culpada na história, o que você faria?

– Avançaria sem hesitar.

Como eu pensei. Continuei.

– Você diria que seria besteira se eu sofresse alguma violência?

– Nunca.

Suas sobrancelhas quase se juntam mostrando quão absurdas eram as perguntas que eu fazia. Todavia, não eram tão tolas assim.

– Então não foi besteira o que você fez ao Eric.

Se retrai.

– É diferente.

– Diferente como?

– Você é minha irmã, é família, e ele... ninguém de minha preocupação. Ele te machucou, ele mereceu.

– Murilo, isso foi, tipo, anos atrás. E não foi ele quem me machucou. Fui eu mesma. O Eric não fez nada mais que me ajudar. Você bateu nele por nada, e ainda o prejudicou. Acho que nem a mãe dele me olharia mais na cara.

90% era verdade.

– Eu sei que foi ele.

– Não, você que pensa que foi. E não foi, entende? O que pensou que estava fazendo? Se escondeu é porque deve ter achado errado em algum ponto.

A pouca iluminação me mostra suas reações mais evidentes. Repuxa a boca com desgosto, não sei se por lembrar da história, por não concordar com o que eu dizia ou simplesmente porque o assunto era daqueles que lhe despertava raiva de qualquer maneira. Sem muito jeito de como abordar – percebo que ele toma esse cuidado – ele fazia de tudo para não me olhar diretamente. Caía para seus joelhos, mãos, colchão... se duvidar, até para as paredes.

– Escondi porque sabia que iria defendê-lo. Não pude bater nele na época da formatura, você quase me expulsou de sua festa por isso.

– Talvez devesse ter feito isso, para você ver que não era certo. Mas aí pelo visto você esperou anos.

– Não fiquei esperando, foi coincidência. Vinícius uma vez tinha citado sobre o reencontro de vocês. Quando o vi naquele saguão da festa, tudo me veio de novo. Por culpa dele passamos por maus bocados... Pensa que eu gostava de te ver daquele jeito? De que gostava de brigar? Eu não tinha muitas opções do que fazer, você se afastava cada vez mais. Não ia deixar isso acontecer de novo. Fui falar para ele não chegar perto de você. Estávamos muito bem até então.

Apesar dos apesares, completo em minha mente. A gente não estava num mar de rosas, todavia, mais pacíficos, próximos, companheiros e amorosos um com o outro.

– Só que foi você quem estragou.

– Eu só queria...

– Sei o que você queria, Murilo. Entendo, de verdade. Isso só não significa que eu concorde. Essa foi certamente a coisa mais imprudente que você fez, de que eu saiba. Não tem como não repudiar.

Era estranhamente bom falar isso com certa “tranquilidade”. Até uns dias atrás eu oscilava de raiva dele e raiva de mim. A poeira finalmente estava baixando, para meu descanso. Estava certa de que nem eu nem ele iríamos nos exaltar, não agora, não mais.

– Então você me odeia.

– Odeio quando faz essas coisas. Odeio como tenta consertar e só piora tudo. Odeio que não veja limites. Mas não odeio você. Te amo. Talvez por isso essas coisas todas doam mais, porque só mostram que não posso confiar em você como queria. Isso você não pode me exigir.

– Eu me esforço, Lena. Garanto que em mim pode confiar.

– Não pra qualquer coisa. Eu tô aqui te dizendo que Eric não teve culpa alguma e quase nada me respondeu sobre isso até agora.

– É que... eu vi, vi que foi ele. E a Denise também m...

– Você prefere acreditar nela do que em mim?

É difícil não transparecer nada, nem engolir a seco só de falar dessa vaca. É a única vez que baixo o olhar. Se ele percebeu, não sei informar.

– Me pergunto quando você é sincera. Ou “sinceramente mentirosa”.

Estava sendo “sinceramente mentirosa” em tomar a “culpa” de Eric para mim, pois toda a podridão vinha era dela, de nossa prima Denise que fez um estrago em minhas relações pessoais por puro prazer de brincar com as pessoas.

– E eu sobre quando poderia confiar de verdade em você.

Murilo passa a mão no rosto, inquieto. Acho que não era nada como ele deve ter imaginado umas mil vezes. Abre a boca para falar algo e não sai, fica nessa sem muita coragem do que fazer.

– Então... você não me perdoa.

– Claro que não.

Percebo quando o choque perpassa em seus olhos por eu ter sido tão direta, tão na lata, com isso. Balança a cabeça, incrédulo. As sobrancelhas se abaixam conforme repuxa a boca em desgosto. Hesita em proferir qualquer coisa. Antes que algo se formule na sua cabeça, ganhe forma para ser expelido, eu retomo:

– Você não confia em mim.

– Pensei que... O Natal, a recuperação de Vinícius... O ano novo...

– Foi uma trégua que fiz no Natal. Minha confusão aumentou com a insistência de vocês. Eu precisei de um tempo que vocês não me deram.

– E se eu der...?

Se ele não o fez quando eu mais precisei, como faria agora? Não, não é isso que lhe pergunto. Inspiro devagar, passo a mão no cabelo, tenho de ser paciente, de escolher com cuidado as palavras. Em comparação a ele, agitado, oscilante, eu me apresento bem tranquila. No fundo estava preocupada, claro.

– Por que faria? Qual seria o propósito?

– Ora, reaver tudo. Sabe que odeio quando ficamos assim, eu não aguento essa situação. Faço qualquer coisa para as coisas voltarem ao normal com a gente. Você perdoou o Vini, então... esperei pelo mesmo.

– Não o perdoei. Quer dizer, estamos trabalhando nisso e outras coisas mais. A diferença, Murilo, é que ele se arrepende e de muita coisa. Isso eu não vejo em você. Não é por você não confiar em mim ou mesmo me dar espaço que não te perdoo, é por não haver qualquer indício de arrependimento pelas coisas que você fez. Sinto muito, mas é isso.

– Essa é sua condição? Que eu me arrependa?

– Isso não é uma condição, Murilo. Não quero que force algum pesar – seria inútil se tentasse. O máximo que posso fazer é puxar minha bandeira branca. Não te perdoo, mas também não fico te machucando. Chega disso, né? Também canso.

– Explica isso direito. Como ficamos?

– Hã... não sei bem.

Pior é que não sei mesmo. Tinha uma ou outra coisa para fazer, e era isso. Prolongar essa coisa ruim nos nossos corações era algo que realmente queria evitar. E daria meu jeito, fosse como fosse, nenhum dos dois merecia. Como uma segunda chance – que, se tratando de Murilo, acontecia de ser a milésima chance – reflito sobre o que fiz com Vini, da proposta que ele nada gostou, porém aceitou. Era um caminho, não?

Meu irmão se mantém atento, nada diz. Sinto que espera que eu diga algo. Sem mais ponderar, me movo a fim de ficar de pé, uma pequena agitação que ele observa calado até que eu disse “levanta”. Ele entende errado:

– Ah, não precisa me expuls...

– Só levanta, Murilo.

Quando o faz, me aproximo dele, passo os braços por seu pescoço, descanso a cabeça em seu ombro, o abraço ternamente. Meio atônito, ele quase não reage em primeira instância, o que me faz rir internamente sobre o que ele poderia estar pensando que estava fazendo. Ás vezes ele consegue ser um mistério de previsibilidades, num paradoxo só. Então ele me retribui, me faz pequena.

– Te amo, maninho. Nem que você fosse o maníaco do parque, companheiro de Hitler, peão do Darth Vader, comigo não entendendo suas razões estúpidas, te amaria ainda assim.

Ele ri com tristeza.

– Que meiga você.

– Alguém tinha que ser. O caso é que quero que leve isso como lição. Sério. Aos poucos você vai entender, preciso que entenda. É para nosso próprio bem. No meio tempo, a gente faz que nem o R.H. do seu trabalho, para restabelecer nossa relação, com calma e sem pressa. Concorda?

Não tinha muitas opções mesmo, assim ele assente.

– Claro.

– Então estamos conversados.

Tento o soltar e ele não me deixa, na verdade, me aperta um pouquinho mais. Sorrio contida de lhe dar um pouco de felicidade, de alívio, para então descansar essa sua mente complicada. Não é só tempo que cura as pessoas, são nossas escolhas, e eu escolhi seguir em frente, dar-nos uma oportunidade. Equilíbrio também deve partir de nós, termos vontade de levantar e abrir um pouco os portões de nossas muralhas. Esquecer que o jardim da torre tem espinhos. Que tem muito degrau pra se chegar ao topo.

– Se ainda quiser ficar, pode dormir naquela cama que era da Flávia.

– Obrigado, de verdade. Eu...

– Sem promessas, Murilo. Deixe que as coisas rolem.

Sem-jeito, bem mais tranquilo, ele pega o celular que tinha deixado na minha cama e senta-se na outra. Todo contido, evita de sorrir o quanto eu sabia que ele queria, um pedaço de vitória que ele conseguiu. Não era muito para o que éramos até tempo atrás, mas muito para a apreensão que nos rondou nos últimos dias.

– Certo. Então... vou ficar nessa cama mesmo. Vou ficar quieto.

Volto a deitar, desligo o abajur por costume, ouço a respiração dele profunda, o que certamente implica a mim também, pois não devo julgá-lo por seus medos e abalos pessoais quando tinha uns meus semelhantes aos dele. Ter noção do que na verdade lhe aflige todos esses anos me faz pensar que só bater de frente não resolve. Tenho que dar segurança para que possa confiar em mim, que somos capazes de fazer isso juntos.

Ele me deu o que pensar, agora tenho que agir.

– Mi?

– Hum?

– Você gosta de flores?

Quê?

Pra que ele quer flores? Pra Aline talvez?

Mas Murilo me perguntando sobre flores pra Aline?

Estranho demais, devo confessar.

– Por quê?

– Só... curiosidade.

– Não sei, nunca fui chegada a plantas, nem flores. Isso não quer dizer muita coisa, acho. Depende... Sei lá.

– Hum.

Poderia encerrar por aí, nesse momento “sem quê, nem por que”. Todavia, eu tinha que exteriorizar uma coisa e nada melhor que esse “fim de momento”. Suspiro no silêncio do ar-condicionado, sei que ele pode me ouvir, sei que ainda não dormiu. Aconchegada ao meu travesseiro, enrolada já no lençol vendo nada mais que o profundo escuro, utilizo-me apenas dos seus sentidos auditivos:

– Murilo?

– Hum?

– Obrigada.

– Pelo quê?

– Noite passada. Por ter aparecido.

– Sempre vou aparecer.

Eu sei. Sou forte, mas ele... reforçava minha fortaleza.


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Notas finais do capítulo

♥ Temos um pedaço de vitória! ♥
Sensatez enfim!

E as flores... bom, vejam por vocês mesmos no próximo. Surpresa :)



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