Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Pra amansar logo a curiosidade de quem quer saber o que aconteceu com o Murilo, eis o primeiro capítulo. Mas não se engane, tem bomba (ou devia dizer BOMBAS?) vindo aí pra abalar umas estruturas.
Enjoy.



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– Eu num sei se é uma boa eu ir...

Respiro o perfume masculino que vem acompanhado de um passar de braços pela minha cintura. Com o queixo apoiado no meu ombro, Vinícius sussurra tentando me reanimar:

– Vamos, o meu avô está doido pra te conhecer.

– Ele já me viu na delegacia, já nos conhecemos.

– Desde quando se encontrar numa delegacia conta?

Ele ri ante meu pescoço, dá pra sentir sua respiração batendo. Leva meu comentário de boa, sem ressentimentos. Estávamos bem quanto a isso, apesar de não ter terminado de fato a conversa. O que estaria pensando agora em fazer? Quer dizer, em relação a Filipe ou mesmo sua mãe?

– Nós conversamos também, lembra que eu pedi aquilo de seu pa... tio?

– Mi, quero que vocês se conheçam em outras circunstâncias... é importante.

Eu sei, e só por saber dessa importância, que meu coração pula, minhas mãos soam, o nervoso começa. Ele se aconchegando mais não sei se ajuda ou se me deixa mais pulsante. A cozinha parece abafada. Termino rápido de enxugar as xícaras que usamos no café-da-manhã, deixando-as secas na bancada de mármore da pia da cozinha. Digo rápido por não ser seguro ter alguma alteração nervosa tendo peças de vidro em mãos. Já me bastava o Murilo quebrado.

– É importante que eu fique também... eu não sei se ele está muito bem.

Bem bem, meu irmão está, um pouco melhor. Foi só um susto. E que susto tremendo ele me deu! Só não bati nele pra não sentir mais dor... isso se ele sentisse alguma dor depois dos analgésicos que o deixou mais pra lá do que pra cá.

Aline não soube me explicar de fim como tudo se sucedeu, estava nervosa por demais para qualquer explicação. Ela estava tão perdida quanto eu, apesar de ela ter estado lá na festa, pois quando foi ver, meu irmão já estava machucado. Pelo que eu entendi, houve uma briga entre ele e um cara do evento cultural da empresa. Motivos? Vai saber! Com Murilo pode ser qualquer coisa... O fato é que dessa briga, eles quebraram uma mesa de comes e bebes. Nessa “brincadeira”, o tal cara pisou em falso e caiu para trás, na escada, rolando um pouco pelos degraus e quase levou meu irmão junto. Mas Murilo também não se livrou do desastre, foi se levantar no meio daquela meleca toda e deslizou, batendo meio de lado, meio de costas, a região do braço e ombro no parapeito próximo de si.

A sorte grande é que tinha um atendimento médico lá perto da festa. Aline quando encontrou meu irmão, já no chão machucado, controlou o pânico e susto da situação e conseguiu erguê-lo com a ajuda de outros presentes para levá-lo de lá, da mesma forma que alguns outros estavam cuidando do outro cidadão. Aline ficou tão na alerta que fazia tudo para ajudar, mas na hora de ouvir a resposta do médico ela não conseguiu acompanhar. Quando me ligou não sabia se ele tinha quebrado o braço ou só torcido. Murilo ainda não tinha sido liberado.

Não quebrou o braço, mas também não só o torceu. Quer dizer, não foi uma torçãozinha qualquer, foi uma distensão muscular, algo mais violento e doloroso. Por causa disso deram a ele remédio para dor... e aí, já foi outro problema, porque, mesmo ele não estando bêbado ou muito alterado pela bebida que havia tomado na festa, o remédio demorou a se infiltrar no seu organismo, e com isso houve um pequeno aumento de dosagem. Algo que o estragou praticamente, deixando-o meio apagado. Por isso ele não podia dirigir e Aline estava lhe fazendo esse favor.

– Aquilo não foi nada... ele só tá meio desligado por causa dos remédios para dor. Vamos.

É, ele usou aquela inflexão dele, sussurrada no pé do meu ouvido. Bateu forte no meu coração, de verdade. No entanto, dessa vez não foi o bastante esse arrepiozinho... porque meio desligado meu irmão não estava... Meio? Murilo, se deixasse, dormiria quase 12h! Quando às vezes acordava, parecia que era sonâmbulo ou zumbi ou ficava num estado de drogado tamanha era a sonolência dele. Acho que ele nem sabia mais o que era realidade ou sonho (bom que não soubesse mesmo, pois quase me pegou no maior flagra... que é outra conversa).

Relaxante muscular é um negócio perigoso... pelo menos se você não está acostumado à combinação de substâncias que esse troço tem. Acho que não está sentindo dor... porque ele não reclama, ou mesmo teve chance de reclamar já que passou as últimas horas dormindo. Isso porque dizem que essas medicações têm cafeína, que poderia ter um caso inverso ao sono, mas, hello?, eu não sou enfermeira ou farmacêutica pra entender disso. Aline também não, apesar de ela creditar esse efeito à mistura do remédio com o álcool de algumas cervejas que ele havia tomado. Reações de sono, enjoo e tonturas poderiam ser desse encontro de substâncias...

De qualquer forma, eu virei a enfermeira dele de novo... quer dizer, todos acabaram tendo seu momento enfermeiro. Ao passar o endereço de minha casa à Aline, meus amigos esqueceram de seus problemas e se preocuparam em me ajudar. Até Gui veio no carro comigo (ele não estava de carro), deixando Dani com Bruno. Claro que não deixei Bruno dirigir, mesmo no meio dessa confusão para sair. Ele chamou um táxi na avenida e teve que deixar o seu carro na casa de Natália... (não haveria problema algum, ela nos disse). Se ofereceu também para ajudar, mas eu não seria tão inconveniente assim de tirar a aniversariante de sua festa. Meus dois amigos acabaram por ficar “sóbrios” diante da minha aflição.

Minha sorte é que a avenida estava limpa, dada ao horário, era quase 11 da noite e a pista estava bem vazia. Não sou muito adepta de correr, no entanto, Vini acatou meu pedido mudo quando o olhei antes de entrar no carro. Minha expressão devia não estar das melhores ou ele sentia o mesmo, afinal, tinha Murilo como seu irmão também. Aquela peste tinha desenvolvido uma grande amizade com meu namorado, coisa que por algumas vezes era chato, mas por outras era ótimo.

Todo o longo chão até em casa, de não sei quanto tempo custou, foi só um borrão que eu via sem desviar o olhar baixo de lá. Segurava as lágrimas que teimavam em encher meus olhos, a preocupação queimando em mim. Mesmo sabendo que ele já tinha sido atendido, já estava medicado e estava a caminho de casa também, eu não sossegaria até vê-lo.

E em pensar que no outro dia quem estava assim era ele, em relação a mim, me quebrou mais um pouco. Ele que ficou preso no engarrafamento, que se desesperou sozinho e deve ter sofrido horrores pensando em tudo que é coisa ruim que poderia ter acontecido comigo. Ás vezes eu não meço consequências mesmo de meus atos ou penso no que vou causar aos outros. Olhando por esse lado, eu fui injusta de infligir tamanho sofrimento a uma pessoa que amo muito. Minha impulsão pode ser justificável pelo que foi a situação naquele momento, mas considerar só isso é viver apenas num mundinho de minhas reações, não pensar no outro próximo. Não só meu irmão, mas meu namorado também. Eles não tiveram acesso à conversa que tive com Filipe, então para eles tudo era perigo, tudo era suspeito.

Eu havia feito uma promessa a mim mesma há muito tempo de não mais fazer isso com quem eu amava, apesar de meus créditos estarem em baixa. Naquele ano tudo foi uma confusão e foi tudo manipulado por uma mente maldita, que atrapalhou vários de meus relacionamentos, de amizades, de amor e até o lado fraternal. Uma mente que se dizia minha amiga e companheira colocou todos contra mim apenas para roubar aquele de quem eu gostava na época, abusando das pessoas próximas a mim só para me destruir. Denise é o nome da vaca que quase me acabou, uma prima que quase viveu na minha casa e aproveitou-se da boa índole que oferecemos a ela.

Foi essa coisa que me trouxe a época mais sombria e que mais insisto em esquecer. Todos carregam seus traumas, e eu quero mais é deixá-lo para trás, pisá-lo até que fique no mais profundo esquecimento. Não por me sentir mal de pensar nisso, mas por me ver livre do que foi essa bagunça, eu superei, afinal. Encontrei a verdade no final das contas.

Só que... quando a verdade veio a tona, a “bendita” já havia me separado de Eric, de Murilo e outros mais da minha escola. Como sempre, eu saí como a errada e não mais me preocupei em provar minha inocência. Quanto mais eu tentava remexer no caso, mais coisas ruins eu encontrava e isso tudo não estava mais valendo a pena. Era um desgaste a toa, um trabalho que não adiantava, por isso larguei de mão e fui me reconstruir, perdoar quem precisava ser perdoado. Verdade que por muito eu senti ódio e dele me remoí tanto até ver que aquilo não era pra mim, eu devia era seguir em frente. Eu não devia aceitar que me derrubassem assim. Talvez por causa disso eu tenha essa necessidade em provar as coisas para as pessoas ou esconder delas o que não entendem.

Se eu consegui recuperar algo de concreto foi meu irmão mesmo. A saída da cidade para cuidar de minha avó logo que acabei o ensino médio foi meio o que nos fez nos unir mais, porque família é família, na hora do aperto a gente esquece as intrigas. Minha avó mais uma vez foi minha guia. Se não fosse por esses momentos que passei ao lado dela, mesmo no perrengue e na preocupação, e se não fosse pelos seus conselhos e compreensão... não sei o que eu estaria sendo hoje, que “eu” eu teria desenvolvido. Não foi difícil só com meu irmão, mas com outros familiares também, como meus tios, pais de Denise, que não davam muito confiança para a filha e exigiam de mim algum exemplo. E eu lá queria ser exemplo para outra pessoa? Eu queria ser só eu e pronto, ninguém tinha que se meter nisso. Mas adiantava dizer?

Quando chegamos à porta de casa, Aline já tinha estacionado o carro de Murilo por lá e tentava o reanimar para tirá-lo do veículo. Por todo o caminho ela disse que tentou o manter acordado, porém, aquela dosagem meio exagerada o deixara bem molenga. Foi aí que os homens entraram em ação, Vinícius e Bruno que praticamente o carregaram até o quarto dele, Murilo meio acordado, trôpego e de tipoia segurando o braço enfaixado para evitar movimentos bruscos. Gui seguiu-os para qualquer força a mais que precisassem.

Antes meu irmão só estivesse bêbado, o que seria uma estranha visão para se rir, quem sabe. Enquanto isso Aline descrevia o pouco que sabia e me passou o remédio que o posto havia cedido, uns poucos analgésicos em pílulas para dor.

Para findar a noite Vinícius se ofereceu para deixar toda aquela turma em suas devidas casas, apesar da insistência de uns e outros de pegarem um táxi, deixou então que sua persuasão fluísse e todos acabaram por ceder. Ele uma vez já precisou de amigos que lhe apoiasse e acho que escolheu essa hora para retribuir, senti isso quando apertou a mão de Bruno agradecendo a preocupação.

Enquanto Vini deixava meus amigos em casa, fiquei cuidando do meu irmão. Pensei em dormir na cama dele, mas sabendo que eu me mexia muito, não queria que ele sentisse muitos movimentos do móvel, já que o melhor a se fazer era mantê-lo numa mesma posição. Vai que eu meio que batesse nele sem querer enquanto me remexia no sono? Eu estaria inconsciente dos meus atos. Achei melhor voltar para minha cama, meu quarto.

Troquei de roupa, tirei a maquiagem e me preparei para deitar. Dado um tempo, Vini apareceu. Confesso que estava precisando dele para ter uma paz de espírito, só que ele estava querendo oferecer um pouco mais que isso... já estava por cima de mim quando ouvimos um barulho de porta vindo do corredor.

– Eu num sei... tem algo estranho. Parece que tem algo faltando... ele está muito calado. Quando você já viu Murilo calado? Não é o remédio. Não, eu tenho que ficar e ver se consigo arrancar dele algo.

Não ir a esse almoço não era bem uma resistência por nervosismo do próximo passo que significaria no nosso relacionamento – a afirmação perante sua família –, mas por sentir que algo estava errado com Murilo. Ele tinha acordado pelas 10 da manhã e, enquanto eu lhe ajudei a comer o café-da-manhã, ele deixou muito de suas respostas vagas quanto às perguntas do que realmente tinha acontecido na noite passada. Ele poderia estar enjoado como fosse, sonolento a ponto de se afogar numa sopa, dolorido a cada movimento por causa da briga e até tonto de se levantar, mas uma coisa era marca dele: reclamar. E ele não estava resmungando. Nada.

Na-di-ca.

Isso certamente pode ser considerado estranho, muito estranho.

– É capaz de ele dizer coisa com coisa... deixe ele descansar mais, se for o caso. Dá um espaço a ele e vem comigo... lembre-se, intimação é intimação.

Ok, meu namorado ou perdeu a noção do perigo ou estava se aproveitando do estado do meu irmão para me deixar à mercê dele e dos arrepios que sempre causa em mim. Agora sim ele conseguiu me distrair, porque lembrar o que ocorreu na madrugada passada foi digno de risada. Entrou para a história daqueles casos de que na hora é um susto/surpresa para depois se rir. Também né, é algo difícil de se esquecer quando seu namorado pula de sua cama para debaixo dela assim que seu irmão zumbi-que-não-sabe-em-que-realidade-está aparece do nada perguntando sobre “o pessoal”. Só vi o borrão de meu namorado voar para o chão quando Murilo abriu a porta.

“Que pessoal?” perguntei eu tentando puxar o lençol e disfarçar a minha respiração arfante deixada pela...”atividade” de Vini. Até inconsciente meu irmão conseguia ser empata, incrível! Ele achou que eu tinha transferido a festa para nossa casa, porque tinha em vaga lembrança a imagem dos meus amigos, então tive que explicar o porquê de todos terem se deslocado. Quando perguntou de Vinícius, onde ele estava, respondi que achava que ainda não tinha voltado, por ter ido deixar todos os meus amigos em casa.

Ele não pareceu se importar, só questionou porque eu tinha o deixado sozinho na cama, imaginava ele que eu estaria lá. Expliquei então que era por causa da imobilização dele, que eu não queria prejudicá-lo por me mexer. Ele não ligou, insistiu que eu ficasse com ele... dengoso como só ele consegue ser quando está dodói. Ah se Aline soubesse... Revirei os olhos e disse para me esperar que eu já ia para lá. Trôpego, fechou a porta do meu quarto e esperei uns dois minutos para poder levantar.

Vinícius? Também estava de muxoxo! Dois fazendo bico pra mim na mesma noite? Rum, eu devia era ter deixado cada um no seu canto, pra não acostumarem... Acabei foi abrindo uma exceçãozinha... para os dois, pra não dizer que eu tinha preferências. Digamos que Vini... hã... aproveitou bem seus 10 minutos.

Suspiro com um doce sorriso nos lábios.

– Isso é um sim?

– Sim. Só vou deixar o almoço dele no ponto e vou me vestir.

– E eu confirmo com meu avô e logo volto para te ajudar.


~;~



Um alienígena poderia chegar à Terra, a minha cidade, e aposto que algumas pessoas virariam pra mim e me perguntariam se eu tenho algo a ver com isso, se eu teria convidado o alien para um tour. Se fosse o Clark Kent, bom, muito bem-vindo seria! Eu saberia guardar bem o segredo dele, o Lex nunca que ia sab... quê que eu tô falando? Isso não vem ao caso – e que caso é um Kent! – o fato é que algumas coisas que acontecem acabam por serem creditadas a minha pessoa, como se eu fosse sempre a que aprontava – foram só algumas vezes, mas a desconfiança parece ser “forever” – então colocariam a atenção sobre mim ou mesmo me apontariam logo. Esperar esse comportamento de meu irmão é como esperar bolo de um forno, previsível. Eu não bem esperava isso de Vini, no entanto.


– Você não tem nada a ver com isso, ou tem?

Esse complemento “ou tem?” altamente sugestivo, não minto, me indignou. Cruzei os braços e fiz cara de tédio para ele, balançando a cabeça negativamente. Esse movimento tanto servia para sua pergunta quanto para sua reação nada legal. Só porque eu sabia da história dos pais dele primeiro que ele mesmo e não contei, agora tudo que “conspira” tenho eu que estar no meio? Vinícius Garra, que lado desconfiado é esse que eu não sabia? Que esse seu lado volte por onde ele veio ou eu faço ele voltar mancando!

E só por causa desse pequeno comentário fechei a porta do carro e não o esperei, fui cumprimentar Djane. Sim, ela estava lá na casa do seu Júlio, assim como Filipe, este acompanhado da ruiva, irmã de Vinícius (ela já não me causava mais uma sensação ruim). Cada um no seu canto, claro. E não, de verdade, não foi ideia minha ou tenho eu algo a ver com esse encontro – ou deveria dizer “intervenção”? – que o avô de Vinícius parecia estar promovendo. Fiquei tão surpresa quanto ele. Mas antes de chegar junto de Djane falei com o anfitrião, que vinha nos receber, não queria ser inconveniente. Seu Júlio me saudou e me deu um abraço terno.

De fato, ele não é bem aquele tipo vovô que a gente imagina serem todos em maioria, risonhos e fofuras. Meu avô se enquadra nesse senso comum dos velhinhos, com uma pitada – mentira, uma mão inteira – de espírito traquina. Companheiro, palhaço, hiperativo são suas grandes marcas. Seu Júlio não, tem aquele ar imponente, altivo, sério, introspectivo... não é a toa que o próprio neto se surpreendeu ao vê-lo sorrir ao assistirem um filme de terror da outra vez.

A relação deles nunca foi das melhores, não por brigarem, mas por não serem muito do tipo companheiros... isso lembro de Vini uma vez comentar. Mas que bom eles estarem se aproximando agora, fico feliz por eles. Naquele dia na delegacia eu fiquei muito sem jeito de pedir o que pedi, e fui fundo no que acreditava. Com seu abraço terno, posso afirmar que é mais um Garra que me deixa sem jeito! Ô família que parece adorar me ver assim...

Pedi licença e nem esperei por meu namorado, de novo, primeiro pelo comentário sem graça que ele tinha feito anteriormente, segundo porque ele ainda não estava bem estabelecido com a mãe e eu estava com saudades dela, mesmo vendo-a na faculdade. Eu a avistei e tratei de ir onde estava, na varanda, distraída.

– Olá.

– Milena! Estava esperando por vocês.

Djane parecia estar em outro plano com o tal livro em mãos, nem deu pra ver qual era. Assim que me vê, deixa o copo de suco que tomava na mesinha ao seu lado e levanta-se para me abraçar. Todo o ambiente parece ser aconchegante, daqueles que se pede uma rede após almoço pra relaxar na varanda enquanto o domingo passa. Preguiça se elevaria a mil. Diferente do abraço de seu Júlio, o de Djane é apertado. Retribuo na mesma proporção, pois não havia espaço para uma intimidade dessas na faculdade, imagino. Não que eu me importe do que falam sobre mim ou algo do tipo, mas não seria agradável ter as pessoas nos olhando e fofocando, Djane provavelmente também se sentiria desconfortável.

– Minha menina.

Rio sobre seu ombro e retruco com diversão:

– Menina não, professora.

Ela responde no mesmo tom:

– Professora não. Djane.

Ao nos soltarmos, dividimos um rosto iluminado. Ela parece aliviada. Podia ser por me ver, por ver o filho ou por ter alguém em quem pode se apoiar se estava em companhia do seu maior “inimigo” para almoçar. Filipe estava na área da piscina, do outro lado da casa, num lugar coberto que era como uma casinha para churrasco, sentado numa mesa onde “desfrutava” de sua companhia ruiva, ambos tomando cerveja – isso são horas de tomar cerveja? Ainda nem teve o almoço!

Não resisti e antes de me direcionar a seu Júlio no caminho do vasto jardim florido que era sua casa, acenei de leve para Filipe. Nada como provocação como costumava fazer com ele, foi só um aceno... pra que visse como eu não era mal-educada. Ele trocou um breve olhar comigo, seguindo de um abaixar de cabeça e corte de conexão. A ruiva fez quase que o mesmo, só não teve esse ato de rebaixar-se, apenas deu de ombros.

Era bom seu Júlio ter um bom plano para esse almoço.

– Ok. Djane. É o costume...

Segurando minhas mãos, carinhosa, ela replica com brincadeira. Bom, penso ser brincadeira, porque o complemento que veio depois...

– O que acha de “mocinha”?

– Mocinha?

Respondo com aquele nuance incerto, e de soslaio, olho para Vini passando pela entrada da varanda, chegando à casa em companhia do avô que o levava para dentro da mesma num clima razoável. Esse mínimo olhar foi captado por ela:

– Sim, mocinha que anda namorando meu filho...

Ai, ela soube! Não acredito! Mas... quer dizer, quem não sabia? Meus amigos praticamente souberam antes de mim mesma. Ela deve ter descoberto conversando com o sogro, pois de Filipe não foi. Ou será que foi Murilo? Talvez tenha deixado escapar algo...

Sem graça, imagino que minhas bochechas estejam me entregando fácil, tímida como se estivesse sido pega num flagra. Me sinto realmente assim. Cerrei os olhos por uns segundos e os entreabri mais incerta ainda do que responder. Djane estava se divertindo com minha reação, seu rosto num brilho desenhava isso pra mim. Mais ainda me desconcerto! Mal consigo articular algo para se dizer, mordendo um pouco o lábio por ansiedade e surpresa de sua menção, sem conseguir olhar diretamente para ela, demorando-me em nossas mãos, onde ela fazia uma leve pressão de afago.

– Er... então... parece que a senhora descobriu antes de eu falar, né?

– Estava esperando por isso faz um tempinho...

– Também queria eu ter lhe contado, que soubesse por mim, mas sabe como foi tudo isso e...

Num leve corte do que estava parecendo eu nervosa falando adoidado, ela esclarece o que não ficou na cara para mim:

– Na verdade, eu quis dizer que esperava por vocês namorarem.

Certo. Eu ouvi o que acho que ouvi? Tinha algum sapo por ali coaxando.

Espera, o quê? Ainda nervosa, eu não estava acreditando em suas palavras... só se... só se ela também tivesse percebido antes. Ai, Senhor, ela também? Só eu me desenganava de achar que o que sentia por seu filho era um caso perdido? Aparentemente sim.

– Tá, agora não sei se rio bobamente ou se fico mais desconcertada ainda!

– Milena, querida, se de toda aquela felicidade que você estava proporcionando, se não desse namoro – que eu faço muito gosto, devo acrescentar – daria uma linda amizade. Sinceramente, eu torcia pela primeira opção...

Ela estava me deixando mole com suas palavras, transbordando em sinceridade e animosidade. Mas nada, NADA teria me preparado para o seu segundo complemento fatal. Esse bateu rápido do meu cérebro e me deixou sem palavras, em modo estátua, sobressaltada:

– ... desde que vi os dois dormindo juntos na minha casa depois do que foi aquela tempestade.

MURRI.


~;~



Que VERGONHA!


A minha “sogra” me disse na cara mais limpa do mundo que me pegou na cama com o filho dela! E ainda piscou pra mim! Essa sim é a hora que se tem de enfiar a cara na terra como um avestruz... Eu? Engoli a seco. Porque se tivesse algo líquido na boca, era bem capaz de ter cuspido tudo pra fora, senão, engasgado com o conteúdo.

Minha “sogrinha” – meu Deus, eu tenho “sogra” agora – se deliciou com meu estado, ficou bem visível. Ela fez de propósito, aposto. E ainda tem gente que acha que ela não é capaz de brincar com alguém... ah, esse povo não conhece a peça que ministra aulas de Ética nas Organizações. Tentou me acalmar, falar que estava tudo bem, que estava adorando a novidade... e eu? Eu QUERIA ERA OS DETALHES! COMO ELA VIU ISSO, SOCIEDADE, COMO? Bom, se ela disse que viu... e se não foi dona Ana que entrefechou a porta naquela hora que acordei? Pensei naquele dia ter sido ela... Mas ela confirmou! Que confusão fica minha cabeça, tentando lembrar os detalhes daquela manhã incomum, encaixar uma imagem de Djane nos vendo...

Eu já ia exigir explicações quando Vinícius apareceu por trás de mim, chamando-me para falar a sós com ele. Nem pra dizer um bom dia educado pra mãe ele se dignou. Oxi, que quebra de clima essa dele... Suspirei buscando por calma, porque eu precisava de muita calma. Descemos os degraus da varanda, enquanto Djane seguia para dentro da casa, e sozinhos no jardim, ele foi bem direto:

– Vamos embora? Podemos ir a um restaurante.

Depois de ter movido céus e terras para me convencer a vir, ele queria ir embora? Cadê a história de conhecer o avô dele em circunstâncias mais agradáveis? Ah não, posso eu ter acabado de pagar um mico tamanho, mas eu não ia fugir assim. Não se considerava toda a situação uma boa intervenção.

– Só porque seus pais estão aqui?

– Mi, eu não vou ficar confortável com eles aqui... meu avô tentou me convencer, mas... vamos sair daqui?

– Eu acho que seria uma boa ficar.

Dou de ombros. Realmente achava que devíamos ficar. Ele imitou meu tom.

– E eu acho que seria uma boa ir embora.

– Vini, dá um desconto vai, todos ali se importam com você. Uma chance é tudo que vocês precisam. Lembra das vezes que te falei que teria que partir de você a solução? Vai fugir toda vez que os encontrar?

Minha entonação era calma e relaxada, eu não queria exceder. Mas alguém devia falar isso a ele, merecia um pouco de realidade. Ele faz uma expressão desgostosa, de quem quer estar longe desse incômodo e se fechar na sua zona de conforto. Percebo isso pelo modo como ele se portava, com as mãos nos bolsos da calça, as sobrancelhas retas, assim como seus lábios se amassavam. Quem sabe se eu o instigasse... Dou um passo para chegar mais próximo dele e toco seu rosto, a barba começando a crescer, que tinha me arranhado um pouco madrugada passada, para ter sua total atenção:

– Eu estou aqui, não estou?

Ele parece reagir melhor sob meu toque, como se fosse algo que amainasse seu desconforto. Suspira forte, fecha os olhos e espero estar ponderando o que fazer. Seu Júlio surge perto de nós, quebrando nossa bolha e questiona, calmo:

– Então? Vai ficar?

– Vou.

– Que bom, o almoço já está sendo servido. Esperamos por vocês na mesa.

A mesa estava disposta no jardim do fundo da casa, era um almoço tipicamente familiar ao ar livre. Isso se não fosse pelos olhares curiosos de cada um naquele espaço e os empregados terminando de colocar as comidas ao longo da mesa. Seu Júlio e Vinícius ficaram com as cabeceiras desta, de frente para o outro. Como a disposição do almoço oferecia vaga para apenas nós seis, Filipe estava ao lado esquerdo do pai, enquanto que Djane ao lado direito do sogro, deixando os dois também de frente para o outro. Eu fiquei do lado de Djane, à direita de Vini, enquanto que à esquerda dele, estava a desconhecida irmã ruiva. Iara é o nome da garota.

Vinícius não estava bem, logo se via. Havia uma pontada de mágoa cobrindo-o que não o permitia se doar um pouco no almoço. Também né, fica tudo muito estranho se você se senta com pessoas que tanto lhe fizeram mal. E a quem você gosta também. Era um pouco de hipocrisia e dissimulação o que rolava ali... todo mundo sabia o erro do outro, mas estavam se tratando como se não houvesse nada demais. Acho que isso começava a enervar meu namorado e eu não poderia lhe tirar essa razão... porque agir de forma que tudo estava normal, se não estava, eu também repudiava. E também dava uma chance. Seu Júlio... eu me compadecia dele, tentando fazer tudo dar certo.

– Então, meu neto, o que está achando da comida?

– Boa. Meus agradecimentos à cozinha.

Respondeu só por educação mesmo, sem gosto para fazer uma expressão melhor. Aperto-lhe a mão apoiada na mesa, num pedido mudo de que tentasse um pouquinho mais. Como ele disse para mim ao me convencer a vir, de que minha presença era importante, isso também era.

– E você, Milena?

– A torta de bacalhau está divina. E que fique entre nós esse comentário, pois se minha mãe souber, vai morrer de invejinha. Uma das poucas coisas que ela sabe cozinhar bem é torta de bacalhau.

Tento puxar um papo e descontrair. Seu Júlio assente e puxa mais um pouco para ver se a coisa flui sob o olhar de todos.

– Sua mãe mora aqui?

– Não. Ela vive no interior com meu pai e meus avós. Moro só com meu irmão.

– E o que vocês fazem? Faculdade, imagino.

– Meu irmão se formou faz um tempinho, trabalha. Eu, por outro lado, ainda estou na graduação, não trabalho. Como deve saber, Djane é minha professora.

– Irmão mais velho então? Por que ele não veio também?

– Sim, mais velho sete anos. Bom, ele meio que se machucou ontem e...

– Oh, minha nossa, o Murilo? Como?

Djane intervém, preocupada, que fala meio com a boca cheia e se desculpa por interromper. Acho que todos percebem que ela também tinha se apegado àquela figura que era a peste do meu irmão.

– É, eu não sei bem. Parece que houve uma briga na confraternização do trabalho dele. Ele caiu de mal jeito, mas não quebrou nada, sofreu de uma distensão muscular na região do ombro/braço. O remédio o deixou bem... hã... avoado. A aparência de criança é característico dele mesmo.

Todos pareceram rir, menos Vini e o pai. Filipe tinha uma cara passível, olhando para cada um, sem muito o que dizer. Iara acabou entrando na conversa e logo todos estávamos num papo, exceto Vini e Filipe novamente. Era um começo, não?

Sabíamos que não ia ser fácil.


~;~



Dado um momento, quando estávamos terminando de almoçar, Filipe tentou entrar na conversação. Para Vini acho que foi demais, pois levantou-se bruscamente da mesa e saiu sem pedir licença ou desculpas, foi batido. Levantei para ir atrás dele, mas seu Júlio me impediu, dizendo que ele mesmo iria. Djane também levantou logo em seguida, pedindo licença, algo brilhando de seus olhos, e não era felicidade, era água enchendo-os. Filipe largou seus talheres no prato finalizado e bufou impaciente, na expectativa de algo que poderia não vir. Ainda assim, preferi levantar-me e procurar por Vini. Parei na varanda, de braços cruzados, observando ele e o avô conversando ao longe, no jardim.


O começo de tarde era quente, e como a casa era bem arborizada, bem verde, um vento agradável movia o oxigênio do ambiente. Movia de leve também a barra do meu vestido bordô florido (link: http://bit.ly/1dDdqv0– sem a jaqueta), assim como os fios do meu cabelo, trazendo certa paz. As coisas pareciam estar se encaminhando de alguma forma, sinto isso quando Vini, de onde está com seu Júlio, parece assentir a algo que o avô lhe fala e nos encontramos por uns segundos num caminho que só nossos olhares poderiam viajar. O breve sorriso ameno que se desenhou nele foi o bastante para me dar uma certeza de que temporais emocionais estavam para passar. Nem percebi quando Iara surgiu ao meu lado, observando a mesma cena ao longe. Sua presença só foi percebida quando falou.

– Desculpe-me... todo esse transtorno.

– Ah. Tudo bem, eu acho.

– Vocês são fofos como casal. Pensei que fossem, logo que Filipe os apontou. Faz tempo que quis conhecer Vinícius, o pai dele parece ter uma devoção a ele... falava tão bem...

Dias atrás Iara era pra mim uma imagem suspeita, minha vigia, minha “engolida seca” e agora não passava de uma pessoa como qualquer outra com quem almocei. Costumo levar muita fé nas pessoas, ler o que elas têm de bom a oferecer, e Iara tinha isso pelo seu leve falar. Confesso que foi estranho, claro, uma vez que ela me abordou na porta da minha faculdade e agora estamos almoçando juntas. Isso é o que o mundo chama de educação na mesa, viu. Intrigante mesmo foi essa última colocação dela, que não entendi... por que ela falou “pai dele” se eles dividem o mesmo pai? Nem prestei atenção à admiração que ela parecia descrever.

– Você não quer dizer o pai de “vocês”?

– Ah... ele não é meu pai. Vinícius não é meu irmão.

– HUM?

Como que ela fala uma coisa dessas na maior normalidade, como?


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Notas finais do capítulo

COMASSIM?????

hohoho mas por essa de Djane ela não esperava MESMO, né?



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