Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 18
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Tem uma música no post, uma bem calminha e ótima pra estrada. Recomendo a banda (não se enganem, eles têm um estilo bem eclético).
Murilo não descansa, e isso vocês ainda verão muito.



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A melhor hora para se descobrir que seu fone de ouvido está com problemas é quando se está bem acomodada a caminho de pegar estrada. É o tipo de coisa pequena que entra pra sua fila de coisas acumulativas que estragam seu dia... que mal começou. Eu precisava de minha dose de música agitada para me manter sã. O cansaço não era no corpo, pois tinha ido dormir cedo para madrugar. Dormi melhor que a noite anterior, sem choros ou coisas do tipo. Estava cumprindo minha ideia, deixar quieto para lidar depois... O melhor para todos era ficar de cabeça fria.

Não sabia se Murilo estava ciente da tortura que também era pra mim. Ele não é uma pessoa muito perceptível dessas coisas. Comprei o jantar para nós dois na noite anterior, só que comi ainda na lanchonete e deixei o dele na cozinha quando cheguei. Não era um pedido de nada, era só... um cuidado, que acostumei ter. Pra você ver, eu já fazia essas coisas meio que inconsciente. Até dobrei umas de suas camisas que estavam secas, tirando-as do varal. Nem assim houve contato, nada, nadica mesmo. Não bastando esse clima estranho, meu fone tem a brilhante ideia de pifar? Sem aviso prévio?

Flávia estava me oferecendo colo. Seu fone e suas músicas também. Porque meu aparelho celular é diferente do dela, o que diferencia tanto a entrada quanto o próprio fone. Nossos notebooks estavam na mala no porta-malas e o que poderia me manter longe eram só as nuvens que eu veria pela janela e as músicas. Poderíamos muito bem ficar conversando, mas eu via nos olhos de minha amiga que ela não ia durar muito, que queria dormir.

Contou que ficou até tarde ajudando a mãe dela com um problema de última hora e quem estava ali era sua versão zumbi. Apesar de gostar dessas versões das pessoas, dessa vez eu não iria perturbá-la. Nós duas ficamos no banco de trás do carro, enquanto que Murilo é o motorista e um amigo dele do trabalho está no banco passageiro. De última o cara conseguiu carona com a gente.

Mas Flávia me ofereceria o colo porque eu precisava de algum conforto. Por muito tempo cedi para cafunés e quando eu preciso... bom, deixa pra lá. Minha estratégia foi de sentar-me atrás de Murilo para evitar ficar de diagonal com ele, como está Flávia. Só que não adiantou muito quando eu deitei minha cabeça no travesseiro em cima das pernas de minha amiga. Murilo podia não ter muito acesso a mim, mas eu tinha a ele, ou pelo menos parte dele. O fato de o fio do fone de ouvido não ser muito extenso também estava me prendendo ali.

Foi bom o amigo de Murilo ter se oferecido para ir na frente, no banco do passageiro, pois eu não queria tomar esse posto e nem deixar Flávia lá para não ficar sozinha atrás ou mesmo “sozinha” com o tal cara. Não que representasse algo ruim, digo, ele parece ser super gentil e bem encarado. Ele ser bonito não deve influir na opinião, mas é bom acrescentar, para todo caso, de que ele é um cara beeeeeem legal, por assim dizer. Só que não é o cara legal que eu estava querendo ver no momento. Ele até se apresentou para mim quando chegou numa hora marcada e que agora não lembro bem o nome por não estar num estado bom de captar informações.

A cena de Vinícius saindo do meu quarto na noite passada e todo aquele sentimento de querer sair gritando para que voltasse, de chegar na porta e pegá-lo ainda entrando no carro, ainda mexia comigo. Me sinto como aquelas pessoas que imaginam chegar ao aeroporto, chamar pela pessoa amada, impedi-la de embarcar e todos os “figurantes” da história aplaudirem quando tudo se acerta. Vai ver Vinícius era uma dessas pessoas. Quer dizer, ele tentou me impedir de viajar.

Chateada com ele? Claro que eu estava. Eu só não queria ter que ficar longe dele. No entanto, ficar afastada para mim representava distância do que desencadeou tudo. Sou culpada nisso, de infligir a mim mesma algo ruim, mais um pouco de ódio dirigida a minha pessoa. Viu como eu consigo acumular pesos ruins? Viu como eu preciso de um tempo para pensar? Na verdade, para não pensar?

E como é difícil não pensar... Ficar se patrulhando até que uma hora você esquece que tá de vigia e seu pensamento corre livre por uns minutos. Aí você se toca do expediente que devia estar monitorando e se bate mentalmente. É, seu cérebro te pune. Mais um peso, agora na consciência.

Meu último deslize foi de acessar a memória daquele dia que Vinícius cuidou de mim quando tive uma crise de pânico por fobia. Suas palavras simples, diretas e de ordem vieram para me balançar mais. Tinha dito ele assim “Fique quietinha, aqui. Se cobre. Se vira e me abraça”. Ah, como eu queria seu abraço, sua segurança, sua respiração travando a minha.

Que papel vergonhoso eu prestei por um medo. Quer dizer, esse medo de falar sobre o passado, de lidar com o que de verdade aconteceu. Eu havia superado sim, acredito eu. Era ferida que tinha se curado e que, por uma coincidência, uma bala passou de raspão no mesmo local, reabrindo o machucado. É como aquelas pessoas que torcem o pé e para todo o sempre sentem algo de diferente no local, de como se tivesse se adaptado a nova condição e depois acontece um acidente na mesma região e é exigida uma segunda nova condição para se adaptar. Aí que me lembro que Vini contou sobre uma vez que teve problema no tornozelo e que contou isso quando ajudava Murilo a fazer os exercícios no braço e todo aquele drama quer me pegar de novo por raiva de ter sido manipulada. De novo.

Realmente não dá pra ficar maquinando sobre isso. Principalmente com essa playlist de Flávia. Algumas músicas eu conhecia e outras eu só deixava tocar. Tem umas agitadas e tem umas bem... como posso dizer? Ah sim, de estrada mesmo. Calmas, lentas e até poéticas. E digo “poéticas” para não dizer que são tristes. Eu já havia passado umas quatro dessas e sabia que ela não estava ligando muito para as mudanças que eu fazia se tinha visto quando sua cabeça se pendeu para trás e lá ficou quando entrou no estado de sono. Por mais que estivesse ela sentada e eu deitada sobre suas pernas, ela quem dormiu fácil. Também, com essa lista, até eu deveria dormir.

Só que não consigo. E nem dava para ficar a observar as nuvens ou ficar contando os postes da estrada que iam passando, um por um, porque o meu lado era justamente o do sol, e sabe como é o sol de 8h30... esquenta por toda a manhã. Tive que improvisar uma cortina com uma toalha de rosto que tinha na bolsa de mão de Flávia, colocando-a presa no vidro para o sol não ultrapassar e nos pegar.

Murilo já não teve essa sorte, porque dirigindo do lado do sol, ele teria que aguentar todas as três horas que eram a viagem, daquele jeito, pois seu vidro ele não poderia cobrir. Mesmo tendo um pouco de cobertura fumê, o sol caminhando para seu auge conseguia se alastrar bem. Isso me lembra que o presente de Natal dele era um óculos escuro. Eu tinha quebrado seu último e acho que ele não comprou outro mais depois.

O que me sobrou pra fazer foi mesmo relaxar a cabeça, ouvir música e ficar contando os enrolados de sujeira que tinha o teto do carro. Tinha que depois dizer discretamente para Murilo dar uma limpada ali, havia aqueles algodões de poeira. Me limito a pensar nisso e me distrair novamente para não começar tudo de novo. A última vez que tinha olhado as horas, contei que faltavam ainda 2h e 45 minutos de viagem. Ainda parecia muito para mim.

A playlist que tocava estava recheada com escolhas a dedo, acredito. Parte dela continha as músicas que no outro dia estávamos ouvindo na sua casa, aquelas em francês. Uma bem calminha começa com uma voz masculina e decido não passar mais, ia deixar que fluíssem como bem viessem. Nem estava mais olhando o visor do celular, ou mesmo mexendo nele – ele estava me humilhando nalgumas vezes, pois pouco sabia como acessar as pastas e eu não queria acordar a outra para perguntar uma coisa tão besta – mas essa que toca me dá vontade de ver o título, mesmo que eu não entendesse bulhufas.


Trilha citada: Kyo – Pardonné

http://www.youtube.com/watch?v=b3gWZt4RBgM


A coincidência me pega quando leio “Kyo - Pardonné”. Espero que dessa vez o francês me engane pensando que seja algo tão óbvio como se referir ao perdão. Que fosse qualquer coisa, como... água, lápis, parede, mar, flor, menos relacionado à absolvição. A voz do vocalista me leva e me traz, numa fluidez alternativa que percebi ser próprio da banda que ouvia faz uns dias, podendo eles estarem me xingando na maior tranquilidade, que eu não estava entendendo nada, mas senti uma pontada por empacar nessa questão do perdão. Eu nunca fui muito de sinais e significações assim.

Suspiro por achar isso muito demais. Quanto mais eu me afastava das coisas, mais elas pareciam se aproximar de mim. Quer dizer, estavam me perseguindo praticamente. Até numa playlist! Que nem fui eu quem a construiu. Logo outra música da mesma banda se sucedeu e mais que tentei deixar minha mente vazia. Eu ansiava conseguir pelo menos por uma hora, para que ao passar dos dias eu fosse desenvolvendo isso melhor.


~;~


– Er... eu... eu vou comprar biscoito. Você quer algo?

– Er... água, eu acho.

– Pode vir se quiser.

Eu nem tinha percebido que tinha cochilado.

Às vezes entramos no mundo submerso no auge do pensamento e... você já está sonhando. Até que alguém venha te cutucar você nem se toca, o que é tão estranho. Como que nosso cérebro não é capaz de sacar isso? Eu não estava nem cansada para tanto. Devo ter sido embalada pelo clima, pela pista lisa e o clima friozinho do ar-condicionado.

Armando – agora sim eu sei seu nome – quem me cutucara para perguntar se eu queria ir ao banheiro ou à loja de conveniências. Eu ia devolver a pergunta desnorteada sobre o porquê de Murilo não ter comunicado isso ele mesmo, mas logo lembro que ele também estava me evitando. O que é doloroso ainda. Talvez achasse que eu daria uma patada nele ou algo assim e ele prefere manter-se na sua.

Caminhamos até a loja, de onde avisto meu irmão do lado do carro falando com o frentista e pagando a gasolina. Quando eu adentro o ambiente e sigo Armando pelas seções, sem saber por onde estava indo senão seguindo-o, ele começa uma conversação, como quem não quer nada:

– Desculpe comentar, mas... vocês estão brigados? Quer dizer, você e Murilo?

– Por que acha isso?

– Já os vi juntos no centro de meteorologia e ele por vezes fala de você. Pareciam bem próximos. Agora nem tanto. Ele só me disse que teve um problema com você e que teve que adiantar a viagem. O que foi bom de certa forma, porque eu precisava dessa carona. Não que eu esteja agradecendo por vocês brigarem, longe de mim. Só que... ele não parece estar legal.

Armando dizia isso como se falasse por alto, pois olhava os pacotes de biscoito, escolhendo qual deles levaria. De certa forma é conveniente, para não me deixar acuada ou desconcertada, uma vez que ele não olhava diretamente pra mim, mas sim para os produtos em suas mãos. Eu poderia nem respondê-lo, ou soltar qualquer coisa, senão dizer que não era da sua conta. O bom é que ele não estava me forçando a ser rude, então só suspirei alto e lhe respondi por ser educada:

– Tudo bem. Você deve saber do histórico de besteira que ele faz... Às vezes ele não mede as consequências.

Ele anda para o caixa com dois pacotes de biscoito de chocolate e eu o acompanho. Enquanto isso, ele mantém a conversa:

– Bom, ele não é do meu setor, mas se é sobre aquela brincadeira na reunião que a diretora foi, difícil não achar alguém que não saiba. O que quer que ele tenha feito, eu espero ter sido bem intencionado, porque caras decentes são difíceis de encontrar em qualquer canto. Quando fizeram o trote comigo, ele foi um dos poucos que me ajudou. Ele tem um bom coração.

Armando passa por um dos refrigeradores e puxa duas garrafinhas d’água. Passa as compras para o atendente e quando eu ia verificar se tinha algum dinheiro no bolso do meu short, ele dispensa e paga para mim.

Ainda me sentia meio anestesiada, não sabia se era do cochilo. Entretanto, minha mente não parava de maquinar: E por que Murilo insiste em fazer coisas para me machucar? Ele sabia que eu não ia gostar. Tanto que escondeu toda a história enquanto pôde. E isso difere muito de mim, pois, mesmo que eu tenha algo a esconder, não é algo que vá machucá-lo, mas sim a mim mesma.

– Isso eu num duvido. O problema é o quão exagerado ele pode agir por esse bom coração.

Droga, eu não devia estar pensando nessas coisas. Eu devia estar... apenas não pensando mesmo. Quão difícil isso pode ser? Esse plano precisa de um reforço. Saindo da loja de conveniência, ele continua a falar, entre bocejos que ele tenta aplacar com a mão, levando-a a boca.

– Espero que vocês tenham um bom feriado. Quer dizer, que vocês se resolvam. Toma.

Ele me entrega a água e um dos pacotes de biscoito. Nego o pacote e ele insiste enquanto caminhamos de volta ao carro.

– Chocolate talvez te anime.

Ri um riso educado, agradeci e aceitei.

Aí murcho por ver Murilo de pé nos esperando para entrar no carro. Com sua porta aberta, ele se mantinha apoiado no teto do carro, segurando a chave. Eu tinha que dar a volta para entrar, já que a porta com a qual me deparo é a de Flávia e claramente eu a via dormindo. Isso implicava em me aproximar bem de Murilo, ficar lado a lado. Tinha um ar indecifrável que preferi nem olhar muito, mas consegui captar um leve movimento de assentir que ele deu a Armando, que lhe respondeu com um breve dar de ombros.

Tampouco me dou o trabalho de ficar indignada por mais essa, de conseguir mais um aliado que tente me convencer do contrário. Se ele não soubesse o quanto foi errado sua atitude, não teria escondido de mim. Eu não sei como vai ser daqui pra frente, mas por enquanto é a indiferença que posso ceder a ele, mesmo que doa e que eu sinta sua falta. Quero lembrar o porquê disso só quando as boas festas terminarem... Esquece, Milena, esquece... não vale a pena. Forço-me a pensar só nisso.

Vou chutando pedrinhas até alcançar minha porta e a abro sem cerimônias, sem nem o olhar também. Murilo e Armando também não demoram a entrar e meu irmão logo dá partida no carro. Ajeito minha amiga que estava dormindo de mau jeito e ouço quando os dois trocam umas palavras:

– Falta quanto tempo?

– Uma hora e meia. Te preocupa não, dorme aí se tu quiser. Quando passar na rodoviária, te cutuco.

– Ah tá, valeu.

E estávamos de volta à estrada.


~;~


Depois de passar um tempo jogando no meu celular, enjoo. Enjoei até de ficar ouvindo música. E foi quando tirei o fone do ouvido que pude ouvir um som baixo vindo do carro. Era a playlist de Murilo tocando.

Eu conhecia a música de algum lugar e não me lembrava de onde. Estava forçando a minha mente a lembrar de qualquer coisa, nome do artista, nome da música, onde tinha ouvido... sei lá, o que fosse. A concentração me tinha bem quieta até que fui puxada de vez, por Murilo, chamando-me:

– Milena?

Ainda deitada no travesseiro ao colo de Flávia, com as costas ao banco, me pergunto se ele podia me ver traquinando a cabeça. Daria pra ver pelo retrovisor de centro? Observei a cabeça da minha amiga pendendo de encontro ao banco do carro, meio balançando, levada pela inércia que o carro implicava. Isso descarta qualquer contato visual que eles poderiam ter.

– Milena, tá acordada?

A voz era amena, meio distraída até.

Talvez só eu tivesse acesso a ele, pela posição que me encontrava, à diagonal praticamente. Vejo quando meneia a cabeça e passa a mão no cabelo inquieto. Mas o que ele queria? Curiosa, respondo num fio de voz que ele possa ouvir acima da música baixa que tocava, apesar de ter passado um tempinho.

– Tô.

Na mesma hora ele mexe a cabeça para o lado, como se fosse virar pra trás e me encontrar. Só que ele estava dirigindo em alta estrada e, ainda que seja tapado com muita coisa, sabe o perigo que isso pode representar se não cuidar de prestar atenção na pista a sua frente. Ele nem é louco de fazer isso.

– O que foi?

– É que... eu queria saber... se... err...

– O Armando tá acordado?

– Não.

– Prossiga.

– Lena, eu não gosto quando você fica em silêncio.

Suspiro por prever que ele queria começar algum papo. Do tipo que eu estava dispensando. Soo cansada quando replico.

– Então ainda bem que você ligou o som.

– Você entendeu o que eu quis dizer.

– Você também.

– Eu falo sério, Milena. Vai me ignorar pelo resto dos dias?

Eu nem tracei meu plano direito e ele já quer saber do que eu ainda não decidi? Poxa, nem eu sei. Até nisso ele quer fazer pressão? Quando digo que preciso de um tempo afastada, o que será que eles entendem?

– Esse silêncio quer dizer que não vai mais falar comigo?

– Não faz pergunta difícil, Murilo. Come teu biscoito, talvez chocolate te anime.

– O que isso quer dizer?

– Foi o que seu amigo me disse antes de eu ver que ele tentou fazer uma média por você. Foi assim que ele pagou a carona, que você o forçou a compensar?

– Do que você está falando?

– Dessa troca de favores de vocês. Murilo, você nunca foi discreto com nada. Eu vi que tinha algo errado naquele dia que você apareceu todo machucado do braço, eu vi quando você trocava uns olhares significativos com Vinícius e vi naquela hora quando assentiu para o Armando. Ele estava falando comigo a seu pedido, né? Pode confirmar.

Seu tom muda e fica defensiva. Na hora de acusar ele não recua, mas se é ele quem leva o golpe, se faz de inocente. Que ele não é. Ele está levando a conversa para “aqueles” lados de novo, então melhor encerrar.

– Não. Agora é você que está me acusando, e precipitada.

– Se estou sendo, então veja o quão ruim é se sentir assim. Mas quer saber? Deixa pra lá.

– Ele só me disse que ficou preocupado comigo... porque notou que eu estava chateado, Milena. Eu não paguei, cobrei ou o forcei a conversar com você, se é o que pensa. Ele só quis ajudar, assim como várias vezes eu o ajudei. Acho que de solidariedade você deve entender, né?

– Tá, Murilo, tanto faz. Eu já disse para deixar para lá.

– Acontece que eu não quero “deixar para lá”, Lena.

– Mas devia.

Por que eu ainda retruco?

Brinco levemente com o fio do fone de ouvido e o ajeito para que não se enrole sozinho, apesar de saber que o objeto detém esse poder misterioso de aparecer com nós que nem eu poderia cogitar fazer igual com minhas mãos. Isso me distrai por uns poucos segundos, até que Murilo me chama a atenção novamente, por repetidas vezes pelo meu apelido de “Lena”, como se fosse um carinho que sei que devo negar. Porque não adianta se primeiro ele me golpeia pra depois pedir desculpas e querer um afago. Vale lembrar que ele nem pedira desculpas, dissera que faria de novo se preciso.

Ele devia estar é agradecendo por eu não ter explodido nele. Ainda tem muita raiva sendo guardada. Quer dizer, tentando ser esquecida. E a cada vez que menciona, parece provocação por reavivar tudo isso de ruim.

– Vai ser assim? É desse jeito que você quer as coisas?

– Não.

– Então conversa comigo. Vamos resolver isso.

– Murilo, eu não sei se você percebeu, mas estamos na estrada ainda. Para de ficar tentando melhorar o que você não consegue e só presta atenção nessa pista, tá? Me deixa.

Caramba, qualé dessa que ninguém me deixa, hein? Quanto mais eu digo para esquecer, mais insistem. Ainda que falemos relativamente baixo, eu quero dar por encerrada essa tal conversa. Vai saber se os outros estão dormindo mesmo? Se não estão constrangidos por presenciarem essa discussão e estão fingindo o sono?

– Eu não vou fazer só o que você quer. Primeiro essa viagem repentina, agora baixar a guarda também? Quem você acha que eu sou?

Ah, agora ELE é o ofendido.

– Perdi essa perspectiva quando você se meteu onde não devia. Além do mais, eu não te forcei a vir. Por mim, eu viria de qualquer jeito. Se não queria, que ficasse lá.

– Você sabe que forçou sim, eu não ia te deixar sair doida desse jeito.

– Uhum, eu sou a doida agora. Valeu, foi tocante.

– E-eu... Não foi isso que eu quis dizer.

Vacila, tentando consertar o que saiu dele esbaforido. Deve estar tão pilhado com isso pesando na consciência que nem percebe que não estou ligando. Como se ser chamada de doida por ele, logo ele, fosse algo que pudesse me machucar. Apesar de ter me metido a faca, insinuar que sou louca não passa de uma brisa. Por que ele tem que toda hora ficar lembrando isso e aquilo? Pra que ficar cavando? Parece que me quer com raiva dele, oras! A que eu tô sentindo já não é o bastante? Que saco.

– Eu não vou discutir mais isso.

– Por que você não considera por um segundo o meu lado?

– Porque em nenhum segundo você considerou o meu. Para de ficar alongando isso, que coisa. Qual parte do “eu não quero falar sobre isso” você não absorveu ainda?

– A parte do “eu não”.

Responde firme e atrevido.

– Que engraçado. Ha-ha-ha. Era de se esperar, na verdade.

– Como assim?

– Vai pensando. Uma hora você absorve tudo.

Se ele resmunga algo, não ouço. Antes de recolocar os fones e ligar novamente o mp3 do celular de Flávia ouvi seu bufar contrariado, mas me centrei em ficar na minha e não ligar para isso. Ficar nesse vai e vem de ódio só me desgastaria, além de que minha promessa dessa viagem é de suspender qualquer pensamento de ira, a fim de me afastar do que fora enterrado para que nas profundezas da terra fique.


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Notas finais do capítulo

Querendo dar colo pro Murilo, ele tá aceitando.



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