Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 10
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Eis aqui um capítulo que explica MTA coisa sobre o 'desequilíbrio' de Milena. O passado tá querendo voltar, e ela, querendo chutar de volta pra terra.
Ah! E para shippers que gostam do Murilo, uma faceta dele para vcs gostarem.
Enjoy.



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Nada como a notícia de que seu irmão aceitou rachar o presente de seu pai para me fazer levantar num sábado de manhã de preguiça. E sono, muito sono. Murilo teve de ir ao centro meteorológico para checar parte de seu trabalho atrasado e verificar como ficaria o revezamento de funcionários para o feriado e recesso. Enquanto estava por lá, deixou o carro no mecânico perto de seu trabalho. Quando foi buscá-lo ao conseguir um tempo do seu trabalho, estava no meio da manhã, assim resolveu fazer suas compras de Natal e me respondeu que iria comprar o presente do nosso pai. Só aceitava rachar se eu me tacasse para o shopping para encontrar com ele. O negócio é que eu só queria dormir.

Fiquei até tarde dando uma geral no meu guarda-roupa, inspirada em Flávia. Encontrei cada coisa que eu nem sabia mais que tinha. Separei algumas coisas para doação e dei uma repaginada no armário – ele estava precisando mesmo. Vasculhei geral, do fundo aos possíveis cantos mais obscuros.

Por lá até achei o bendito diário de minha linda prima perturbada, dentro de uma caixa que ficava dentro de outra, junto de umas tralhas antigas, nos confins da prateleira de cima, a qual eu não via muito por causa da minha altura mediana – não sou nem alta nem baixa, fico no meio com uma boa medida acho. Como tinha começado a limpeza, decidi por ir até o fim, mesmo tendo a iniciado já quase tarde da noite depois de chegar da casa de seu Júlio – Vini queria ficar mais por lá, mas ele e meu irmão tinham trabalho no sábado cedo pela manhã e ninguém estava a fim de ficar no modo zumbi, que era mais desgastante. Só não imaginaria que isso sobraria para mim no fim das contas – peguei uma cadeira para me ajudar a ver o guarda-roupa por completo.

Não, não achei passagem para Nárnia, mas esse caderninho de confissões de Denise me deixou por uns bons minutos o encarando como se estivesse de fato entrado num mundo paralelo. Não sei bem porque o guardei... nele estava escrito toda uma verdade que foi deixada para trás.

Denise foi o pomo da discórdia da minha vida, posso afirmar com segurança. Ela deu um jeito de prejudicar tanta gente que fazer uma mínima menção a ela tem um gosto amargo. Que mais esse Natal ela não passe comigo... Apesar de a maior vingança que eu poderia fazer com ela ser a de mostrar o quanto a felicidade passou pela minha porta, dignar qualquer cumprimento a ela seria uma coisa que meu eu não conseguiria fazer. A arte da indiferença nem sempre está de acordo com nosso íntimo.

Folheei mais uma vez, depois de muito, muito, muito tempo. Flashbacks ruins logo surgiram pela minha vista de acordo com as desgraças que eu podia reler, mesmo passando depressa por algumas folhas. Denise não era do tipo “querido diário vírgula”, as coisas escritas não seguiam uma forma contínua, somente o conteúdo parecia ser o mesmo descrito por seus dedos podres. Listas de coisas para se fazer é o que mais se encontra, na verdade. E esse “to-do-list” eram suas armações, algumas passo a passo, outras só de comentários maldosos, ou uma mescla de tudo isso.

De repente estava de volta ao ensino médio. Era o segundo ano, quando minha prima chegou à cidade e a matricularam na minha escola. Ela devia ter ficado na minha casa, porém, no fim do ano anterior, quando seus pais decidiram mandá-la para estudar na capital, Denise se aproximou muito de Murilo, despertando no meu irmão algo bem próximo do “platonismo” – sério, ele ficava mais besta que é quando estava perto dela –, o que não agradou bem nossos pais.

Percebendo que isso poderia evoluir para algum envolvimento, seu pai junto do meu tio resolveram mantê-los separados. Na época pra mim foi injusto, enquanto que hoje vejo como a tática mais sábia que nossos pais fizeram. Assim ela ficou na casa de uma tia dela por parte de mãe, que não faz parte da minha família.

Quando ela entrou na minha escola e na minha turma do segundo ano, começamos bem amigas. Quão estúpida fui de ir de boa fé com ela, sendo que ela não tinha alguma. Mas como eu ia saber? Ninguém soube praticamente mesmo... Eu estava já com uns meses de namoro com o Eric e fui eu quem enturmou a coisa. Não demorou muito e se formou uma rede de intrigas...

Com aquela sensação ruim saí desse passado para me encontrar de pé em cima da cadeira apoiada no meu guarda-roupa, com o diário em mãos. Eu não queria viver aquilo de novo, já sabendo de antemão qual seria o meu saldo. O mesmo de sempre... ilusão, frustração, boneca marionete... e vergonha acima de tudo. Nenhuma de toda minha vida pode se comparar a essa. Por isso perder o controle pra mim é uma afronta, não me presto a ser controlada por ninguém mais. E defesa é um bom ataque.

Denise durou só aquele ano – e pra mim foi mais que o bastante. O seu pai foi transferido no trabalho para outro Estado e levou aquela perversa pra longe. Acho que nunca agradeci meu tio tanto quanto eu deveria – ou seu chefe por lhe dar uma promoção? Aquele segundo ano de ensino médio que começou prometendo muita coisa terminou com muito ódio, de incontáveis partes. Alguns alunos até saíram, uns que hoje eu queria ter entrado em contato para esclarecer algumas coisas, mas se eles seguiram em frente, era o que eu tinha que fazer também.

Como eu consegui o bendito caderninho? Acho que nesse dia a sorte teve pena de mim e entregou-me quase numa bandeja. Foi na última semana de férias antes de começar o terceirão do ensino médio. No processo de mudança da família, eles tiveram que pernoitar na nossa cidade, e como a casa daquela sua tia, parente da família da mãe de Denise, estava bem sobrecarregada, a bendita ficou na minha. Eu na época ainda estava num estado de apática, ainda meio depressiva, sabia o mesmo que os outros, que não passava de mentiras e mentiras...

Ainda achava que era injusto ela ir embora, estavam levando a última “amiga” que tinha me sobrado. Ela dormiu no quarto de hóspedes, enquanto seus pais ficaram naquela outra casa. Só permitiram porque não acharam que uma noite pré-viagem iria induzir algo entre a filha e meu irmão.

Ah, meu irmão... eu não conseguia falar nada com ele, não com tanta coisa ruim para ser expressa. Convivíamos, mas era uma coisa de conveniência mesmo, porque eu não iria contar minhas intimidades ou vergonhas que passei ao longo daquele tempo para ele, fala sério! De maneira alguma! Esconder era mais seguro. Melhor, esquecer, deixar passar.

Mas sim, voltando à dormida de Denise no quarto de hóspedes, ela tinha que levantar bem cedo. E acho que foi nessa pressa que ela acabou esquecendo o caderninho debaixo do seu travesseiro depois de sua última anotação antes de dormir. Quando eu e Murilo fomos deixá-la no aeroporto, teve uma hora que eu senti um temor momentâneo dela por ter esquecido uma coisa, que logo ela desdenhou falando dele como um “bônus” que deixava para trás. Na hora eu não saquei nada, fiquei imaginando o que ela estava querendo dizer e não deu pra chegar a conclusão alguma.

Ao chegar em casa, Murilo pediu para eu dar uma arrumada no quarto de hóspedes para “desamarrar” a cara que eu tinha. Vez e outra nós tínhamos umas brigas por meu humor insensível e sem energia. Ele me enchia de tarefas também. De má vontade eu fui... e AINDA BEM que foi eu quem foi ver aquele quarto. Ao puxar os travesseiros e tirar o lençol, vi o caderno. De primeira só o deixei na cômoda do meu quarto enquanto fazia a troca de panos e arrumava tudo bonitinho para que Murilo não ficasse no meu pé mais que o necessário.

Era uma quarta-feira, o clássico dia de jogo de futebol na televisão. Depois do jantar, me recolhi para o quarto porque não estava a fim de ficar pela sala com a aquela zoada sem fim de comentaristas e torcida, iria só vagar pela internet, ver como estavam os status de alguns amigos, assistir algum filme, qualquer coisa.

Então me lembrei do caderninho.

A primeira folheada me remeteu de imediato à cena no aeroporto antes de Denise partir, pois desde a primeira folha deu para perceber do que se tratava. Um baú de ouro eu tinha em mãos, ele já começava com uns relatos de maldades e raiva. Não acreditei de imediato... na capacidade daquela garota de fazer tudo que fez friamente, digo. E eu chorei, chorei por muito ódio. Chorei porque eram só minhas lágrimas que eu podia liberar e só pra mim mesma, pois não haveria outra pessoa no momento em quem eu poderia confiar. Eu não sabia mais o que era confiar mesmo...

Dimensionar meu ódio nem sei se era possível. Era de mim, era dela, era de todos, era da situação, era de quem estava ao redor. Até das paredes. E vergonha? Dar de cara com meu irmão nos dias que se seguiram não foi nada fácil. Segurar o choro pior ainda. Nem maquiagem conseguia “maquiar” minha expressão. No último fim de semana antes do começo das aulas tivemos uma briga feia, tão feia que tive que adotar o modo “frozen” pra ele.

Dar o gelo naquele momento era minha única saída, já que eu queria deixar sair tudo ruim de mim, eu precisava de um tempo só meu, sem ter quem me julgasse, fosse pelos meus erros, fosse pelos meus acertos. Eu precisava do controle novamente. E precisava dar um jeito naquilo tudo.

Foi a minha missão de começo de ano. Passei as primeiras semanas lendo o tal caderno e tentando manter a postura. Na escola descobri que algumas pessoas tinham se transferido. Agradeci por Eric não ter feito isso, pois era por ele que eu queria começar. Tive que passar por cima de qualquer abalo que tivemos e contar o que de fato nos tinha acometido, porque foi vítima tanto quanto eu. Então um dia eu lhe abordei, na saída da escola, pedi por uma conversa. Vendo que meu tom era sério, ele me deixou falar.

Fomos para um lugar qualquer, público, e lá lhe mostrei o diário, contei-lhe o que tinha descoberto e mesmo com toda minha credibilidade em baixa, eu estava tentando. Claro que de primeira ele não estava muito interessado de falar sobre o assunto do ano anterior, e deixar com ele aquele diário foi o melhor que consegui para chamar sua atenção.

Que peso eu pude tirar dos ombros! Ainda o carreguei por mais uns tempos, mas aos poucos eu fui construindo um eu novo, renascendo daquela bagaça que tinha eu me condicionado. Eric foi então meu parceiro, apenas amigo. Entramos no segundo ano como namorados, saímos dele mal como conhecidos e evoluímos para amigos já no terceiro ano. Simples amigos, foi o máximo que conseguimos. Até tentamos, com o passar do tempo, voltar ao que éramos, namorados, mas não havia mais sentimento para sustentar algo.

E quem quis se intrometer nisso? Sim, Murilo.

Eu estava num momento de levantar a cabeça e seguir em frente, compartilhando da mesma ideia com Eric, porque quanto mais a gente tentava às vezes consertar uma coisa, outra parecia estourar e assim não saíamos da estaca zero. Não valia a pena. Era mais fácil só aceitar, se não havia mais nada o que se fazer. Eric me ajudou muito nessa época, por isso que fiquei tão louca por qualquer interferência de meu irmão.

Não muito o entendi, do que ele realmente queria por separar, se ele não passava de uma tábula rasa quanto ao que de fato aconteceu. Também não me dignei a ir atrás, eu estava decidida a ir em frente. Assim eu descobri o que era o perdão e como ele traçou novas e boas direções para minha vida.

Ao fim do terceirão, minha avó teve sua maior crise de saúde e teve que passar por um tratamento intensivo, que nem tinha no nosso Estado os tais especialistas na área de neurocardio. A sorte é que a moradia dela com meu avô era próxima de uma das melhores cidades do Estado ao lado, que contava com o tratamento certo. Foi essa a crise familiar que nos fez todos nos unirmos, como um daqueles males que vem para o bem. Eu precisava dessa dose na veia.

Se Murilo tivesse arrumado aquela cama, se ele tivesse encontrado o diário, se tivesse o lido... noites e noites eu tentava imaginar o que seria ter tanta coisa minha e de desconhecidos a ele estampado naquelas páginas. E cada vez que pensava, um receio me subia pela espinha, fazendo-me engolir seco e deixando-me inquieta. Mas eu queria falar a verdade. Pelo menos poder... e eu nunca consegui, porque o que tínhamos, o que eu carregava, não competia de tratar sobre tudo aquilo. Foi dose me retratar.

Hoje em dia mencionar o que quer que seja sobre esse assunto pra mim significa retroceder, e isso eu não admito mais. Pra quê mesmo? Nem me preocupo de isso vazar, porque, de quem, como, porque vazaria? Não tem iminência para dar importância. Por isso que não entendo o porquê de eu continuar a guardar esse troço, quando eu podia muito bem rasgar, tocar fogo, dar descarga e enterrar. E então penso que talvez eu o use como lembrete, como prova de quem eu não fui a culpada, por mais que tivessem feito eu me sentir assim.

Restabeleci meu relacionamento com Murilo e do zero praticamente partimos. Aos poucos, conversando bastante com minha avó, ela foi me guiando para reconstruir o que eu estava perdendo. Ela sabia que algo de ruim havia acontecido, preferiu não saber ou não insistir em me fazer falar. Na minha cabeça já estava certo, eu estava deletando todos os episódios. Com poucas conversas, descontrações, a coisa foi fluindo entre nós até que voltei a ter definitivamente um irmão. E foi das entradas que cedi a ele que formamos o companheirismo de hoje em dia.

Não falamos, não mencionamos, não fazemos referências... nem mesmo comentei que no outro dia eu tinha encontrado com Eric. Em pensar que eu poderia ter perdido tudo isso, por uma coisa hoje já tão longínqua, imagino que estaria sem chão. O bom é que todos nós crescemos.

Foi com esse pensamento que eu pude dormir, de alívio, acalanto e garantia. Eu consegui me reerguer e não passaria por tudo aquilo de novo. Sim, passado. Já era. Foi. Que se dane. A mais forte flor consegue surgir do cimento. A flor não dormiu muito porque alguém ficou ligando e ligando, e Ryan me chamando, trazendo todo aquele “Good Life”. Era Murilo com sua proposta de compras. Sábado, 9h45 da manhã, meu celular marcava. Empurrada de sono tomei um banho e peguei a primeira roupa simples que vi pela frente, sem coragem de verificar mesmo o que estava pegando. Era só uma ida ao shopping para compras, então eu só queria algo confortável. Tentei dar uma melhorada na minha expressão e despertar mais, porque eu estava numa época de felicidade, então levar um sorriso na cara era algo que tinha para deixar como marca.


~;~


Quando os homens são muito diretos, diferentemente de seu costume, ou a gente estranha e espera por ouvir mais para saber o que pretendem com isso, ou a gente estranha, espera por ouvir mais para saber como se aproveitar ou zoar da situação. Murilo esses dias não estava dando os detalhes de sua vida em questão amorosa. E nunca foi de falar muito mesmo. Se era por causa de eu o aporrinhar, não acredito que seja, mas quando ele começou a se comportar de um jeito fora de seu hábito, a primeira coisa que passou por minha cabeça foi a dúvida. Dúvida de brincar um pouco com sua situação – convenhamos, qual foi o plano dele que se tem conhecimento de ter dado certo? Da mesma forma que ele conseguia parte de sua ambição, ele conseguia fazer besteiras – ou de realmente aconselhá-lo.

Opto pelo conselho, pois parecia o mais sensato a se fazer no momento. Além de que ele estava precisando de uns, porque se ele consegue fazer burrada são, o que dirá apaixonado?

Depois de algumas compras feitas, já almoçando na praça de alimentação do shopping, meu irmão recebe uma ligação que cortou nosso papo sobre o relógio que tínhamos acabado de comprar para nosso pai.

– Oi... Aline. Sem problema. Hum. Pode ser... que horas? Hum. Tá, eu passo aí. Tchau.

Ele fica meio contido, não parecia ser boa coisa. Mas logo melhora, para meu contentamento.

– Problemas?

– Não, na verdade. Ela quer que eu a ajude com uns detalhes do relatório de fim de ano do meu departamento. Parece que eu tive uma das melhores pontuações naquele treinamento que o R.H. nos colocou. O estranho é que fui eu quem fez a brincadeira para me vingar e fui eu um dos que melhor se saiu no processo de interação. A diretora ficou impressionada com minha retratação.

– Arrasou, hein. E o coração da Aline, arrasou também? Foi um tiro que saiu pela culatra, mas que deu bons resultados.

– Estava esperando por esse bom resultado, espero ainda. Hoje eu a vi antes de sair e vir pra cá, estava meio ocupada com umas papeladas sobre a mesa dela, então só deu para dizer um oi. É estranho querer ir lá, falar com ela, contar uma piada tosca, ver seu sorriso... ela tem uma ótima risada.

Na mesma hora eu solto meus talheres sobre o meu prato quase no final. A conversa que há minutos tínhamos era descontraída, nada como o clima que impera agora. Surpresa com essa tomada de rumo, paro para prestar bem atenção nele, gestos, expressões e como fala tudo. Toda a zoada da praça de alimentação silencia aos meus ouvidos tão concentrados nele. Fico impressionada com o que vejo. Quem é esse Murilo que mudou da cerveja para o vinho? Digo cerveja porque sinto que eu estava saindo da degustação do azedo para o doce, pois ele nunca foi de descrever coisas assim.

Ok que ele tem suas criancices de vez em quando – só quase sempre – contudo, seu comportamento excêntrico é assim só comigo praticamente, pois para todos os outros fora da família, ele é uma pessoa séria.

Às vezes nem eu acredito em como ele concilia isso dentro de si, pois eu mesma fico duvidosa quanto a ter essas duas versões de si numa mesma imagem, apesar de saber que para algumas coisas ele consegue ser bem durão. E está aí um exemplo, porque... meu Deus, ele está brincando com a comida, mexendo nos talheres, o almoço está pela metade, olhar perdido no prato a sua frente e aquele sorriso bobo preenchendo sua face. Não dá vontade de perturbar com meiguice um menino – sim, menino – apaixonado desse jeito?

Nem deve ter percebido minha admiração sobre ele quando torna a falar. Eu fico calada só ouvindo o jeito como ele relata as coisas. O que tanto lhe perguntei na semana, ele estava discorrendo como se tivesse sido para ele umas horas atrás, e não dias. O bobo sorriso de quem estava se lembrando de uma coisa muito boa.

– Ela riu tanto com o filme que vimos. Também né, Johnny Depp de Jack Sparrow faz da ação uma comédia. Ela nunca tinha assistido Piratas do Caribe 2. Ria até das cenas de romance do Orlando Bloom com a Keira Knightley, mas nessas horas era um riso discreto. E em todas essas vezes eu procurava uma chance de me aproximar e...

E... e... e... e o quê, CARAMBA? Ele para, assim do nada, como se percebesse que estava falando demais ou algo do tipo. Para de mexer nos talheres e olha atento para mim. Porra, ajoelhou, AGORA REZA. Ele tinha que falar.

– E...?

Suspira. Eu ia insistir até que falasse, porque ele não fez todo esse suspense para me deixar na expectativa desse jeito. Ah, mas eu não ia deixar.

– Não tive entrada.

Fala todo desconcertado, dando de ombros, num fio de voz. De repente um sonoro “own” triste se repercutiu dentro de minha mente. É, eu sabia o final. O que era um sorriso bobo tinha virado uma linha, um sorriso sem propósitos. Ele continua a comer seu almoço, mostrando-se sem muita vontade. Devia estar se movimentando pra pelo menos sair desse estado confessional que ele tinha surpreendentemente tomado, disfarçando esse seu momento. Eu ainda me sinto chocada por seu comportamento. Sabia que ele tinha que se “rebolar” para conseguir algo com Aline, só que eu não conseguia falar isso a ele.

– Eu não acredito que eu vou dizer isso, porque de verdade eu torço para que você fique com ela, vejo que você gosta dela e tal, e se não me engano também, ela demonstra o mesmo, mas... já pensou se ela quer ter certeza das coisas? Ou ir devagar? Não foi ela no outro dia que se decepcionou com outro cara? Você pode transmitir toda a confiança que ela esteja precisando agora, só que... será que ela também não está insegura? Será se ela não precisa do Murilo-amigo primeiro? Não foi “ele” quem ela chamou para aquela confraternização? Não se precipite.

Eu não acredito que estava discutindo relacionamentos com Murilo, eu não acredito. É o tipo de conversa que eu nunca imaginaria ter com ele. Nem mesmo quando ele queria que eu tivesse contado sobre meu namoro com Vinícius, parecia que nenhum dos dois estava confortável de falar algo mais... “detalhista”. Era sim uma sensação estranha. E incrivelmente boa, devo confessar. As barreiras de que tanto eu reclamei dele estavam cedendo... não sei como começou, mas tudo isso é bem-vindo.

– Pode ser. Não me precipitar... ser amigo. Hum. Você não quer dar uma passada lá? Sei lá, pra checar o território, dar uma investigada pra mim.

Ele está tentando mudar de assunto sem sair do assunto. Impressão minha ou isso foi uma boa técnica? Por um momento passo os olhos através dele para quem estava ao nosso redor como se fosse identificar o alien que fez essa reviravolta no seu cérebro. Sem ver qualquer pessoa conhecida e voltar a lhe olhar, sinto que era melhor se tocar de que ele também fora abduzido pelo amor. Isso estava o deixando cada dia mais pensativo. No entanto, ele ainda fazia suas besteiras.

– Ai, Murilo, falando desse jeito faz parecer outra coisa... além do mais, eu não vou assim para o centro de meteorologia.

Eu estava mais largada que outra coisa. Vestida numa blusa regata vermelha, um short-saia preto (http://migre.me/9mta7), de chinelas, cabelos presos num rabo de cavalo, estava bem confortável, mas não muito bem apresentável para uma visita ao trabalho dele. Isso não seria nada profissional. Sem falar da minha cara morta de sono. Alô? Eu vim pra cá empurrada, peguei a primeira roupa que vi na frente para não vir de pijama. As pessoas poderiam estranhar.

Por todo esse tempo ele parecia nem ter notado, tanto que fez a pergunta óbvia de quem estava nas nuvens já armando alguma coisa. Suas sobrancelhas sabem bem o denunciar, tanto pra armar, quanto para saber quando está boiando.

– Assim, como?

Ele se inclina para me ver melhor, já que a mesa cobria parte de sua visão. Sinto que as pessoas estão vendo e sinto-me como se estivesse de pijama. As pessoas que minutos atrás eu nem dei importância a suas presenças, agora parecia ter aumentado e eu estava de volta à praça de alimentação, de altas conversas e barulhos ademais. Inquieta, me remexo na cadeira.

E Murilo se comporta como Murilo. Ele estava de volta também.

– Po, Milena, não tinha outra roupa pra vir hoje não? Desse jeito todo mundo vai ficar te secando e eu sei de quem eu tô falando. Conheço bem aqueles caras.

Pacote completo: proteção, voz alterada, cara amarrada, pose de defensor – mesmo sentado na cadeira a minha frente. Tem coisas que demoram a mudar, né?

– Ah, desculpa se você escolheu logo esse dia para resolver fazer as compras. Eu podia ter dormido mais um pouco.

– E o quê que você ficou fazendo de madruga pra ficar assim, hein?

– Estava dando uma geral nas minhas coisas, oras. Sabe que quando começo uma coisa, quando coloco algo na cabeça, eu vou até o fim.

– Tá, e eu tenho que voltar para o departamento. Como você vai pra casa?

– Essa hora Vini já deve estar livre, então posso esperar por aqui. Pode ir, eu ligo para ele. Qualquer coisa, ainda existe ônibus pela cidade.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acham do que a Milena guarda?



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