O Mistério de Winter escrita por Marykelly


Capítulo 7
Savoy City Center Hotel - Part 2


Notas iniciais do capítulo

Olá, meu povo. Como estão?

Sobre o capitulo anterior:
* A cena inicial foi um sonho da Sam, de quando ela era criança. Mesmo que tenha aparentado ser uma coisa confusa... só mais na frente vocês vão entender o significado desse(s) sonho(s).


Então... é só isso. Desculpem os erros e Boa leitura. :)



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Apenas afrouxando e tirando a parte de cima do chuveiro foi que ela conseguiu que a água escorresse sem a necessidade de ser ligado. Havia alguns painéis na parede. Mesmo desligado era possível ler os contornos opacos das letras. Banho quente, espumas perfumadas, jatos laterais.

Perdeu a conta do tempo que passara ali. Deixando a água escorrer pelos ombros. Era incrivelmente relaxante. A aliviou da tensão que sentia desde que Tate começou a se aproximar.

Na verdade, não.

Estava tensa desde que acordou em sua casa. E naquele momento, no quarto. Foi um dos poucos momentos - se não o único - Em que ela se desligou de tudo e não se preocupou com mais nada.

Ela já tivera namorados antes. Poucos, mas ainda assim teve. Quando saia com suas duas únicas amigas, ela percebia os olhares dos garotos. Observava suas táticas de aproximação e, em outras vezes, apenas ria das mais inusitadas. Era natural e normal. As coisas começavam com conversas tímidas e evoluíam para beijos leves e mãos dadas, iam se conhecendo gradualmente. Como tinha que ser. Mas as coisas entre Tate e ela estava uma bagunça. Não sabia nem se havia evoluído em alguém momento. Simplesmente saíram atropelando toda a fase e inicial e foram direto para o íntimo. Com cuidados exagerados e beijos quentes.

E isso a incomodava.

Ela pegou novamente a cadeira do lado de fora do box e levantou para apertar e fechar a abertura por onde saia água.

Se enrolou na toalha grande e felpuda e foi direto pra onde estava sua mochila. Não havia muitas opções de roupas. Percebeu, amargamente, que o pavor que estava sentindo em sua casa não a deixou pensar direito. Pegou roupas que eram pequenas demais, outras que só usava para dormir. Apenas uma era apropriada para vestir no frio.

Vestiu um short e uma camisa e rumou para cozinha. Estava morrendo de fome. Pelas suas contas não comia de verdade desde que saíra da “casa” de Tate.

A sala era ampla e aberta, facilitando a entrada da luz do início da tarde e proporcionando-lhe uma bela vista.

Ela estacou na porta da cozinha. Tate estava sentado na mesa. Ele estava, novamente, olhando fixamente para algo que segurava e ela não conseguiu ver o que era. Os dois ficaram se encarando por longos segundos. Estavam claramente envergonhados com o que havia acontecido. Bom... ele nem tanto.

− Ah-mm... Oi. – Ela se xingou por dentro por deixar sua voz fraquejar e tentou desviar a atenção dela abrindo os armários e verificando o que havia neles.

− Oi. – A voz dele saiu rouca. – Não tem muita coisa aqui.

Ele tinha razão. A cozinha era desproporcionalmente menor que o resto. Obviamente as pessoas que ficavam ali não a utilizavam muito.

− Você quer sentar? – Ela hesitou por um momento com seu pedido, ela inevitável não olha-lo. Acabou demorando demais para responder e ele apenas assentiu quando viu a expressão dela e depois não falou mais nada.

.

Ela o havia parado.

No quarto. Ela o parara e saíra sem dizer nada. Ele não foi atrás dela, não precisou de explicação para entender. Esse não era o momento para acontecer envolvimentos de nenhuma forma. Ela não podia. Não se permitiria se deixar levar por outros sentimentos. Não era um castigo, mas sim uma maneira de se manter focada e não desmoronar de vez.

Mas agora ele parecia estar se culpando pelo que fizera. Ela jamais o culparia. Quis aquilo tanto quanto ele. Apenas não podia ser da forma que estava acontecendo.

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Ela ia ressuscitar a conversa que havia morrido e que deixara um silencio constrangedor. Mas nesse instante Corm irrompeu pela porta.

− Não vão acreditar no que tem lá embaixo. É simplesmente.... − Ele movia os braços no ar numa euforia ameaçadora. − Não dá pra explicar.

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***

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Eles desceram poucos lances de escada. Estavam num dos primeiros andares. Os dois já haviam passado por ali, mas ela ainda não tinha tido tempo de verificar bem onde estava. Ficou alguns passos atrás, observando cada detalhe. Havia um balcão de recepção alguns metros depois da ampla escada e logo acima, na parede, escrito em alto relevo numa caligrafia desenhada estava no nome do lugar:

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Savoy Center Hotel

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Ela estreitou os olhos. Já desconfiava que estivessem em algum lugar como um hotel, mas aquele nome não lhe era estranho.

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− Eu estava andando por aqui. Pensei que hotéis grandes como esses deviam ter uma cozinha enorme em algum lugar... – Corm começou a falar enquanto eles se aproximavam de um enorme salão. Ela já começava a ver as primeiras mesas e cadeiras. – Estava procurando a dispensa quando dei de cara com isso...

O salão era, sem dúvida, apenas para eventos grandiosos. Com centenas de pessoas. Havia espaço para recebe-las e acomoda-las. Ela ficou estática, seu queixo caindo gradualmente. Por um segundo pensou que estava ouvindo as vozes de todas aquelas pessoas. Se cumprimentando, rindo. Descontraídas e totalmente desprevenidas para qualquer situação. E os imaginou passando pelo mesmo que pensara a família dela passara. A confusão e a desorientação. O pavor ao perceberem o que estava acontecendo. E finalmente o caos e o desespero para salvar suas vidas. Não sabia se todos em Winter passaram por isso. Mas ali, sem sombra de dúvida, havia acontecido algo. Estava tudo completamente destruído e revirado.

No canto, isolado de toda a devastação daquele lugar, sobrevivera uma placa que os recebia:

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“Bem-vindos à

Comemoração da

Mais nova união do

Sr. & Sra. Williams”

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No alto da parede, onde se encontrava o enorme palco embutido, um tecido rasgado branco e brilhante estava pendurado na beira. Ela pressionou os olhos para tirar as imagens da sua mente.

− O que aconteceu aqui? – Ela sussurrou.

− Eu me fiz a mesma pergunta. – Corm disse. – Parece que as coisas aqui não foram muito boas como nos outros lugares. Ficaram ensandecidos porque alguma coisa interrompeu a festa deles e saíram quebrando tudo? – Ele ainda exibia aquele brilho doentio nos olhos, Sam o olhou como se ele tivesse enlouquecido.

− Ou... – Tate começara enquanto se agachava e pegava um celular que estava parcialmente destruído no chão. – Apenas se apavoraram com algo e acabaram criando um caos na saída. De qualquer forma.... Não acho que tenha sido nada com que devamos nos preocupar excessivamente. Já que não há sangue ou corpos por aqui. – Ele jogou o celular de volta.

− Eu daria tudo pra ter visto isso aqui. Deve ter sito muito... interessante.

Sam se encostou na parede e se deixou escorregar até o chão. Juntando os joelhos com os braços, apenas olhando pra tudo a sua volta.

− Lá se vai a sua teoria ridícula de abdução alienígena. – Tate zombou.

− Óbvio que não. Quem sabe eles não quiseram se divertir? Vamos assustar um pouco esses humanos. – Corm disse, forçando a voz na última frase depois começou a rir.

− Isso não é engraçado. – Sam o censurou. – São pessoas, Corm. Foram acuadas e levadas Deus sabe pra onde.

− Sam, sobre isso... – Tate deu alguns passos até ela, mas não se aproximou muito. Ainda estava receoso. – Tem uma coisa... Você não vai gostar muito, mas vai ter que tentar entender está bem?

Ela respirou fundo, não aguentava mais uma coisa ruim atrás da outra.

− Eu ia conversar com você sobre isso... − Ele falava enquanto coçava uma das sobrancelhas. − Mas não tive muito tempo.

− Tate, por favor. Fale de uma vez.

Ele pegou algo em seu bolso e o abriu no chão. Um mapa.

− Você se lembra quando eu disse que estávamos seguindo nessa direção? – Ele seguiu com o dedo pela linha que indicava o caminho que eles tinham percorrido.

− Sim. – É claro que ela se lembrava. Ela tinha dito que queria ir naquela direção.

− Bom... – Ele a fitou e depois se voltou para o mapa. – Nós estamos aqui agora.

Ela viu seu dedo começar a voltar todo o caminho, seguindo cada vez mais pra baixo do mapa. Ela franziu o cenho. Ele estava voltando por todos os lugares e ruas em que ela já havia passado. Passou pela linha em que ia em direção a casa dela e foi indo ainda mais para trás. Ela ia pedir para que ele parasse com aquela brincadeira. Ele estacionou o dedo em uma linha mais grossa, indicando uma avenida.

− Savoy City Center Hotel. Acho que já tenha ouvido falar do Sr. Magno Savoy.

− Já. – Agora ela sabia o motivo do nome lhe soar familiar. Ele era amigo do seu pai. Já tinha os vistos sair várias vezes. – Eu não entendo... – Ela começou a se levantar, olhando pros lados. Eles estavam esperando sua reação.

Ela não podia acreditar. Tinham feito todo o caminho de volta.

− Por que? Nós devíamos... devíamos estar indo para...

− Sim. Eu sei disso, Sam. – Tate inquieto enquanto tentava faze-la se acalmar. – Só que... tivemos outras ideias... Há outras coisas.

− Que outras coisas? Nós voltamos à estaca zero. Aqui, realmente, não há outras coisas. – Ela odiava quando ele tentava amenizar a situação e acabava não falando nada. Como se ela fosse deixar pra lá e aceitar.

− Como pode ter tanta certeza? – Corm questionou. – Quero dizer... nós temos que saber todas as opções. Checar todas as possibilidades. Essa sua certeza infundada de que deveríamos ir para um lugar que você nem sabe se existe.

− Minha certeza infundada? A minha “certeza infundada” ajudou muito você, não? Eu... – Ele cerrou os dentes. Ela estava irritada e se sentindo traída. – Eu não vou discutir com vocês sobre isso.

− Nós não podíamos esperar cegamente que por um milagre divino você estivesse certa. São as nossas vidas. Também são as nossas famílias. Então... por favor? – Corm falou com a voz suave, ela tinha a impressão que só ela estava preocupada com tudo aquilo.

− Sam, você não queria falar sobre nada. Eu não sou um adivinha. – Tate disse. Estavam os dois contra ela?

− Olha quem fala! Vocês decidiram tudo sozinhos. Tomaram controle da situação e vieram pra cá sem certeza alguma, também.

− Precisa acreditar em nós mesmo quando não acha que é o certo. Você não vai entender agora...

− Não fale como se eu fosse uma idiota, Corm. Eu entendo muito bem. Vocês queriam seguir um caminho diferente, ótimo. Queriam fazer o que achavam certo, o caminho que queriam. É óbvio que eu entendo isso. E não teria problema algum me falar. Vocês que complicaram tudo. – Ela se virou para Tate. Falou agora olhando diretamente pra ele. – Você só precisava ter me falado. Só precisava ter dito. O que pensou que eu faria? Pensou que eu impediria? Era só ter pedido e eu desceria do carro sem problema algum.

Tate se aproximou dela, queria segura-la pelos braços e sacudi-la até que ela parasse de falar toda aquela baboseira. O que ela estava pensando? Assim que ele a tocou ela se afastou como se a tivesse queimado.

− Sam, eu... – Tate começara a falar.

− Não. – Ela o interrompeu e saiu. – Não.

Eu sinto muito.

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Ela não sabia se Tate tinha falado aquilo ou foi apenas a imaginação dela. Não importava mais. Marchou em direção a saída do hotel.

Quando passou pela porta ela estacou na calçada. Olhando ao redor. Placas, ruas, prédios. Iguais. Exatamente como ela se lembrava.

Sua casa não ficava tão distante dali. Daria para ir andando.

.

***

.

Uma pequena parte dela ainda esperava que fosse Tate quem batia na porta do quarto. Ela já pegara sua mochila e estava saindo quando Corm entrou. Ele deve ter visto isso em sua expressão pois assim que ele a viu, abriu um sorriso zombeteiro.

− Ele pediu que eu viesse.

− Eu tenho que ir, quero chegar em casa antes que escureça. – Ela disse enquanto tentava passar por ele.

− Escuta, eu não sei o que está acontecendo entre vocês agora. Mas foi bem divertido ver Tate Hansel abrindo mão do seu orgulho e me pedindo pra fazer algo por ele. – Ele sorriu. Estava tentando amenizar as coisas.

− Isso porque ele não tem coragem de falar.

− Sabe... ele disse que você teria medo de ficar a sós com ele. E como nós três conversando juntos não dá muito certo. Seria melhor que eu viesse.

− O que? Ele disse isso?

− Ele não disse com essas palavras, mas foi isso que ele quis dizer. Ele fica um molenga quando está com você. Tsc, Tsc.

− Me deixe sair, por favor. – Ela disse, ignorando a última parte do que ele tinha dito. Ele fechou a porta e se encostou nela.

− Eu te dou passe livre pra perguntar o que quiser saber.

Ele sabia que ela queria descobrir mais sobre eles. Estava usado isso à seu favor. Ela pensou por uns segundos.

− Tudo? – Ela levantou uma das sobrancelhas.

Quase tudo.

Ela cruzou os braços e suspirou.

− A culpa foi minha. De nós termos vindo parar aqui. Eu não sabia bem para onde ir e...

− Argh. – Ela levantou a mãos para que ele parasse. – Se for contar mentiras deslavadas nem comece.

− Não é mentira. – Ele disse, fazendo uma carranca.

− Primeiro: No dia que nos conhecemos eu lhe disse para onde estávamos indo, a direção que seguíamos. Então não havia como você ter “acidentalmente” vindo parar aqui. Segundo: Hoje mesmo você me disse que teve que dirigir o mais rápido possível enquanto eu estava machucada e inconsciente. É impossível que esse fosse o lugar mais próximo que conseguiu achar. Então, sim. Você está mentindo. Agora me deixe ir, por favor.

− Está bem! Caramba. Como você é difícil. – Ele disse, passando as mãos pelos cabelos. − Você não viu o que estava acontecendo. Eu cuidei de você em outro lugar, perto de onde você havia caído. Até aí tudo bem, você ainda estava desacordada, mas decidimos continuar seguindo o caminho. Foi tranquilo a maior parte do tempo, mas aí começaram a surgir dificuldades de continuar. Era como se estivessem impedindo a nossa passagem.

− Quem estava impedindo, Corm? – Ela estreitou os olhos.

−É difícil explicar. Mas tenho certeza que vieram do mesmo lugar que os outros, os da biblioteca e o que causou aquilo na sua perna. Só que.... Eram muitos mais. Acelerei e passei por cima deles, achando que se os passasse ficaria tudo bem. Mas a quantidade só fazia aumentar cada vez que eu seguia a diante. O carro não iria aguentar muito mais. Então eu simplesmente dei a volta e só tirei o pé do acelerador quando a adrenalina passou. Sei que é difícil acreditar nisso. Sei que é difícil acreditar em mim. Mas foi o que aconteceu. Você pode confirmar vendo o estrago que fizeram no carro.

.

− Por que não disseram antes? Ficaram falando e embaralhando coisas. Dando a entender que.... – Ela sacudiu a cabeça, confusa. – Eu agi como uma idiota.

− Bom, era melhor que ficasse irritada. Era melhor que não soubesse e pensasse que a culpa era nossa.

− Por que? – Ela sussurrou.

− Porque é impossível que cheguemos ao lugar que você quer, Sam. Ali era o fim da linha, não tinha mais pra onde ir.

.

.

.

− Em outro momento, podemos contornar. Eu não sei. Mas tem que haver um jeito. – Ela disse.

Tinha que haver uma forma. Ela não tinha certeza de que eles estariam lá. Mas tinha esperança.

− Você não está entendendo. Mesmo se todos foram realmente levados pra lá. Se existe tanto daqueles... monstros por ali, não há como ninguém ter sobrevivido.

Ela o empurrou contra a porta.

− Não! Não fala isso. Nunca mais repete isso!

As mãos dela que seguravam a camisa dele estava pálidas da força que ela fazia.

− Tudo bem... – Ele tentava acalma-la.

− Isso não atinge eles, eles não estão aqui. Não estão aqui. Eles estão bem, estão em segurança.

− Sim. Droga, me desculpa. É claro que estão bem. – Ele esperou até que a respiração dela voltasse ao normal. Ela soltou a camisa dele. – O-oque quis dizer... Se existem tantos por lá, possivelmente próximo daquele lugar seja o foco do que causou tudo isso. Alí deve estar o motivo que fez todos saírem às pressas. É impossível que as pessoas estejam todas naquela área. E não é seguro irmos pra lá.

− Então... pra onde iremos? – Suas pernas cederam e ela se ajoelhou no chão.

Onde todos estariam?

− Eu não sei, só sei que quanto mais ficarmos longe melhor. – Ele se agachou perto dela. – Você está bem? – Ela assentiu e se levantou. Eles andaram até a varanda. Ela se apoiou no parapeito e ficou olhando o horizonte enquanto a luz do sol começava a enfraquecer.

− Não fique pensando muito nisso. Vamos arrumar um jeito. Pense em como estaria pior que se estivesse sozinha. Isso sim seria um dureza. Eu nem quero imaginar...

− Corm. – Ela o interrompeu. – Você não está ajudando.

Mas havia ajudado sim. Ela estava procurando qualquer coisa para distrair a sua mente.

− Eu tentei. – Ele soltou um suspiro dramático.

− Por que você se importa? Comigo, quero dizer.

− Ei, eu não me esqueci que você me ajudou. E eu sempre pago as minha dívidas. – Ele falou aquilo num tom zombeteiro, mas ainda assim ela se lembrou do que tinha dito para ele, minutos atrás.

− Ai, meu Deus. Nem me lembre disso. Me desculpa pelo que eu disse lá embaixo.

− Tudo bem. O que estamos passando... pira a cabeça de qualquer um. E eu também não acharia nada legal se as únicas outras duas pessoas tivessem tentando me confundir ainda mais. – Bufou.

.

.

− De onde vocês se conhecem? Você e Tate? – Ela aproveitou a brecha na conversa e o questionou.

− Você não vai desistir até descobrir, não é? – Suspirou.

− Bom... foi uma troca justa. Você falou que precisava. Agora precisa responder o que eu quero. Ou só disse aquilo pra me convencer?

− Ah, eu não falei por falar.

Ela ficou um bom tempo encarando-o. Os cantos da boca dele começaram a subir, num sorriso malicioso.

− Tudo isso é só pra perguntar sobre Tate. – Não tinha sido uma pergunta.

− Não. – Ela negou rapidamente, tirando o cabelo que estava atrapalhando a sua visão por causa do forte vento. – Não exatamente.

− Vá em frente. Pode perguntar. Quer saber do que ele gosta? Das manias e das fantasias sórdidas? Porque isso eu não...

− Não! Que coisa. Quero saber sobre vocês dois. Não mude de assunto.

Ele levantou uma das sobrancelhas. Não tinha pra onde fugir.

− O que acha? – Preferiu que ela começasse.

− Bom... Vocês claramente já se conheciam antes. Não há como negar que vocês agem melhor juntos. Na biblioteca por exemplo, vocês se saíram muito bem. – Ela viu como eles trabalharam quase que perfeitamente e em uma sincronia admirável– Ou como a forma que se comunicam com olhares e expressões. Vocês conhecem um ao outro muito bem. Acho que já foram amigos.

Ele exibia um semblante surpreso.

− É muito observadora, Sam. Eu estou impressionado. – Ela esperou por sua resposta e ele continuou. – Você está certa, nós não éramos os melhores amigos, mas...

Ela mordeu a parte interna da bochecha. Estava chegando lá. Mais um pouco e ele falaria.

− E o que houve? – Ela sussurrou.

− Não somos mais. Simples assim.

Ela suspirou. Já era de se esperar que ele não contaria. Na verdade, isso nem era da conta dela. Por que queria tanto saber? Droga, não devia se deixar envolver com a vida deles.

Ele estava com o rosto virado para o outro lado, pensando seriamente em algo. Ela se afastou da varanda, estava prestes a ir embora quando ele começou a falar.

− Eu fiz merda. Como sempre. – Ele falou baixinho e ela voltou. – Mas dessa vez eu me superei de todas as formas.

− hum. Vocês se conhecem há muito tempo? – Ela queria que ele contasse, mas se ele decidisse não contar... ela não perguntaria mais. O assunto morreria ali.

− Bom... sim. Numa época em que não estava sendo boa pra ninguém. –Ele a viu fazer uma careta estranha e se corrigiu. – Bom... pelo menos para pessoas como nós.

− Não estou entendendo....

Ele mudou o peso de um pé para o outro. – Então fique feliz, porque isso quer dizer que você vivia acima de nós. Em um mundo completamente diferente.... Como eu ia dizendo... – Ele continuou, Corm começou a tirar o casaco que vestia. Depois subiu a manda da camisa do lhe mostrou o que havia na parte de trás do braço, acima do cotovelo. – Não eram bons tempos.

Ela resfolegou, em seu braço havia a mesma marca que Tate tinha no pulso. – Ah, não. Você também?

− Basicamente, isso foi o começo de tudo.

− Eu vou querer saber o que vocês fizeram para irem presos? – Ela zombou.

Ela sabia que eles só foram marcados porque, certamente fizeram algo de errado. Essa era a maneira de proteger os cidadãos dos possíveis “mal-intencionados”. Em teoria. E se todo aquele falatório na TV sobre como podiam “cura-los” com o tempo estiver certo, ela não tinha com o que se preocupar sobre sua segurança.

− Você se surpreenderia. – Ele cerrou os punhos e se virou pra ela. − Bom... Foi nos dada uma chance de mudar. Uma “oportunidade”. Ella, a responsável pela subdivisão de tratamento com os marcados, disse... disse que tinha trabalho para nós. E que seria só por um tempo. Todos lá aceitaram. – Ele estava com a visão num ponto longe, balançou a cabeça.

Sam estava absorta demais em tudo aquilo. Ele lhe contava algo em que ela conhecia superficialmente, não sabia onde iria chegar.

− Ela nos levou para círculos militares. Nos iniciou aos treinamentos. Ninguém nos perguntava nada, ou questionava por que estávamos ali. Estavam todos eufóricos pensando que fariam parte de algo importante. Lutar no exército? Não era uma boa ideia. Não pra mim. – Ele olhou pro próprio corpo e riu, mesmo sem humor.

Não que Corm fosse fraco, mas ele tinha os traços delicados, quase infantil. E só era um pouco mais alto que ela. Ao contrário de Tate que assumia expressões sérias sempre que necessário. O seu jeito contido e rígido as vezes. Já era de se esperar.

− Me separaram do resto, me levaram para testar pesquisas. Estavam fazendo experiências com... a mente dos humanos. Eu já suspeitava que faziam algo com as pessoas que capturavam... mas ver de perto, foi horrível. Eu passei a ver Tate apenas de relance, enquanto ele acompanhava as cobaias voluntárias. Um dias, todos estavam muito eufóricos. Era uma... experiência em especial. Com a mente de uma pessoa. Queriam... entrar na mente dela. Induzir a fazer coisas, extrair coisas. Não queria que brincassem com a mente das pessoas. E pelo que eu percebi... não tinham o consentimento dela. Consegui descobrir que ela sabia de algo muito valioso e eles fariam qualquer coisa pra descobrir. Não pude deixar acontecer. Eu estava sozinho. Então fiz a única coisa que estava ao meu alcance. Eu a coloquei na sala como queriam. Só não fiz o que eles esperavam, não exatamente. Eu... cortei as conexões com o acesso de memória dela... apaguei as suas lembranças.

− Corm, pare. – Sam estava com os olhos arregalados, totalmente atormentada pelo que ele dizia. Corm estava com os olhos cheios de água. Se sentia culpada, ela praticamente o forçou a falar sobre aquilo.

− Eu sei... mas isso não é o pior. Eles não poderiam descobrir o que eu tinha feito. Então eu... eu implantei as memórias novamente, modificadas. Eu a fiz esquecer de muitas coisas. Seja lá o que eles estivessem procurando não iam descobrir.

Ela respirou fundo. Absorvendo tudo que ele lhe contou. Não sabia o que pensar.

A subdivisão de pesquisas era do Estado. Eles deviam proteger à todos, não era?

.

− Por que está me contando isso? – ela recuou alguns passos.

− Era preciso. Para que você entendesse o que eu fiz. – Ele se voltou e a encarou fixamente. – A pessoas de quem eu falo. A... garota que eu modifiquei as memórias era alguém muito especial pra mim. Era minha melhor amiga, na verdade. E era... era a namorada dele. De Tate. As coisas que ela não se lembraria... incluíram nós dois. Quando ele descobriu ele ficou... não tenho como falar. Ele sabe que eu salvei a vida dela, mas nunca vai me perdoar. Eu também não.

Ela não dissera nada quando ele terminou.

.

.

Ela ficou um longo tempo na varanda, muito depois de ele já ter ido embora. De uma forma ou de outra, teria que aprender a lidar com a série de coisas ruins que a atingiam.

Começava a questionar se o lugar em que vivia era mesmo perfeito como todos a fizeram pensar.

.

***

.

Quando ela abriu a porta do quarto Tate estava diante dela, encostado na parede e de braços cruzados.

− Você está bem? – Foi a primeira coisa que ele perguntou ele estava com uma expressão que ela não consegui identificar.

− Sim, obrigada. – Sua voz saiu distante. Ela ainda se sentia ausente.

– Então... você não vai mais embora? – Ele sorriu.

Ele estava tentando ser legal com ela, não sabia até que ponto Tate sabia o que Corm contara pra ela. Ou se entraram em um acordo de confissão ou algo do tipo. Agora ela se sentia quase uma intrusa em suas vidas. Sabendo de algo de algo tão...

Ela repreendia sua mente com todas as forças. Mesmo assim não tinha controle sobre isso. Olhando pra ele, não conseguiu evitar de pensar que ele tinha uma namorada. Era egoísta e constrangedor que pensasse nisso agora, mas sua mente não queria saber disso.

Ela podia não estar aqui. Podia até não se lembrar dele. Mas ele tinha uma namorada.

– Não, Tate. Não vou a lugar nenhum.


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Notas finais do capítulo

Que tensão, hein?

E então.. Gostaram?
Não se acostumem muito com a calmaria.
Ela, A "Anônima" do meu