O que estava acontecendo? Bem, eu não sabia ao certo.

Naruto tinha saído com aquela garota da noite anterior, aquilo ferira meu orgulho, é claro, meu ego, talvez, mas ciúmes... Possessividade... Nada disso me atormentou, tudo o que queria realmente era poder continuar ali, olhando para ele, o novo ‘ele’, meu salvador, meu companheiro de crimes, meu parceiro ilegal, meu guia turístico, a pessoa com quem queria passar mais tempo, porque, de repente, um mês se tornara pouco demais, se tornara triste, e os dias eram urgentes, cada segundo era precioso, cada palavra melodiosa que saia da boca dele era importante, os versos significavam, a musica significava e tudo o que eu queria era fazer parte da vida dele enquanto podia, queria dizer que sua voz era perfeita, que amava suas letras filosóficas, críticas, românticas e melódicas, amava a crueldade na poesia, a raiva contida nela, a dor... Queria entendê-lo, queria curá-lo, queria me tornar importante para ele.

Tremi quando seus lábios frios tocaram meus joelhos ainda que a meia-calça impedisse um contato real, ainda assim não pude deixar de corar, de querer tocá-lo com os lábios também.

– Ele não merece nem um décimo de você. – ele disse, convencido da afirmação.

As palavras me atingiram como uma brisa quente e eu sorri, enroscando meus dedos em seus cabelos escuros e macios.

– Durma. – sussurrei tocando sua têmpora e deixando o dedo escorregar pelo lado de seu rosto angelical.

Ele era um anjo escuro, um anjo gótico, mais como um demônio, sorria como um demônio, mas cada traço do seu rosto era perfeito, os olhos negros e profundos tão enigmáticos e místicos que eu acreditaria se ele me dissesse que era um ser sobrenatural. As roupas que usava, as roupas que cheiravam a cigarro e menta, escondiam quase com perfeição o capricho com que os anjos o esculpiram, não que eu acreditasse em anjos, mas Sasuke me despertava palavras como essa, fazia alusão a seres como este.

Quando ele ficou em silencio e sua respiração tornou-se pesada e lenta, eu sorri e o toquei novamente com as costas da mão, passando os dedos pelas pálpebras fechadas, pelo nariz reto e bem feito, pelas olheiras leves abaixo dos olhos e, finalmente, por seus lábios quentes e macios, me demorando neles para então, retornar ao seu cabelo liso.

– Ele dormiu? – Shikamaru apareceu encostado de lado na soleira da porta, com um copo grande e um canudinho.

Quase saltei do sofá, Sasuke resmungou um pouco, mas depois respirou fundo, pousou a mão sobre o meu joelho perto do rosto e soltou o ar, relaxado.

– Shikamaru-kun! – afastei a mão dos cabelos dele.

Ele sorriu e abocanhou o canudinho sugando por um segundo.

– Não se preocupe comigo... – deu de ombros – Não sou do tipo que faz fofoca...

Umedeci os lábios e baixei os olhos.

– Achei que era o que dormia mais...

– Ah, é verdade, não é? – ele levou a mão à nuca sorrindo sem graça – Mas é que Kiba me chutou e... Bem, ele tem o sono mais pesado...

– Já estão dormindo? – perguntei surpresa.

– Sasuke também... – ele ergueu as sobrancelhas – Finalmente. – sorriu – Fazia três dias que ele não dormia.

– Não dormia?

– Não dormia direito, quero dizer... Itachi não é muito silencioso de manhã e somos meio ocupados por causa da banda e tudo o mais... Isso excluindo a faculdade...

– Fazem faculdade?

– Faço musica com Gaara e Kiba... Sasuke estava cursando administração, mas largou faz uma semana, não tinha tempo para dormir com os ensaios e os shows, a banda teria acabado se ele não largasse os estudos.

– Porque ele não faz musica como vocês?

Ele deu de ombros.

– Só estamos atrás de um diploma... É um plano ‘B’... Mas Sasuke toca baixo, violino, piano, violão, guitarra, baixo elétrico, teclado, bateria, sax, flauta... Até gaita... – ele sorriu maroto – É nosso orgulho e está apostando tudo na banda... ele... é bem confiante... se não um tanto metido... – arqueou uma sobrancelha, indeciso.

– Como ele aprendeu tudo isso?

– Sei lá... Talento, talvez? Quando o conheci, tínhamos 15 anos e ele só não sabia tocar baixo, tanto o elétrico quanto o clássico... Mas Gaara o ensinou... ele aprende rápido.

Baixei os olhos para o garoto no meu colo, a franja cobria seus olhos fechados, a boca entreaberta, os dedos cheios de esparadrapos com muitos pequenos arranhões espalhados pela mão.

Sorri orgulhosa.

– Ele é bem esforçado...

– Só quando se trata de musica ou da banda...

Penteei os cabelos dele com meus dedos.

– Ele... Precisa de alguém que cuide dele por ele... – disse.

Não houve resposta. Ergui os olhos para a porta e Shikamaru não estava mais lá. Bufei sorrindo. Eram garotos problemáticos, mas muito legais.

Eu não soube quanto tempo eu fiquei observando o garoto deitado no meu colo ou quanto tempo fiquei alisando seus cabelos, mas logo Naruto e Sakura chegaram, rindo alto, podia-se ouvir suas gargalhadas de longe. Eles traziam sacolas plásticas nas mãos e pareciam muito alegres, mas aquilo não me importava.

Eles entraram e eu não tive coragem de acordá-lo.

Sakura parou de rir quando olhou para nós e Naruto também, ele me fitou sério, um pouco decepcionado.

– Fizeram uma pausa? – a garota perguntou arqueando uma sobrancelha.

– Sakura-chan! – Shikamaru fingiu um sorriso e saiu para a garagem – Entrem... – pediu.

Naruto hesitou, entregou as compras sem tirar os olhos de mim.

– Por que ele está no seu colo? – perguntou num tom irritado.

Cobri a orelha dele, protetoramente, com minha mão.

– Não fale alto Naruto! – Shikamaru ordenou – Faz dias que ele não dorme direito.

Naruto bufou.

– E está dormindo no colo da Hinata! – disse indignado.

– E o que tem? – Shikamaru ergueu as sobrancelhas.

Quase revirei os olhos e sorri. Ele era tão natural...

– Hinata...? – Naruto olhou para mim como se implorasse.

Suspirei. Que direito ele tinha para agir daquele jeito depois de tudo?

– Mais tarde conversamos, Naruto.

– Não! – ele deu um passo à frente.

Sasuke uniu as sobrancelhas.

– Hm... – resmungou grogue – Vocês são tão barulhentos... – reclamou se levantando.

Ele piscou duas vezes com o cenho franzido antes de seus olhos se adaptarem a luz. Então bocejou.

– Eu dormi muito?

Corei um pouco.

– Só um pouquinho.

Ele sorriu para mim.

– Devia ter me acordado quando ele chegou. – apontou Naruto – Te pouparia dessa crise de ciúmes.

Naruto enrubesceu, eu não soube se de vergonha ou raiva.

– O que há entre vocês, hem? – exigiu.

– Sua voz é irritante... – Sasuke tapou os ouvidos – Acabei de acordar... Não grite, ok? – ele bocejou novamente e despenteou os cabelos – Aliás, não há nada entre Hinata e eu. – disse seco.

As palavras fizeram doer em algum lugar no meu peito, mas algo quente tocou minha mão a apertando de leve, a mão dele. ‘Um ótimo mentiroso’, anotei mentalmente, feliz.

– Acho que temos que ir embora. – Naruto declarou.

Sasuke revirou os olhos.

– Não seja dramático...

– Naruto-kun... – Sakura chamou melosa – Ao menos beba um pouco com agente, que tal? – pediu.

Sasuke sorriu de canto.

Naruto hesitou.

– Sim! Vamos beber! – Sasuke se levantou, completamente disposto.

Nós acabamos todos sentados na sala, Gaara com seu baixo, sentado torto na poltrona, Kiba sentado no tapete fofo com a cabeça encostada no sofá bem abaixo de onde Sakura estava sentada sobre as pernas cruzadas, Shikamaru estava espalhado na outra ponta com os pés sobre a mesinha de centro e Naruto estava sentado entre eles, completamente à vontade. Eu estava sentada na poltrona de frente para Gaara, com Sasuke no chão encostado nela, todos bebiam; uns, coca-cola, outros, cerveja. Um cinzeiro estava cheio sobre a mesinha onde uma caixa de pizza jazia aberta em cima de mais três. Todos riam e conversavam ao mesmo tempo como se estivéssemos numa festa.

Em geral eu odiava festas, mas aquela, aquela era tão caótica e amável que era irresistível não me juntar e me sentir completamente confortável nela.

– E o show de amanhã? – Sakura perguntou de repente.

– Será mágico! – Kiba ergueu o copo de cerveja já um tanto alterado.

Nós rimos.

– Estou convidada, certo? – ela conferiu.

– Desde que pague a entrada... – Shikamaru deu de ombros.

Sakura sorriu.

– Você vai, né? Naruto-kun?

Naruto olhou para ela e corou um pouco.

– Ahn... Claro... Onde será?

– No midnight! – Sasuke declarou animado.

– São cinco euros para mulheres e dez para homens. – Shikamaru esclareceu.

– Hinata? – Naruto olhou para mim pedindo permissão.

– Estou dentro! – sorri.

Sasuke olhou para mim e sorriu também.

– Bem, então, veremos vocês amanhã...

– É... – Naruto se levantou um pouco a contragosto – Acho que agora precisamos ir, Hina...

– Ah, claro. – Sasuke se levantou também – Vou levá-los...

– Não está bêbado? – Naruto arqueou uma sobrancelha.

– Não fico bêbado. – Sasuke garantiu.

Naruto bufou.

– Sei. – olhou para mim sorrindo torto e me estendeu a mão – Vamos?

Eu peguei sua mão e ele me levou até a garagem, Sasuke ficou para trás trocando algumas palavras com os garotos e depois nos seguiu.

– Só um minuto... – disse recolhendo sua guitarra e a guardando.

Naruto me puxou para perto do camaro.

– Vocês já se conheciam? – perguntou baixinho.

– Claro que não... – não era de todo uma mentira.

– Você mente muito mal, Hinata.

– Não há nada para dizer, Naruto...

– Não? – ele aproximou minha mão do seu peito – Achei que...

– Não diga isso. – desviei os olhos.

– Que você gostava de mim. – ele ignorou meu pedido.

– Você saiu com Sakura ontem. – o lembrei.

Ele pareceu surpreso e ofendido.

– Ela é só uma velha amiga, Hinata.

Mordi o lábio.

– Eu também sou só uma velha amiga.

– Então é isso? Você está interessada nele agora?

Eu o fitei, irritada.

– Não estou interessada em ninguém e mesmo que estivesse não é da sua conta.

O alarme do carro soou, o porta-malas foi aberto, algo foi depositado nele e ele foi fechado com cuidado.

– Vamos? – Sasuke passou por nós e abriu a porta do motorista.

Naruto suspirou, olhou para mim longamente e deu a volta no carro para entrar pelo outro lado enquanto Sasuke abria espaço para que eu passasse para o banco de trás.

– HEI! – alguém gritou – Sasuke-kun! – Sakura correu até ele enquanto ele baixava o banco.

– Sakura? – ele arqueou uma sobrancelha.

Ela parou perto dele e mordeu o lábio, sorrindo, um pouco corada. Eles falaram baixo demais para que eu ouvisse, mas ele sorriu e pegou um bilhete das mãos dela.

– Certo. – ele disse mais alto.

– Obrigada, Sasuke-kun... – ela agradeceu sorridente – De verdade. Até mais.

– Até mais. – ele riu enquanto se sentava na frente do volante.

– O que ela queria? – Naruto fez a pergunta essencial.

Sasuke sorriu maliciosamente, mas deu de ombros.

– Nada especial.

Aquilo me incomodou, me deixou preocupada e me deixou desconfortável. Mas o que eu estava pensando? Estava agindo como se tivesse algo entre nós, como se fossemos namorados, como se fossemos íntimos, mas eu o conhecia havia menos de dois dias, eu não tinha esse direito. No entanto, ainda assim, eu me sentia traída.

Chegamos em casa rápido demais, ele parou o carro em frente ao portão, faltava pouco para escurecer.

– Estão entregues. – Sorriu.

– Até mais. – Naruto saiu do carro.

Sasuke não fez menção de sair, então eu segui Naruto para fora do carro, mas antes que pudesse sair ele segurou minha mão.

– Hei, desculpe ter te colocado em maus lençóis. – pediu nem um pouco arrependido.

Assenti e fiz menção de sair novamente mais ele voltou a puxar meu pulso.

– Hinata? – parecia estranho – Desculpe por não poder entrar, certo? Temos um showzinho num bar ainda hoje e estamos com um integrante bêbado e um pouco em cima da hora... – explicou.

– Um showzinho? – e ele não tinha nem me contado?

– É... Pequeno... Eu iria raptá-la, mas acho que não dá mais certo... – sorriu – E deve estar cansada também...

– Só um pouco...

Ele me puxou para perto dele e me deu um beijo no rosto, no canto dos lábios.

– Boa noite. – me libertou.

Eu corei e saí do carro.

– Boa noite, Sasuke-kun.

Ele assentiu, fechei a porta e ele ligou o carro e baixou o vidro.

– Hei, Naruto! – chamou.

O loiro se aproximou do carro.

– Tenho as entradas para o show de amanhã, ‘tá’ afim? – mostrou três folhetos.

– Fico te devendo. – Naruto os recolheu sorrindo.

– Certo... – ele estendeu outro papel, um branco, um pequeno bilhete – Este é especial, leia antes de dormir.

Naruto uniu as sobrancelhas por um momento, mas então reconhecimento encheu seus olhos.

– Nos encontre as quatro no ensaio amanhã, certo?

– Valeu.

Sasuke sorriu, me fitou e piscou de leve, antes de dar a partida e desaparecer.

– O que é isso? – perguntei a Naruto apontando o bilhete em suas mãos.

– Um bilhete.

– Obvio demais, Naruto-kun. – arqueei uma sobrancelha.

Ele abriu o portão.

– De Sakura-chan.

– Vocês estão ficando?

– Claro que não!

– Mas já tiveram um caso... – deduzi.

– Que acabou. – ele encerrou o assunto guardando o bilhete no bolso - E quanto a você e Sasuke?

– Nos damos bem... – dei de ombros.

– Sei...

– Nós não ficamos. – garanti.

– Mas você queria.

É claro que queria, mas era impossível e ele não precisava jogar na minha cara.

– Não.

Naruto suspirou.

– Sejamos francos, Hina, sou seu melhor amigo, certo? – ele abriu a porta para mim – Pense bem; você é uma princesa japonesa e ele é um roqueiro inglês, acha mesmo que isso pode dar certo?

– Preciso tomar um banho. – ignorei suas perguntas e subi as escadas, correndo.

Precisava de um banho, sim e precisava dormir, mas não queria, trocaria tudo para estar com ele mais essa noite.

Quando cheguei ao meu quarto, percebi que estava sem meu celular. Procurei nos bolsos, embaixo da cama e então me lembrei. Estava com ele.

Bom e ruim. Ruim porque as chances de ele me ligar diminuíam para -59 e bom porque, de alguma maneira, ele teria que me devolvê-lo, mas antes disso... talvez eu ligasse...