A Elfa Escarlate escrita por Koda Kill


Capítulo 32
Energias entrelaçadas e o ritmo da mana


Notas iniciais do capítulo

Luna está de volta a detenção com seu babaca favorito, mas eles estão brigados, será que vão fazer as pazes?



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— Bem vinda de volta à detenção. - Disse Will sem ânimo. Ele mal levantou a vista dos papéis em sua mesa. - Os equipamentos estão ali atrás.

— De novo limpar? - Reclamei contrariada. Até quando ele ficaria com raiva de mim? Eu é que deveria estar com raiva. Ele levantou uma sobrancelha, surpreso que eu estava falando com ele e me desafiando a reclamar mais. - Quando vamos voltar a treinar?

— O que foi? Precisa da minha ajuda? - Respondeu sarcástico. Eu apenas o encarei com raiva. Ele suspirou e levantou vindo na minha direção. - Ok, se você me pedir ajuda com os treinos eu mudo a detenção de hoje. - Disse cruzando os braços e me encarando. Realmente sua atividade favorita era me torturar. Cerrei os punhos tentando controlar o gênio. Eu realmente não queria voltar a limpar os equipamentos fedorentos de luta

— Por favor Will… - Ele vacilou.

—Professor Will. - Corrigiu. Rangi os dentes e cerrei os punhos tentando conter a vontade de socar a cara dele. Eu queria poder fazê-lo sofrer em troca. 

— Por favor, professor Will. - Repeti.

— Sim? - Will colocou a mão na orelha esperando que eu implorasse.

Ah eu queria implorar sim, eu queria mostrar pra ele como eu iria implorar a cara dele no asfalto. Por um segundo eu cogitei em atacá-lo como no primeiro dia. Se isso não fosse me garantir mais tempo de detenção com ele, eu teria ido em frente. Tive que engolir a contragosto todo o meu orgulho.

— Por favor, vamos voltar a treinar. - Completei cuspindo as palavras como eu gostaria de cuspir na cara dele. Já não bastava ter sido humilhada por ele quando ele deixou claro que eu fui apenas um erro pra ele, ele tinha que me humilhar ainda mais? Eu já me sentia um lixo o suficiente sem a ajuda dele, muito obrigada. E ainda assim ele queria mostrar quem mandava ali.

— Bom, já que você pediu com tanta boa vontade eu vou fazer uma exceção. - Isso pareceu finalmente aplacar sua raiva. A minha, contudo, só cresceu. Isso não ficaria assim. 

Preciso focar em entrar pra guarda, foca Luna. Você precisa puxar o saco dele até entrar na guarda. Mesmo que eu tivesse que atura-lo mais um pouco, valeria a pena. Eu precisava me dedicar bem mais do que vinha treinando. Só querer muito não iria funcionar e ele era meu único recurso no momento.

— Pra alguém que está namorando a professora Vaire o senhor não parece ter muita diversão além de me torturar. - Soltei venenosa. Ele estreitou seus olhos de gato, irritado.

— Não estamos namorando. - Não estavam?

— Ah sim, realmente… Não sei como alguém aguentaria um velho rabugento como você. Coitada da professora! - Aquela biscate exibida, completei na minha mente. Provavelmente estavam apenas se pegando. Esse pensamento me deu ânsia de vômito.

— Pirralha - Ralhou ele com raiva.  -Está querendo voltar a limpar os equipamentos?!

— Eu retiro o que eu disse! - Falei bem rápido levantando as mãos na defensiva. De jeito nenhum eu queria voltar para aqueles equipamentos com cheiro de bunda fedida. Isso amenizou sua raiva e ele conteve um sorriso fingindo muito mal um acesso de tosse.

— Vamos começar com um alongamento enquanto eu penso em algo pra hoje. Vem, e vou te ajudar com isso.

Will me puxou e me esticou enquanto eu me esforçava pra clarear a mente como ele havia me ensinado. A raiva dificultou um pouco, confesso. Mesmo que eu o odiasse, havia me acostumado com sua presença e com seu toque. Não era desagradável, na verdade eu até meio que gostava. Ele tinha a estranha capacidade de acalmar a minha mente. Não que eu jamais fosse admitir isso para aquele presunçoso. Pode alguém te tirar do sério e te acalmar ao mesmo tempo? Ou será que eu finalmente surtei?

Foi um alívio poder voltar aos treinos normais e gastar minha energia física e mental de uma forma produtiva pra variar. Não falamos muito, exceto quando ele me dava instruções de golpes ou estratégias de luta e ainda assim, ele fala mais. Eu só foquei no exercício e em seguir as instruções. Parecia que as coisas estavam voltando ao normal. 

Eu sabia que aquele beijo foi só um momento de dois bêbados fazendo besteira. Ele mesmo admitiu e me pediu para esquecer. Então porque eu continuava lembrando disso enquanto o encarava? Talvez porque era tão estranho. É, deve ser por isso.

— Vamos dar uma corrida pela floresta, você precisa de mais resistência. - Não consegui esconder minha surpresa e medo nas expressões. Eu ainda não voltei à floresta desde o encontro com o espectro que me deixou cagada de medo e não estava ansiosa pra topar com ele novamente. Ainda que dessa vez eu estivesse com Will para me defender, senti calafrios. - O que?

— Nada. - Cerrei os punhos tentando me controlar.

— Se eu não te conhecesse diria que você está com medo. Quer me contar algo? - Ele pareceu preocupado. Pensei em contar sobre o espectro enquanto trocava o peso nos pés. Eu até queria contar só para não ter que voltar lá. Só que se eu contasse a segurança do instituto poderia triplicar e então eu teria muitos problemas para sair e ver Yuri.

— Vamos logo com isso. - Respondi cerrando os dentes.

Quanto mais rápido começar, mais rápido termina. Pelo menos serviria como um excelente incentivo para correr bem rapidinho. Disparei antes que ele pudesse questionar ou dizer mais alguma coisa. Em pouco tempo ele me alcançou e estabelecemos um ritmo constante. Correr era bom, limpava a minha mente de todos os pensamentos intrusivos que circulavam na minha cabeça. A maioria deles pelo menos.

A floresta estava fresca, com uma brisa gelada que nos saudou quando adentramos pela copa das árvores. O barulho dos bichos parecia o mesmo de sempre e não via nenhum brilho fantasmagórico. Minha respiração acelerou um pouco com a adrenalina que correu pelo meu corpo quando eu imaginei tudo que aquela calmaria aparente podia esconder. De certa forma era uma sensação revigorante. 

Me fazia sentir viva. Sentir que existia um mundo de possibilidades que se escondia logo atrás das cortinas. O folego acabou mas continuamos em frente por um tempo antes de Will parar no meio da floresta. Eu não costumava vir por esse caminho. Ficar ali me deixou nervosa novamente. 

— Vamos sentar. - Olhei ao redor com medo. Como eu não queria mais perguntas fiz o que ele disse mesmo desconfortável. - Vou te ensinar algo diferente hoje. Ensinam isso na guarda imperial. - Isso me deixou animada. - Primeiro precisamos esperar nosso corpo se acalmar, então vamos meditar por 10 minutos, feche os olhos. - Meus olhos se recusaram a fechar. Ele me olhou surpreso.

— E se algum animal perigoso chegar? É perigoso. - Nem a pau que eu iria ficar ali de bandeja pro espectro.

— Eu já fiz a investigação dos trolls, não tem mais nenhum por perto. - Ainda assim me recusei a fechar os olhos. Will suspirou. - Eu fico com os olhos abertos pirralha.

Mesmo emburrada obedeci. As vezes Will me fazia sentir uma garotinha assustada que não sabe de nada. Respirei fundo tentando acalmar meus pensamentos e focar nos meus sentidos. Inspirava e expirava o mais lento que eu conseguia enquanto minha respiração ia voltando ao normal. Comecei a examinar o meu corpo como Will havia me ensinado. 

Sentia a brisa na minha pele, gentilmente me fazendo carinho, a terra úmida e as folhas no chão onde eu estava sentada. A sensação da gravidade no meu corpo, me puxando para baixo. O cheiro das plantas, da terra e das flores serpenteando pelo ar, se confundindo e brincando com o meu olfato. Os pequenos ruídos dos bichinhos se movendo pelas folhagens, as corujas piando ao longe e até mesmo o barulho dos galhos cedendo ao apelo do vento.

Prestei atenção em todos os detalhes e sensações, apenas observando tudo que vinha à minha mente sem julgamentos, sem tentar muda-los. Até mesmo o medo veio, ficou por um tempo e depois seguiu seu caminho. Aos poucos uma calma serena foi tomando conta de mim. 

— Agora eu quero que você tente expandir sua consciência. Você precisa relaxar o máximo que conseguir e tentar sair da sua mente. Ou aumentar a área de observação. Tente encontrar outras energias. É parecido com a sensação de tentar juntar mana. 

Me concentrei em relaxar cada vez mais ao mesmo tempo em que tentava investigar as sensações exteriores. Aos poucos eu sentia meus contornos vacilares e expandirem lentamente. Como se eu fosse um enorme balão subindo e aumentando. Era uma sensação inquietante, mas não necessariamente ruim. 

Eu podia sentir um suave vibração ao meu redor, como se eu estivesse sintonizando varias frequências diferentes, uma experiência única e envolvente. me fazia sentir uma conexão profunda com as energias sutis que permeiam o ambiente ao meu redor. A vibração ressoava dentro de mim e ao meu redor conforme eu expandia a minha consciência, ecoando a pulsação da magia que flui através da natureza. 

Meus sentidos normais começaram a se ampliar. O toque ficou mais sensível e intenso, o vento parecia quase empurrar meu corpo. Os cheiros ficaram mais fortes e mais ricos, quase como se eu pudesse identificar sua origem e seu passado. Sentimentos se associavam aos sentidos tornando difícil dizer o que de fato eu estava sentindo e o que vinha de fora.

Cada aroma, uma nota na sinfonia mágica que toca na natureza, como se um grande maestro regesse tudo no seu devido lugar, tudo em perfeita sincronia e conexão. Era possível perceber pequenos focos de energia por todo lado, de todos os tamanhos e sensações. Aos poucos eu fui sentindo uma grande onda de energia. Forte, intensa. Fazia cócegas na minha consciência. Me concentrei em expandir mais a minha percepção, curiosa com o que seria aquilo.

A vibração interagia comigo, quase que me chamando para brincar. Tentei abarca-la, ver onde terminava e começava, mas era grande demais. Eu avançava, avançava e ela não acabava. Avancei ate perder a noção de onde estava, presa no meio sem conseguir enxergar as bordas. A energia brincava comigo e se fundia com a minha fonte de energia. Eu sentia uma conexão de formando lentamente entre nós, algo profundo, antigo e que me fazia sentir muito, mas muito vulnerável. Uma sensação de medo tomou conta de mim.

Algo grande e poderoso estava ali, me observando e brincando comigo. Poderia ser o espectro ou algo ainda pior. Comecei a me afundar naquela vibração e me sentir sem ar pelo medo. Minha mente parecia acreditar ser possível que eu pudesse retornar dali. 

Estávamos em perigo. Abri os olhos assustada, olhando ao redor. Minha visão parecia engraçada. Como se tivesse sido pintada. Eu enxergava rastros luminosos, pontos vibrantes e cores que não eram normais na floresta. Will me encarava e uma luz amarela intensa vibrava ao seu redor.

— Tem… tem algo aqui. - Falei nervosa e assustada levantando e olhando ao redor, assustada com o que eu estava vendo. Será que eu realmente não conseguiria voltar ao normal?

— Calma Luna. - Disse Will se levantando e colocando as mãos nos meus ombros.

— Eu senti uma energia... - Tentei explicar sem saber ao certo como.

— Sim, a minha. 

— Ah. - Respondi me sentindo boba e relaxando. Uau, sua energia era tão grande assim. Me senti um pouco envergonhada por me assustar e pela conexão profunda que compartilhamos por alguns minutos. Eu não sabia ao certo o que fazer com as mãos. 

— Não se preocupe, foi um bom começo. Continue treinando. - Disse passando as mãos pelos meus ombros.

— Eu também vi… umas coisas. - Expliquei. Ele me olhou um pouco surpreso.

 - Umas coisas? - Repetiu ele achando engraçado. Eu o empurrei emburrada.

— Umas luzes, não sei explicar seu chato. - Respondi enquanto íamos voltando pelo caminho.

— É normal, chamamos isso de visão de mana. Nos ajuda a rastrear criaturas mágicas, investigar o nível de poder de possíveis inimigos e rastreá-los também. Cada criatura mágica tem uma assinatura energética. Como uma impressão digital mágica. Mas é praticamente impossível distinguir mesmo com muitos anos de prática. A não ser que você forme uma conexão forte com aquela forma de energia. 

— É bem bonito. - Comentei.

— Você tem um gosto estranho, então não conta. - Empurrei ele de novo. Pelo menos podíamos voltar ao normal. Eu sentia falta de insulta-lo por mais doido que isso possa parecer. Desviei o olhar de seu rosto quando minha mente insistiu em me lembrar daquele dia no armário. Fica na sua Luna, esquece isso. Foi só um erro. - Como exige muita concentração e relaxamento nem sempre conseguimos usar com rapidez ou durante um embate por exemplo. Mesmo eu teria dificuldade em fazer isso.

Eu não respondi e não falamos mais muita coisa. Poderíamos ter voltado com teletransporte ou correndo. Não fizemos nada disso. Apenas andamos lado a lado aproveitando o clima em silêncio. Eu me sentia segura e tranquila ao seu lado. Deve ser um efeito colateral de toda aquela meditação. 

Chegava a ser difícil expressar em palavras a riqueza de detalhes, sensações e sentimentos que essa experiência tinha me proporcionado. Ainda mais difícil explica a energia dele e as sensações que causavam em mim. Como uma brisa agradável penetrando nas camadas mais profundas da sua existência, despertando coisas antigas dentro de você que você nem sabia que estavam ali e ao mesmo tempo sempre estiveram e sempre fizeram parte de você. A sensação da sua energia se enroscando na minha era… como se entrássemos em sintonia com o ritmo vital do próprio universo. Seria difícil de esquecer. Nossa, é melhor eu calar a minha boca.


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Notas finais do capítulo

Muita coisa ainda vem por ai! Fiquem ligados na nossa elfinha!



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