Abri os olhos encarando um teto cheio de estrelas fluorescentes girando, fiquei as encarando por um tempo, eram-me familiares.Ouvi barulho de vidro sendo destroçado em seguida outras coisas sendo derrubadas.Num instante faltou-me ar, e nesse mesmo instante um corpo se levantou de mim sentando-se na cama.Era eu, pequena Katherine.Os cabelos negros desgrenhados, olhos pesados, vestia uma camisola de estampa de laços.Fiquei encarando á minha frente.Descobri que eu podia também me sentar, e fiquei ao lado da pequena, agora sim, eu estava em meu quarto.Devido aos pisca-piscas que ficavam espalhados por meu quarto,por causa do meu antigo medo de escuro, era possível com que eu enxergasse meu armário branco com espelho e maçanetas de flores douradas, meu chão de carpete, minha caixa de brinquedos com alguns espalhados em sua volta, á cima dela várias prateleiras decoradas com Barbies, bonecas de pano e de porcelana.Meu papel de parede feito por mim, vários desenhos e rabiscos sob a parede de cor amarela.O quarto estava um tanto escuro, mas eu tinha uma imagem clara do meu quarto, meu quarto de quando morava em Sidney, quando eu tinha seis anos.O espelho do armário refletia a pequena Katherine mas não me refletia.O barulho de coisas se quebrando voltara.

    Ela pulou da cama fora do alcance de seus pés e lentamente caminhou até a porta que estava encostada, deixando um feixe de luz entrar.Pegou na maçaneta abrindo-a e espiou lá fora.Fui até ela e avaliei.Minha cabeça começara a doer, grunhi de dor, mas ela pareceu não notar, e saiu porta a fora, andando no corredor dirigindo-se á escada.A porta do quarto dos meus pais estava aberta, ela a encarou e lentamente desceu as escadas, mas sentou-se e ficou ali de espreita, observando alguma coisa com os olhos arregalados.Minha cabeça doía, senti um gosto férreo em minha boca e a toquei, meus dedos continham sangue, sangue que escorria de meu nariz.Agora á cada passo que eu dava, a dor aumentava, sangue pingava no chão.Eu precisava me por ao lado da pequena Katherine, para ver o que ela estava vendo, mas a dor me continha.Minha visão ficou turva e tombei no chão.Gritei de dor, minha cabeça parecia estar sendo esmagada, parecia que ia explodir, arrastei-me pelo piso de madeira polida até o começo da escada, olhei para a pequena Katherine, e mesmo com a visão turva pude ver que estava muito assustada e trêmula.Estiquei minha mão para tocá-la, mas tudo ficou escuro.

            - Droga Katherine, você está sujando o carro! – gritou Jared fazendo-me abrir os olhos devagar, minha cabeça ainda doía.

      Estava com a cabeça encostada no vidro, abaixo de mim na lateral da porta, sangue escorria pelo estofamento branco.

            - Oh. – pus a mão em meu nariz e pude sentir a viscosidade do sangue.

            - Toma.Limpe-se. – jogou contra meu peito lenços de papel.

      Os peguei e limpei meu nariz.Olhei para a frente, estávamos numa rua movimentada, não tanto, mas haviam lojas nas calçadas, estava de noite.Barzinhos e restaurantes exibiam suas placas “Aberto” em neon.Minha barriga roncou.

            - Aonde estamos? – perguntei

            - Flagstaff.

            - Vamos parar?

            - Sim, vamos passar a noite aqui.- falou virando uma esquina e estacionando o carro ao lado da calçada e virou-se pra mim. – Vou buscar dinheiro, fique aqui.

            - Vai buscar dinheiro onde?

            - Entendeu a parte “fique aqui”, pelo menos?

            - Ok, ficarei aqui.

       Ele me avaliou por um tempo e depois saiu do carro.Parou do lado de fora e ajeitou-se, roupa, e mexeu nos cabelos com as mãos, olhou para os lados da rua e atravessou.Distanciando-se.

       Olhei-me no retrovisor e olhei Jared na calçada.Como ele iria arranjar dinheiro?Será que estava indo atrás de um banco? Iria assaltar alguém? Se prostituir? Tirei a chave da ignição e sai do carro trancando-o.Segui Jared.

       Uma mulher vinha em sua direção, distraída, e ele esbarrou nela.Não pude ouvir a conversa deles mas pelo visto ele pediu desculpas.Jared pedindo desculpas? Ela seguiu caminho, ele também.Mas ele voltou e a chamou, ela parou no caminho e ele correu até ela sorrindo.Me escondi atrás de um carro.Ele parou em sua frente e passou a mão nos cabeços até parar na nuca onde ficou.Conversavam, ele jogou os ombros, e ambos riram, Jared sempre sem mostrar os dentes, era um charme..Ele estava cantando-a?

       Ele sorriu sedutor e se aproximou mais, falou algo no ouvido dela, e pude vê-la estremecer.De repente procurou algo em sua bolsa,tirando de lá uma carteira, a abriu e retirou, aparentemente, todo o dinheiro que tinha dali, várias notas, não pude ver a quantidade de cada.Jared a pegou pelo queixo e a beijou.Meu corpo se esquentou.

      Ficaram por um tempo se beijando, depois ele parou e falou algo á ela, que sorriu e saiu caminhando na minha direção.

      A mulher passou por mim, parecia que estava em transe, com um constante sorriso e olhos vítreos.Jared continuou a caminhar, ouvi um barulho atrás de mim e olhei, não havia nada, mas quando olhei para frente, bom não cheguei á olhar para frente.Fui empurrada nas grades de uma loja fechada, com o ante-braço de alguém me meu pescoço.Abri os olhos, era Jared.

             - Mandei ficar no carro. – rosnou

             - Você não manda em mim.Agora afaste-se. – o empurrei no peito e caminhei

             - Você acaba com a minha paciência Katherine. – falou pondo-se ao meu lado

             - O sentimento é recíproco.Mas então, é assim que “busca” dinheiro?

             - Assim como? – me olhou com os olhos cerrados

             - Gostaria de entender também como fez aquilo.Simplesmente jogou uma cantada barata, e ela te deu um dinheiro?

             - Katherine.Olhe para mim. – olhei e ele sinalizou o próprio corpo – Acha que preciso de cantada para uma mulher se sentir atraída?

      O avaliei.

             - Tem razão.Precisa mais do que uma cantada, precisa de uma pessoa cega, de preferência surda e muda.

      Ouvi sua risada rouca, mas não olhei á tempo de ver seus dentes.

             - Sei que não acha isso. – falou

             - Sei que estou com fome e você está acabando com a minha paciência.E então, quanto conseguiu?

             - O suficiente para comermos.

      Caminhamos até acharmos um restaurante quaisquer.Uma mistura de lanchonete com cafeteria, havia um grande balcão, atrás dele garçonetes e a cozinha, cadeiras como sofás estofados pretos, mesas no meio de duas com uma luminária em forma de cone que iluminava cada mesa dando á cada cliente sua privacidade.Nos sentamos na janela e logo uma garçonete se aproximou nos oferecendo um cardápio toda sorridente, principalmente para Jared.

             - O que vão querer? – perguntou

             - Quando eu decidir eu te chamo. – falou Jared olhando o cardápio e acenando para que ela fosse embora deixando a moça com as bochechas coradas

             - Por que você precisa sempre ser um idiota? – perguntei olhando o cardápio

             - Você que é irritante.

             - Não sou irritante.

             - Não sou irritante. – repetiu-me afinando a voz – Sua voz é irritante, o jeito como me olha é irritante e ficar me xingando toda hora é irritante.Me controlei para não te jogar do carro enquanto estava dormindo.

             - E por quê não o fez?

             - Tenho planos para nós. – olhou-me sob a borda do cardápio, um olhar depravado

      Ri em deboche.

             - Não vai conseguir nada comigo.

             - Você não vai ter escolha.- sussurrou intimidante

      Encarou-me ameaçador por um tempo e acenou para a garçonete ainda me olhando.A moça se aproximou então fizemos nossos pedidos.

      Confesso que a ameaça do Jared, se é que fora uma ameaça, havia me deixado com medo.Não duvidava de suas intenções nem suas futuras ações, até porque noite passada quase me furou com um garfo se não fosse pela intervenção de Isaac, e hoje mais cedo me bateria com uma pá.O modo como falava com seus inimigos, Morgan por exemplo, era de fazer seu corpo se estremecer, e o pior de tudo, era que dizia que faria algo, e cumpria.De repente eu estava com muito medo de Jared.

     Os nossos pedidos não demoraram á chegar.Jared como sempre atacou a comida, parecia um canibal comento as costelas Arizonas, enquanto eu comia meu lanche devagar, queria adiar o que me esperava, como se eu pudesse fugir, como quando era criança.

     Eu tinha medo de escuro, e todo dia, quando o sol começava a se por, meu coração se apertava, eu sabia que não tinha escapatória da noite, mas ainda sim torcia para que tudo ficasse claro, e quando anoitecia, o medo tomava conta de mim.

     Não gosto de locais muito escuros até hoje, nunca sei o que me aguarda lá.Não sei quando comecei á ter esse medo estúpido, mas sei que tinha um bom motivo.

      De repente relances de meu sonho voltaram á minha mente e senti um pouco de dor.Por que eu havia sonhado com aquilo e porque doía tanto quando me lembrava?Por que não consegui alcançar á pequena Kate? O que a assustou daquela forma?

              - Coma. – falou Jared trazendo-me de volta á realidade

      Terminei meu lanche e Jared pagou a conta.Aquele sentimento de medo do escuro havia voltado, medo de Jared.Tomei á frente e me abracei quando sai da lanchonete, havia esfriado, as ruas pareciam mais vazias o que piorava tudo.

              - Aonde vamos agora? – perguntei batendo o queixo

              - Arranjar dinheiro.

     Continuamos caminhando sem destino e em silêncio, lado a lado, até que Jared se aproximou mais.

              - Está vendo aquele homem mais á frente? – sussurrou no meu ombro

      Busquei e realmente vinha um homem em nossa direção, era grande em todos os sentidos, usava uma camisa quadriculada e jeans, tinha um bigode engraçado.

              - O que tem?

              - Pare-o e seduza-o.

              - O quê? Está maluco?

              - Faça Katherine. – falou e passou por mim atravessando a rua.

   O homem se aproximava mais ainda.Eu realmente tinha que fazer aquilo, ou me veria com Jared depois.Agora ele estava bem mais próximo, eu não fazia ideia de como argumentaria com ele, o que faria para seduzi-lo, me sentia uma ociosa com ideia do que fosse fazer, embora não eu realmente soubesse o que fosse fazer.

               - Ei. – parei em sua frente. – Oi – sorri

               - Oi. – ele sorriu

               - Ah... você teria um cigarro? – perguntei querendo me socar

               - Não é muito nova para isso?

               - Ah, não.Quantos anos acha que tenho?

               - Dezes... – e o homem tombou á minha frente e Jared surgiu.

               - Mas que droga Jared!O que fez com ele?

               - Meu jeitinho mágico de fazer alguém dormir, quer experimentar mais tarde? – falou pegando o homem pelos pés arrastando-o para o beco próximo

    Jared checou seus bolsos, tirou um maço de cigarro, um isqueiro, alguns papéis e a carteira.Recolheu todo o dinheiro da mesma e enfiou no próprio bolso junto com o maço e isqueiro, logo depois começou a desabotoar a camisa do homem.

               - O que você está fazendo? – perguntei assustada

               - O que acha? Agora irei estuprá-lo, não vê?

    O olhei horrorizada e enojada, o filho da mãe me olhou divertido e tirou a blusa do cara jogando em mim.

               - Por que tacou em mim?

               - Vista. – levantou-se – Vamos buscar o carro.

     Vesti a blusa e aquilo realmente me aqueceu.Caminhamos até o carro dali seguimos atrás de um hotel.

      Paramos em um chamado Monte Vista.O aspecto era rústico, parecia ser antigo, paredes e chãos de madeira, tapeçarias antigas e étnicas.Fomos bem recebidos na recepção.

              - Uma suíte por favor. – falou Jared.

      Dei-lhe uma cotovelada.

              - Não!Quartos separados.

      Ele aproximou sua boca da minha orelha.

              - Teime mais uma vez comigo e vou te colocar no mesmo plano que sua mamãezinha. – sussurrou e meu corpo se estremeceu, meus olhos arderam.

      Jared olhou-me divertido e pediu a suíte sorridente para a recepcionista.Pegou as chaves e agarrou meu braço, me empurrando para a frente.

       No elevador ainda agarrava-me pelo braço enquanto assobiava uma alegre melodia.Entramos no quarto e me empurrou para dentro fechando a porta atrás de si e jogando as bolsas no chão.Cai de bruços na cama e ali fiquei, chorando.Sei, estava sendo patética, mas estava cansada, arrasada por dentro, eu nunca mais ficaria bem comigo mesma, sem meus verdadeiros amigos e minha mãe.Oh minha mãe, como eu sentia sua falta.Sentia o tecido molhado com minhas lágrimas.

               - Lembra quando disse que tinha plano para nós? – perguntou Jared

      Solucei e prendi minha respiração.Droga!

      Me virei na mesma hora em que puxou-me pelo cabelo e jogou-me na cama caindo sobre mim, com toda velocidade um brilho reluziu indo em direção ao meu peito, senti a ponta fria e afiada da lâmina em minha pele e chorei mais ainda.Ele arrastou a lâmina ali, mas não senti dor, apenas frio e medo.

               - Abra os olhos Katherine. – falou

      Neguei-me.

               - Abra. – falou e eu simplesmente abri, contra minha vontade.

       Seus olhos verdes brilhavam divertidos e doentios enquanto eu respirava com calma com medo de que a lâmina se afundasse em meu peito.Ele me encarava com um meio sorriso em sua boca.

               - Está sentindo? – perguntou

     O encarei e ele sorriu mostrando seu perfeito sorriso, branco e dentição certa.

               - Não me olhe dessa forma Katherine.Vamos brincar. – falou, logo ouvi o barulho de tecido sendo rasgado.Minha blusa.