Camila e Miguel estavam ali parados, a poucos metros de distância da casa, mas, ao que parecia, a conversa não podia esperar
    - Vai, fala. O que tem o Toni?
    - Eu é que pergunto....o que tem o Toni? Você só falou com ele hoje! - fala Miguel com uma certa irritação. O nervosismo não conseguia esconder a pitada de ciúme presente em sua voz.
    - Aaaah...entendi! - diz Camila, voltando a sorrir - Você está..com ciúmes de mim, priminho!
    Foi o suficiente para Miguel ruborizar.
    - Não, peraí. Não foi bem isso o que eu quis dizer e...
    - Ah, foi sim! - diz a garota, apertando a bochecha dele - Que fooofo!
    - Vai, para com isso! Não tem nada a ver com ciúme!
    - Claro que tem! Você não gostou de eu não ter te dado muita atenção hoje, não foi?
    - Não é isso. Já disse que não!
    - Então por que a implicância? Estou numa escola nova, é natural que eu faça novas amizades, não acha?
    - Mas justo ele...tem algo estranho aí - diz o rapaz, olhando para os lados
    - Não tem nada de estranho. Só conversei um pouco com ele. Parece ser um cara bem legal
    "Legal nada", pensa Miguel lembrando de maus bocados, "Se soubesse o traste que aquele bicho é...doeu muito aquela tachinha na minha cadeira"
    - Ele parece ser um cara que entende bastante de esportes. Faz musculação e tudo. Ele está até pensando em prestar Educação Física na faculdade, sabia?
    "Educação Física? Deus me livre e guarde!", pensa Miguel
    - Hmm...e ele não conversou mais nada com você? - pergunta o rapaz
    - O resto foram só bobagens..essas histórias de sala de aula, falar mal de professores...conversa normal - ela responde
    - Sei. Ele deve ter falado um monte de mim também, não é?
    - Claro que não! - diz Camila, já perdendo a paciência - Ai, Miguel...você acha que todo mundo só fala e pensa mal de você o tempo todo?
    - Não, mas é que...esse Toni não vai muito com a minha cara e
    - Não vai muito com a sua cara? Ou é você que não vai com a cara dele?
    - É. Também não simpatizo muito com ele e...ah, ele sempre me zoou a vida inteira. Não vou com a cara dele mesmo! - responde Miguel com uma certa firmeza.
    - Ah, isso eu não sei - diz a loirinha - Mas a essa altura da vida escolar essas implicâncias já deviam ter parado
    - Mais ou menos.
    - Ou então é você que leva as coisas a sério demais
    - Não. Não é. Olha, na verdade estou achando que você já sabia que eu não gosto desse cara e ficou caindo na conversa dele de propósito.
    - Eu? Mas..mas do que você tá falando?
    - Você quer mostrar que prefere conversar com caras que nem ele do que conversar comigo, não é?
    - Quê? Que língua você tá falando?
    - E aquela pergunta da aula de Filosofia...você ficou tão chateada assim comigo, Camila? Só por que eu decidi manter em segredo o que eu estou sentindo, você me acha um babaca, é isso?
    Camila olha para o primo com um olhar de espanto
    - Miguel...você...você precisa de uma ajuda psiquiátrica mesmo! Deus do céu...Não é nada disso!
    - Não é nada disso? Você sempre gosta de provocar com indiretas! Eu te conheço!
    - Mas não é nada disso mesmo, criatura! Eu só conversei com o Toni, por conversar...e aquela pergunta...eu realmente queria saber a opinião do professor sobre o assunto. Só isso. Meu Deus, mas..
    Miguel continuava olhando sério para ela. Camila continua
    - Como é que pode...você acha que o mundo todo conspira contra você? É isso?
    - Não, não é que eu
    - É. É sim. Você fala de mim, mas e você?
    - O que tem eu?
    - Eu vi você sentado com a Danieli no intervalo de hoje. Está se aproximando cada vez mais, não está?
    - Bem, eu...por acaso eu passei o intervalo com ela hoje e...
    - Então - a prima interrompe - Se eu não estivesse falando com o Toni, você ia deixar de conversar com ela pra ficar comigo? Ia?
    Miguel não consegue responder
    - Que engraçado - ela continua num tom baixo, mas firme e severo - Você tem o direito de ficar e falar com quem quiser. Mas eu não, né?
    - Mas é diferente. A Dani é totalmente diferente do Toni.
    - E só porque você não gosta do Toni eu também não posso gostar? É isso?
    - Não, mas é que...
    - Mas é o que?
    O rapaz não consegue responder de novo
    - Olha. Eu só conversei com ele. O que tem demais? Por que não posso fazer amigos?
    - Amigos, - Miguel volta a falar - Como você sabe que ele quer ser só seu amigo?
    - É, não é? No fundo o que ele quer é me pegar...e não é a mesma coisa que você está fazendo com a Danieli?
    Aquilo foi mais forte. Agora que Miguel não estava em condição de responder. Mesmo assim, a prima se toca da gravidade do que falou.
    - Ai, não eu...- diz Camila meio sem-graça - Olha, Miguel...vamos esquecer essa história toda, vai. Só entende que eu não estou grilada com você, tá? Se você quer manter segredo do que está sentindo é um direito seu e pronto. Vamos deixar isso pra lá, vamos?
    Miguel balança os ombros. O que podia fazer? No fundo, talvez ele fosse egocêntrico e infantil demais mesmo. Camila abraça o primo e os dois voltam pra casa.
    - Vai, vamos entrar logo. Acho que a tia fez gelatina de sobremesa - comenta Camila
    - É. Acho que sim
    Nos poucos passos de volta, Miguel e Camila não falam mais nada. O rapaz anda e pensa no que Camial disse. "E não é a mesma coisa que você está fazendo com a Danieli?". Não. Pode ter certeza que não é. Com certeza o Toni tinha segundas ou até terceiras intenções com ela. Não era o mesmo tipo de sentimento que Miguel nutria por Dani. "Um cara como o Toni não deve ter a menor ideia do que é viver amor platônico", pensou o rapaz, "aposto que ele pegaria a Camila e largaria dela no dia seguinte".
    Miguel pensava nesses preconceitos e, ao mesmo tempo, pensava na relação entre sua prima e o Toni. Aquilo era mesmo ciúme? Ou era só medo de ter um ogro daqueles como "cunhado"? Para Miguel, o medo era bem maior que o ciúme. Mas não podia negar o sentimento de ciúme também. Sua prima e melhor amiga nas mãos de um cara daqueles? Miguel torcia para ser só mesmo uma conversa informal, mas, nessa hora, ele observa a prima bem a sua frente. O uniforme escolar valorizava bem as curvas da moça, principalmente a calça. Aquela era mesmo sua priminha amiga de infância? Miguel se deu conta de que Camila era uma moça da sua idade e já deixou de ser criança há muito tempo. Ela morou longe por tanto tempo...quantos namorados ela já não deve ter tido? Quantas vezes ela não deve ter ficado com os meninos? É possível até que já tenha...não, não. Chega de pensar nisso. Não conseguia pensar na imagem de Camila, como prima imaculada, fazendo esse tipo de coisa! Será que isso também não tinha a ver com as ideias da aula de Filosofia? Era claro que Miguel gostava da prima, mas como se fosse uma irmã! Mesmo! Além disso, seus sentimentos estavam guardados para Danieli...pelo menos os sentimentos mais puros! Mas e outros desejos? Miguel se lembra quando viu Camila saindo de calcinha do banheiro de casa...não podia negar que ela se tornara numa moça muito atraente...e, agora, analisando-a com mais calma, realmente...Não, pode parar por aí! Que tipo de pensamento é esse? Acima de tudo ela era sua prima! Pensar nessas coisas seria errado! Erradíssimo! Miguel balança a cabeça e tenta se livrar dos maus pensamentos. Que tipo de pessoa ele estava se tornando?
    - Ah, Miguel - chama Camila
    - Sim?
    - Começo o treino de handebol hoje à tarde, lá pelas 3 horas. Não é demais?
    - Sério? Que bom! Já te aceitaram no treino?
    - Na verdade a primeira aula é só para ver como é. Daí eu resolvo a papelada de inscrição depois. Que bom. Mal vejo a hora de voltar a jogar!
    - Legal. Eu vou com você. A mãe falou que acabou o pão, então eu te acompanho e passo na padaria na volta
    - Beleza. Ai, que legal! - Camila entra em casa, toda animada.
    "Pois é...que legal", pensa Miguel.