O Desconhecido escrita por ChatterBox


Capítulo 3
3 ¨°¨ O acordo


Notas iniciais do capítulo

Olá ^^
Fiquei super feliz com os reviews do capítulo anterior, que bom que estão gostando. Espero que também repassem a fic para os amigos.
Novo capítulo, espero que gostem.
Boa leitura,
Beijocas, Anonymous girl writer s2.



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Ao acordar de manhã, a primeira coisa que fiz foi mandar uma mensagem para Kyle: “O meu suposto noivo é um grosso, vou ter que optar por outra negociação com meus pais. Estou morrendo de saudades, beijos, Anna”. Enviei e me levantei da cama.

Sentia muita falta de Kyle e me lembrava muito dele, queria poder conversar com ele sobre tudo que estava acontecendo, mas não queria correr o risco de entrar em pânico ao ouvir a voz dele, poderia ser de mais, e naquele momento eu tinha de ser racional e permanecer com os pés no chão.

Eu vesti uma roupa, e segui até a sala de jantar, onde estavam reunidos tomando café da manhã. Por acaso, Anthony não estava lá ainda, o que não podia negar, que era um alívio.

Me sentei e fui servida pelo mordomo. A comida estava ótima, e os pais de Anthony eram muito sociáveis, me faziam sentir estar em casa.

 - Anthony deve acordar tarde, quando está de férias, sempre toma café da manhã depois de todos. Depois deve ir para a aula de esgrima.

 Ouvi a mãe dele comentar. Eu me atentei:

 - Aula de esgrima?

Me intrometi meio que sem pensar. É só que eu adorava esgrima, e estava sentindo falta de lutar.

 - Sim. – respondeu, um pouco curiosa com a minha intervenção. – Você pratica esgrima?

 - Ah, Anna já ganhou diversos prêmios de esgrimista. É uma lutadora nata.

Meu pai respondeu por mim, adorava gabar as minhas conquistas.

 - É mesmo? Pode se juntar a Anthony na aula de hoje! Seria uma luta boa de assistir.

 - É mesmo? – não deixei de me animar com a ideia, por mais que não quisesse arriscar estar no mesmo espaço que Anthony de novo, podia ignorar dessa vez. Precisava muito relaxar e esgrima sempre me acalmava. – Eu adoraria.

 - Tudo bem, quando terminar pode encontrar o professor no jardim, perto da piscina. Ele deve ter uma roupa extra que sirva pra você.

Claire disse, sorrindo.

 - Obrigada.

Sorri de volta, feliz por poder praticar esgrima. Das diversas aulas que meu pai me obrigou a tomar, essa era uma das que não fazia por obrigação e sim por prazer. Minha mãe achava que esgrima era um esporte fino, estimulava a postura a ficar ereta e à mulher a praticar sua defesa e determinação, então sempre incentivou que eu lutasse esgrima.

Quando terminei o café, fui ao encontro do professor. Estava polindo as espadas quando cheguei, era calvo e tinha um bigode grisalho, abriu um sorriso para mim, amigavelmente.

 - Pois não?

 - Com licença, mas sou convidada dos Chavalier e esgrimista, Sra. Chavalier me disse que o senhor permitiria que participasse da aula de hoje com Anthony.

 - Ah, mas é claro. Pode pegar uma roupa, Anthony deverá se juntar a nós daqui a alguns minutos.

 - Obrigada.

Fui até uma sacola e peguei uma roupa para vestir, coloquei por cima da que vestia e ia colocar o capacete quando me veio a ideia... Anthony não precisaria me reconhecer com aquele capacete, poderia ficar livre dos seus deboches daquela vez, seria perfeito.

 Fui até o professor e pedi:

 - Professor, por favor, não diga ao Anthony que sou eu vestindo essa roupa, fale que sou apenas uma adversária.

 - Claro.

Assentiu. Coloquei a máscara na hora certa, virei para o lado e vi Anthony chegando ao longe.

A visão dele de longe era enorme, já que era extremamente alto e devia frequentar assiduamente a academia, pois tinha ombros largos e braços definidos.

Me calei quando se aproximou, como sempre mau educado, não saudou o professor, apenas apontou para mim com desdém e perguntou:

 - Quem é essa?

 - Uma adversária nova para a luta de hoje.

Respondeu o homem calvo. Anthony ainda olhou na minha direção algumas vezes, com desconfiança, mas acabou dando de ombros e preparando-se para lutar.

Colocou a máscara e apontou a espada na minha direção para que começássemos. O professor deu o sinal para dar o início.

Ele parecia, como sempre, confiante e convencido, não se esforçou muito para me vencer, achando que seria fácil, e acabou que venci dele.

 Ele parou e tirou o capacete, um pouco irritado com a perda:

 - Trouxe uma amiga professora para lutar comigo?

 - Não, ela é apenas uma praticante como você. Agora comecem de novo, - bateu a palma para dar início. – Tente prestar mais atenção desta vez, vai!

Desta vez ele veio feroz, revoltado por ter perdido, talvez ansioso para dar o troco. Mas eu já tinha muito tempo de luta, era hábil, me defendi facilmente e conseguia prever os passos dele, já que ele, na intenção de vencer rápido, ele estava agindo por impulso e orgulho, e era fácil barrar seus golpes.

A luta ficou ao meu favor e quando notei, já havia o desarmado, caminhei um pouco para frente para dar-lhe o golpe final e ele acabou tropeçando e caindo, desprevenido. Olhou para mim do chão, pasmo, quando toquei a ponta da espada na sua roupa.

 - Angar.

Anunciei minha vitória.

Ele tirou a máscara e me encarou com certa impaciência:

 - Quem é você?

Eu sorri de trás da máscara. Pensei se deveria me revelar, e acabei decidindo fazer isso logo, uma luta já fora o bastante para matar a saudade.

 Tirei o capacete e revelei quem era. Vi seu rosto franzir, confuso.

 - Precisa treinar um pouco mais, foi fácil ganhar de você.

Também achei que fosse minha hora de debochá-lo um pouco. Ele continuava boquiaberto, sem conseguir dizer nada, talvez se perguntando de como consegui ganhar dele.

Dei as costas e resolvi ir embora. Peguei uma garrafa d’água no caminho, e achei que ele não iria me seguir, mas me enganei:

 - Espera. – me virei e lá estava ele, ainda um pouco amargurado. – Até que para uma “lady”, você luta bem.

Cruzou os braços, com uma pitada de despeito.

 - Como eu já disse, você sabe muito pouco sobre mim.

 - Há quanto tempo pratica esgrima?

 - Uns três anos, já ganhei alguns prêmios, sabia?

Sorri, esperta, enquanto bebia minha água.

 - E não vai continuar na aula com medo de que eu derrote você?

Desafiou, com um sorriso de lado, sorrateiro. Aquilo não ia funcionar comigo:

 - Na verdade resolvi te livrar de mais uma luta.

 - Você fala de mim, mas também é muito convencida.

 - Na realidade, eu sei ser tudo, quando preciso ser.

Defendi-me. Permaneceu em silêncio por um instante, me fitando nos olhos, um pouco intrigado, como se tentasse desvendar um enigma.

O sol batia no seu rosto, e notei o quanto ele podia ser realmente atraente para garotas inocentes. Os olhos parecem estar sempre tentando de seduzir, as feições perfeitas, masculinas, pareciam terem sido desenhadas a lápis.

Mas era preciso muito mais do que um rosto e corpo bonito para me desarmar, e com ele, tinha certeza de que não deveria fazer isso.

 - Eu vou indo.

Dei as costas.

****

Não tinha nada para fazer, então resolvi pegar algumas flores no jardim e fazer um arranjo para botar num vaso e enfeitar a mesa. Como um presente para Claire, que era sempre tão hospitaleira.

Quando estava ajeitando as flores no vaso, levei um susto enorme com a voz que soou de repente:

 - O que está fazendo?

Toquei meu peito, respirando fundo, depois do coração ter acelerado. Era Anthony, entrando na sala de estar:

  - Pregou-me um susto.

Suspirei, aborrecida.

 - “Pregou-me um susto”? – repetiu o que eu disse e soltou uma risada, debochada. – Da onde você tira essas expressões? Do século passado?

 - De livros bem conceituados.

Respondi, tranquilamente, ignorando sua brincadeira.

 - E o que está fazendo a final?

 - Um arranjo de flores do jardim para sua mãe.

- E por que não simplesmente compra um arranjo, ao invés de fazer?

 - Seria um desperdício das flores do jardim, são perfeitas.

 - Vocês ingleses e seus hábitos estranhos... – bufou. – Como alguém decide de uma hora para outra fazer um arranjo para o anfitrião?

 - Na verdade não é um hábito inglês. Eu gosto de manter o hábito de ser cordial com as pessoas que são cordiais a mim.

 Peguei uma tesoura, para aparar as imperfeições. Esperando ter dado o meu recado.

 - Isso é uma indireta, não é? Porque você não fez nada para mim, mesmo assim eu te ofendi desde o primeiro dia?

Perguntou, torcendo a boca.

Na verdade não tive a intenção de mandar-lhe uma indireta, mas:

 - Não tive essa intenção, mas lhe serve bem.

Ele ouviu calado desta vez, continuou bebendo o drink que estava na sua mão, distraído.

 - Que tal um recomeço...?

Propus, a ideia meio que me veio naquele momento. Não tinha nada a perder, se ele aceitasse, seria ótimo terminar com aquela guerra, e se não, o máximo que poderia fazer, era mais uma grosseria.

 - Não costumo voltar atrás.

Revelou, encarando a minha mão estendida para fechar acordo com certo desconforto.

 - É bom mudar certos hábitos.

Insisti, amigavelmente.

Percebi que ele ficou interessado, em dúvida, não queria dar o braço a torcer e até pensei que fosse negar, mas me surpreendi:

 - Não sei se quero me dar bem com você, não faz muita diferença. – e apertou minha mão, sem dar muita importância. – Mas que seja.

 - Então deixaremos mais interessante, você gosta de desafios, nesse caso... Vou desafiar você a não me insultar até o fim da semana. Se não conseguir, vai ter que cancelar o casamento.

 - Eu iria cometer deslizes.

 - Então você terá dez chances, cada deslize valerá um ponto e se esgotarem... Já sabe.

 - Não posso cancelar o casamento, esquece.

 - Então você irá adiar. – negociei. E esperei por sua confirmação. – E então, o que me diz?

 Curvou o lábio e inclinou a cabeça para o lado:

 - Pode ser interessante.

Virou-se para sair.

Eu não me importava que fosse, mas precisava fazer alguma coisa, não aguentava mais aquele ócio:

 - Onde está indo?

 Voltou-se para mim um pouco desconfiado com o meu interesse:

 - Jogar golf.

 - Posso ir?

Apertou os olhos e franziu o cenho, suspeitando. Hesitou, mas depois resolveu dar de ombros, com descaso:

 - Pode ser.

Fui caminhando com ele. Pelo jardim, era uma boa caminhada até chegar ao campo de golf.

- Você não curte muito deitar e dormir, não é?

Ouvi ele perguntar, um pouco distante.

 - Por que acha isso?

 - Porque sempre está procurando algo para fazer.

Suspirei, fazia sentido que dissesse isso. Haviam alguns motivos pelos quais não conseguia ficar com a mente desocupada, primeiro porque sempre estive acostumada a ter várias aulas, atividades e livros para ler por dia, o que nunca me dava tempo livre, e isso se tornou um hábito. E segundo porque, agora com toda aquela confusão acontecendo na minha vida, ficou ainda mais importante para mim que eu ficasse o tempo todo com a mente ocupada, para não pensar nos problemas e me desesperar.

 - Não estou acostumada a ficar sem nada para fazer. Tinha um cronograma cheio todos os dias, quando não tinha aulas extras, eu sempre tinha alguma atividade para fazer, um livro para ler... Acabei me acostumando.

 - E os seus programas? Não sai para fazer compras... Sair por aí, ou seja lá o que for que as garotas fazem juntas...?

Conseguiu me fazer rir.

 - As minhas amigas são filhas dos amigos do meu pai. Como eu já disse ele é muito controlador, e só permitia que eu me envolvesse com amigos que ele aprovasse. E elas como eu, viajam muito, então não é sempre que tenho oportunidade de sair.

Chegamos no campo de golf. Não era muito grande, mas extenso o bastante para um bom jogo. Cinco buracos.

Anthony pousou a sacola com os tacos de golf no gramado e escolheu um deles. Havia um funcionário esperando, lhe deu a bola, que ele colocou no suporte.

Fiquei um pouco mais atrás, e sentei no gramado para assistir.

 Vi ele dar a primeira tacada, acertou em cheio. E seguiram-se mais algumas, e ficar ali sentada já estava me deixando entediada, eu era péssima em golf e não iria dar muito certo tentar jogar. Então fui obrigada a puxar assunto com ele para passar o tempo:

 - Mas e em quanto a você?

 - O que quer saber?

 - Seus amigos... Quem são?

 - Várias pessoas. – deu de ombros. – Vai conhecer alguns deles depois de amanhã, teremos a final de polo, e os membros do meu time são todos meus amigos.

 - Eu nunca entendi muito bem, polo... Vai ser bom assistir pela primeira vez.

Comentei.

 - E por que não vem jogar golf?

Indagou, e até parou para saber qual seria minha resposta. Baforei.

 - Esquece, eu não tenho uma boa mira, nem um bom arremesso... Sou péssima em golf.

Vi ele soltar uma risada, divertindo-se com algo, cheio de sarcasmo, não entendi bem até ouvir o motivo:

 - Então existe alguma coisa que você não saiba fazer.

Ironizou, apoiando o taco no chão, e segurando-se nele num sorriso malicioso.

 - Poderia tirar um ponto seu por essa. – ameacei, ele baforou com irritação. – Mas estou de bom humor, então vou deixar que passe.

 - Tudo bem, então, acho que devo pegar o bom humor e finalmente fazer algo legal por você. – avisou, um tanto altivo. – Te ensinar a jogar golf.

Logo bufei, com desdém àquela ideia. Não daria certo, já tentei muitas vezes.

 - Esquece, meu pai já tentou me ensinar golf muitas vezes, mas simplesmente não é o meu forte. Sou um desastre.

 - Se eu não conseguir te ensinar, então ninguém mais consegue. – Gabou-se. Deixei cair as pálpebras, desprezando seu narcisismo. – Vamos, aproveite porque sabe que não tenho hábito de querer fazer algo por alguém.

Encarei-o por uns instantes, pensando no assunto. Resolvi dar uma chance, talvez nunca tivesse essa oportunidade de receber uma gentileza dele outra vez. Então dei de ombros e me levantei, indo na sua direção.

Ele escondeu um sorriso e me entregou o taco.

 - Venha aqui.

Apontou para onde eu deveria ficar, na frente do suporte que tinha bola de golf em cima.

 - Me mostre a sua posição de bater na bola.

Mandou. Me preparei, num suspiro meio descrente.

 - Talvez seja esse o erro. Não é desse jeito que se posiciona na frente da bola.

Contou, chegou perto para me corrigir, ficou atrás de mim e me abraçou por trás, apoiando meus braços para que eu ficasse corretamente na posição.

 - Dobre um pouco os joelhos.

Pediu. Seu queixo estava apoiado no meu ombro e sua voz grave soou no meu ouvido de um jeito agradável.

 - Agora tente bater, seja firme, e precisa.

Instruiu. Olhei para ele e acabou que nossos rostos ficaram muito próximos:

 - Vou tentar.

Falei, me distraí um pouco, porque nunca tinha visto seus olhos tão de perto, e eram muito sedutores na verdade, negros e cheios de mistério. Desviei o foco para finalmente tentar dar a tacada.

Mas parece que bati forte de mais, e acabou que o taco escorregou da minha mão e de algum jeito, voou e caiu direto no meu joelho.

Foi uma dor aguda, imediata, o taco era de metal e doeu tanto que na mesma hora eu caí para trás, por sorte, Anthony me segurou, e eu gritei de dor.

 - Mas que droga, Anna! – Repreendeu. Olhando para meu joelho com preocupação. – Toma mais cuidado! Como isso pode acontecer com alguém? É ridículo, olhe para isso.

Eu estava ocupada de mais para tirar pontos dele, só conseguia gritar de dor, não conseguia movimentar minha perna sem que sentisse uma pontada no joelho, intensa.

 - Consegue pisar no chão?

Perguntou, ainda me segurando.

 - Não...

Respondi entre um gemido e outro, em agonia. Ouvi Anthony soltar um suspiro denso, e se movimentar para me erguer do chão, quando notei, já havia me carregado. Ainda assim doeu um pouco quando a perna balançou um pouco, berrei mais alto.

 - Ah, aguenta um pouco, vou levar você pra casa e botar um gelo.

Falava, ainda mau-humorado por eu ser tão desastrada.

Pareceu ter durado uma década até que chegasse em casa. Doía a cada pisada que ele dava no chão.

Quando entramos Bernadette se assustou:

 - O que houve?

 - Ela levou uma pancada no joelho, traga uma bolsa de gelo.

Anthony explicou, e me colocou sentada numa mesa, enquanto eu gemia a cada segundo. Bernadette voltou correndo com o gelo e Anthony tomou-o com uma mão e colocou em cima do joelho, pressionando-o contra o hematoma.

Eu urrei de dor.

 - Calma, Anna, isso não é nada, vai passar. – me tranquilizava. – Eu já enfrentei coisas piores, se você faz todo esse escândalo com um pouquinho de dor, imagino o que aconteceria se quebrasse algum braço.

Tirou sarro. Mas pela primeira vez, foi um sarro saudável, e não tinha a intenção de me magoar como na maioria das vezes.

 - Não sabe a dor que estou sentindo, como sabe se é um “pouquinho de dor”?

Defendi-me.

 - Fácil. – deu de ombros. – Eu sou um esportista, já levei muitas pancadas e posso te dizer que essa não é uma das piores.

Continuou colocando o gelo no local, e a dor começava a aliviar.

 - Sempre tem que se gabar. – cruzei os braços. – Jogar polo não deve ser um esporte tão perigoso.

Parou no momento que me ouviu dizer isso, e me fitou, pasmo por um minuto.

 - Não se negligencia um esporte. Todos os esportes são perigosos, você nunca jogou polo, não sabe de nada sobre isso.

 - Pelo menos agora provou sua teoria.

 - Teoria?

Franziu o cenho.

 - Sim, que se não pode me ensinar golf ninguém pode. Estou convencida agora que não quero tentar de novo. Mas eu avisei que não adiantaria.

 Anthony deu um riso abafado.

 - Não se pode ser bom em tudo. Acredito, eu.

Deu de ombros. Tirou o gelo do meu joelho e espirrou um spray para pancadas que Bernadette havia trazido junto com o gelo. Acho que já estava acostumada com aquelas situações e sabia o que fazer, pois segundo Anthony, ele era um esportista...

 - Está melhor? Sabe, eu queria muito que alguém tivesse filmado o que aconteceu. Nem sabia que isso era algo possível.

Dei risada. Eu era tão desastrada que desafiava as leis da física.

 - Eu estou melhor, sim.

Nos encaramos por um tempo, em silêncio. Ainda era estranho pensar que Anthony estava conseguindo ser amigável comigo. Isso tornava tudo mais fácil. Já era difícil ter de estar ali contra a minha vontade, e toda aquela rixa só estava me deixando pior.

Aquele acordo havia acontecido na hora exata.

 - Você já conhece toda Paris, não é mesmo?

Anthony quebrou o silêncio, perguntando enquanto recolhia as coisas que usou para aliviar minha dor e chamando Bernadette para lhe entregar.

 - Na verdade não. Eu adoro Paris, mas eu nunca tive oportunidade de conhecer lugares simples, como... A torre Eiffel.

Confessei. Anthony me fitou, boquiaberto:

 - Como deixou isso acontecer? Não faz o menor sentido.

 - Quando viajo aos lugares, o meu pai está sempre trabalhando e a minha mãe, organiza trabalhos de caridade nos quais eu também ajudo, quando tenho tempo livre, ou estou de férias. E nunca tive companhia para visitar esses lugares.

 - Então esquece, eu podia te levar num lugar novo, se já conhecesse tudo. Mas não vou me aventurar a ir até a Torre Eiffel mais uma vez. Eu moro aqui, já cansei daquele lugar.

Balançou a cabeça com repulsa, desistindo facilmente de me levar para sair. Revirei os olhos. Achei que finalmente estivesse gostando de fazer coisas boas pra mim, mas fazer bondade não era mesmo a sua praia. Qualquer dificuldade já o fazia mudar de ideia, como se sua generosidade fosse como uma onda leve e passageira que podia ser facilmente barrada.

 - Por favor. – pedi. Talvez funcionasse um pouco de insistência. – Você me convidou para sair por vontade própria, já é um grande início. Agora só precisa aguentar uns minutos de tédio, por favor.

Anthony baforou com intolerância.

 - Não, não gosto de ir a lugares que já fui várias vezes. Se  você já conhecesse os lugares que qualquer um deve visitar em Paris seria diferente, poderia ir a um lugar que eu gosto de ir e levar você seria só um detalhe. Mas a Torre Eiffel já é um lugar manjado, por que faria isso?

 - Porque estou pedindo.

 - Por que atenderia a um pedido seu?

 - Argh, você parece não entender de relacionamentos não é? Quando você quer se dar bem com alguém, você atende à alguns pedidos. Não faz sentido que alguém faça algo por você se também não fizer o mesmo pela pessoa!

 - Meus relacionamentos são práticos. Todas pessoas que se relacionam comigo seguem o próprio interesse, assim como eu. E não preciso me dar bem com você, estou fazendo isso pelo desafio.

 - E se eu te tirar alguns pontos? – ameacei. – Estou me sentindo um pouco afligida, posso descontar por isso.

 - Argh...! – suspirou densamente, impotente. – Deixa de sensibilidade! Só falei a verdade, nem te insultei!

 - Não importa, me senti mal com sua atitude. – cruzei os braços, com teimosia. – Vai ter que me levar para ver a torre Eiffel.

Persisti.

Anthony me fulminou com o olhar, não gostando nada dos meus joguinhos de consciência. E muito menos de estar vulnerável àqueles pontos. Mas a contragosto, foi obrigado a acatar o pedido.

***

Abri a porta do carro e fui andando para perto da torre Eiffel, fascinada. Anthony veio depois, após estacionar o carro.

 - Finalmente.

Sorri, extasiada. Anthony escondeu um sorriso atrás de uma cara entediada, mas conseguia ver que não estava odiando tanto assim.

 - Tira uma foto.

Pedi, de repente, o pegando um pouco de surpresa. Entreguei-lhe a câmera e andei alegremente até a frente da torre.

 - Não esquece de pegar a torre inteira.

Pedi. Fiz uma pose, sorridente. Ele posicionou a câmera ainda sem humor. Esperei ver o flash. Mas quando percebi, posicionou a câmera, e ficou paralisado, olhando a minha imagem nela, como se estivesse hipnotizado por uns instantes. O que me deixou um pouco intrigada. Chamei sua atenção:

 - Hey, Anthony! S'il vous plait.

Pedi “por favor” em francês para que acordasse da transe.

 - Ah, é.

Caiu em si, e tirou a foto. Fui até lá e olhei a minha foto na câmera. Meu cabelo castanho em ondas tinha realçado bem com as luzes da torre. Geralmente eu ficava muito pálida nas fotos, a pesar de ter um pele bronzeada, mas essa estava agradável.

 - Obrigada.

Agradeci, guardando a câmera.

 - Podemos ir agora?

Anthony perguntou, com impaciência, enquanto revirava os olhos.

 - Nossa, como você é apressado. - reclamei. – só mais uns minutos.

 - Não existe nada de muito interessante que possa fazer aqui.

Desestimulou, com desânimo.

 Eu olhei em volta, esperando ter uma ideia inusitada de algo para fazer em que nunca havia pensado, só para que ele ficasse surpreso e parasse de desanimar a minha visita à torre Eiffel.

Foi então que vi um gato passando. Um gato adorável, de pelo curto exótico, e sem coleira, o que significava que deveria estar sem dono.

Me admirava que Anthony não tivesse nenhum animal de estimação, ele é tão fechado afetivamente, e geralmente pessoas dessa natureza sempre tem um bicho para se apegar.

 - Por que você não tem um bicho de estimação?

Perguntei.

 - Na verdade eu tenho. Hector, meu cavalo.

Ah, claro, o cavalo. Havia me esquecido de que precisava montar em um para jogar polo. Mas talvez tivesse lugar para mais um.

 - Em quanto à um bicho menor, que você possa ter dentro de casa?

Quis saber, sorrateiramente, enquanto me aproximava do gato. Anthony olhava para os lados com desinteresse, suspirando sem humor, e nem percebeu o que eu pretendia.

- Eu sempre quis ter um cachorro. – contou, ainda distraído. Peguei o gatinho no colo e o acariciei, conseguindo a confiança dele aos poucos. – Mas minha mãe é alérgica ao pelo.

 - Ah, mas existem tantos outros lugares que ele pode ficar, no seu quarto, no escritório... Ela não precisa necessariamente tê-lo por perto.

 - É, mas... – Anthony ia continuar, mas pairou quando me viu com o gato no colo e fez uma cara de desdém. – Ah não, Anna, nem pensar! Meus pais não iriam deixar, e eu disse um cachorro, não gosto de gatos.

- Por que não gosta de gatos?

Inquiri, decepcionada. Gatos são adoráveis, aquilo era como cometer um crime.

 - Gatos não são como cachorros, estão onde existe mais comida, e não necessariamente onde você está.

 - Bom, então acho que vocês têm muito em comum. – aleguei. – Você me disse que é movido por seus interesses, assim como eles. E também acho que os gatos são muito subjulgados, poderia dar uma chance, eles são muito fieis, é só entender eles.

 - Meus pais não iriam deixar, esquece.

 - Aaah... – me aproximei o enfrentando. – Então você me chama de “princesinha” e “certinha”, mas não tem coragem de esconder um bichinho dos seus pais?

Anthony arfou o ar, perdendo a paciência. Mas via que começava a ficar indeciso.

 - Vamos, - encorajei. – se não gostar dele, posso levar para a minha casa em Londres. Só uma semana.

Anthony ainda fitou o gato com certa desconfiança, olhou para os lados, inseguro. E em fim soltou o ar, vencido:

 - Tudo bem.

 - Eba!

Comemorei.

Fomos até o carro, para voltar para casa. E no caminho, eu tentava entretê-lo com o gato, empolgada:

 - Qual vai ser o nome dele?

 - Como sabe se é “ele”?

  - Eu já tive dois gatos, sei diferenciar. Eles faleceram, infelizmente.

 - Então por que não leva o “senhor felino” com você?

 - Por que eu estou convencida de que vou fazer você gostar dele. Esse vai ser meu desafio.

 - Argh... Não sei como se diverte tanto, tentando mudar meu conceito.

 - É que sinto que estou fazendo algo bom, para alguém que está na escuridão.

Dei risada da minha própria piada. Não era exatamente uma “escuridão”, mas a falta de sentimentos de Anthony era algo meio solitário. Podia ver que não era tão feliz quanto pensava, sendo como era.

Anthony balançou a cabeça e escondeu um sorriso.

 - Se o seu cavalo se chama “Hector”, você deve gostar dos nomes fortes, não é? Então... – comecei a pensar. – Que tal “Apolo”?

 - “Apolo”?

 - É. Se não gostar tem “Dionísio”, “Hércules”, “Poseidon”, “Thor”...

 - Apolo está bom.

Finalizou a minha lista, talvez na intenção de se livrar do meu falatório longo.

Estacionou na frente da casa, entregou a chave ao manobrista que levou o carro até a garagem. Entramos em casa e fomos até o escritório, onde Apolo poderia ficar por enquanto.

Coloquei ele no chão e pedi a Bernadette um pouco de leite numa tigela.

Anthony sentou no sofá, pesadamente, querendo relaxar.

Eu tinha que promover uma ligação entre ele e Apolo, então peguei ele do chão e coloquei-o no colo de Anthony. Que quando viu o que eu tinha feito, me encarou com certo desprezo.

 - Vai em frente. – sentei ao lado dele. – Dá um carinho nele.

- Não vou fazer isso se você manda. Faz parecer ridículo.

 - Tudo bem. Finja que não me ouviu.

Pausou por um segundo e em fim acariciou Apolo. Parece que no mesmo momento o gato gostou dele, começou a roçar-se na sua mão, pedindo por mais.

 - Own, ele gostou de você.

Anthony sorriu minimamente, e continuou o acariciando.

Ouvimos batida na porta. Fui atender Bernadette com a tigela de leite e colocar no chão para alimentar Apolo.

Anthony ficou o assistindo distraído. O que me deixou satisfeita.

 - Bom, parece que é isso, está tarde, então vou dormir.

Me despedi,  fui me levantar do sofá para sair do escritório, mas me surpreendi quando Anthony me segurou pela mão, me fez sentar de novo e olhar para ele.

Algo no rosto dele parecia ter mudado de alguma forma quando o encarei. Não tinha mais uma expressão fechada, parecia mais aberto. E suas órbitas pareciam penetrantes nas minhas. Me fez distrair-me por alguns minutos, os dois se entreolhando em silêncio até que em fim disse:

 - Boa noite.

Numa voz baixa, e no  mesmo momento, ele pareceu recuar, como se tivesse de repente assustado com sua estagnação durantes aqueles instantes, me fitando calado, levantou do sofá no mesmo minuto, desviando o olhar, desconcertado e saindo um pouco tenso, tão rápido que fechou a porta e ali fiquei.

Nem tive a oportunidade de retribuir o “boa noite” que me desejou.


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Notas finais do capítulo

E aí??? Merece um review? Não passem despercebidos, por favor u.u
Até o próximo. Muita coisa está por vir kkkkk
Beijocas, Anonymous girl writer s2.



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