Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 2
Capítulo 02




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Capítulo 02 - Infância

  No dia seguinte, João fez sua prova sem o mínimo de vontade. Não que estivesse preocupado com as notas e muito menos por que não havia estudado. Ele simplesmente não queria estar ali. Todas aquelas questões, das quais ele sabia a maioria, não significavam nada. Não conseguia sequer sentir a alegria de ter ido bem em um exame. Queria tanto sumir dali, descobrir algo novo. Mas, por hora, não havia muita escolha. Após entregar a folha de seu exame, ele saiu calado da sala, com a intenção de comer alguma coisa e voltar para casa. No entanto, alguém chama sua atenção.

- Ei, João! - gritou um rapaz meio barbudo, cabelos pretos, olhar empolgado e camiseta de banda. Era um colega da turma de João, calouro assim como ele. Tinha voz animada, gestos empolgados e uma enorme facilidade para fazer amizade com as pessoas. João virou-se lentamente e cumprimentou o colega de maneira cordial. 

- Renan - disse João - Como vai?

- Muito bem. E você?

- Também - respondeu João. Dizer que vai bem é a mentira mais contada da humanidade. Era um hábito responder que estava bem, mesmo quando se queria mudar totalmente sua vida.

- Beleza - falou Renan, não perdendo tempo e entregando um pequeno pedaço de papel para João. Era o convite para algum tipo de evento.

- O que é isso? - perguntou João.

- É uma festa que vai rolar na Hottest esse fim de semana. Minha banda vai tocar lá. Se puder dar uma passadinha lá..

- Valeu - foi tudo que João respondeu antes de sair de cena. 

 Após andar um pouco e vendo Renan distribuindo panfletos há uma distância razoável, o ímpeto natural de João, ou seja, jogar o papel fora foi interrompido por alguma vontade estranha. Por algum motivo, ele olhou para a propaganda, viu a foto de Renan com sua banda de rock alternativo ou algo assim. Ele era o vocalista e pelas conversar que podia ouvir dele, João sabia que Renan tinha um grande sonho. O sonho de se tornar um grande astro da música. Música. Uma área difícil, que exige dedicação e treino. Era muito difícil seguir uma carreira dessas, mas João não estava atento para o talento do colega. O que chamou sua atenção foi o fato de Renan ter um sonho. Um sonho. Era isso que João invejava.

  Apesar de não ter muita amizade com esse Renan (aliás, João ainda não tinha amizade com praticamente ninguém daquela turma), João ponderou por alguns instantes e decidiu programar seu fim de semana para ir naquela festa. Mesmo sendo uma pessoa introvertida e quieta, mas talvez ver a paixão de Renan pela música pudesse animá-lo. Ou mesmo passar por uma experiência diferente. Quem sabe?

  Ainda era quarta-feira. O fim de semana demoraria para chegar e até lá João precisaria continuar empurrando seu curso com a barriga. Precisava entregar um relatório de física no dia seguinte, relatório que ele não estava com a mínima vontade de fazer. Depois do almoço no restaurante universitário, o jovem pegou seu caminho mais uma vez e, mais uma vez, resolveu passar na lanchonete do dia anterior. Será que encontraria aquele velhinho de novo? Quem sabe. Mas, por acaso ou destino, ele se deparou com o senhorzinho, que, mais uma vez, tomava bons goles de água vestindo suas roupas velhas de pedreiro.

- Opa - cumprimentou João.

- Opa - cumprimentou o velhinho - E aí? Passando por aqui de novo?

- É. Gostei desse novo caminho, eu acho - disse João, pedindo mais uma garrafa de água e sentando-se ao lado dele.

- Senta aí - falou o velhinho - Aproveita pra descansar um pouco. Hehe!

- Obrigado - disse ele, abrindo sua garrafa.

- Estudando muito? - perguntou o pedreiro.

- Não tanto quanto deveria, mas estou me esforçando - falou João - Ainda não sei bem se estou no caminho certo...

- É o que eu falei ontem...o importante é fazer o que se gosta, né?

 O que se gosta. O problema é que João não havia ainda encontrado uma paixão de verdade na vida. Algo que o motivasse a levantar cedo e encarar o dia de trabalho. Não era tão fácil quanto parecia.

- É...concordo - disse João, embora sem muita firmeza.

- A obra onde tô trabalhando tá quase pronta - disse o velhinho, talvez mudando de assunto agora - Falta pouquinho, pouquinho pra acabar.

- Sério? Que bom.

- É...depois que pegar o resto do meu pagamento, vou tirar umas boas férias. Descansar um pouco...e depois voltar arranjar outra coisa pra voltar pro batente.

- O senhor tem mesmo ânimo pra trabalhar, né?

- Claro, rapaz. Enquanto Deus me der forças pra trabalhar, vou trabalhando. Hehe.

 João sorriu. A satisfação no rosto daquele homem era evidente. Era mais um motivo de inveja para o rapaz. Como ele queria achar algo para realizá-lo também. Ou pelo menos ter uma pista, uma simples pista sobre o que fazer. Mas eram tantas opções e tantas coisas que ele já pensou em fazer ou deixar de fazer. Mas não conseguia se decidir por nenhuma. Não sentia nenhum entusiasmo forte por nenhuma daquelas muitas carreiras que eram apresentadas. Talvez houvesse uma profissão a ser inventada, mas qual? Ou será que João é quem precisava estudar mais? Ele já revirou vários guias, cursos, mas não tinha nada, nada que o entusiasmasse a ponto de dedicar a vida aquilo. Queria tanto ter a satisfação daquele senhor...

- Bom, eu vou indo - disse João - Foi um prazer conversar com o senhor.

- Opa. Se passar por aqui nesse horário, quase sempre tô por aqui - disse o velhinho.

- Qual o seu nome?

- José - respondeu ele - E o seu?

- João - disse o rapaz. João e José. Dois nomes absolutamente comuns. João nunca parou pra pensar em quantos Joãos e Josés haviam no mundo. Sabia que eram muitos. E ele era mais um João no meio de tantos. Mas o que são nomes? Seja João ou qualquer outro nome...cada um é apenas um no meio de muitos. Cada um possuí sua própria história e seu próprio caminho. Será que João tinha um caminho destinado a ele? Haveria destino ou tudo era produto de escolhas? Escolher era tão difícil.

  Enquanto voltava para casa, João viu um parquinho ao qual ele não atentara na primeira vez que tomou aquele caminho. Sentou-se em um dos bancos e olhou para o balanço. O balanço era o seu brinquedo de parquinho preferido quando criança. Seus pais não o levavam muito para sair. João sempre foi uma criança meio solitária, mas o balanço era seu predileto. Ir e voltar, como se fosse subir para o infinito. A sensação mágica que só as crianças sentem. Naquele momento, ele teve vontade de sentar naquele balanço e tentar relembrar aqueles dias. Não o faria por dois motivos: seria constrangedor e, talvez, a vida adulta tivesse tirado o brilho daquela ação tão simples. Crescer. Crescer sempre estraga tudo. João tinha boas lembranças da infância. Ele fechou os olhos e tentou se lembrar o quanto brincar sem preocupações era bom. Quando poderia pensar que um dia teria que carregar tantas responsabilidades? Triste. 

 Seus devaneios foram interrompidos por uma bola que chegou aos pés de João. Ele abriu os olhos e viu um garotinho moreno, cabelos crespos, de bermuda e chinelos. A típica figura de uma criança brincalhona, a mesma figura que João sentia falta. 

- Ei, chuta pra cá - disse o garotinho - Eu tô treinando!

 João pegou a bola com as mãos para devolver, mas o garotinho insistiu.

- Isso é bola de futebol. Vai, chuta!

- Eu...não sou muito bom de futebol - falou o jovem.

- E daí? É só chutar - disse ele - Essa bola não se joga com as mãos.

 João o fez, de forma desajeitada. O molequinho matou a bola no peito e chutou na direção da grade do parquinho, onde duas latas colocadas abaixo pareciam marcar um gol.

- Aeeeeeh! Goool! - gritou ele.

- Não tem ninguém pra jogar com você? - perguntou João.

- Até tinha, mas eles quiseram empinar pipa na outra quadra - falou o garoto - Eu preferi ficar aqui e treinar uns chutes. Quero ser um jogador profissional!

- Sério? Legal - disse João.

- Hehe! Cê vai ver! Eu vou tá na seleção logo, logo - disse o garoto, com um enorme sorriso no rosto. João sorriu levemente também, se despediu e deixou o menino continuar seu treinamento. Crianças. Crianças combinam com sonhos. Mais uma vez, um sentimento desconfortável entrou no coração de João. Crianças possuíam uma facilidade enorme para sonhar. Era fácil para uma criança se imaginar como um pirata, um astronauta, um jogador de futebol ou de basquete, um ninja ou um cavaleiro. Toda criança sempre quer se tornar um profissional excepcional. João puxou pela memória e se lembrou que já pensou em ser desenhista. Isso até um de seus colegas de sala pegar um de seus desenhos e ridicularizá-lo, dizendo que estava uma droga, ou alguma palavra mais forte. Esse episódio marcou João e ele não se dedicou mais ao desenho. E mesmo nas vezes que cogitou voltar a esse devaneio de criança, viu que não era tão fácil assim trabalhar nessa área profissionalmente, ainda mais em um país onde a arte não é tão valorizada. Havia perdido a mão e o prazer para desenhar. Perdera esse sonho.

"Talvez", pensou João, "Talvez seja melhor continuar nesse curso de Engenharia e trabalhar no que aparecer".

  Quando começamos a vida, temos um mar de possibilidades ao nosso redor. Mas, com o passar do tempo, ou essas possibilidades vão diminuindo ou percebemos que muitas delas eram muita areia para o nosso caminhão. "Aquele garoto quer ser um jogador agora", pensou o rapaz, "Mas amanhã ele poderá mudar de ideia...e escolher uma carreira comum como médico ou advogado. E só se lembrar com saudade dos seus tempo de infância, de quando queria ser jogador."

  Quando nós paramos de sonhar? Quando nos damos conta de que é preciso parar o elevador e descer no andar abaixo de onde queríamos chegar? Quem nos obriga a descer no quinto andar quando queremos chegar no vigésimo? Seria a vida? Ou seríamos nós mesmos, que olhamos para cima e achamos que esse elevador vai demorar muito? 

 Apesar do pensamento pessimista que teve há poucos instantes, João repensou e ponderou sobre retomar um sonho. Ele interrompeu seu relatório de física para tentar desenhar alguma coisa. Saiu algo horrível, como esperado de alguém sem treino. Mas quem sabe com treino? Infelizmente, seu relatório era algo urgente. A vida não te dá muito tempo para sonhar depois que você cresce...ou talvez ela sempre te permita sonhar, mas você acha que é coisa de criança. João não sabia. Só sabia que precisava terminar aquela droga de relatório para o dia seguinte.


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Notas finais do capítulo

Volto a reforçar que essa não é uma história de muita ação ou reviravoltas. A tendência é seguir esse ritmo suave, mas como já dito antes, dessa vez não será uma história longa.
Até o próximo.



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